domingo, 10 de março de 2013

A Batalha das Termópilas (ii)

Escrito por Heródoto de Halicarnasso 





«O espírito guerreiro predominava tanto nas instituições de Licurgo, que até as estátuas dos deuses estavam armadas. O culto de Ares (Marte), deus da guerra, tornou-se por vezes tão cruel, que chegaram a imolar-lhe vítimas humanas. Uma das orações que os espartanos dirigiam aos deuses era concebida nestes termos: dai-nos um espírito são num corpo são».

Fortunato de Almeida («Curso de História Universal»).


«Ares surge como o deus da Guerra por excelência. Representa o espírito do Combate, que se compraz com a carnificina e o sangue. (...) É representado com couraça e capacete, armado com o escudo, a lança e a espada. Tem uma estatura acima do normal e solta gritos terríveis. Combate quase sempre a pé, mas vemo-lo também em cima dum carro puxado por quatro corcéis. Acompanham-no deuses que fazem de seus escudeiros, Deimo e Fobo (o Medo e o Terror, que são seus filhos). Encontramo-lo também rodeado de Éris (a Discórdia ) e Énio.

Ares habita na Trácia, região semi-selvagem, de clima rude, rica em cavalos e invadida por povos guerreiros. É aí também que habita, pelo menos segundo uma tradição, o povo das amazonas, que são filhas de Ares. Na própria Grécia, prestam-lhe um culto particular em Tebas, onde o consideravam como o antepassado dos descendentes de Cadmo. Era lá, com efeito, que ele possuía uma fonte, guardada por um dragão, de quem era pai. Quando Cadmo, para realizar um sacrifício, quis tirar água desta fonte, o dragão tentou impedi-lo. Cadmo matou-o e, para expiar este crime, teve de servir Ares durante oito anos na qualidade de escravo. Mas, no fim deste prazo, os deuses casaram Cadmo com Harmonia, a Filha de Ares e de Afrodite».

Pierre Grimal («Dicionário da Mitologia Grega e Romana»).


«Esta noite, cearemos com Plutão».

Leónidas de Esparta




Traição de Efialtes


O monarca não sabia o que fazer perante aquele problema, quando um natural de Mélide, Efialtes, filho de Euridemo, se encontrou com ele; na esperança de que obteria uma importante recompensa, indicou a Xerxes a existência do caminho que, através da montanha, conduz às Termópilas, o que veio a causar a desgraça dos Gregos ali posicionados.





















Posteriormente, temendo os Lacedemónios, Efialtes fugiu para a Tessália; mas, apesar de se ter exilado, os Pilágoros puseram a sua cabeça a prémio, por ocasião de uma reunião dos Anfictiões nas Termópilas. Algum tempo depois, regressou a Anticira, onde foi assinado por Aténadas, um natural de Traquín. É verdade que o tal Aténadas matou Efialtes por outro motivo (...), mas nem por isso deixou de ser recompensado pelos Lacedemónios. Assim foi como, depois destes acontecimentos, morreu Efialtes.

Existe, contudo, outra versão (que tem a sua difusão), segundo a qual foram Onetes de Caristo, filho de Fanágoras, e Córdalo de Anticira quem facilitou ao rei a citada informação, permitindo aos Persas rodear a montanha. Mas, a meu ver, a dita versão não merece credibilidade nenhuma. Primeiro, há que ter em conta que, na Grécia, os Pilágoros não puseram as cabeças de Onetes e Corídalo a prémio, mas a de Efialtes de Traquín e, sem dúvida, que deviam de estar informados com absoluta precisão. Por outro lado, sabemos que Efialtes fugiu devido a esta acusação. É certo que, apesar de não ser natural de Mélide, Onetes podia conhecer o caminho em questão, mas, como foi Efialtes quem guiou os Persas pelo caminho que rodeia a montanha, a responsabilidade é-lhe atribuída.


(...) O grosso das tropas abandona as Termópilas


Aos Gregos que se encontravam nas Termópilas, o primeiro a dizer-lhes que estavam destinados a morrer ao raiar o dia foi o adivinho Megístias, pois tinha-o visto nas entranhas das vítimas; posteriormente, houve também uns desertores, que os informaram da manobra envolvente dos Persas (esses indivíduos deram o alarme quando ainda era de noite); ao passo que, em terceiro lugar, foram advertidos, quando já amanhecia, pelos vigias que desceram os cumes a correr.


Os Gregos estudaram, então, a situação e os seus pareceres discordaram: uns negavam-se a abandonar a posição, enquanto outros se opunham a esse plano. Finalmente, os efectivos gregos separaram-se e enquanto uns se retiraram, dispersando-se em direcção às suas respectivas cidades, outros mostraram-se dispostos a ficar ali com Leónidas.

Conta-se também que foi o próprio Leónidas que, preocupado perante a possibilidade de que perdessem a vida, lhes permitiu que fossem embora, ao passo que a ele e aos Espartanos que o acompanhavam, a hora impedia que abandonassem a posição que estavam a defender. A título pessoal, subscrevo inteiramente essa versão; quando Leónidas se apercebeu do desânimo que reinava entre os aliados e da sua nula disposição para partilhar o perigo com os Lacedemónios, ordenou-lhes que retirassem, considerando, em contrapartida, que para ele constituía uma ofensa ir-se embora; além disso, se permanecesse no seu posto, deixaria uma fama gloriosa da sua pessoa e a prosperidade de Esparta não seria aniquilada.

Acontece que, por ocasião de uma consulta que, a propósito daquela guerra, os Espartanos realizaram, assim que o conflito estalou, a resposta que receberam dos lábios da Pítia foi que Lacedemón seria devastada pelos Bárbaros, ou que o seu rei morreria. Essa resposta foi ditada aos Lacedemónios em versos hexâmetros e rezava assim:



Olhai, habitantes da extensa Esparta,
Ou a vossa poderosa e exímia cidade é arrasada
pelos descendentes de Perseu ou não o é; mas, nesse caso,
a terra de Lacedemón chorará a morte de um rei da estirpe de Héracles.
Pois ao invasor não o deterá a força dos touros
ou dos leões, já que possui a força de Zeus. Proclamo,
enfim, que não se deterá até ter devorado um ou outro até aos ossos.




O que creio, definitivamente, é que Leónidas, reflectindo sobre o conteúdo deste oráculo, e com vontade de que a glória fosse património exclusivo dos Espartanos, permitiu que os aliados fossem embora, evitando assim que o fizessem pela sua disparidade de critérios, ou com tamanha indisciplina.

Além disso, existe, a meu ver, uma prova, e bastante concludente, sobre este caso particular. Trata-se da seguinte: é bem sabido que Leónidas, a fim de evitar a morte do adivinho que acompanhava aquela expedição, pediu ao acarnânico Megístias (que, segundo contam, descendia de Melampo) que também ele partisse; Megístias que fora precisamente quem, depois de examinar as entranhas das vítimas, lhe anunciara a sorte que os esperava. Contudo, apesar de ter autorização para partir, o adivinho negou-se a abandoná-los, ainda que tenha pedido ao único filho que tinha, e que se encontrava entre os expedicionários, para o fazer.

Os aliados que receberam autorização para partir empreenderam, pois, o caminho de regresso, de acordo com as indicações de Leónidas; os Téspios e os Tebanos foram os únicos que permaneceram ao lado dos Lacedemónios. De ambos os contingentes, os Tebanos ficaram à força (isto é, contra a sua vontade), pois Leónidas retinha-os na qualidade de reféns; em contrapartida, os Téspios fizeram-no com absoluta liberdade; negaram-se a abandonar Leónidas e os seus homens, pelo que permaneceram na posição, encontrando a morte juntamente com os Espartanos (a propósito, à frente dos Téspios figurava Demófilo, filho de Diádromes).


Vitória persa


Entretanto, quando o sol raiou, Xerxes efectuou umas libações e, depois de aguardar um certo tempo - mais ou menos até à hora em que a ágora se vê concorrida -, iniciou finalmente o seu ataque (pois era, precisamente, o que Efialtes lhe recomendara, já que se precisava de menos tempo para descer a montanha, e o trecho para salvar era muito mais curto, do que para a subir, rodeando-a).




Os Bárbaros de Xerxes lançaram-se, pois, ao assalto e, naquele instante, os Gregos de Leónidas, como pessoas que iam ao encontro da morte, aventuraram-se, muito mais do que nos primeiros combates, a sair da zona mais larga do desfiladeiro. Durante os dias precedentes, como o que se defendia era o muro que protegia a posição, tinham-se limitado a realizar tímidas saídas e a combater nas zonas mais estreitas. Mas, naquele momento, travaram combate fora da passagem e os Bárbaros sofreram elevadas baixas, pois, situados atrás das suas unidades, os oficiais, apetrechados com chicotes, chicoteavam toda a gente, obrigando os seus homens a prosseguir o seu avanço sem cessar. Daí que muitos soldados tenham caído ao mar, perdendo a vida, e muitíssimos mais tenham perecido, ao serem pisados vivos pelos seus próprios camaradas; contudo, ninguém se preocupava com aqueles que sucumbiam. Os Gregos, como sabiam que iam morrer devido à manobra envolvente dos Persas pelas montanhas, empregaram, com um furor temerário, todas as energias que lhes restavam.

Chegou, finalmente, um momento em que a maioria deles já tinha as lanças partidas, mas continuaram a matar os Persas com as suas espadas. No decurso desta gesta, caiu Leónidas, depois de um heróico comportamento e, juntamente com ele, outros destacados Espartanos, cujos nomes consegui averiguar, já que foram personagens dignas de memória; também consegui averiguar, na sua totalidade, os nomes dos trezentos.

Como é natural, ali também caíram muitos Persas de renome, entre os quais, concretamente, se contavam os filhos de Dario, Abrócomas e Hiperantes, nascidos da relação do monarca com a filha de Ártanes, Fratagune. (Ártanes era irmão do rei Dario, filho de Histapes e neto de Ársames; e, quando deu a mão da sua filha a Dario, dotou-a com a totalidade do seu território, dado que a rapariga era a sua única descendente).






Como digo, ali caíram em combate dois irmãos de Xerxes. [Também] por causa do cadáver de Leónidas se suscitou uma violenta luta entre Persas e Lacedemónios, até que os Gregos, graças à sua valentia, conseguiram apropriar-se dele e em quatro ocasiões obrigaram os seus adversários a retroceder.

Essa fase da batalha prolongou-se, até que se apresentaram os Persas que iam com Efialtes; pois, quando os Gregos se aperceberam que os ditos efectivos tinham chegado, a luta mudou radicalmente de aspecto: os Gregos bateram em retirada até à zona mais estreita da passagem e, depois de ultrapassarem o muro, foram posicionar-se sobre a colina, todos juntos, à excepção dos Tebanos. (A colina está à entrada, onde actualmente se situa o leão de mármore, erguido em honra de Leónidas). No dito lugar, defendiam-se com adagas, aqueles que tinham a sorte de as conservar em seu poder; e até com as mãos e com os dentes, até que os Bárbaros os sepultaram debaixo de uma chuva de projécteis, já que uns se lançaram em sua perseguição e, depois de derrubarem o muro que protegia a posição, os fustigaram de frente, ao passo que outros, depois da manobra envolvente, os acossavam por todo lado.


Os Gregos mais destacados. Diéneces


Apesar desse ser o comportamento dos Lacedemónios e dos Téspios, assegura-se, contudo, que o guerreiro mais destacado foi o espartano Diéneces. Segundo contam, esse indivíduo pronunciou, antes dos Gregos travarem combate com os Medos, a seguinte frase: ouvi um traquínio dizer que, quando os Bárbaros disparavam os seus arcos, tapavam o sol, tamanha era a quantidade das suas flechas (tão elevado era o seu número) e, sem alterar ou conceder a menor importância ao enorme potencial dos Medos, respondeu, dizendo que a notícia que o amigo traquínio lhes dava era francamente boa, tendo em conta que, se os Medos tapavam efectivamente o sol, teriam de combater o inimigo à sombra e não em pleno sol. Esta frase e outras do mesmo teor são, segundo contam, as provas que o lacedemónio Diéneces deixou da sua personalidade.

Os que mais se destacaram depois dele foram, segundo dizem, dois irmãos lacedemónios, Alfeu e Máron, filhos de Orsifanto. E, no que se refere aos Téspios, quem mais sobressaiu foi um indivíduo, cujo nome era Ditirambo, filho de Harmátides.



Epitáfios em honra dos caídos


Os Gregos foram sepultados no mesmo lugar onde caíram, tal como aqueles que, autorizados por Leónidas a fazê-lo, acabaram por morrer antes de se retirarem; e sobre as suas tumbas figurava uma inscrição, que rezava assim:


Aqui lutaram certo dia, contra três mil,
Quatro mil homens vindos do Peloponeso.


Como digo, esta inscrição faz referência à totalidade dos caídos, ao passo que aos Espartanos, em particular, se refere esta outra:


Caminhante, vai e conta aos Lacedemónios que aqui jazemos
Obedientes às suas ordens.

 
Este epitáfio, refere-se aos Lacedemónios; e este outro ao adivinho:


Este é o sepulcro do célebre Megístias (que um certo dia,
os Medos mataram, depois de atravessarem o rio Esperqueu),
um adivinho que, ainda que soubesse que naquele
momento as Keres espreitavam,
se negou a abandonar os guias dos soldados de Esparta.


Foram os Anfictiões que honraram os caídos com epitáfios e estelas, com excepção do epitáfio em homenagem ao adivinho, mandado gravar por Simónides, filho de Leóprepes, devido aos vínculos de hospitalidade que os uniam.


Espartanos sobreviventes




É verdade que, segundo contam, dois dos trezentos espartanos, Éurito e Aristodemo, podiam - se tivessem chegado a acordo - ter escapado, voltando juntos para Esparta (pois tinham sido autorizados por Leónidas a abandonar o acampamento e encontravam-se em Alpeno, acossados por uma grave doença ocular), ou então - se não queriam regressar à sua pátria - ter morrido com os seus camaradas. Esses dois indivíduos, insisto, podiam ter adoptado uma ou outra determinação, mas não conseguiram chegar a um acordo; e além disso, a sua decisão foi bem diferente: enquanto Éurito, ao aperceber-se da maneira envolvente dos Persas, pediu as suas armas, pô-las e ordenou ao seu hilota que o levasse de novo ao campo de batalha (depois de o conduzir ao palco das operações, o guia fugiu, mas ele lançou-se à luta, perdendo a vida), Aristodemo, pela sua parte, acobardou-se e ficou onde estava.

Pois bem, se Aristodemo tivesse regressado a Esparta, por ter padecido sozinho a doença, ou se tivessem regressado os dois juntos, sou de opinião de que os Espartanos não teriam manifestado indignação alguma relativamente a ambos. Mas o caso é que, como um deles tinha morrido e o outro, apesar de se encontrar na mesma situação, não quisera arriscar a vida, os Espartanos não tiveram outro remédio, senão irritarem-se muito com Aristodemo.

Definitivamente, uns pretendem - esgrimindo o dito pretexto - que foi assim que Aristodemo se salvou, regressando a Esparta. Outros, em contrapartida, asseguram que foi encarregado de levar uma mensagem fora do acampamento e que teve oportunidade de tomar parte na batalha; mas não o quis fazer, entretendo-se no caminho, para salvar a vida, ao passo que o seu companheiro de missão chegou a tempo para a batalha e encontrou a morte.


No seu regresso a Lacedemón, Aristodemo sofreu desonra e humilhação. As mostras de discriminação que teve de suportar foram as seguintes: nenhum espartano lhe dava fogo, ou lhe dirigia a palavra e, como demonstração de desprezo, recebeu a alcunha de Aristodemo «o Tremeliques». Contudo, na batalha de Plateias, reparou por completo a falta que se lhe imputava.

Segundo contam, houve também outro espartano, integrante do contingente de trezentos (o seu nome era Pantitas), que foi encarregado de levar uma mensagem a Tessália e que, por isso, conservou a vida. Contudo, quando esse indivíduo regressou a Esparta, devido à descriminação de que era vítima, enforcou-se.


 (...) Profanação do cadáver de Leónidas


(...) Xerxes passou por entre os cadáveres e, como ouvira dizer que Leónidas era o rei e o chefe dos Lacedemónios, mandou que lhe cortassem a cabeça e que a cravassem num pau. Para mim é evidente, por muitas provas e especial e concretamente por esta, que, de entre todos os seres humanos, Leónidas foi a pessoa, em vida, que mais irritou o rei Xerxes; pois, caso contrário, o monarca jamais teria ordenado que se ultrajasse o seu cadáver dessa maneira, já que os Persas são, que eu saiba, as pessoas que mais costumam honrar os soldados valorosos. Como é natural, aqueles que receberam a ordem cumpriram a sua obrigação (in ob. cit., pp. 150-151 e 153-161).





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