segunda-feira, 2 de julho de 2012

Terrorismo em Angola (iii)

Escrito por Franco Nogueira





«Uma palavra sobre Angola. Estamos sendo vítimas ali de ataques que a princípio pretenderam acobertar-se sob a capa de sublevação das populações ansiosas por não continuarem integradas na Nação Portuguesa. O entusiasmo dos libertadores africanos porém não permitiu ocultar senão por pouco tempo a sua intervenção no recrutamento, financiamento e treino dos elementos estrangeiros que através de Estados limítrofres penetram em Angola. De modo que hoje não pode já afirmar-se que há ali uma revolta de carácter mais ou menos nacionalista, mas que uma guerra é conduzida por vários Estados contra Portugal, num dos seus territórios ultramarinos. Ora, duas coisas se devem ter por certas: a primeira é que, ao atacar-se Angola, não se ataca só Portugal, mas se está pretendendo enfraquecer as posições, e não só estratégicas, de todo o mundo ocidental; a segunda é que os que atacam, os que apoiam, os que ajudam com a sua indiferença, estão a agir contra os verdadeiros interesses das populações de Angola, só com retardar-lhes o desenvolvimento pacífico e com levar ali a semente do antagonismo racial que não existia e é hoje (...) o principal obstáculo ao progresso e bem-estar do continente africano».

Oliveira Salazar («Realidades da Política Portuguesa», SNI, 1963).


«... Presos em Angola por actividades ilegais, são expulsos da província quatro missionários metodistas norte-americanos. Não há dúvidas quanto às suas culpas, e são abundantes as provas: estabeleciam a ligação entre grupos terroristas, promoviam reuniões políticas na sede da sua missão, imprimiam e faziam circular panfletos antiportugueses, aliciavam populações para a subversão. Mas a Igreja Metodista americana é poderosa, e influente, e desencadeia através dos Estados Unidos uma campanha antiportuguesa, e esta repercute-se nos meios políticos, económicos, e na grande imprensa; e o governo de Washington levanta em Lisboa o problema. Transportados para Portugal os missionários, são mantidos sob prisão; e ao governo americano é dito que serão submetidos a julgamento público, com exibição de todas as provas. Sugere então Washington um acordo: os missionários seriam libertos e autorizados a seguir para os Estados Unidos: aí se manteriam silenciosos: e a Igreja Metodista cessaria a sua campanha. Com extrema relutância, anui o governo de Lisboa. Enquanto se processa a execução deste compromisso, há silêncio nos Estados Unidos; mas chegados ao seu país os missionários, logo recrudesce a campanha contra Portugal em África. Lembrado por Lisboa da obrigação que assumira, Washington desculpa-se com a sua impotência perante os metodistas. Lisboa observa que nenhum compromisso deveria então ter sido assumido.

Justamente na mesma altura, abre-se uma nova crise com as Nações Unidas. Por motivo de guerra contra o Catanga, aviões de abastecimento, ao serviço da ONU, sobrevoam o espaço aéreo angolano com autorização do governo português. Mas Lisboa recebe informações de que alguns chefes dos terroristas que atacam Angola são transportados nos aparelhos das Nações Unidas. Portugal retira imediatamente a sua autorização inicial. Ao mesmo tempo, pede garantias de que factos como os apurados não se repetirão. Não presta o secretariado das Nações Unidas essas garantias. Então Lisboa informa as Nações Unidas, e declara-o em nota pública, que será tido como violação do espaço aéreo português qualquer voo de aviões da ONU sobre Angola, e assim será tratado pelas autoridades militares portuguesas locais. Perante a decisão portuguesa, e não desejando criar uma situação grave com o abatimento de um avião seu, as Nações Unidas passam a usar rotas alternativas, e não sobrevoam mais a província. E entretanto começa em Nova Iorque o debate anual sobre a política de Portugal no seu Ultramar...».

Franco Nogueira («Salazar», V).


«A comunidade missionária foi outro canal de penetração da ideologia e dos interesses dos Estados Unidos. Adriano Moreira, durante um encontro em Lisboa, em Abril de 1958, com o então cônsul americano em Luanda, Richard V. Fischer, exprimiu a preocupação de que as actividades dos missionários protestantes em Angola fossem usadas para "fins subversivos".

(...) A educação básica de líderes nacionalistas angolanos como Holden Roberto, Agostinho Neto, Jonas Savimbi e outros ficou a dever-se aos missionários anglo-saxónicos. Agostinho Neto, filho do pastor metodista Agostinho Pedro Neto e de uma professora da escola metodista, foi secretário do bispo metodista Ralph Dodge antes de cursar Medicina em Portugal; e a Junta Metodista de Missões Americanas financiou-lhe os estudos superiores. A Igreja Metodista, operando em Angola desde 1885, possuía missões em zonas cruciais - Baixa do Cassange, Luanda, Dembos - e dirigia em 1961 um total de 292 missões, com 42 missionários residentes e 124 pastores africanos, 12 escolas com 140 professores africanos e 10 000 estudantes, um hospital em Quessua e uma clínica em Luanda. Sabe-se que a cover up (disfarce público) de missionário era usada por operacionais da CIA em África. Cite-se o caso (não generalizável, embora), do chefe da task force para Angola, John Stockwell, que em 1975 vestiu a pele de missionário. Um dos centros de irradiação das actividades da CIA em Angola, em Março de 1961, era a estação de Léopoldville, a 300 milhas de Luanda».

José Freire Antunes («Kennedy e Salazar»).


«A denominação dos movimentos terroristas FRELIMO, MING e MPLA como "movimentos de libertação" é eufemística e falsa. Na realidade, essas organizações foram lançadas e financiadas por forças do exterior. Nenhuma delas assegurou às populações locais, após a independência, qualquer forma de "libertação". Nenhuma destas organizações conseguiu a democracia ou assegurou os direitos dos cidadãos. A FRELIMO, MING e MPLA são responsáveis por ditaduras comunistas e não podem ser designadas, tal como, por exemplo, a Frente de Libertação Nacional do Cambodja (Khmer Vermelho), como "movimentos de libertação"».

Philippe Maegerle («Salazar», NEOS, 1999).





Terrorismo em Angola


Têm imediata repercussão na opinião pública metropolitana os «acontecimentos» de Angola (8). Há desde logo um aspecto sentimental: Angola é território querido dos portugueses: e há terror da sua perda, ou risco. Mesmo nos mais desprevenidos, e nos mais alheios aos jogos da política, forma-se a convicção clara de que, algures e por alguém, está traçado e em execução um plano de guerra contra Portugal em África. Encadeiam-se agora os factos: fuga de Delgado e Galvão, graças ao estratagema dos asilos políticos; captura do Santa Maria; simultaneamente, produzem-se os primeiros tumultos de Luanda; e a reunião do Conselho de Segurança, e o debate antiportuguês, coincidem rigorosamente com a invasão do terrorismo no Norte de Angola. Uma conclusão parece impor-se: trata-se de intimidar Portugal, de fazer ajoelhar o governo de Lisboa. Nem por haver esta consciência, ou justamente por virtude desta consciência, instala-se na Metrópole uma desorientação que frisa com o pânico. Há uma angústia colectiva, e são em torrentes os boatos sem peias da imaginação: Oliveira Salazar está doente, e com gravidade, ou pediu a demissão, ou prepara a sua partida, se não a sua fuga, para a Suiça; está por dias, ou por horas, uma revolta das Forças Armadas; não é apenas em Angola que lavra a insurreição, mas por todo o Ultramar, e o governo está a ludibriar o povo; e as potências vão confrontar Portugal com um ultimato rude. Depois, é a oposição de esquerda que aproveita os «acontecimentos», e os apresenta com matiz que convém aos seus desígnios. Em conversas, circulam as interpretações especiosas dos que sabem, dos que estão informados: na origem da revolta está a injustiça de que é vítima a população do Norte de Angola; a culpa pertence aos homens das grandes plantações, aos cafeeiros, aos madeireiros, que à custa de salários de miséria acumularam fortunas de fábula; a culpa tem de ser atribuída aos administrativos, incompetentes, corruptos e opressores; e de forma global, em suma, vai para o governo de Lisboa a responsabilidade maior, porque tudo consentiu e nada preveniu. Noutros círculos, são políticas as explicações de estilo: Portugal é atacado no Ultramar por não serem democráticos o regime e o governo de Lisboa: não existiria a hostilidade das potências e da ONU se houvesse liberdade no país e se assentassem num pluralismo ideológico as instituições portuguesas.

O Santa Maria regressa a Lisboa (16 de Fevereiro).




Decorrem os dias. Nos Estados Unidos, abre-se controvérsia, e os dirigentes republicanos pedem a Kennedy que explique o seu voto antiportuguês; e sobre este surge também polémica entre direitas e esquerdas europeias. Em 24 de Março de 1961, e sem embargo do seu precário estado de saúde, parte para Angola o ministro do Ultramar, Vasco Lopes Alves. Representa a viagem da primeira reacção de Lisboa, em alto plano, perante os acontecimentos. No Portugal metropolitano, continua a inundação de notícias de novas atrocidades no Norte da província. São os relatos feitos pelos brancos que chegam, e cujo afluxo não cessa; e são as crónicas minuciosas da rádio, da imprensa, de correspondentes especiais que acorrem ao território. E agrava-se, aprofunda-se o traumatismo na opinião pública: dir-se-ia também não haver na Metrópole quem não possua um familiar, um amigo, um afilhado, um sócio, um simples conhecido, que não tenha sido morto, ou ferido, ou estropiado, ou de algum modo afectado em Angola na sua segurança ou nos seus bens. E sucedem-se manifestações, algumas violentas, junto do consulado americano em Luanda e da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa. Cartazes são exibidos, e alguns clamam: «fora dos Açores», «racistas», «abaixo a ONU», «Angola é nossa», «América para os peles-vermelhas». E em Nova Iorque, agora em sessão especial da Assembleia Geral da ONU, de novo o delegado da Libéria propõe a inscrição da questão de Angola na agenda, e pede prioridade para o seu debate. Opõe-se energicamente a delegação portuguesa. Mas a Assembleia, se recusa a prioridade, aceita a inscrição. Protestam os delegados portugueses, que alegam a ilegalidade da decisão, e num gesto espectacular, por instruções de Lisboa, abandonam a vasta sala das sessões. Entretanto, parecendo que se está dentro de uma normalidade de rotina, é anunciada a vinda de Couve de Murville, ministro dos Negócios Estrangeiros de França, numa visita oficial a Lisboa, e a ida a Espanha, também oficialmente, do presidente Américo Thomaz.

Para além das fronteiras portuguesas, e à parte a guerra movida no Norte de Angola, o ataque político contra Portugal assume virulência sem paralelo. Há uma ou outra nota de bom senso, de moderação. Cyril Sulzberger, vulto todo-poderoso do poderoso New York Times, critica também Kennedy pelo voto contra Portugal: sugere, como os republicanos, que os Estados Unidos «ao menos se abstenham» e que os ocidentais não se entreguem ao gosto de votar uns contra os outros; «se continuarmos a deixar andar as coisas, acabaremos numa corrida para a guerra nas fronteiras da África do Sul»; «ou veremos Portugal abandonar a NATO, levando consigo os Açores». Também um ou outro jornal francês, ou alemão, ou britânico, sugeria ponderação, aconselhava calma e isenção no exame da política portuguesa. De Gaulle, presidente de França, mandava dizer em Lisboa: «Eu compreendo a vossa política. Mas com que contam e com quem contam?». Konrad Adenauer, chanceler alemão, exprimia em Bona a sua simpatia, e significava o seu apoio; mas não ocultava as suas dúvidas, nem o seu desalento perante as vagas do mundo. Para além destes homens, que se exprimiam em surdina, tudo era brutalmente hostil. Na grande imprensa internacional, nas influentes cadeias de rádio e televisão, na alta-roda mundial da finança e da economia, nos parlamentos das nações, nos círculos das classes políticas supremas, eram sem mercê os ataques, as acusações, as ameaças, os anúncios de tragédia para Portugal. Disseminados pelo mundo, alguns amigos raros, em segredo e com pavor, eram pródigos de sugestões e de conselhos: deveria Portugal ceder, transigir, desamparar tudo, com rapidez e a esmo, salvaguardando somente alguma aparência de dignidade, se viável. E sublinhavam, junto do governo e das elites portuguesas, a loucura de uma resistência, a insensatez de contrariar uma enxurrada universal. Escorraçado, acossado, vilipendiado, Portugal era tratado de réprobo. E para a generalidade não havia dúvida de que o governo português tinha contado o seu tempo: estava por semanas, talvez por dias.



O "General Coca-Cola" (Humberto Delgado) e o pirata Henrique Galvão.



Se os «acontecimentos» do Norte de Angola se repercutiam no povo, o ambiente internacional impressiona sobretudo as classes dirigentes portuguesas, a alta burguesia, os homens da finança, da indústria, do comércio, e da economia. Sentem-se possuídos de pânico, e sucumbem. Invade-os a tibieza moral, perdem a lucidez de visão, perturba-se-lhes a inteligência. Nos meios ligados ao governo e ao regime, muitos sentem-se em vésperas de naufrágio, e procuram saber como abandonar o navio; e nos próprios centros da União Nacional surge de chofre um vazio, um esboroamento de vontades, e não têm rebuço as expressões de azedume e crítica. No parlamento, é a aflição: tudo está perdido. Manuel Aroso, deputado, procura Luís Supico e revela-lhe que o deputado Homem de Melo, muito da roda de Craveiro Lopes, tem já um discurso preparado com violento ataque ao Governo e a Salazar. É um dos pontos do programa de uma conspiração na forja, que estaria concertada com meios americanos, e em paralelo com círculos internos orientados por Galvão e Delgado. Há uma perda colectiva da coragem: não cabe dúvida, o mundo está contra Portugal, e Portugal não pode pensar em bater-se com o mundo. Perante a oposição declarada dos Estados Unidos, e a animosidade de todo o Ocidente em suma, que fazer senão conformar a política portuguesa com os imperativos do momento? São em largo número os homens de consequência, cujo estandarte é o do patriotismo e por anos e anos têm afirmado a sua devoção ao governo e ao regime, que enfileiram agora nas novas ideias, advogam a entrega de tudo às Nações Unidas porque consideram fundamental gozar de bom ambiente no estrangeiro, e têm por humilhantes para Portugal as votações da ONU e os editoriais hostis do Le Monde, ou do Times, ou do New York Times. Numa síntese, esses homens comungam num mesmo desvairo: perca-se tudo, pague-se qualquer preço; mas arredem-se sacrifícios, adopte-se a política dos grandes do mundo, venham os capitais, façam-se negócios; há que viver bem, ainda que sob jugo alheio. Alguns comportam-se em sentido oposto: reafirmam a sua confiança nos destinos portugueses de Angola e de todo o Ultramar, têm por avisada a política do governo, e dispõem-se ao risco de novos empreendimentos. Sem embargo, por uma forma ou outra, assume já larga escala a fuga de capitais para o estrangeiro. Mais do que nos outros, é grave o embate do ambiente mundial nos sectores das Forças Armadas portuguesas. Nos quartéis, nas instalações para oficiais, em suas casas particulares, são frequentes as reuniões, e exprimem-se dúvidas, formulam-se críticas, há desalento, há descrença. Mesmo no âmbito dos Estados-Maiores do Exército, da Força Aérea e da Armada, não deixam de se interrogar; e, sem que tenham esse propósito, dão no entanto livre curso às alegações dos meios internacionais anticolonialistas e da extrema-esquerda portuguesa. Bater-se por Portugal, sem dúvida; defender o Ultramar, decerto; mas não serão chamados a arriscar a vida devido a situações imorais que, em grande medida, teriam conduzido à rebelião do Norte de Angola e à guerra que se trava? Entendem os chefes militares responsáveis que se impõe dissipar tais dúvidas e que, sejam quais forem os desvios, é Portugal e seu Ultramar que estão verdadeiramente em causa; mas no corpo de oficiais muitos são os que hesitam, e tornam às perguntas sem fim. Não serão de facto os interesses pessoais de alguns que tudo provocaram? Não estará na existência da censura a origem de tudo? E não deverá o governo tomar providências? Acima de tudo, não foi Portugal efectivamente abandonado pelos seus grandes aliados e amigos, os Estados Unidos, o Brasil, a Inglaterra? (9). E esta última pergunta é aquela que acima de tudo perturba as Forças Armadas. Em reuniões do Conselho Superior Militar, presidido pelo ministro da Defesa, é sugerido que sejam esclarecidos os oficiais-generais e os comandos de unidades. Por um ou outro motivo, são fundas nos responsáveis supremos das Forças Armadas as preocupações pela sua coesão; e muitos, atentos à grande idade do chefe do governo, interrogam-se quanto ao futuro. De tudo, porém, uma consequência é nítida: no povo, nas classes dirigentes, nos meios militares, há o sentimento de perigos indefinidos, a ansiedade perante o dia de amanhã, uma psicose de alucinação colectiva perante o que se pensa ser um cerco e o que se julga ser uma derrocada iminente. Pelos últimos dias de Março, é promulgada legislação organizando o colégio eleitoral para eleição do presidente da República, como deliberado pela Assembleia Nacional.

Oliveira Salazar continua silencioso, e para o grande público parece como alheio a tudo. Mas está informado de todos os factos. E com sarcasmo de sangrar diz para os seu colaboradores mais íntimos: «Bem, no fundo acusam-me de eu ter perdido as eleições nos Estados Unidos e no Brasil» (in ob. cit., pp. 219-224).


Notas:

(8) Entre os brancos de Angola, os ataques terroristas no Norte ficaram conhecidos e eram sempre designados pelos «acontecimentos». Nas conversas, dizia-se: por altura dos acontecimentos, antes dos acontecimentos, depois dos acontecimentos, etc. Não era preciso especificar de que acontecimentos se tratava, porque se subentendiam. Os negros classificavam o terrorismo do Norte de confusão: por altura da confusão, fulano anda na confusão, etc.

(9) Estas perguntas e outras semelhantes eram realmente formuladas em sessões do Conselho Superior Militar, nas reuniões realizadas nos meses de Fevereiro e Março de 1961.



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