quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Contos Proibidos: Memórias de um PS Desconhecido (iii)

Excertos coligidos por Miguel Bruno Duarte








Empresas e fundações partidárias


- Foram entretanto criadas as primeiras fundações de natureza político-económica visadas pelo PS e tendo como primeiro fundador Mário Soares. A ingerência na vida portuguesa, por via de tais fundações, veio sobretudo da República Federal da Alemanha e dos Estados Unidos. Sobre o processo, explica Rui Mateus: «Os enormes fundos das fundações políticas alemãs, ligadas aos partidos Social-Democrata, Democrata-Cristão e Liberal, eram postos à disposição destas pelo Estado alemão para garantir, no estrangeiro, a abertura de portas aos interesses daquele país. (…) No caso português houve sempre fundações para as diferentes alternativas: a Friedrich Ebert ligada ao PS, a Konrad Adenauer ao CDS e a Friedrich Naumann ao PSD...» (pp. 148-49). Ora, entre as fundações que, em Portugal, se mostraram ao serviço do socialismo internacional, temos por exemplo:

1. A Fundação José Fontana «constituída em Outubro de 1977, por vinte e cinco fundadores com um capital inicial de mil contos. Dirigida por Maldonado Gonelha viria a movimentar algumas centenas de milhares de contos, oriundos principalmente da Alemanha, mas também da Suécia, da Noruega e dos Estados Unidos». Na sua origem estaria «desde logo (…) o movimento sindical em mente» (p. 149), quer através do apoio alemão e escandinavo, quer através dos apoios da central sindical norte-americana, AFL/CIO (p. 151). Os apoios desta última seriam, aliás, coordenados por Irving Brown e Michael Boggs, os quais, «conotados com as actividades dos serviços secretos americanos», já «tinham estado em Portugal em 1975», recomendando, inclusive, «nos EUA apoio à constituição de uma confederação sindical alternativa» (p. 149). Assim, ao contrário dos países comunistas do leste europeu, onde o sindicalismo, coincidindo com o socialismo, destrói o «patronato» com o fim de abolir a propriedade, o sindicalismo de inspiração norte-americana, adentrando-se no regime da economia de mercado e do livre sistema de concorrência, surge como o «principal factor e sustentáculo do capitalismo (que é a degradação da economia de mercado em plutocracia)», e, portanto, permeável a um gangsterianismo legalizado (cf. «Descrição do que é o sindicalismo exposta na forma de seis silogismos que só enunciam o que é essencial», in Escola Formal, n.º 6, Jun. 1978, pp. 17-18). Em suma: a partir de Maio de 1977, «a Fundação José Fontana passaria a ser o embrião da União Geral de Trabalhadores, que teria o seu primeiro Congresso na cidade do Porto, em Janeiro de 1979» (p. 149). Foi «extinta» em Junho de 2008.






2. «A Fundação Antero de Quental, Centro de Estudos Municipais e de Acção Regional seria constituída em Fevereiro de 1978, por dezoito fundadores e com um capital inicial de quinhentos contos. A partir desta fundação, que teve como primeiros presidentes, sucessivamente, Jorge Campinos, José Manuel Duarte e António Sousa Gomes, seria definida toda a estratégia eleitoral autárquica do Partido Socialista» (p. 150). Fora também «extinta» em Junho de 2008, dando lugar à Fundação República, cujo reconhecimento se deu, entretanto, a 22 de Outubro de 2009. Ainda assim, convém saber que o seu activismo esquerdista apoia-se em três estruturas basilares: o centro José Fontana, o centro Antero de Quental e o instituto de estudos políticos, todos eles, respectivamente, aptos a garantir a continuidade ditatorial do poder socialista a nível sindical, local e cultural.

3. «A Fundação Azedo Gneco dirigiu-se, segundo critérios traçados pela experiência alemã, para o apoio ao cooperativismo e seria dirigida por Eduardo Pereira. Revelar-se-ia um fracasso no quadro das actividades do Partido e a sua sede, na Rua do Salitre, acabaria por transitar para a Juventude Socialista» (p. 150), se bem que, numa outra passagem, se diga ter a Fundação diluído «numa empresa de serviços», ao que parece «co-participada pela Fundação Friedrich Ebert, de nome "Consera"» (p. 211).

4. «A quarta fundação era o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, menina dos olhos de ouro de Salgado Zenha... A sua primeira directora seria Teresa Ambrósio e, a partir de 1979, seria o refúgio do chamado "ex-secretariado" do PS, chegando mesmo a criar divisões internas na própria "Fundação Ebert" entre o seu secretário-geral, Gunter Grunwald, que apoiaria Mário Soares e o seu vice-presidente, Horst Heiderman, que apoiaria aquele grupo. Para que se tenha uma ideia, o financiamento da Fundação Friedrich Ebert a estas quatro instituições, só no ano de 1979, seria de 8 880 contos para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento (IDP), 13 800 contos para a Fundação Azedo Gneco, 10.000 contos para a Fundação Antero de Quental e 45. 400 contos para a José Fontana [etc.]» (p. 150).

Fundação Mário Soares

5. A «fundação das fundações», isto é, a Fundação de Relações Internacionais, surgiu, por escritura notarial, em Janeiro de 1981 (p. 192). Tendo como presidente Mário Soares, visava a projecção do PS «em matéria de América Latina e de política internacional». «Seria lançada como refúgio seguro e poderoso para a reemerção de Mário Soares e da sua moção antieanista "Um Novo Rumo para o Partido Socialista" e, se na pior das hipóteses ele saísse de novo derrotado, seria a base natural para prosseguir as suas actividades políticas» (p. 197). Enfim, «uma espécie de Fundação Ebert portuguesa para o futuro», ainda que, como assevera Mateus, não contando com os meios financeiros da Europa central e nórdica que começava a discordar das opções do PS em matéria de política externa. Porém, contaria certamente com o apoio financeiro americano [com vista a África – Mocambique e Cabo Verde sobretudo (p. 250)], para o qual Carlucci, recebendo Mateus e Bernardino Gomes no seu escritório em Langley, seria o destacado e indispensável intermediário (pp. 197-98). De resto, «a Fundação de Relações Internacionais, que fora nos últimos anos o refúgio político de Mário Soares, passaria a ser dispensável com a criação [ a 12 de Setembro de 1991] da Fundação Mário Soares, então já na forja entre os seus novos colaboradores» (p. 318). Por outras palavras, esta última fundação constitui o exemplo sui generis de como se implementa, sob uma aparência democrática, o socialismo cultural e plutocrático do nosso tempo. Basta, para o efeito, ver como, através dela, se logra branquear, em estreita ligação com as instituições universitárias, as reais e comprometedoras dimensões nacionais e internacionais da implementação do comunismo no 25 de Abril de 1974. E veja-se também como através da «digitalização e da divulgação de diversos acervos documentais e fotográficos», se opera o revisionismo ideológico praticado em nome da «preservação e conhecimento da memória comum dos países da Lusofonia», bem como se recrutam, mediante a concessão de bolsas de estudo e da instituição de um prémio no valor de 5.000,00 euros, os mercenários universitários dispostos a contribuir, com suas «dissertações académicas», para o estudo da suposta realidade histórica portuguesa no século XX (cf. Regulamento do Prémio Mário Soares, art. 8º). Além disso, não deixa de ser curioso, mas deveras ilustrativo, o facto de já Álvaro Ribeiro, em carta datada de 1950 para o companheiro e amigo José Marinho, ter escrito o seguinte: «Todas as gerações anteriores à nossa, depois do liberalismo, venceram na medida em que utilizaram a alta vulgarização. Hoje, como se prova com a geração marxista, estão vencendo os que por processos de divulgação estudam os escritores do século passado. Veja o livro de Mário Soares sobre Teófilo Braga, mas repare principalmente no prefácio de Magalhães Godinho». Ora, a verdade é que não só estavam vencendo como acabaram por vencer mediante meios técnicos e tecnológicos de que o próprio Álvaro Ribeiro nem sequer fazia, porventura, a mínima ideia do que poderiam vir a ser num futuro relativamente próximo. Como tal, voltando às actividades político-culturais da Fundação de Relações Internacionais, convém registar as seguintes:

a) «... a conferência conjunta com a Universidade Internacional de Espanha em 1982 ou com o Herald Tribune em 1983, que (…) seriam financiadas pela Emaudio» (p. 370).

b) «... o International Leadership Forum em colaboração com o Centro de Estudos Estratégicos Internacionais de Washington em 1988 e a Wheatland Conference on Literature que teria lugar no Palácio de Queluz no mesmo ano em colaboração com a Wheatland Foundation da proeminente família Getty dos EUA», na qual participariam, entre os maiores nomes da literatura mundial, Virgílio Ferreira e Cardoso Pires (p. 370).

c) «Entre outras iniciativas totalmente financiadas pela FRI contar-se-iam igualmente as conferências inseridas no "Balanço do Século" que o próprio Presidente da República [Mário Soares] também patrocinaria, com o seu nome, em 1987 e 1988», e nas quais, aliás, participaria Karl Popper. «E, na sequência das conferências para o "Balanço do Século" estava também previsto o lançamento das «Conferências de Sintra. (…) Só esta iniciativa iria custar umas largas dezenas de milhar de contos para criar um secretariado permanente e organizar as primeiras conferências com participantes de grande relevo mundial. Mas uma vez estabelecida, à semelhança do que acontece com as "Conferências de Bilderberg" e a "Trilateral", o prestígio internacional adquirido acabaria por a tornar auto-suficiente. A FRI financiara o MASP em 1986 e a CEIG, com mais de oitenta mil contos e era credor de milhares de contos do PS, segundo constava da contabilidade daquele partido» (p. 370).


6. A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, constituída com «o Decreto-Lei 169/85 de 20 de Maio». Fora um projecto «iniciado pelo então primeiro-ministro Pinto Balsemão» (p. 269), e que desde logo implicava «evitar que o Ministério dos Negócios Estrangeiros controlasse o projecto». De facto, aparentemente autónoma no sentido de ajudar a desenvolver as relações luso-americanas, a FLAD resultava, antes de mais, numa organização pronta «a sintonizar as suas acções com o esforço governamental» (p. 270). «Em 1985 a FLAD receberia cerca de 40 milhões de dólares e praticamente outro tanto no ano seguinte. Em meados de 1988, em dotações e rendimento obtido das suas aplicações, tinha bens superiores a cem milhões de dólares ou, na altura, mais de oito milhões de contos». Nisto, o inevitável conflito de interesses, com sua origem na «total governamentalização possidónica sem qualquer redução das despesas e, pior ainda, [n]a partidarização completa da FLAD», levaria a uma crescente incompatibilidade entre o Governo dos EUA e os orgãos directivos e administrativos da FLAD (pp. 273-74). Mas fiquemos, para o efeito, com mais um testemunho do ex-embaixador de Portugal em Washington, João Hall Themido: «o projecto não teve a amplitude desejada por culpa do Congresso americano que tomou medidas prejudiciais aos pagamentos acordados. Mas essa circunstância não impediu que sectores americanos tivessem discordado das soluções adoptadas entre nós. Para esses críticos, Portugal, dentro de uma orientação terceiro-mundista, investiu parte dos fundos recebidos em instalações sumptuosas e na aquisição de obras de arte, criando além disso compromissos exagerados com despesas administrativas e deixando a ideia de a Fundação ser usada para compensar políticos amigos com excelentes sinecuras» (pp. 274-75).

Depois, registe-se ainda o lançamento de «empresas partidárias» segundo linhas de rumo encarregues a Bernardino Gomes, Fernando Barroso e Menano do Amaral, em que o primeiro teria recomendado, em 1981, «"a criação de uma ou mais empresas, ligadas indirectamente ao Partido Socialista, que actuassem em diferentes áreas económicas... com o objectivo de encontrar a médio prazo financiamentos capazes de garantir uma vida económica sã ao Partido Socialista"» (p. 211). Deste modo, como resultado do conúbio entre interesses públicos e particulares, «seria constituída em Dezembro de 1981 a empresa «Parsogal» com um capital de 3 mil contos...», da qual «sairia em meados de 1982 a "Ciporgal" com um capital de mil e quinhentos contos...» (pp. 211-212). «Como se pode facilmente imaginar, todo o capital da Parsogal estaria destinado a representar os interesses do PS e o próprio nome da empresa seria uma clara referência à ligação com o Partido Socialista. «A Ciporgal ["segundo um manuscrito (...) empresarial do PS"] nasceu como um projecto empresarial da Fundação de Relações Internacionais com o objectivo de garantir a independência económica futura a esta instituição» e «poder-se-á pensar como objectivos iniciais, o financiamento da FRI a partir de 1984 e de actividades políticas de grande envergadura em 1985». Estas actividades de grande envergadura, em 1985, referiam-se à campanha eleitoral de Mário Soares para a Presidência da República, tendo sido postos à disposição destes projectos cem mil dólares, o que equivalia, em 1982, a 8 milhões e quatrocentos mil escudos (p. 212). Enfim, tudo disposto para que o Partido Socialista se estruturasse como «uma máquina de promoção pessoal» de Mário Soares (p. 229), ou ainda, na expressão de Rui Mateus, numa «"empresa" dele» (p. 238).


Plutocracia


Neste ponto, é de salientar a permanência do jogo sem regras de «notórios argentários hipoteticamente plutocratas» com os políticos e os grandes burgueses da revolução comunista de 74, tais como, entre o peixe graúdo, Mário Soares (o qual, no seu Portugal: Que Revolução, «confessaria a Dominique Pouchin ter sido um «enfant gaté»», in Mateus, p. 110), Álvaro Cunhal e Sá Carneiro, e, «entre o peixe miúdo, a interminável lista dos Teotónios Pereiras, Franciscos Balsemão, Galvões Teles, Rebelos de Sousa, Afonsos de Barros, Veigas Simão que passaram, sem sobressalto, dos seus privilégios da sociedade da ditadura para iguais privilégios na sociedade da democracia» (cf. Ernesto Palma, O Plutocrata, Edições Ledo, 1996, pp. 10-11 e 13). E de facto, descreve ainda «Ernesto Palma alguns casos ou exemplos deste jogo: o dos Mellos e M. Bullosa com Mário Soares, o do mesmo M. Bullosa com os “capitães de Abril”, o de Champalimaud com Salgado Zenha e o Marechal Spínola, o da alta finança internacional (Nelson Rockefeller, Edmundo Rothschild entre outros) reunida na Suiça para lançar a revolução socialista em Portugal». Mas não só Ernesto Palma, pois Rui Mateus, referindo «a primeira reunião da Internacional Socialista no Brasil», também descreve o encontro que, no Rio de Janeiro, teria lugar no iate de Manuel Bullosa, «grande empresário português expropriado pela "Revolução dos Cravos"», com Mário Soares e «a sua delegação à reunião da IS» (pp. 252-253), a par de outros convidados como dois dos «ex-colaboradores da banca portuguesa» («Raúl Capela, então do Banco Tota e Alfonso Finnociaro, do BPA em Nova Iorque») ou o ministro português da Cultura:

Praia de Botafogo (Rio de Janeiro).

«E assim ficaria a saber pela primeira vez que Mário Soares tinha trabalhado para Manuel Bullosa durante o seu exílio em França. Durante a agradável conversa, com o Rio de Janeiro como pano de fundo, foi revivido um pouco o passado, tendo Manuel Bullosa contado que depois de "ajudar" Soares, tinha sido duramente recriminado pelo presidente do Conselho, Marcello Caetano, a quem ele responderia que era um homem de negócios e não um político e, como tal, achava por bem dar-se com o governo e com a oposição. Caetano ter-lhe-ia respondido que Soares não era oposição mas um traidor exilado, ao que o empresário comentaria mais ou menos com as palavras de que "fazia desejos para que o senhor professor nunca viesse a ter que conhecer o exílio, mas se isso acontecesse que teria o maior gosto em poder ajudá-lo também". Manuel Bullosa, no entanto, não morria exactamente de amores pelo líder socialista, a quem criticaria a atitude tomada durante as nacionalizações. Apesar dos protestos de "não diga isso senhor Manuel Bullosa", este nunca se conformaria com a forma como os seus bens (…) tinham sido nacionalizados e numa carta que me enviaria pouco depois (…), manteria essa amargura e crítica velada a Mário Soares» (pp. 254-255).

Por outro lado, há ainda o caso do «incrível senhor Maxwell», um magnata inglês que ficara «conhecido como um dos grandes vigaristas internacionais por, alegadamente, ter feito desaparecer centenas de milhões de libras do Fundo de Pensões dos seus empregados...» (pp. 294 e 310). Chegou a ser «o preferido para associação com o grupo "soarista"», tal como se pode depreender do relato de Rui Mateus que, ao entrar, «às 16h do dia 20 de Abril (…) no gabinete do Presidente da República» [Mário Soares] no Palácio de Belém, dera «com ambos em amena cavaqueira em francês, a fumar "puros" cubanos» (p. 294). Pudera!... pois como diria Maxwell, «tinha disponibilidades de mil milhões de dólares que pretendia em grande parte investir em Portugal» (p. 297), chegando, pois, a fazê-lo ao associar-se ao projecto Emaudio, projecto esse entretanto «lançado e apadrinhado por Mário Soares», ao ponto mesmo de o referido plutocrata ter, «com pompa e circunstância», assinado «frente às câmaras da RTP um acordo» com os socialistas envolvidos, entre os quais estaria Rui Mateus (p. 301). Note-se que a Emaudio (Sociedade de Empreendimentos Audio Visuais) fora constituída no dia 18 de Março de 1987 na Fundação de Relações Internacionais, para ir «ao encontro dos acordos» que estavam em vias de se concretizar «com a News International de Rupert Murdoch» (p. 296). E tudo sem não antes ter Frank Carlucci, o mesmo que já apoiara «o lançamento de A Luta quer a aquisição do edifício da CEIG em 1975», sugerido, aquando da sua «transição da Sears World Trade para o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca», a mencionada participação de Rupert Murdoch que, depois de inúmeras visitas dos seus colaboradores a Portugal, viria «de Los Angeles no seu avião particular» a Lisboa «munido de um memorando em que se podia ler Portuguese Project/Strictly Confidential». Mas fiquemos, uma vez mais, com o testemunho de Rui Mateus:

Frank Carlucci

«A sua leitura, para além dos vários cenários de investimento, não oferecia qualquer dúvida quanto à paternidade da Emaudio. "A News Corporation tem a oportunidade de investir num número de empresas de comunicação social em Portugal, nas ex-colónias portuguesas de Macau, Angola e Moçambique e no Brasil estando 'um grupo de amigos íntimos e apoiantes do presidente Soares' disposto a colaborar com Murdoch 'através de uma nova companhia (a estabelecer em Portugal) – a 'Atlantic Media Investments'. Esta seria um 'joint venture' entre a 'News Corporation' (ou uma das suas subsidiárias) e o grupo dos apoiantes de Soares sob os auspícios da Fundação de Relações Internacionais (FRI), uma organização sem fins lucrativos próxima do presidente Mário Soares. Uma nova empresa chamada Emaudio, está em vias de constituição pelos apoiantes de Soares para através dela fazerem os seus investimentos", sendo o principal objectivo "maximalizar o lucro de cada um dos seus investimentos" e "garantir o controlo de interesses na comunicação social favoráveis ao presidente Soares e, assumimos, apoiar a sua reeleição em 1991". Quando chegou ao Palácio de Belém teria um encontro a sós com Mário Soares e comigo e, antes do jantar, para o qual o presidente convidara outras pessoas da área da comunicação social, como Francisco Balsemão, Daniel Proença de Carvalho e Magalhães Crespo» (pp. 292-293).

Enfim, era, no fundo, «o velho sonho socialista para a comunicação social que estava em marcha e seria irresistível» (p. 297). Nele estivera também interessado Silvio Berlusconi «que conhecia muito bem a importância de contactos nos centros de poder e logo (…) disse estar disposto a associar-se ao grupo "soarista", para o que contribuiria com um pequeno filme publicitário que depois seria apresentado na Comissão da Comunicação Social da Assembleia da República. Ao ex-ministro das Finanças do I Governo Constitucional, Henrique Medina Carreira, seria encomendada a elaboração do primeiro projecto de contrato-promessa de sociedade com Berlusconi e o primeiro projecto de estatutos da sociedade anónima que deveria ter dez accionistas». Contudo, surgiria um problema, pois Berlusconi «estava interessado em juntar-se (…) na expectativa de concorrer à concessão de um canal de televisão mas, para além disso, pouco mais. Nada de jornais. Ora, o (…) projecto assentava no arranque imediato do aproveitamento da CEIG e no seu desdobramento numa empresa privada que imprimisse e publicasse jornais» (p. 291). Além disso, outras figuras estiveram igualmente ligadas, entre elas Almeida Santos, mediante a sua empresa – Interfina – (p. 314), o empresário português Elídio Pinho, através de sua empresa – Colep Financeira – (Elídio Pinho receberia do «capitão Bob» – o apelido jocoso de Maxwell – «dez milhões de libras do Fundo de Pensões da MCC para investimentos na bolsa de valores em Portugal», mas entretanto “desviados”, com perdas consideráveis, para a sua empresa Cabelte – pp. 298-299), Ângelo Correia do PSD (pp. 298-299), bem como, por fim, o magnata chinês Stanley Ho, «principal empresário e "dono" dos jogos de azar em Macau» (p. 304), que, ao manifestar a intenção de investir na Emaudio, apelidava, sintomaticamente, Mário Soares de boss (p. 314). Porém, este, «em declínio de popularidade», já de si compreensível pela complexa rede de negócios públicos e privados em que estava profundamente envolvido, «acusaria então a administração da Emaudio», exigindo que Mateus «lhe entregasse as sessenta mil acções da Fundação de Relações Internacionais e das quais, por sua própria sugestão, (…) [Mateus] era fiel depositário, enquanto presidente daquele instituto» (p. 317). Deste modo, Soares, pretendendo alterar o projecto Emaudio, projecto esse em concorrência com a SIC do proprietário do Expresso, Francisco Pinto Balsemão (p. 309), tinha em mente a nova Fundação Mário Soares (p. 318) cujo património (também financiado por Stanley Ho – p. 368), nos anos 90, só seria «comparável às fundações Gulbenkian, Oriente e Luso-Americana (p. 325). Uma surpresa, portanto, aguardaria Rui Mateus, a qual, pior do que a táctica socialista da «cenoura e do cacete» (p. 320), o levaria, na sequência do fax de Macau, a conhecer, como poucos certamente o desejariam, o «tribunal do juiz Roy Bean» (alusão ao «juiz americano do século passado que declarava os arguidos culpados logo no início do julgamento a fim de evitar despesas públicas» – p. 361).




Continua


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