quarta-feira, 2 de maio de 2012

A maçonaria é só uma (ii)

Escrito por José Antonio Ullate Fabo 








«...A Maçonaria possui múltiplas dimensões, espirituais, filosóficas, sociais, políticas (mas não politiqueiras)...».

José Manuel Anes (in pref. a Rémi Boyer, «A Tradição Maçónica e o Despertar da Consciência»).


«...Como qualquer organização, uma sociedade iniciática, concebida idealmente para servir à libertação humana e acompanhar a caminhada iniciática de indivíduos e de grupos, pode tornar-se numa nova prisão. Progressivamente, o objectivo iniciático será posto em prol de um outro objectivo, bem diferente: fazer perdurar a organização, estender a sua influência, desenvolver o seu poder.

(...) Poderá a Maçonaria, que Martinez de Pasqually considerava apócrifa, já lá vão dois séculos e meio, ser uma sociedade de iniciáveis? Na quase totalidade dos casos, somos obrigados a concluir pela negativa. Tendo-se tornado numa sociedade profana, incapaz de ascese e de praxis, gangrenada por preocupações mercantis e políticas, ou, mais simplesmente, burguesas, a Maçonaria não se distingue dos numerosos clubes, círculos ou associações que animam as nossas sociedades modernas senão por um cerimonial, vazio de sentido para a maior parte dos participantes e assistentes».

Rémi Boyer («A Tradição Maçónica e o Despertar da Consciência»).


«...o escândalo que propicia a fragmentação religiosa tem na sua raiz a tendência para realizar uma síntese esotérica, para lá da letra e dos dogmas de cada religião. Foi assim para os humanistas, para os rosa-cruzes e para os maçons. Mas, muito antes, para os judeus. Uma época como a nossa, que prima pelo culto da suavidade, como diria Arnold Lunn, é especialmente sensível a este tipo de argumentação.

A Cabala contribuiu para o movimento humanista com uma chave de explicação da realidade que, por um lado, satisfazia as inclinações religiosas de ordem psicológica e, por outro, emancipava radicalmente a razão humana em relação a qualquer Revelação. Esse duplo movimento misterioso-espiritual por um lado, e racionalista-científico por outro, encontrou o acolhimento na organização maçónica que o tomou por divisa própria e fez dele parte essencial da sua identidade. Um autor judeu, o famoso Bernard Lazare, no seu O Anti-Semitismo: a sua História e as suas Causas, explica como essa contradição não é senão aparente e funda as suas raízes no pensamento judaico, especialmente o cabalístico. Lazare, explica que "houve judeus na própria génese da franco-maçonaria, judeus cabalistas", e também acrescenta que "houve judeus próximos de Weishaupt (fundador dos Illuminati da Baviera) e que Martinez de Pasqualis era um judeu de origem portuguesa que organizou numerosos grupos iluministas em França, recrutando muitos adeptos aos quais iniciava no dogma (cabalístico) da reintegração". No dizer de Lazare, aquelas "lojas eram místicas enquanto as outras ordens da franco-maçonaria eram mais propriamente racionalistas, o que permite afirmar que as sociedades secretas representavam as duas vertentes do espírito judaico: o racionalismo prático e o panteísmo, esse panteísmo que (...) conduziu nalgumas ocasiões à teurgia cabalística".

Essas duas tendências, presentes na Cabala e na maçonaria, só aparentemente são opostas. Continua Lazare:

"É fácil de comprovar a coincidência destas duas tendências, a aliança de Cazotte, de Cagliostro, de Martinez de Pasqualis, do Conde de Saint-Germain, de Eckartshausen (todos eles expoentes da tendência místico-mágica cabalística) com os enciclopedistas e com os jacobinos e a maneira como, apesar da sua oposição (aparente), chegaram ao mesmo resultado, isto é, à debilitação do cristianismo".

O judaísmo cabalista não fundou materialmente a organização da maçonaria, mas a sua doutrina constitui um dos fundamentos sem os quais não se pode entender a "dogmática" da irmandade maçónica».

José Antonio Ullate Fabo («O Segredo da Maçonaria Desvendado»).







«Se não há algo de sinistro a ocultar quais os motivos que levam à construção de uma sociedade que é de tal modo secreta que obriga os seus membros a prestarem o juramento de jamais revelarem os seus segredos? Esta é uma interrogação que, durante mais de duzentos anos, justificou a apreensão dos Sumos Pontífices. Pouco surpreende, por conseguinte, que tenham tido bons motivos para redigirem encíclicas sobre encíclicas condenatórias da sua existência. Estas sociedades são um fenómeno novo e terrível, sem equivalência em qualquer outro período da História. Em 1776, o seu objectivo declarado foi o de fundar um "Novus Ordo Secularum", uma nova ordem para o Mundo. As armas secretas para atingir semelhante objectivo eram: a guerra e uma fiscalização severa das finanças internacionais. Tal fiscalização (...) não só lhes permitiu alcançar o poder como fez eclodir a guerra entre as nações. Eis o meio mais rápido e mais seguro para as nações caírem sob as suas garras. A guerra constitui um meio ideal de subversão: provoca, inevitavelmente, uma baixa sensível da moralidade pública, do patriotismo, da actividade laboriosa humana, da ambição pessoal legítima - assim como o relaxamento dos laços familiares e de muitas outras características da nossa civilização. Até ao século XVIII, grupos um tanto disparatados, um pouco por toda a parte, alimentaram, vagamente, o desejo de se apoderarem do poder - nenhum deles conseguiu qualquer coisa de insofismável. Mas em 1776 tudo se passou de modo diferente. Um certo Adam Weishaupt, professor bávaro de Direito Canónico, declarou, com petulante audácia, que, com o tempo, obteria o domínio total do género humano. E fundou em 1 de Maio desse ano uma associação a que deu o nome de "Iluminados da Baviera". A execução do seu grande projecto foi, em parte, responsável pela Revolução francesa. Na verdade, as lojas maçónicas francesas absorveram muito do que se idealizou na "Ordem dos Iluminados da Baviera". O reino do Terror implantou-se em França a partir de 1793 e deu bem a noção da natureza das ambições de Weishaupt.

Nada menos de onze Sumos Pontífices (Clemente XII, Bento XIV, Pio VI, Pio VII, Pio VIII, Leão XII, Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, Pio X e Pio XI) condenaram, solenemente, estas sociedades secretas - e fizeram-no em termos de tal modo severos e rigorosos que são únicos na História da Igreja. Em 1884, na encíclica "Humanum Genus", o Papa Leão XIII, dirigindo-se aos Bispos do Mundo inteiro disse: "Arrancai a máscara à Franco-Maçonaria (sociedade secreta) e mostrai claramente o que ela é. Ela visa não só destruir a ordem religiosa, que reina no mundo e que aceita o ensino cristão, como a sua substituição por um novo estado de coisas, baseado nos princípios do naturalismo. Mantendo nas suas garras a maior parte das nações, une-se a outras seitas e apresenta-se perante elas como a verdadeira inspiradora e o poder oculto que tudo dirige. Primeiro atrai os seus associados, depois retem-nos com o incentivo de vantagens materiais que lhes propõe. Faz dobrar os governos à sua vontade umas vezes utilizando apenas promessas outras recorrendo a ameaças. Encontrou o seu caminho em todas as classes da Sociedade e constituiu um poder invisível e irresponsável, um governo independente como no interior do corpo constituído do estado geral..."».

Deirdre Manifold («Fátima e a Grande Conspiração»).




 APESAR DE TUDO, A MAÇONARIA É SÓ UMA

A história da maçonaria está cheia de permanentes disputas internas, mas na prática, a unidade essencial da maçonaria nunca é posta em dúvida.

Serrano e Altarriba expressam isso, no seu estilo idiossincrático e peculiar, com suficiente clareza:

«O tema da maçonaria regular e irregular foi sempre um ponto de fricção, não somente entre os diferentes maçons, mas também entre aqueles que pretenderam ver maçonarias distintas, ou diferentes maneiras de ver a maçonaria. (…) a maçonaria, em si mesma, e nos seus ideais, é só uma».






Estes autores falam de «conflitos organizacionais e institucionais» no seio da maçonaria única para referir as cisões dos Grandes Orientes, do Direito Humano e de outras obediências menores. Os «conflitos», como Serrano e Altarriba chamam eufemisticamente, e que foram muito frequentes, geraram diferentes «visões» da maçonaria. Mas estas só afectam aspectos pontuais, pois, todas elas encaixam nas definições tradicionais da maçonaria. Serrano e Altarriba abordam o mesmo problema noutros lugares:

«Pode suscitar-se se existe somente uma maçonaria ou diferentes maçonarias. Essencialmente, existe uma maçonaria universalmente activa em todo o mundo, se a contemplarmos do ponto de vista dos seus ideais, dos seus conteúdos básicos e do seu objectivo primordial.

Portanto, não existem várias maçonarias, mas sim uma quantidade de expressões organizacionais com instituições de formas diferentes que dependem, não só da época em que nasceram, mas também da cultura, do contexto social e do país em que se desenvolvem».

Desde a aparente fractura dos Grandes Orientes que o tema da unidade essencial da maçonaria vem sendo abordado. Em 1908, teve lugar uma reunião da Oficina Maçónica Internacional que constituiu um comité ad hoc para investigar o assunto. A revista maçónica Acacia, na sua edição de Novembro de 1909, recolhe a informação oficial aprovada na assembleia:

«De um estudo rigoroso da maçonaria, da sua história em cada país, dos seus rituais, das suas tradições, dos seus esforços e das suas realizações bem sucedidas, confirmámos a conclusão de que existe uniformidade de princípios, de símbolos, de tradições, e de espírito, entre todos os Grandes Orientes e todas as Grandes Lojas que surgiram da inicial Grande Loja de Inglaterra em 1717, o que prova que todas as associações maçónicas regulares têm a mesma origem comum, prosseguem em geral os mesmos fins e possuem as mesmas aspirações. Em cada actividade maçónica organizada há um fundo de ideias comum, uma semelhança de maneiras que testemunha uma origem comum e mostra que todos os maçons pertencem à mesma família».

Neste texto, o adjectivo «regulares» serve para englobar conjuntamente as Grandes Lojas e os Grandes Orientes… «irregulares». A conclusão é clara: todos os maçons pertencem à mesma família. Um detalhe: as citações de Serrano-Altarriba procedem do âmbito da maçonaria regular, ao passo que esta última citação provém da órbita da maçonaria irregular (de facto, mais adiante, o parágrafo atribui o princípio unitário de todas as maçonarias… às ideias da maçonaria francesa, ah… as velhas querelas familiares!). As duas facções chegam a uma conclusão idêntica.

Do ponto de vista dos altos graus, ou maçonaria filosófica (que estudaremos mais adiante), a conclusão é também a mesma. Albert G. Mackey declara:

«A doutrina da franco-maçonaria é a mesma em todos os lugares». «Ainda que as cerimónias e o ritual (…) variem nos diferentes países, a ciência e a filosofia, o simbolismo e a religião da franco-maçonaria continuam e continuarão a ser os mesmos onde quer que a autêntica maçonaria seja praticada» (Encicl. of Freemansory).

A 26 de Maio de 1907, o San Francisco Examiner recolhia a seguinte notícia:

«Pela primeira vez na história da maçonaria, os maçons do rito escocês do velho e do novo mundo vão ter uma convenção internacional (…) que será celebrada em Bruxelas no próximo 10 de Junho (…) O Presidente do México, Porfírio Díaz, representante máximo do rito escocês naquele país, escolheu o Senhor A. Nailor, de Washington D.C., para representar o México na reunião (…) Na convenção de Bruxelas, estarão representados os seguintes Conselhos Supremos (do grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceite): as jurisdições do Norte e do Sul dos Estados Unidos da América, França, Bélgica, Itália, Irlanda, Inglaterra e Gales, Escócia, Portugal, Grécia, Hungria, Espanha…».



O PARADOXO APARENTE






Portanto, se a maçonaria é só uma, tem de concluir-se, a sensu contrario, que a divisão, no que diz respeito à confissão do G.A.D.U., é um litígio secundário.

(…) A história, mestra da vida, demonstra-nos que as fronteiras entre a maçonaria inglesa, regular e teísta (ou deísta), e a maçonaria continental, agnóstica e irregular, são mais imaginárias do que reais.

Na história recente da maçonaria espanhola, a revoada de lojas e de adeptos que, corporativa ou individualmente, passaram – conservando a iniciação de origem – da maçonaria regular para a irregular, e vice-versa, é eloquente. Tendo por base a crise provocada pelo Grande Oriente francês em 1877, algumas Grandes Lojas dos Estados Unidos, bem como o Rito Escocês Antigo e Aceite, tão divulgado naquele país, filiaram-se no Grande Oriente de França. Hoje, no entanto, a quase totalidade das Grandes Lojas daquele país conta com a regularidade outorgada pela Grande Loja Unida de Inglaterra. Em Itália, e em muitos outros países, a regularidade foi recaindo em diferentes obediências ao longo do tempo.

Os landmarks, os doze pontos, as severas proclamações da G.L.U.I. quando se trata de outorgar ou revogar patentes de regularidade, ou o grupo de católicos que advoga a possibilidade de conciliação entre a Igreja e a maçonaria regular, podem dar a entender que a crença no Grande Arquitecto do Universo é um ponto-chave, dirimente e essencial, mas a realidade histórica demonstra o contrário.

Deparámo-nos, pois, com uma chave de leitura indispensável para compreender a maçonaria, à qual iremos retornar continuamente: os aparentes paradoxos maçónicos superam-se fazendo uma correcta interpretação «ampla» das premissas «estritas» da maçonaria.

Pelo que a exigência da maçonaria clássica no tocante à crença em Deus e à sobrevivência da alma, aparece à primeira vista unívoca e dirimente…

…mas na realidade, vemos que… esta exigência admite várias interpretações contraditórias entre si, e dela, não se pode concluir em absoluto por uma exigência indispensável para qualquer forma de maçonaria.


A UNIDADE DE PRINCÍPIOS

Como diria Mackey, a divisão entre maçonaria regular e irregular não reside na exigência da crença em Deus por parte de uns, e na não exigência por parte de outros, mas sim na crueza com que uns praticam a doutrina comum por contraste com a discrição com que o fazem outros.

«Portanto- explica Gruber – o resultado é que esta controvérsia é meramente formal e nominal. Mas importa sublinhar que a cláusula que impõe a crença no Grande Arquitecto do Universo como condição para a admissão na maçonaria, só foi introduzida no texto da Constituição da Grande Loja de Inglaterra em 1815 e que, naquele mesmo texto, se pode ler que “portanto, um maçon está obrigado de um modo particular a não actuar contra os ditames da sua consciência”, donde se deduz que a Grande Loja de Inglaterra parece reconhecer que a liberdade de consciência é o princípio soberano dentro da franco-maçonaria, princípio que deve prevalecer sobre todos os outros sempre que existir um conflito entre eles».

É interessante seguir até ao fim este raciocínio de Hermann Gruber:

«Os maçons anglo-americanos reconhecem que o carácter “não sectário” da maçonaria constitui a sua essência mais radical, o que implica, necessariamente, essa supremacia da liberdade de consciência. Numa alocução solene dirigida aos maçons reunidos em Estrasburgo, no dia 12 de Setembro de 1886, o Imperador alemão Frederico III disse que “acima de tudo, há dois princípios que caracterizam os nossos esforços: a liberdade de consciência e a tolerância”; e o Handbuch dos maçons alemães assinala, com razão, que a liberdade de consciência e a tolerância tinham sido proclamadas como sendo os fundamentos da maçonaria pelas mais altas autoridades maçónicas da Alemanha».

Pelo que… «…de um ponto de vista estritamente maçónico, o Grande Oriente de França tem razão no que se refere à substância da questão».

Mas, no entanto, o Grande Oriente de França… «…desviou-se da tradição ao desprezar símbolos e fórmulas simbólicas que, se forem entendidas correctamente, não implicam, de maneira nenhuma, afirmações dogmáticas, e que não podem ser recusadas sem prejuízo da obra maçónica, pois esta precisa de fórmulas ambíguas que sejam aceitáveis para qualquer categoria de crenças e para qualquer fase de desenvolvimento moral. Desde este ponto de vista, o símbolo do Grande Arquitecto do Universo e a Bíblia são, de facto, da maior importância para a maçonaria».






Estas considerações de cariz prático tiveram como consequência que… «… Muitas Grandes Lojas que, num primeiro momento pensaram em imitar o radicalismo dos franceses, decidiram, por fim, conservar esses símbolos. Neste sentido, um representante da Grande Loja de França escrevia a Findel: Nós estamos em completo acordo convosco ao considerar que todos os dogmas quer positivos quer negativos, são radicalmente incompatíveis com a maçonaria, cujos ensinamentos se devem transmitir mediante símbolos. E os símbolos podem e devem explicar-se a cada um de acordo com a sua compreensão pessoal dos mesmos; por esta razão, os símbolos servem para manter a concórdia. Daí que a nossa Grande Loja conserve facultativamente o símbolo do Grande Arquitecto do Universo, posto que cada um possa concebê-lo segundo as suas próprias convicções pessoais (dentro desta Grande Loja, permite-se às lojas que fazem parte dela conservar estes símbolos mas não existe nenhuma obrigação de fazê-lo, e de facto, muitas não o têm feito). Excomungarmo-nos mutuamente devido a questões metafísicas, parece-nos a coisa mais indigna que os maçons podem fazer».

Os maçons de tipo «clássico», os regulares, são mais propensos para o esotérico, o iniciático e o simbólico, protegidos por um véu de conservadorismo exterior, enquanto os maçons do tipo Grande Oriente francês – irregulares – assumem mais às claras a doutrina maçónica e o seu papel de fermento da humanidade, pelo que têm mais a inclinação para participar directamente na acção social e pública (sem excluir a política, no sentido de intervenção da acção do governo). Mas os princípios antropológicos e cosmológicos são os mesmos nas duas formas de maçonaria.

Para um «profano», é extremamente desorientador deixar-se guiar pelas declarações dos maçons regulares, e pelo contrário, é esclarecedor darmo-nos conta que, se a interpretação rebelde dos maçons regulares é possível, e não é por isso que perdem a sua condição de maçons, então é simplesmente falso o ênfase exagerado e inconsistente que, como vimos, os maçons regulares põem na importância de crer em Deus para se ser maçon.

Devemos observar detidamente os pontos essenciais de identidade entre as duas formas de maçonaria para que as árvores não nos impeçam de ver o bosque (in ob. cit., pp. 64-71).










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