terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O princípio das nacionalidades (ii)

Escrito por Miguel Bruno Duarte







Depois, há ainda a questão da singularidade de um povo, de uma cultura ou de uma filosofia como a tipicamente portuguesa. E tal significa que os Portugueses se podem eleger a si próprios numa dinâmica de transcensão épica e ecuménica. Daí nas palavras de Álvaro Ribeiro:

«De acordo com a doutrinação da Renascença Portuguesa parece de admitir como homem superior, ou como povo superior, aquele que pretende superar a condição humana. Esta é, aliás, a noção do espírito épico. Tal verdade adquire diferentes expressões conforme as sucessivas épocas e os respectivos sistemas filosóficos, e o seu enunciado não contradiz, antes confirma, os princípios explicativos e justificativos da religião. Sem recorrer à hipótese, aliás largamente defensável, de que na Península Ibérica, ou mais restritamente na Lusitânia, residiu e viveu um povo agraciado de luzes ou faculdades superiores, povo que conseguiu agregar e congregar numa só unidade política as desvairadas gentes que provieram de terras distantes, reconheceremos todavia que o homem português, desde o escol à plebe, ficará assinalado na história por um notável esforço de superação heróica. Parece relativamente fácil acumular as provas monumentais ou documentais dessa gesta grandiosa, e não faltam livros de erudição que assim interpretem os textos literários, jurídicos e religiosos da nossa cultura. Merece especial referência, nesta ocasião memorável, a polémica ainda não concluída acerca das causas dos descobrimentos e da colonização portuguesa. O que se nos afigura de mais difícil alcance é o conceito para que convergem, ou a ideia em que se transcendem, tantos valiosos ensinamentos. Aqui se situa e enuncia o problema da filosofia portuguesa» (in «O Homem Português», p. 302).

Por outro lado, também nos é dado verificar o repúdio muitas vezes manifestado perante o fenómeno nacionalista, como por exemplo em Francisco Moraes Sarmento:

«O patriotismo caiu em “desuso” e quando, de raro em raro, adquire alguma expressão logo se diminui num sentimento que depressa resulta na utopia da ideologia nacionalista. A ideologia, simulacro do pensamento, prefere a praxis à ideia filosófica. Aquele mínimo pensamento é incompreensivo da Pátria, pois sem filosofia não existe ideal» (cf. Editorial in Leonardo, Ano I, n.º 4, Dezembro de 1988).

Trata-se, pois, de uma interpretação claramente medíocre, até porque o nacionalismo português não se limitou a perfilhar e a adoptar, «primeiro, a figura positivista da lei dos três estados proposta por Augusto Comte e, depois, as teses socialistas que vieram a arquitectar as tendências nacional-socialista e nacional-sindicalista, entre outras» (cf. Editorial in Leonardo, Ano I, n.º 3, Outubro de 1988). Caso contrário, como explicar o nacionalismo poético e filosófico de um Pascoaes, de um Leonardo e de um Fernando Pessoa, quando não mesmo o nacionalismo místico e ecuménico de um Agostinho da Silva, para quem Portugal é um dos nomes de Deus?



Agostinho da Silva



Todavia, convém notar que a mentalidade actual parece repudiar o nacionalismo, inclusive aquele que, no dizer de Álvaro Ribeiro, «resida no conceito e esteja garantido pela ideia». De resto, há também o reverso da moeda conforme esclarece Olavo de Carvalho:

«É patético observar como, já em plena fase de implantação do governo mundial, os analistas políticos, na universidade ou na mídia, continuam oferecendo ao público análises baseadas nos velhos conceitos de "Estado nacional", "poder nacional", "relações internacionais", "livre comércio", "democracia", "imperialismo", "luta de classes", "conflitos étnicos" etc., quando é claro que nada disso tem grande relação com os fatos do mundo atual» (in Armas da Liberdade).

Porém, tanto no plano dos princípios filosóficos como no da realidade vivida, continuaremos, ainda que orgulhosamente sós, firmados na razão de ser do princípio das nacionalidades. E por nele também fazermos fé, deixemos uma palavra de esperança fazendo nossas as palavras inspiradoras do Poeta do Verbo Ser e Verbo Amar:



Ó Povo Brasileiro,
O Povo Português que fala em mim
Por mim te diz:

Amemo-nos assim,
De soldado a soldado, irmão a irmão,
De Poeta a Santo. E vamos, par a par,
Brandindo as almas, ameigando a mão,
Buscar à Vida o seu cristão sorriso,
A rezar, a cantar, a batalhar,
Se o batalhar inda nos for preciso!

Qual de nós o do fim?!
Qual de nós o primeiro?!

Não tem a Águia duas asas? Sim!

– O que importa é voar! voar! voar...

Quando a Águia poisar
Nos píncaros da Estrela
Ou da Serra do Mar,
Acaso esta asa inquirá daquela
Qual primeiro das duas a chegar?
Qual primeiro das duas a partir?

– O que importa é voar!
O que importa é subir!

António Correia de Oliveira
Pátria Nossa, Pátria Vossa



NRP Sagres III



Cristo Redentor (Rio de Janeiro).


Nenhum comentário:

Postar um comentário