terça-feira, 19 de março de 2013

Alexandre Magno (ii)

Escrito por Plutarco








«... de que [Alexandre] tivesse sido envenenado, ninguém suspeitou naquela altura, dizendo-se apenas que, tendo sido feito um legado a Olimpíada, aos oito anos, mandou matar muitos e espalhou aos ventos as cinzas de Iolas, então já morto, por ter sido ele quem lhe ministrou o veneno. Os que dizem que Aristóteles foi quem aconselhou esta acção a Antípatro, e que também proporcionou o veneno, designam um tal Agnotemis como divulgador desta notícia, tendo-se-a ouvido ao rei Antígono, e que o veneno foi uma água fria e gelada que emanava de uma pedra, próximo de Nonacris, a qual era recolhida como um orvalho muito ténue, conservando-a num vaso feito de casco de burro, pois nenhuns outros a podiam conter, visto que os fazia rebentar com a sua excessiva frialdade e aspereza. Mas a maior parte crê que esta referência ao veneno foi uma pura invenção, tendo para tal como poderoso argumento o facto de terem os generais altercado entre si durante muitos dias, sem terem cuidado de dar sepultura ao corpo, o qual permaneceu num sítio quente e não ventilado, sem que nenhum sinal de semelhante modo de destruição aparecesse, mas, pelo contrário, manteve-se sem a menor mancha e fresco».

Plutarco («Vidas Paralelas»).



(...) Reunidos os Gregos no Istmo, decidiram marchar com Alexandre para a guerra contra a Pérsia, nomeando-o general; e, como eram muitos os homens de Estado e os filósofos que o visitavam e lhe davam os parabéns, ele esperava que fizesse outro tanto Diógenes, o de Sinope, que residia em Corinto. Mas este não deu nenhuma importância a Alexandre e passava tranquilamente a vida no bairro chamado Craneto, e assim teve de ser Alexandre a passar por lá para o ver. Achava-se ocasionalmente estendido ao sol e, tendo-se endireitado um pouco com a chegada de tantas personagens, fixou o olhar em Alexandre. Saudo-o este e perguntou-lhe em seguida se se lhe oferecia dizer alguma coisa.

- Muito pouco, respondeu-lhe. - Apenas que não me tapes o Sol.

Diz-se que Alexandre, perante aquela espécie de menosprezo, ficou tão admirado de semelhante elevação e grandeza de ânimo que, quando, depois de se afastarem dali, os que o acompanhavam começaram a rir-se e a troçar, lhes disse:

- Pois eu, se não fosse Alexandre, de boa vontade seria Diógenes.

Quis preparar-se para a expedição com a aprovação de Apolo e, tendo passado por Delfos, quis o acaso que os dias em que lá chegou fossem nefastos, aqueles em que não é permitido dar resposta: contudo, a primeira coisa que fez foi chamar a sacerdotisa; mas, negando-se esta e objectando com o disposto na lei, dirigiu-se até onde ela se encontrava e trouxe-a à força para o templo. Ela, então, mostrando-se vencida por aquela determinação, exclamou:

- És invencível, ó jovem!






Ouvindo isto, Alexandre disse que não necessitava de mais nenhum vaticínio, pois ouvira da sua boca o oráculo que lhe convinha. Quando já se encontrava em marcha para a expedição, ocorreram diferentes prodígios e sinais, e entre eles o da estátua de Orfeu em Libetra, que era de cipreste, e que naqueles dias exalou copiosos suores. A muitos, este fenómeno inspirou medo, mas Alexandre exortou-os a terem confiança, dizendo-lhes:

- Isto significa que Alexandre cometerá façanhas dignas de serem cantadas e aplaudidas; as quais, no entanto, darão muito que fazer e que suar aos poetas e músicos que as hão-de celebrar.

(...) Quando ia invadir a Índia, como visse que o exército arrastava uma grande carga atrás de si, e que era difícil mover-se, devido à grande riqueza dos despojos, nessa mesma manhã, estando já prontos os carros, queimou primeiro os seus e os dos seus amigos, e depois mandou lançar o fogo aos dos Macedónios, ordem que pareceu mais dura e terrível em si do que na sua execução, porque mortificou muito poucos e, pelo contrário, os demais receberam-na com entusiasmo e com demonstrações de aclamação e de júbilo, distribuíram as coisas mais precisas entre os que as pediram, e as restantes queimaram-nas, criando assim maior arrojo e confiança no ânimo de Alexandre. Era já então feroz e inexorável no castigo dos culpados, de maneira que, tendo nomeado Menandro, um dos seus amigos, governador de um forte, porque este não queria ali ficar, tirou-lhe a vida, e, tendo-se revoltado os bárbaros, ele próprio trespassou com uma flecha Orsodates. Sucedeu por essa altura que uma ovelha pariu um cordeiro que tinha na cabeça a figura e a cor de uma tiara, e a forma também de uns testículos, de um e de outro lado, o que pareceu a Alexandre mau sinal, pelo que tratou de se mandar purificar por uns babilónios que, para esse efeito, cuidava sempre de levar consigo; acerca do que disse aos seus amigos que não fora por si próprio que se havia sobressaltado, mas por eles, não acontecesse que um mau génio, faltando-lhes eles, transferisse o poder para um homem cobarde e obscuro. Mas um sinal bom que observou logo fez esquecer esta impressão de desalento: foi que um macedónio, chefe das tapeçarias, chamado Proxeno, ao alisar o sítio em que devia ser armada a tenda do rei, junto ao rio Oxo, descobriu uma fonte de um licor contínuo e untuoso, e, pelo primeiro que recolheram, descobriram que se tratava de um azeite límpido e claro, sem se diferenciar desta substância nem ao cheiro nem ao sabor, sendo também igual a ela na cor brilhante e na untuosidade, e isto num país que não produzia azeite. Diz-se, pois, que a água do Oxo é também muito branda e que põe gordurosa a pele dos que nela se banham. Aconteceu que Alexandre se alegrou extraordinariamente com este sinal, como demonstra com o que escreveu a Antípatro, colocando o facto entre os maiores favores que recebera do deus. Os adivinhos consideravam-no prognóstico de uma expedição gloriosa, mas trabalhosa e difícil, porque o azeite foi dado aos homens por Deus para remédio das suas fadigas.






Foram, pois, muitos os perigos que correu naqueles encontros, e graves as feridas que recebeu, mas o maior mal que a sua expedição sofreu foi a falta das coisas de maior necessidade e a destemperança do clima. No que diz respeito a ele próprio, fazia empenho em contrapor à fortuna a ousadia, e ao poder o valor, pois nada lhe parecia ser inacessível para os ousados, nem forte e seguro para os cobardes (11). Diz-se, portanto, que, tendo cercado o castelo de Sisimitres, que estava num rochedo muito elevado e inacessível, como os soldados já começassem a perder a confiança, perguntou a Oxiartes que espécie de homem era Sisimitres, quanto ao ânimo; e, respondendo-lhe este que era o mais tímido dos mortais, ripostou:

- Isso quer dizer que posso tomar o rochedo, pois aquele que manda nele não é forte.

Tomou-o, pois, bastando-lhe intimidar Sisimitres. Mandou contra outro castelo, igualmente escarpado, os mais jovens dos Macedónios e, saudando um que se chamava Alexandre, disse-lhe:

- A ti compete-te ser valente, mais que não seja pelo nome que tens.

Pelejou, efectivamente, aquele jovem com grande denodo, mas morreu na acção, o que causou a Alexandre grande pesar. Punham os Macedónios dificuldades em acometer a fortaleza chamada Nisa, por estar banhada por um rio profundo, e, estando ele presente, retorquiu:

- Pois, miserável de mim, não aprendi eu a nadar?




E, tendo já o escudo sobraçado, dispunha-se a passar. Deteve a acção por virem até ele com rogos embaixadores da cidade sitiada, os quais ficaram logo maravilhados por o verem em armas, sem nenhum acompanhamento. Trouxeram-lhe depois um almofadão e, pegando-lhe, mandou que se sentasse nele o mais ancião de entre eles, que se chamava Acufis. Admirado este ainda mais com tais mostras de benignidade e de humanidade, perguntou-lhe que haviam de fazer para se poderem contar entre os seus amigos; e, como lhes respondesse que a primeira coisa era nomearem-no chefe e príncipe de todos, e a segunda mandarem-lhe como reféns um cento dos melhores, pondo-se a rir, Acufis respondeu:

- Muito melhor farei, ó rei!, mandando-te os piores em vez dos melhores!

Diz-se que Taxiles, que possuía na Índia terrenos que não eram menores do que o Egipto em extensão, e abundantes e férteis como os melhores, e sendo homem de muito siso, saudou Alexandre e lhe disse:

- Que necessidade temos, ó Alexandre, de guerras e de batalhas entre nós, se não vens tirar-nos a água nem os alimentos necessários, que são as únicas coisas pelas quais é forçoso que os homens pelejem? No que toca às demais, que se chamam bens ou riquezas, se sou melhor do que tu, estou pronto a fazer-te o bem, e, se valho menos, não recuso mostrar-me agradecido pelo que receber de ti.

Satisfeito, Alexandre estendeu-lhe a mão direita e replicou:

- Pois pensas que, com essas palavras e essa bondade, o nosso encontro há-de ficar sem contenda? Fica sabendo que nada adiantas, porque me baterei e pelejarei contigo à força de benefícios, a fim de que não pareças melhor do que eu.






Recebendo, pois, muitos bens, e dando muitos mais, acabou por lhe dar um presente de mil talentos em dinheiro, como que desagradou sobremaneira aos amigos, mas fez com que muitos dos bárbaros se lhe mostrassem menos contrários. Os mais belicosos entre os da Índia eram pagos para defender com ardor as cidades e causavam-lhe grandes danos. Tendo, pois, estabelecido tréguas com eles numa delas, apanhando-os depois no caminho, quando retiravam, deu-lhes morte a todos; e entre os seus feitos de guerra, em que sempre se conduziu justa e regiamente, este é o único que pode ter-se como uma mancha. Não lhe deram os filósofos menos que fazer do que os bárbaros, indispondo contra ele os reis que se lhe haviam unido e fazendo revoltar-se os povos livres, pelo que lhe foi preciso enforcar muitos.

O relativo a Poro, foi o próprio Alexandre quem nas suas cartas escreveu como se passara, porque diz que, correndo o Hidaspes entre os dois acampamentos, tinha Poro colocado na frente do seu os elefantes, para guardarem a passagem, e que ele, pela sua parte, todos os dias fazia muitos movimentos e grandes alvoroços no seu campo, a fim de fazer com que os bárbaros a eles se acostumassem e não os temessem; que numa noite muito invernosa, em que a Lua não brilhava, levando algumas tropas apeadas e a fina flor da cavalaria, afastou-se muito dos inimigos e passou para uma ilhota de pequena dimensão; que ali foi surpreendido por uma grande chuvada, e, sendo muitos os relâmpagos e os raios que pareciam dirigir-se ao acampamento, de tal modo que muitos eram atingidos e calcinados por eles, saiu da ilhota para passar para a margem oposta, mas, como Hidastes ia muito cheio e fora do leito, por causa da tempestade, fizera uma grande abertura e inundação, correndo por ela as águas em notável quantidade, e que conseguiu firmar-se no terreno intermédio, mas com muito pouca segurança, por o terreno ser resvaladiço e estar molhado. Conta-se ter proferido ali a seguinte exclamação:

- Acreditaríeis agora, ó Atenienses, quantos trabalhos suporto, para ser celebrado entre vós!








Mas isto quem refere é Onesícrito; o próprio Alexandre diz que, deixando as lanchas, passaram armados a inundação, com água pelo peito. Depois de ter passado, adiantou-se com a cavalaria uns vinte estádios, fazendo conta que, se os inimigos acometessem com esta arma, melhor os venceria e, se quisessem travar batalha, também a sua infantaria chegaria até ele com antecipação; e sucedeu a primeira destas coisas: porque, tendo carregado com mil cavalos e sessenta carros, e morto trezentos homens, entendeu com isto Poro que o próprio Alexandre já estava daquele lado, pelo que pôs em movimento todo o seu exército, à excepção de algumas tropas que foi preciso deixar para trás para estorvarem a passagem aos Macedónios. Alexandre, por temor dos elefantes e do grande número dos inimigos, diz-se que carregou obliquamente pela ala esquerda, dando ordem a Geno para que acometesse pela direita, que por uma e outra foram os inimigos rechaçados, e, retirando-se sempre em direcção aos elefantes, os que iam de vencida embaraçavam-se e confundiam-se ali; e que, tendo o combate começado a ser travado ao nascer do Sol, com dificuldade fizeram ceder os inimigos à hora oitava. Isto é o que o próprio condutor desta batalha referiu nas suas cartas. A maioria dos historiadores concorda que Poro ultrapassara a estatura média em quatro côvados e um palmo, e que, montado, nada lhe faltava para ficar igual ao elefante quanto ao porte e robustez do corpo; e isto apesar de o elefante que usava ser dos maiores. Este animal mostrou naquela ocasião uma extraordinária inteligência e um cuidado extremo com o rei, pois, enquanto este conservou o vigor, defendendo-o encolerizado dos que o atacavam, fazendo-os em pedaços, mas, quando percebeu que estava a desfalecer, devido ao grande número de dardos e feridas, receoso de que caísse de repente, inclinou-se brandamente até ao chão, dobrando os joelhos, e, segurando depois suavemente com a tromba os dardos, foi-os arrancado um a um. Perguntando Alexandre a Poro, quando este foi feito prisioneiro, como queria que o tratasse, respondeu-lhe:

- Regiamente!

E, perguntando-lhe Alexandre se não tinha mais nada a acrescentar, retorquiu:

- Ao dizer regiamente, está tudo dito!

Deixou-lhe então autoridade não apenas sobre os seus antigos súbditos, com o nome de sátrapa, mas também lhe concedeu novos territórios, tendo-lhe submetido os povos livres, que eram quinze nações, em várias cidades (12) principais e muitas aldeias. Conquistou ainda outra região três vezes maior, da qual nomeou Filipe, um dos seus amigos.

Em consequência da batalha contra Poro, morreu Bucéfalo, não imediatamente, mas sim ao fim de algum tempo, quando, segundo a maioria, já se estava a curar das suas feridas, mas, segundo disse Onesícrito, fatigado por um trabalho que já não conseguia suportar devido à sua velhice, pois tinha trinta anos quando morreu.

Sentiu-o pronfudamente Alexandre, considerando que perdera nada menos do que um amigo e um servidor, pelo que mandou edificar em sua memória uma cidade junto ao Hidaspes, chamando-lhe Bucefália. Diz-se que, tendo perdido tambem um cão chamado Peritas, que havia criado e do qual gostava muito, edificou outra cidade com o seu nome. Sócion escreve que ouviu dizer isto a Potamon de Lesbos.






- O combate de Poro desanimou muito os Macedónios, dissuadindo-os de se quererem internar mais na Índia, pois ainda mal haviam derrotado este, que lhes fizera frente com vinte mil infantes e dois mil cavaleiros, quando já se voltava de novo a oferecer resistência a Alexandre, que queria forçar a passagem do rio Ganges, cuja largura sabiam ser de trinta e dois estádios e a sua profundidade de cem braças, e que a margem oposta estava guarnecida por grande número de homens armados, com cavalos e elefantes, porque se dizia que o estavam esperando os reis dos Gandaritas e dos Préssios, com oitenta mil infantes, oito mil carros e seis mil elefantes de guerra. E não se considere isto um exagero, pois Adrócoto, que reinou pouco depois, ofereceu a Seleuco um presente de quinhentos elefantes, e, com um exército de seiscentos mil homens, correu e subjugou toda a Índia. Ao princípio, dominado pela ira e pela raiva, Alexandre retirou-se para a sua tenda e ali permaneceu encerrado, dizendo que nada agradecia do que fora feito antes se não passasse o Ganges, e que considerava aquela retirada uma confissão de inferioridade e derrota. Mas, fazendo-lhe os amigos ver o que era conveniente e rodeando os soldados a sua tenda com lamentos e vozes em que lhe faziam rogos, condescendeu por fim e levantou o acampamento, tendo recorrido, para criar ilusão acerca da sua glória, a arbítrios estúpidos e a estranhas invenções, porque mandou construir armas muito maiores, e pesebres e freios de muito maior peso para os cavalos, e foi-os deixando espalhados pelo caminho. Erigiu também altares aos deuses, onde ainda hoje vão rezar os reis dos Préssios, deslocando-se àqueles locais e oferecendo sacrifícios, à maneira grega. Andrócoto, que era ainda muito jovem, viu Alexandre ter-se tornado dono de tudo, em face do desprezo com que era olhado o rei, devido à sua maldade e à sua origem.

Formou então Alexandre o projecto de ir dali ver o mar exterior (13) e, construindo muitos transportes e lanchas, navegava sossegadamente pelo rio. Mas nem por isso esta viagem era tranquila e sem perigo, pois, saltando em terra e acometendo as cidades, ia-as subjugando a todas. Sem dúvida que contra os chamados Málios, que se diz serem os mais belicosos da Índia, muito pouco faltou para não morrer. Porque com frechadas fez aqueles habitantes retirar das muralhas e, postas as escadas, foi o primeiro a subir, mas, tendo-se quebrado a escada, os bárbaros que estavam colocados junto à muralha causaram-lhe de lá de baixo vários ferimentos, mas ele, apesar de ter muito pouca gente consigo, teve o arrojo de se deixar cair no meio dos inimigos, ficando, por sorte, em pé; e, como as armas sofreram um súbito movimento, pareceu aos bárbaros que um resplendor e uma aparência extraordinária brotava dele. Assim, ao princípio, fugiram e dispersaram-se, mas, ao verem-no apenas com dois escudeiros, voltaram a correr para ele e alguns, embora ele se defendesse, conseguiram feri-lo de perto com espadas e lanças, e um que estava mais longe disparou com o arco uma seta com tal força e rapidez que, trespassando a couraça, se lhe cravou entre as costelas, junto ao mamilo. Cedeu o corpo ao golpe e também se transtornou um tanto, e o atirador correu para lá, sacando o alfange que usam os bárbaros, mas Pucestas e Limneu puseram-se na frente e, sendo ambos feridos, este perdeu a vida, mas Peucestas aguentou-se e Alexandre deu morte ao bárbaro. Recebera muitos golpes e, ferido por fim com uma maça junto ao pescoço, teve de se apoiar à muralha, ficando a olhar os inimigos. Acudiram neste momento os Macedónios e, recolhendo-o já sem sentidos, levaram-no para a sua tenda, e, ao princípio, correu no exército o rumor de que morrera. Tiraram-lhe, não sem grande dificuldade e trabalho, o cabo da seta, que era de madeira, depois do que foi possível desapertar-se a couraça, embora também a muito custo, pondo-se assim a descoberto a ferida e verificando-se que a ponta que, segundo se diz, tinha três dedos de comprimento e quatro de largo, se encontrava cravada num dos ossos. Quando lha estavam a tirar, teve desmaios em que julgaram que se iria ficar, mas logo se restabeleceu. Embora tivesse ficado fora de perigo, aquilo deixou-o muito débil, e teve de passar muito tempo a dieta e a medicar-se, mas, sentindo um dia, da parte de fora, os Macedónios alvoraçados e inquietos com o desejo de o ver, pôs as suas roupas e saiu para onde eles se encontravam. Sacrificou depois aos deuses e, voltando a embarcar e a largar as velas, subjugou novas regiões e muitas cidades.






Caíram em seu poder dez dos filósofos gimnosofistas, aqueles que com as suas persuasões mais tinham contribuído para que Sabas se revoltasse e que maiores males haviam causado aos Macedónios. Como tinham fama de ser muito hábeis em dar respostas breves e concisas, propôs-lhes certas perguntas obscuras, dizendo que mandaria matar primeiro aquele que pior respondesse, e assim por esta ordem, intimando o mais ancião a julgar. Perguntou ao primeiro se, na sua opinião, eram mais os vivos ou os mortos, e a resposta foi que eram mais o vivos, pois os mortos já não eram. Ao segundo, perguntou qual é que criava maiores animais, se a terra ou o mar, respondendo-lhe ele que era a terra, porque o mar fazia parte dela. Ao terceiro, qual era o animal mais astuto, sendo-lhe dito: «Aquele que o homem ainda não conheceu». Perguntando ao quarto com que fim fizera com que Sabas se revoltasse, respondeu-lhe ele: «Com o desejo de que vivesse bem, ou morresse mal». Sendo perguntado ao quinto qual lhe parecia que havia existido primeiro, o dia ou a noite, respondeu-lhe que o dia precedera a noite num dia, e acrescentou, vendo que o rei se mostrava admirado, que, sendo enigmáticas as perguntas, também o deviam ser as respostas. Mudando, pois, de método, perguntou ao sexto como é que uma pessoa poderia conseguir ser a mais amada entre os homens, respondendo-lhe ele: «Se, sendo o mais poderoso, não se fizer temer». Dos demais, interrogado um acerca de como é que uma pessoa podia passar de homem a deus, disse-lhe: «Se fizesse coisas que ao homem são impossíveis de fazer». E, perguntando a outro qual podia mais, se a vida ou a morte, respondeu-lhe que era a vida, pois era capaz de suportar tantos males. Perguntando ao último até quando deveria o homem ter por bem viver, este respondeu-lhe: «Enquanto não preferir a morte à vida». Voltou-se então para o juiz, mandando-lhe que se pronunciasse, e, tendo este dito que todos haviam respondido o pior possível, Alexandre se declarou:

- Pois tu serás o primeiro a morrer, por julgares dessa maneira.

Ao que aquele replicou:

- Isso não pode ser, ó rei, a menos que te contradigas, pois disseste que morreria primeiro o que pior respondesse.



Deixou, pois, ir estes livres, havendo-lhes ainda dado presentes, e aos que, tendo também fama, viviam à sua conta, deu ordem a Onesícrito que lhes dissesse que o fossem ver. Era Onesícrito um filósofo dos da escola de Diógenes, o cínico, e diz-se que Calano lhe mandou com desdém e má cara tirar a túnica e escutar nu as suas lições, pois de outro modo não lhe dirigiria a palavra, nem que viesse da parte de Júpiter, mas que Dandamis o tratou com mais soçura e, tendo-lhe ouvido falar de Sócrates, de Pitágoras e de Diógenes, dissera que lhe pareciam homens apreciáveis, embora, em seu entender, tivessem vivido com demasiado submissão às leis. Outros são de opinião de que Dandamis não terá dito mais do que isto:

- Pois, com que fim é que Alexandre fez uma viagem tão grande, para vir até aqui? (in ob. cit., pp. 84-94).


Notas:

(11) O sentido desta passagem é que o valor acaba sempre por vir ao de cima e para a cobardia não existe posto algum suficientemente forte e seguro.

(12) No original diz-se que foram cinco mil as cidades, mas neste número naturalmente que há algum erro, pelo que se considerou preferível não o determinar.

(13) O mar Eritreu, por oposição ao Mediterrâneo, ou mar interior.


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