quinta-feira, 15 de abril de 2010

O Despertar dos Mágicos (ii)

Escrito por Louis Pauwels e Jacques Bergier






Vivemos convencidos de que a invenção técnica é um fenómeno contemporâneo. É porque nunca nos demos ao trabalho de consultar os velhos documentos. Não existe um único serviço de investigação científica que vise o passado. Os livros antigos, se são lidos, são-no apenas por raros eruditos de formação puramente literária ou histórica. Portanto aquilo que eles contém de ciência e de técnica escapa à atenção. Será o desinteresse pelo passado devido a estarmos demasiado ocupados na preparação do futuro? Não é certo. A inteligência francesa parece atrasada segundo os esquemas do século XIX. Os escritores de vanguarda estão sem apetite para a ciência, e uma sociologia que data da máquina a vapor, um humanismo revolucionário nascido com a espingarda Chassepot continuam a mobilizar a atenção. Não se imagina até que ponto a França se condensou em redor do ano de 1880. Estará a indústria mais alerta? Realizou-se em 1955 a primeira conferência atómica mundial, em Genebra. René Alleau foi encarregado da difusão em França dos documentos relativos às aplicações pacíficas da energia nuclear. Os dezasseis volumes que contêm os resultados experimentais obtidos pelos sábios de todos os países constituem a mais importante publicação da história das ciências e das técnicas. Cinco mil indústrias que hão-de interessar na energia nuclear com maior ou menor brevidade receberam uma carta anunciando essa publicação. Houve vinte e cinco respostas.

Será sem dúvida necessário esperar que as novas gerações alcancem cargos de responsabilidade para que a inteligência francesa recupere uma verdadeira agilidade. É para essas gerações que escrevemos este livro. Se estivéssemos verdadeiramente atraídos pelo futuro, está-lo-íamos também pelo passado, buscaríamos riquezas nos dois sentidos do tempo, com o mesmo apetite.


Nova Biblioteca de Alexandria


Nada sabemos ou quase nada do passado. Há tesouros que dormem nas bibliotecas. Preferimos imaginar, nós que afirmamos «amar o homem», uma história do conhecimento descontínua, e centenas de milhares de anos de ignorância a precederem alguns lustros de saber. A ideia de que tivesse surgido, de súbito, um «século de luz», ideia que admitimos com uma desconcertante ingenuidade, mergulhou na sombra todas as restantes épocas. Um olhar novo sobre os livros antigos modificaria tudo. Ficaríamos transtornados pelas riquezas que contêm. E teríamos de chegar à conclusão, de acordo com o que dizia Atterbury, contemporâneo de Newton, «que há mais obras antigas perdidas do que conservadas».

Foi esse olhar novo que o nosso amigo René Alleau, simultaneamente técnico e historiador, pretendeu lançar. Imaginou um sistema e obteve alguns resultados. Até à data, parece não ter obtido qualquer espécie de incitamento para prosseguir na tarefa que ultrapassa as possibilidades de um homem só. Em Dezembro de 1955, perante os engenheiros da Mecânica Automóvel, reunidos sob a presidência de Jean-Hemri Labourdette, ele pronunciava, a meu pedido, uma conferência cujo essencial era o seguinte:

«Que resta dos milhares de manuscritos da biblioteca de Alexandria fundada por Ptolomeu Soter, desses manuscritos insubstituíveis e para sempre perdidos, referentes à ciência antiga? Onde estão as cinzas das 200 000 obras da biblioteca de Pérgamo? Que foi feito das colecções de Psístrato em Atenas, e da biblioteca do Templo de Jerusalém e da do santuário de Phtah em Mênfis? Que tesouros continham os milhares de livros que foram queimados no ano 213 antes de Cristo por ordem do imperador Cheu-Hoang-Ti, com um fim unicamente político? Nestas condições, encontramo-nos perante as obras antigas como perante as ruínas de um templo imenso de que apenas restam algumas pedras. Mas o exame atento desses fragmentos e dessas inscrições permite-nos entrever verdades profundas demais para se atribuírem apenas à intuição dos antigos.


Destruição da antiga Biblioteca de Alexandria


Em primeiro lugar, ao contrário do que se supõe, os métodos do racionalismo não foram inventados por Descartes. Consultemos os textos: "Aquele que procura a verdade, escreve Descartes, deve tanto quanto possível duvidar de tudo". É uma frase muito conhecida, e a ideia parece bastante recente. No entanto, se lermos o segundo livro da Metafísica de Aristóteles, veremos: "Aquele que procura instruir-se deve em primeiro lugar duvidar, pois a dúvida do espírito conduz a descobrir a verdade". Aliás, pode constatar-se que Descartes foi buscar a Aristóteles não apenas esta frase capital, mas também a maior parte das suas famosas regras espirituais, que têm como base o método experimental. Em todo o caso isto prova que Descartes tinha lido Aristóteles, do que se abstêm inúmeras vezes os modernos cartesianos. Estes também poderiam constatar que houve alguém que disse: "Se me engano, chego à conclusão que existo, pois aquele que não existe não se pode enganar, e, precisamente porque me engano, sinto que existo". Infelizmente, não foi Descartes, mas Santo Agostinho.

Quanto ao cepticismo necessário ao observador, não se pode na verdade levá-lo muito mais longe que Demócrito, o qual só considerava válida a experiência a que pessoalmente assistira e cujos resultados autenticara com o seu próprio selo.

Isto parece-me muito diferente da ingenuidade de que os Antigos são acusados. Sem dúvida, direis vós, os filósofos da Antiguidade eram dotados de um génio superior no domínio do conhecimento, mas enfim, no plano científico, que sabiam eles realmente?

Ao contrário também do que se pode ler nas actuais obras de divulgação, as teorias atómicas não foram encontradas nem desenvolvidas por Demócrito, Leucipo e Epicuro. De facto, Sextus Empiricus diz-nos que o próprio Demócrito as recebera e obtivera por intermédio de Moschus o Fenício, o qual parece ter confirmado que o átomo era divisível, ponto capital que convém notar.




Reparai que a teoria mais antiga é também mais exacta do que as de Demócrito e dos atomistas gregos em relação à indivisibilidade dos átomos. Neste caso determinado, parece tratar-se mais de um obscurecimento dos conhecimentos arcaicos, tornados incompreensíveis, do que de descobertas originais. Enfim, no plano cosmológico, e apesar da ausência de telescópios, com espanto verificamos serem muitas vezes os conhecimentos astronómicos tanto mais exactos quanto mais antigos. No que respeita, por exemplo, à Via Láctea, segundo Tales e Anaxímenes, seria constituída por estrelas, formando cada uma delas um mundo com sol e planetas, e esses mundos estavam situados num espaço imenso. Pode verificar-se em Lucrécio a percepção da uniformidade da queda dos corpos no vácuo e a concepção de um espaço infinito ocupado por uma infinidade de mundos. Pitágoras, antes de Newton, criou a lei inversa do quadrado das distâncias. Plutarco, depois de explicar a lei da gravidade, procura a origem da mesma numa atracção recíproca entre todos os corpos terrestres da mesma maneira que o Sol e a Lua atraem para o seu centro todas as partes que lhes pertencem e as retêm na sua esfera particular.

Galileu e Newton confessaram claramente aquilo que deviam à ciência antiga. Também Copérnico, no prefácio das suas obras dedicadas ao Papa Paulo III, escreve textualmente que descobriu a ideia do movimento da Terra ao ler os Antigos. Aliás, a confissão desses empréstimos em nada diminui a glória de Copérnico, de Newton e de Galileu, os quais pertencem a essa raça de espíritos superiores cujo desinteresse e generosidade os levam a não se preocuparem com o amor-próprio de autor ou a originalidade, seja a que preço for, que são preconceitos modernos. Mais humilde e mais profundamente autêntica parece a atitude da modista de Maria Antonieta, Mademoisselle Bertin. Ao modernizar habilidosamente um chapéu antigo, exclamou: "Só é novo o que está esquecido"...» (in ob. cit., pp. 86-90).



Galileu Galilei



Continua


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