quinta-feira, 10 de abril de 2014

Maçonaria, ONU e "teologia da libertação" (i)

Escrito por Roberto de Mattei








«Bento XVI teve um papel central na ocultação da verdadeira mensagem de Fátima. Pelo menos é o que se diz. Na sua qualidade de alto responsável do Vaticano durante o papado de João Paulo II, foi o então cardeal Ratzinger que apresentou o comentário oficial ao chamado Terceiro Segredo de Fátima, um segredo muito tempo guardado e adiado. Segundo muitos católicos, tratou-se de uma acção de branqueamento. A par dos seus antecessores papais, desde 1917, Bento XVI falhou na consagração da Rússia como foi pedida por Nossa Senhora de Fátima. Pior, alguns tradicionalistas afirmam que, estes papas são parte de uma conspiração da Maçonaria. Alguns críticos dizem que, como os quatro Papas antes dele, Bento XVI é um herege, o anticristo, o último líder de uma campanha diabólica para destruir a Fé Cristã. Em 1917, Nossa Senhora de Fátima profetizou essa eventualidade e as consequências graves que teria para toda a humanidade. Pelo menos é o que se diz».

Len Port («O Fenómeno de Fátima»).


«(...) A política foi, até à sua morte, a grande paixão de Montini. Esteve ligado, desde muito novo, ao Partido Popular, e depois à Democracia Cristã, cujos desenvolvimentos seguia atentamente.

Durante a II Guerra Mundial, foi responsável pela organização do extenso trabalho e apoio aos refugiados políticos.

Foi nomeado pelo Papa Pio XII, em 1954, Arcebispo da ArquiDiocese de Milão. A promoção a Arcebispo, foi, na realidade, e de acordo com alguns, uma "despromoção", cujo motivos ainda hoje não são claros.

Segundo alguns, Mons. Montini esteve envolvido na traição do Padre Alighiero Tondi; de acordo com o Cardeal Siri, foi enviado para Milão na sequência do juízo negativo de uma comissão secreta criada por Pio XII que tinha perdido a confiança no Substituto pelo facto de este proteger o Presidente da Acção Católica, Mário Rossi, que se batia por uma Igreja empenhada à esquerda; por sua vez, o Cardeal Casaroli confiou a Andrea Tornielli que as relações do Papa com o seu principal colaborador "começaram a deteriorar-se substancialmente devido aos contactos de Montini com os ambientes da esquerda da política italiana, estabelecidos sem o conhecimento de Pio XII". Do epistolário de Mons. Montini com o Padre Giuseppe de Luca - e de acordo com Roberto de Mattei - pode concluir-se que, através do sacerdote romano, o Substituto mantinha contactos com os católicos comunistas e com alguns sectores do Partido Comunista italiano. Por sua vez, Andrea Riccardi recorda que algumas nomeações de Bispos da Lituânia, "se não misteriosas, pelo menos obscuras", tinham dado lugar a boatos sobre infidelidades de Montini nas questões soviéticas, boatos que remontam a um "relatório secreto" de Claude Arnould, coronel francês católico e anti-comunista, que tinha sido encarregado de investigar a passagem de informações reservadas da Secretaria de Estado aos governos comunistas do Leste; Arnould tinha atribuído a origem das fugas a Mons. Montini e à sua entourage, lançando o alarme do Vaticano. Andrea Tornielli, citado por Roberto de Mattei, trouxe à luz alguns documentos que parecem provar a credibilidade de Arnould, o qual gozava da total amizade do Cardeal Tisserant e circulava aos níveis mais elevados do Estado e da Igreja de França.

O certo é que o futuro Papa tinha sido embebido de cultura francesa, e tinha simpatia pela novas correntes progressistas, em particular pela obra de Jacques Maritain. Observa Riccardi: "parece provável" que Montini "procurasse novos caminhos nas fronteiras do Leste, talvez apenas como hipóteses de trabalho", porque "a leitura maritainiana do comunismo e a situação dos católicos do Leste o incitavam a tal". Na fase preparatória do Concílio, o ArceBispo Montini tinha participado na Comissão Central Preparatória, alinhando sempre com os progressistas, mas de forma moderada.



Paulo VI nas Nações Unidas



(...) A 2 de Dezembro de 1964 [Paulo VI] foi ao Congresso Eucarístico de Bombaim: e deixou o seu carro Lincoln que lhe foi oferecido na ocasião pela Madre Teresa de Calcutá para os pobres. Viagem que (...) azederá as relações do Vaticano e de Paulo VI com o Portugal de Oliveira Salazar.

A 5 de Outubro de 1965 discursou na Organização das Nações Unidas (ONU), deixando um eco universal:

"Nunca mais a guerra! É a paz que deve guiar os destinos dos povos e de toda a humanidade!"

(...) Mas esta viagem à ONU irá horrorizar Franco Nogueira, o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, uma vez que o Papa irá elogiar a instituição, descrevendo-a como o "ideal com que a humanidade sonha através da sua peregrinação no tempo". Mas Paulo VI irá dizer mais: a ONU era parte "do desígnio de Deus". Os funcionários da ONU ficaram encantados, o mesmo sucedendo com os representantes dos países africanos, que viam uma clara crítica e condenação do "colonialismo" português. A propósito da posição crítica de Paulo VI em relação ao "colonialismo" em geral, Salazar haveria de comentar:

"Embora o colonialismo possa revestir diversas formas e a palavra assuma os mais diversos significados, a inserção do termo na passagem em que se encontra permite a povos africanos a exploração de que a nós se dirige e traduz a condenação da nossa política ultramarina. Bem vistas as coisas, é à obra colonial que se deve a paz em África no último século e à descolonização que se devem as guerras actuais e as que nos aguardam no tempo presente e nos próximos".

Mas depois, o chefe do Governo, e de modo irónico, referiu:

"Certamente o Santo Padre não pretendeu apresentar tese histórica mais do que duvidosa, mas aproveitar circunstâncias para perfilhar teses agradáveis aos povos africanos na sequência da política que temos acompanhado e que infelizmente temos sentido afirmar-se contra os nossos interesses e até os interesses da Igreja"».

José Carvalho («Salazar e Paulo VI»).


«Não há dúvida de que a Igreja Católica, aquando do Pontificado de Paulo VI na sequência do Vaticano II (1962-1965), encetou contactos e negociações com os governos comunistas a ponto de os reforçar ainda mais. Por outro lado, é um facto de que Paulo VI, já no passado, mantivera "contactos com os católicos comunistas e com alguns sectores do Partido Comunista italiano", além de manifestar simpatia pelas correntes progressistas e ficar, no ínterim, conhecido como o "Arcebispo dos Operários" (cf. José Carvalho, Salazar e Paulo VI, Zebra Publicações, 2013, p. 17).






Em 1970, Paulo VI recebeu ainda os três chefes da guerrilha comunista de Angola, Moçambique e Guiné, traindo assim a confiança de Portugal que travava uma guerra nas três frentes do Ultramar instigada por forças e potências de grande influência no palco internacional. Não admira, pois, que o “Papa comunista” tenha descrito a ONU como o "ideal com que a humanidade sonha através da sua peregrinação no tempo" ou de que a ONU era parte do "desígnio de Deus". Aliás, "chegou a ouvir-se, inclusivamente, que o Papa queria entregar uma parte do Vaticano nas mãos da Unesco" (cf. op. cit., pp. 25-26). Mais: Paulo VI, "aquando da sua viagem no Extremo Oriente, em Hong Kong, dirigiu uma saudação tão afectuosa e comprometedora [à 'revolução cultural' chinesa] que o governador da cidade se viu obrigado a impedir a sua difusão" (cf. op. cit., p. 35). Em suma: Paulo VI, que dizia ter "a sensação de que o fumo entrou dentro do templo de Deus por alguma fissura", era o mesmo Papa que não só dera apoio moral aos terroristas em África e aos partidos de esquerda na América Latina, como também considerara "benevolente a Cuba de Castro e permitiu Bispos e padres marxistas"» (cf. op. cit., p. 42).

Miguel Bruno Duarte («Operação Saramago»).


«Lisboa, 3 de Maio [1967] - Exposição e debate no Instituto de Altos Estudos Militares. Interesse vincado pelas questões de África e pelas relações com os Estados Unidos. Talvez melhor ambiente do que na última vez: mais confiança, mais calor nacional. Dei aos oficiais a notícia da vinda de Paulo VI a Fátima. Sussurro de emoção na sala. E ao fim da manhã começam a circular telegramas das agências confirmando que o Papa fizera em S. Pedro a declaração prevista: virá a Fátima no dia 13. Telefono a Salazar, e depois de muita dialéctica anuiu a que a nota oficiosa, a publicar por nós, emanasse da Presidência do Conselho e não do Ministério. À tarde, Conselho de Ministros. Curioso: fiz uma exposição sobre os antecedentes da visita papal mas não me pareceu que suscitasse interesse o assunto.

Lisboa, 4 de Maio - Toda a manhã reunido com o núncio e dois padres italianos vindos de Roma para combinar os pormenores da visita. Um dos padres parece um polícia rude. Falámos de tudo: e conclui-se que o Papa, ao almoço, quer sopa, frango, um pouco de vinho tinto, e um cálice do Porto. Mais do que sóbrio. Internacionalmente, teve a maior repercussão o anúncio da visita. A nossa República, numa expressiva manifestação de civismo, noticiou o facto em dez linhas escusas e apagadas. Nas alfurjas do boato e da intriga, diz-se: afinal, não tem interesse a vinda do Papa porque não se desloca como Chefe de Estado; afinal o Papa é um incorrecto porque não quer vir a Lisboa. E não nos libertamos disto, neste país.



Nossa Senhora de Fátima



Lisboa, 7 de Maio - Dou um salto a Monte Real e a Fátima, e examino os preparativos locais para receber Paulo VI. Preocupa-me o serviço de ordem e de segurança, e não estou certo de que os nossos meios estejam à altura do que se requer. Veremos. Quanto aos padres italianos, vieram dizer-me, preocupadíssimos, que é preciso defender a imagem do Papa: esta tem de ser "calma, de bondade, de caridade" e há que tirar boas fotografias do Pontífice. De Madrid, recebo uma informação da nossa embaixada: preparam-se atentados contra vultos portugueses - e contra o Papa. De Nova Iorque, e de origem americana, chega a notícia de que um grupo de oficiais organiza um golpe de estado contra o Presidente do Conselho. Transmito estas novas ao chefe da Polícia. Põe de lado o segundo rumor; mas atribui verosimilhança ao primeiro, que segundo confessa o deixa preocupado. Quanto aos oficiais, não acredita; mas diz saber que em muitos meios militares há insatisfação com a condução da guerra, e criticam muito os comandos, o conceito estratégico e táctico, a quase apatia em que caímos, e até a "própria Defesa não escapa". Por "própria Defesa" tem de entender-se, obviamente, o Ministro da Defesa.

Monte Real, 13 de Maio - Com os ministros da Justiça e do Interior, acompanhei ontem o cardeal D. José da Costa Nunes, a pé, até ao Santuário, debaixo de chuva em torrentes. D. José muito firme e ligeiro nos seus 87 anos. Cansou-se menos do que eu. Sigo depois para Monte Real. No Hotel, quase todo o governo, ao jantar, num ar festivo, eufórico, como em véspera de excursão ou partida de caça. Procurei Salazar, e encontro-o numa salinha escura, ainda à mesa com Mário de Figueiredo e Luís Supico. Salazar fez perguntas, informou-se de pormenores, e ficou de repente muito irritado ao saber que o Papa ministraria comunhão, mas a limitaria a cinco pessoas, quanto a ministros. Salazar declara que não comungaria, e assim devia proceder o governo todo, se tivesse brio: é que ou não há comunhão ou não tem limites, não se pode escolher quem tem mais ou menos fé, nem tirar à sorte a quem cabe comungar. Mas quando soube que iria ser trazida a Fátima a vidente Lúcia e exibi-la ao público, então ficou Salazar furioso: considerou o facto como um acto demagógico de Paulo VI. E comentou: "Se o Papa não tivesse mandado dizer que queria falar comigo, ia-me embora para Lisboa logo depois da missa e não tinha com o Pontífice qualquer entrevista". Mas todos concordámos em que se não podia evitar uma coisa, nem outra; e todos dissemos a Salazar que não podia retirar-se para Lisboa, nem eximir-se à entrevista com o Papa. Aliás, tratava-se de um problema da Igreja e não do governo. Concordou, a resmungar interiormente. Pela meia-noite, Salazar foi-se deitar. Com António de Faria, Santos Júnior e Paulo Rodrigues ainda fomos ao aeroporto de Monte Real dar uma última vista de olhos ao dispositivo de segurança e da recepção. Torno ao hotel, fico num quarto por cima do de Salazar, e a humidade e o frio não me deixaram dormir a noite inteira.


Vejo pela janela o amanhecer deste dia 13, e o céu está baço, chuvoso, triste. Estou em Monte Real pouco além das nove horas, e em minutos chega todo o governo, e no fim Salazar. Depois, o Presidente da República. Está atrasado o avião do Papa, dizem da torre; mas quase não se dá por isso. Aterra o aparelho. E logo o Pontífice assoma à porta, de braços erguidos, e todo de branco, sem mácula, sem uma ruga, sem uma dobra, como se passado a ferro há instantes. Desceu, adianta-se o Faria, depois o Presidente, depois todos, fez-se a confusão sob uma chuva miudinha, e passa-se à tribuna de luxo, onde se pronunciam os discursos. Retira-se o governo para Fátima, e o Papa fica na sala disposta para seu descanso. Aí fico com Paulo VI uma meia hora. Seguiu-se para Fátima por Leiria; a chuva cessou; e o cortejo adianta-se, lento, por entre o povo que em todo o trajecto saúda o Papa, de pé no automóvel descoberto. Eu, uns tantos carros atrás, sempre num pavor de um atentado contra Paulo VI. Com o Faria, ultrapasso o cortejo em Leiria, para chegar antes do Papa a Fátima. E observo a entrada do Pontífice no Santuário. Está previsto que Paulo VI faça percurso a pé, do fundo do terreiro, através de um milhão de pessoas, até à Basílica. Mas vem ter comigo o chefe da Polícia, e ansioso diz-me: a polícia, se o Papa for a pé, não se responsabiliza pela sua segurança, salvo se lhe for consentido o uso da violência. Pode fazê-lo? Não posso consultar ninguém, mas é evidente que não, e respondo de pronto: o Papa não pode entrar em Fátima precedido pela força: seguirá no automóvel. E assim rompe por entre a multidão: do seu carro, Paulo VI saúda, dá a bênção, ergue os braços abertos para o céu, e irradia comunicabilidade, e foi perfeito. Em redor, é um vasto mar de lenços brancos que adejam, esvoaçam, vitoriam: daquela humanidade sobe uma força de fé que ajoelha todos aos pés da Virgem e do Papa. Chegado aos degraus da tribuna erguida em frente da Basílica, foi difícil retirar do carro o Papa: uma multidão emocionada e fora de si quer tocá-lo, agarrá-lo, rasgar-lhe as vestes para guardar farrapos como relíquias. Apenas com muito esforço consegue a polícia garantir ao pontífice a possibilidade de subir os degraus. Não sem que Paulo VI sofresse um encontrão ou dois.


Paramentado na Basílica, diz o Papa a Missa em português, e proferiu uma homilia consagrada à paz na Igreja e no mundo. Depois, há uma cena: no trono, o Papa acolhe a Irmã Lúcia, que benze e abençoa, como afaga outros familiares. Tudo foi feito com algum espectáculo, e há que ter compreensão: o Pontífice, conversando com Lúcia, recebe aos olhos do Mundo o património espiritual e a mensagem mística de que até aqui a Irmã Lúcia era a única depositária. Finda a Missa, verifica-se que não pode o Papa descer ao terreiro: está ainda mais compacta a multidão; e Paulo VI não pode incorporar-se, como desejaria, na procissão que se forma para a Capelinha das Aparições. E o Papa é conduzido pelas colunatas e arcadas e surge na varanda da Casa do Retiro. Novo delírio, e novo mar de lenços brancos a esvoaçarem-se pelo terreiro e imediações. Recolheu depois o Papa aos aposentos preparados na Casa de Nossa Senhora do Carmo, mais do que modestos, mais dos que pobres. Na parte restante do edifício, é a confusão, o caos construtivo: pelos corredores há bispos dispersos, entra-se numa sala e acotovela-se um cardeal ou vários cardeais, e de todos os lados surgem membros do governo, embaixadores, personalidades que parecem de consequência mas cuja identidade ninguém conhece, e que apenas andam por ali. Pela tarde, refeito de fadigas, Paulo VI dá as audiências previstas: ao Presidente da República, ao chefe do Governo (à qual Cigognani e eu fomos admitidos). E depois foi a loucura perfeita e integral. Audiência do Papa, numa primeira sala, a membros de famílias reais, enquanto se congregam noutra sala as altas autoridades e elementos civis; finda aquela audiência, o Papa passa à segunda sala; logo se esvazia a primeira sala para se encher com outro grupo; o Papa retrocede para lhe conceder audiência; e assim Paulo VI anda para trás e para diante, de sala em sala, a conceder audiências em massa e em velocidade. Assim como um clínico que atende sucessivamente vários doentes, cada um em sua sala. Uma trapalhada. Por este sistema recebeu o Papa o corpo diplomático, os Cardeais e Bispos, a Acção Católica, os escuteiros, os de São Vicente de Paula, outros grandes da terra. Duas sólidas horas mais tarde, e após violenta chuvada, sai Paulo VI em carro aberto para Monte Real. Novo delírio. De um lado e outro de caminhos e estradas, é povo e mais povo. Vou no cortejo, seguimos pela Batalha: quis Paulo VI lançar ao mosteiro uma rápida vista de olhos. Acompanho o Pontífice, levo-O à Capela do Fundador, explico-lhe em dois traços a história do monumento. Quando aponto o túmulo do Infante D. Henrique, nitidamente vi uma emoção funda no rosto do Papa. Perguntei se queria admirar as Capelas Imperfeitas. Respondeu que era sempre bom deixar qualquer coisa para desejar. Comentei que então ficaria essa visita para a nova vinda do Santo Padre a Portugal. Sorriu com benévola compreensão, e como quem aquiesce afectuosamente. Mais aclamações em Leiria, e também de gente apinhada em torno da Base Aérea. E discursa à partida para agradecer aos bispos de "Portugal continental, insular e ultramarino" e aos missionários portugueses que a exemplo dos seus antecessores "levam a Boa Nova do Evangelho às mais remotas regiões desta grande nação". Sobe para o avião, e torna a Roma Paulo VI. Foi um dia de grande emoção popular, de grande espectáculo, de grande política para a ala conservadora da Igreja. Por entre os peregrinos que dispersam por todos os caminhos e que entravam estradas e povoações, regresso de automóvel a Lisboa com António Faria. Não sei qual de nós está mais exausto.




Lisboa, 14 de Maio - Jantar e recepção na Ajuda em honra do Cardeal Costa Nunes. Falo muito com Salazar depois do banquete e durante a recepção. Está bem-disposto a olhos vistos, e em noite de sarcasmo sangrento: "O que mais aprecio na visita do Papa é a fúria dos nossos inimigos". Eufórica, do fundo do salão, vem Cecília Supico Pinto, e diz: "Sabe, Sr. Presidente, o Papa abençoou o Movimento Nacional Feminino!". Salazar, num riso que não podia ser mais aberto, deixa cair: "Não faz bem nem mal". No mais, o Corpo Diplomático assediou-me para me dizer que a visita e sua organização haviam sido para Portugal um êxito sem par.

Lisboa, 15 de Maio - Por que veio Paulo VI a Fátima? Orar pela paz na Igreja e pela paz no Mundo. Crentes e não crentes estarão de acordo, e ninguém em seu juízo fará reparo. Mas o Papa não pode desconhecer a posição portuguesa em matéria ultramarina e o nosso conflito com a ONU, nem ignorar as críticas que nos são dirigidas por virtude das instituições políticas que nos regem, e que são apodadas de fascistas pela extrema-esquerda. Sem embargo, veio. Deve ter pensado, meditado, pesado com tempo os prós e os contras. Resolveu vir. Quer dizer que na medição dos prós e dos contras, achou um saldo positivo para a Igreja, e daqui poderá concluir-se um saldo negativo para Portugal, uma vez que no momento a política do Vaticano se afirma contrária ao que consideramos os nossos interesses vitais em África. Mas, apesar de tudo - veio. No seu ânimo, o Papa deve ter considerado o regime interno português, capitulado de ditatorial; o carácter "retrógrado" da vida política portuguesa; a política ultramarina portuguesa, oficialmente odiada por grande parte de África; o nosso conflito com a ONU, a que há dois anos o Papa se dirigiu para a acreditar e a prestigiar; as nossas dificuldades com os Estados Unidos, cujos católicos financeiramente contribuem com largueza para o Vaticano; e o ressentimento que uma visita causaria à Espanha (com os seus eternos ciúmes) e a França (com a sua eterna rivalidade por causa de Lurdes). Todos estes eram factores que se opunham à visita. E veio. No lado favorável, terá anotado o Papa: trata-se de um país católico, a visita papal terá projecção na América Latina, e a própria fé mariana do Papa, já proclamada nos tempos em que era Monsenhor Montini. Todos estes aspectos, contudo, não parecem fortes o que baste para contrabalançar os inconvenientes. Por isso será de presumir que, mais do que os factos e a circunstâncias actuais, terão pesado os propósitos ou intenções reais de Paulo VI. Ora o Papa não poderá ter vindo para "apoiar" o governo e as instituições, mas para contrariar uma coisa e outra. Neste sentido, o Papa terá querido reforçar a posição dos católicos em Portugal, especialmente dos progressistas, que talvez estivessem a perder terreno como força política. Isto explicará o seu desejo de encontro com o laicado da Acção Católica, o que fez por breves minutos, e aliás sem consequências. Mas de tudo fica o contacto do Papa com o Povo, e este não se apercebe de subtilezas. Mas se os objectivos de Paulo VI são de hostilidade, então não se entendem as palavras da sua homilia em Fátima: afirmando que o Concílio Vaticano II não pode ser interpretado como destruindo as "tradicionais e constitucionais" estruturas da Igreja, nem como contrário aos verdadeiros mestres antigos, Paulo VI deu à sua doutrinação uma guinada que o aproxima de Pio XII e o distancia de João XXIII. E então haveremos de concluir que o Papa, desiludido do progressismo, frustrado no seu apostolado fora do Ocidente, vendo as cristandades perseguidas e a diminuir, terá resolvido apoiar-se no catolicismo tradicional, e regressar à matriz mais autêntica. Como quer que seja, será muito difícil para os afro-asiáticos citar doravante o Papa contra Portugal nos debates na ONU, e acaso passará Paulo VI a ser atacado e não apontado como um exemplo. De todo o modo, e por mais instinto do que por fria lógica, sinto que esta visita papal foi útil a Portugal; esta nação, em si própria e no mundo, não sente hoje o mesmo que sentiu no dia 12. Fomos grandes missionários, fizemos cristandade, fomos padroeiros, desempenhámos um papel no mundo católico: mas este esbatera-se e quase se perdera: e não temos sabido reconstituí-lo em termos modernos. Com a visita do Pontífice, regressa Portugal ao Reino da Cristandade. Salazar não parece partilhar deste aviso, e não se afigura impressionado. Disse-lhe: foi no seu governo que um Papa, pela primeira vez, veio a Portugal. Julgo que este pensamento não lhe foi indiferente; mas calou-se. Ou estarei eu a avolumar tudo isto? E em tudo teve o António de Faria um papel de consequência: Paulo VI reconheceu-o na conversa de despedida em Monte Real.






(...) Lisboa, 23 de Maio - Conselho de Ministros. Das seis às nove e meia. Salazar faz uma lúcida exposição sobre a visita de Paulo VI. Acentua dois pontos: o Papa deve ter sentido a necessidade de reafirmar a validade do culto mariano, e para isso escolheu o maior santuário mariano da cristandade; a viagem do Pontífice romano deve ter contribuído para agravar as diferenças entre católicos e protestantes, visto que para estes o papado e o culto mariano são os dois formidáveis obstáculos à unidade cristã; e o Papa, sublinhando e exaltando esse culto, cavou mais fundo o abismo que separa catolicismo e protestantismo. Isto deve ser válido. É muito confusa e complexa a razão decisiva que determinou Paulo VI a vir a Fátima e a expor-se à crítica. E foi tudo...».

Franco Nogueira («Um político confessa-se - Diário: 1960-1968»).


«(...) SE, NA ÁRVORE DA VIDA, os mamíferos formam um ramo principal, o Ramo principal - os primatas, pelo seu lado, quer dizer, os cérebro-manuais, são a flecha desse ramo - e os antropóides o botão que remata a flecha.

A partir daqui, acrescentaremos nós, é fácil decidir onde devem os nossos olhos deter-se na Biosfera, na expectativa do que deverá acontecer. Por toda a parte, como já sabíamos, no seu cume, as linhas filéticas activas se tingem de ciência. Mas numa região bem determinada, no centro dos Mamíferos, onde se formam os cérebros mais potentes alguma vez construídos pela Natureza, essas linhas vão ao rubro. E acende-se já, no coração da zona, um ponto de incandescência.

Não percamos de vista esta linha que a aurora torna purpúrea.

Ao cabo de milhares de anos, durante os quais ela sobe no horizonte, num ponto estritamente localizado, vai irromper uma chama.

Chegou o pensamento!».

Pierre Teilhard de Chardin («Hino do Universo»).





Maçonaria, ONU e "teologia da libertação"


(...) O Concílio Vaticano II e a Maçonaria







Tal como o Cardeal Dante, também Mons. Lefebvre recordou na sua intervenção que as origens da liberdade religiosa deviam ser procuradas «fora da Igreja, nos pretensos filósofos do século XVIII: Hobbes, Locke, Rousseau, Voltaire» (1), e que fora em vão que, em meados do século XIX, Lamennais e os católicos liberais haviam tentado adaptar esta concepção à doutrina da Igreja, e foram condenados por Pio IX e por Leão XIII. «Neste ano [1965], o maçon francês Yves Marsaudon publicou um livro intitulado L'ecuménisme vu par un franc-maçon de tradition (2), no qual exprime o desejo dos maçons de que o nosso Concílio proclame solenemente a liberdade religiosa. [...] Que mais se pode querer para vossa informação?» (3).

O livro do Barão de Marsaudon era dedicado a João XXIII e pretendia servir de "ponte" entre a Igreja e a Maçonaria. Nele se lia, entre outras coisas:

«Ainda recentemente o nosso irmão Franklin Roosevelt reclamou para todos os homens a possibilidade "de adoptarem a Deus seguindo, cada um, os seus princípios e as suas convicções". A isto chama-se tolerância, e também ecumenismo. Nós, os maçons de tradição, permitimo-nos parafrasear e transpor esta palavra de um famoso estadista, adaptando-a às circunstâncias: católicos, ortodoxos, protestantes, israelitas, muçulmanos, hinduístas, budistas, livres-pensadores, livres crentes são, para nós, apenas nomes; e Maçon é o nome de família» (4).

Marsaudon remetia-se pois, explicitamente, para a «revolução da liberdade de consciência, pretendida por João XXIII».

«Não nos parece que um maçon digno deste nome, que se empenha na prática da tolerância, possa deixar de se alegrar sem restrições com os irreversíveis resultados a que o Concílio chegou até agora» (5).

Em 1960, o Padre Giovanni Caprile, especialista da Civiltà Cattolica nas questões maçónicas, tinha publicado um pequeno volume sobre a Maçonaria, no qual recordava que «os princípios filosóficos e pseudo-religiosos professados pela seita estão em antítese plena com todo o cristianismo» (6), e elencava mais de duzentos documentos de condenação da Maçonaria emanados pela Sede Apostólica (7). Contudo, no decurso do Concílio, Caprile viria a ser protagonista de uma aproximação entre a Igreja e a Maçonaria que, como ele próprio escreveu, teve as suas raízes na aula conciliar (8): «O Concílio não falou da Maçonaria, mas [...] falou-se da Maçonaria no Concílio», comentaria (9). O Padre Caprile deu início à sua progressiva "baldeação" precisamente na altura em que o Secretariado para os Não Crentes procurava - isto é, desde a sua instituição - abrir o "diálogo" também com a Maçonaria. Eis o que escrevia o secretário deste organismo, o Padre Vicenzo Miano: «Não dialogamos apenas com os cristãos de outras confissões, na busca da unidade querida por Cristo, mas também com judeus, muçulmanos, hinduístas, e finalmente com as ideologias seculares, excluindo no entanto todo e qualquer sincretismo, porque nos parece que também nestas fés religiosas e nestas ideologias, tão diferentes e mesmo totalmente opostas, podemos encontrar elementos positivos e motivos para aprofundar a nossa experiência de fé. Como é que não se poderia, ou deveria, fazer o mesmo com a Maçonaria, especialmente atendendo à sua histórica ascendência cristã» (10).



(...) Teilhard de Chardin volta a ser evocado na aula






Mons. Méndez Arceo (11), que tomou a palavra a 28 de Setembro, optou por assinalar o «inexplicável silêncio» do esquema sobre a psicanálise, uma autêntica «revolução científica» que colocava a «genial descoberta» de Freud ao mesmo nível das descobertas de Copérnico e Darwin. Na mesma linha se expressou igualmente o Arcebispo D'Souza, indiano: «No ano passado, um dos moderadores exclamou que "basta um caso Galileu"; entretanto, porém, tivemos, entre outros, o caso de Lamennais, o caso de Darwin, o caso de Marx, o caso de Freud e, por último, o caso de Teilhard de Chardin» (12). D. Hélder Câmara, que considerava Mons. D'Souza «um amigo» e «um grande Padre Conciliar» (13), não deixou contudo de deplorar a excessiva clareza da intervenção, que corria o risco de ser contraproducente. Já o Cardeal Suenens, que era da mesma opinião, mostrava-se mais hábil: «O Padre Miguel [Suenens], quando tem de disparar a artilharia pesada, não o faz dentro da Basília, mas na imprensa» (14).

No livro que Mons. Lefebvre tinha citado na aula, o Grão-Mestre Marsaudon tinha apontado o evolucionismo cósmico de Teilhard de Chardin como o ponto de encontro entre o cristianismo e a maçonaria:

«O conhecimento, as filosofias e as metafísicas aproximam-se. Entre a fórmula maçónica do Grande Arquitecto do Universo e o ponto ómega de Teilhard de Chardin, é difícil discernir o que poderá impedir os homens de pensamento de se entenderem. Na fase actual, Teilhard de Chardin é certamente o autor mais lido, seja nas lojas, seja nos seminários» (15).

Também D. Geraldo Sigaud (16) evocou o nome do jesuíta francês, mas para criticar firmemente a sua influência no Concílio. Para o arcebispo de Diamantina, no esquema XIII recorria-se à perigosa ideia da «construção do mundo» de Teilhard de Chardin, esquecendo que a Torre de Babel também tinha querido ser uma nova construção do mundo.

«Esta ideia teilhardiana da construção do mundo com Deus é uma ideia perigosa. A Torre de Babel foi uma "construção do mundo". O hedonismo dos gregos e dos romanos era uma "construção do mundo". E contudo nem uma nem outro conduziram a Deus, mas ao pecado e à corrupção e, em última análise, à destruição dos povos» (17).



(...) Paulo VI na ONU: um evento simbólico


a) O discurso no Palácio de Vidro






Há acontecimentos que, pelo seu carácter simbólico, marcam a história de forma mais profunda do que um livro ou um documento doutrinal. Foi indubitavelmente o caso da visita que Paulo VI fez às Nações Unidas, em Nova Iorque, a 4 de Outubro de 1965 - Festa de São Francisco de Assis e o XX aniversário da fundação das Nações Unidas -, um acontecimento que imprimiu uma orientação decisiva à última sessão do Concílio (18). O Papa foi recebido no Palácio de Vidro pelo secretário-geral da instituição, o birmanês U-Thant, e pelo presidente da Assembleia, o italiano Amintore Fanfani. Estavam presentes cerca de dois mil delegados, em representação de 115 países, a quase totalidade das nações do mundo. Às 15h30, o Papa proferiu o seu aguardado discurso, do pódio de mármore verde da grande sala do Palácio de Vidro (19). Falando em francês, Paulo VI definiu-se como um «perito em humanidade», e elogiou os serviços à humanidade pela ONU, um organismo ao qual competia a missão da «construção da paz».

«A nossa mensagem quer ser, antes de mais, uma ratificação moral e solene desta nobre instituição. Esta mensagem vem da nossa experiência histórica. É como "perito em humanidade" que trazemos a esta Organização o sufrágio dos nossos últimos predecessores, o de todo o episcopado católico e o nosso, convencidos como estamos de que esta organização representa o caminho obrigatório da civilização moderna e da paz mundial» (20).

Paulo VI, que via na «desigualdade entre classes e entre nações» a «mais grave ameaça à ruptura da paz», elevou em tom vibrante o seu grito contra a guerra:

«E aqui a nossa mensagem atinge o seu cume. Negativamente, em primeiro lugar: é a palavra que vós esperais de nós e que nós não podemos pronunciar sem estar conscientes da sua gravidade e da sua solenidade: jamais uns contra os outros, nunca mais. Não foi sobretudo com esta finalidade que nasceu a Organização das Nações Unidas: contra a guerra e para a paz? Escutai as palavras lúcidas de um grande desaparecido, John Kennedy, que proclamava, há quatro anos: "A humanidade deverá pôr fim à guerra, ou será a guerra a pôr fim à humanidade". Não são necessários longos discursos para proclamar a finalidade suprema da vossa Instituição. Basta recordar que o sangue de milhões de homens, sofrimentos espantosos e inumeráveis, inúteis massacres e aterradoras ruínas sancionam o pacto que vos une, num juramento que deve mudar a história futura do mundo: nunca mais a guerra, nunca mais a guerra! É a paz, a paz que deve guiar o destino dos povos e de toda a humanidade» (21).

A exclamação «Jamais plus la guerre, jamais plus la guerre!» resumia o significado da viagem papal. Walter Lippman, colunista americano, considerou que a essência da viagem era a «ratificação moral» das Nações Unidas por parte do Papa, e a mensagem segundo a qual «a primeira cruzada da humanidade é a cruzada contra a guerra e pela paz» (22).

Em Nova Iorque, Paulo VI avistou-se com o ministro dos negócios estrangeiros da União Soviética, Gromiko, que recebeu em audiência oficial «cuja importância foi desde logo sublinhada», como afirmava o comunicado da agência soviética Tass (23). Neste breve encontro, recordará Gromiko, o Pontífice deteve-se na possibilidade de uma colaboração entre ideologias distintas a favor da paz (24).

No dia em que Paulo VI se encontrava na ONU, Mons. Bettazzi solicitou a canonização de João XXIII, «pai e mestre de todos os homens de boa vontade» (25). A iniciativa foi considerada imprudente e bloqueada pelo Cardeal Suenens, também por vontade do próprio Paulo VI (26).



b) O apelo pacifista na aula conciliar




A 5 de Outubro, regressado de Nova Iorque, o Papa resumiu o significado da sua missão perante o concílio reunido. Paulo VI foi directamente do aeroporto para a Basílica de São Pedro, e, quando entrou, os aplausos abafaram por completo o canto de Tu es Petrus. Dirigindo-se aos Padres Conciliares em latim, o Pontífice declarou: «Agradecemos ao Senhor, veneráveis irmãos, termos tido o privilégio de anunciar a mensagem da paz, de certo modo, a todos os homens da terra. Nunca este anúncio evangélico teve uma tão larga audiência e, podemos dizer, uma audiência tão disposta e atenta a ouvir-nos. [...] Lamentamos que o intérprete de uma hora tão brilhante tenha sido a nossa humilde pessoa, [...] lamentamos, mas não deixamos que isso afecte a nossa alegria quanto ao profético valor de que o nosso anúncio se revestiu: em nome de Cristo, pregámos a paz entre os homens» (27).

O grito de Paulo VI na ONU - «nunca mais a guerra, nunca mais a guerra!» - ressoou várias vezes na aula conciliar. A pedido do Cardeal Liénart, o discurso papal foi inserido nas Acta conciliares (28). A 6 de Outubro, o mesmo Liénart (29) afirmaria que, perante as armas modernas, a clássica distinção entre guerra justa e guerra injusta tinha deixado de fazer sentido, e que os homens deviam deixar de pensar em defender os seus direitos por via das armas. O apelo pacifista de Paulo VI foi ainda retomado pelos Cardeais Alfrink (30) e Léger (31) e pelo beneditino Padre Butler (32), que solicitaram ao Concílio uma condenação da detenção e do uso de armas nucleares. O Cardeal Duval (33), arcebispo de Argel e porta-voz de um grupo de bispos africanos, declarou que, relativamente ao problema da paz, era necessário criar um novo modo de pensar e uma mudança de mentalidade (metanoia). Sinteticamente, era necessário salientar que os problemas da fome, da ignorância e da injustiça são os males que conduzem à guerra (34). A 7 de Outubro, a inesperada intervenção do Cardeal Ottaviani a favor da paz - das condições necessárias à sua promoção, da prossecução do objectivo histórico, e não utópico, de uma única sociedade mundial, que englobasse todas as nações da terra (35) - foi recebida com um caloroso aplauso.

Mons. Boillon (36), bispo de Verdun, referiu-se na aula ao "jejum" pela paz de vinte senhoras cristãs (37), a primeira de uma série de acções "não violentas" que caracterizariam a era conciliar: «A não violência tinha penetrado em Roma em bicos dos pés», escrevia o Le Monde a 10-11 de Outubro.


Guerra do Vietname (1955-1975).

















Monge budista, Quang Duc, ateando fogo ao próprio corpo como forma de protesto contra o Governo Sul-Vietnamita (1963).


Naqueles anos em que a guerra do Vietname e os movimentos pacifistas e terceiro-mundistas apontavam para uma "terceira via" entre capitalismo e comunismo, o apelo de Paulo VI adquiria, para além das suas intenções, um inegável significado político. O historiador Victor Zaslavsky mostrou que o fundador do movimento pacifista dos anos 50 foi Estaline, para quem a «luta pela paz» era um produto a exportar, contrapondo evidentemente as "guerras justas" (as que eram travadas pela URSS e seus aliados) às "guerras injustas" (as que eram empreendidas pelo campo ocidental) (38). Neste sentido, e como escreve Riccardo Burigana, «o discurso que Paulo VI proferiu no Palácio de Vidro sobre a redução dos armamentos e a luta contra a fome no mundo trouxe para primeiro plano temas caros à propaganda comunista, em clara contraposição aos modelos do Ocidente» (39).

As Nações Unidas, fundadas em 1945, tinham assumido a herança moral da Sociedade das Nações e o sonho utópico do Presidente Woodrow Wilson de instaurar uma nova ordem mundial sob o signo da paz, do progresso e da justiça. Pio XII tinha contraposto à ONU, como modelo de organização internacional, a Igreja Católica, fonte de autêntico direito e de valores. Durante o seu pontificado, a Civiltà Catolica, a revista dos jesuítas, havia denunciado o equívoco institucional de uma ONU que admitia a URSS, com direito de veto, no Conselho de Segurança, e excluía a Espanha do General Franco, condenando-a na sua segunda assembleia (40). As Nações Unidas tinham dado provas da sua falência em particular por ocasião da invasão soviética da Hungria, em 1956; e, no plano do direito internacional, mostravam-se incapazes, como já o fora a Sociedade das Nações, de garantir a paz e a segurança no mundo.

No plano ideológico, a partir dos anos 70, o pensamento social-comunista e feminista passou a ser a linha de orientação das acções internacionais da ONU, que deu início a um plano sistemático de promoção e aplicação de uma política antinatalidade e se tornou um dos principais "laboratórios ideológicos" do laicismo anticristão (41). Em 1998, o Conselho Pontifício para a Família declarou que «desde há cerca de trinta anos, as conferências patrocinadas por esta Organização [a ONU] tiveram como efeito provocar inquietudes infundadas sobre as questões demográficas, de modo particular nos países do Sul» (42); e João Paulo II referiu-se, na encíclica Evangelium vitae, a uma «objectiva conjura contra a vida», implicitamente posta em prática também por «instituições, empenhadas em encorajar e programar verdadeiras campanhas para difundir a contracepção, a esterilização e o aborto» (43).









(in O Concílio Vaticano II. Uma história nunca escrita. Caminhos Romanos, 2012, pp. 401-403; 410-411; 414-419).


Notas:

(1) AS, IV/2, p. 409 (pp. 409-411).

(2) Cf. YVES MARIE MARSAUDON, L'ecuménisme vu par um franc-maçon de tradition, Prefácio de Charles Riandey, Éditions Vitiano, Paris, 1964. Ives Marie Marsaudon (1895-1985), francês, funcionário público, foi membro do Conselho Supremo do Rito Escocês, e depois da Grande Loja Nacional de França. De Marsaudon, cf. igualmente Souvenirs et réflections: un haut dignitaire de la franc-maçonnerie de tradition révele des secrets, Vitiano, Paris, 1976. Marsaudon tinha-se avistado muitas vezes com Mons. Roncalli quando este era núncio em Paris.

(3) AS, IV/2, p. 410.

(4) Y. MARSAUDON, L'ecuménisme vu par um franc-maçon de tradition, cit., p. 126.

(5) Ibid., p. 120.

(6) G. CAPRILE, La Massoneria, Universale LDC, Colle Don Bosco (Asti), 1960, p. 45.

(7) Cf. G. CANTONI, La Massoneria nei documenti del Magistero della Chiesa, in CENSUR (Centro Studi sulle Nuove Religione), Massoneria e religioni, org. M. INTROVIGNE, Elle Di Ci, Leumann, 1994, pp. 133-161.



(8) JOSÉ ANTONIO FERRER BENIMELI s.j. - GIOVANNI CAPRILE s.j., Massoneria e Chiesa cattolica ieri, oggi e domani, 2.ª ed. com um Apêndice de actualização org. pelo Padre G. CAPRILE s.j., Edizione Paoline, Roma, 1982, pp. 85-94. O Padre Caprile tinha sido autor de escritos fortemente polémicos contra a maçonaria entre 1957 e 1960. Depois do Concílio, chegou à conclusão de que era desejável «um encontro fecundo, não apenas no terreno das ideias, mas também no domínio de uma possível colaboração entre a Igreja e aquela Maçonaria autêntica que tem como fundamento dos seus estatutos a firme crença em Deus e na fraternidade humana» (ibid., p. 131). Durante o Concílio, a acção das "forças ocultas" foi denunciada por dois estudiosos católicos franceses, Léon de Poncins (1897-1976) e Pierre Virion (1898-1988); do primeiro, cf. Christianisme et Franc-maçonnerie, Diffusion de la Pensée française, Chiré-en-Montreuil, 1975; do segundo cf. Bientôt um gouvernement mondial, Téqui, Paris, 1967 (tr. it. Il governo mondiale e la Contro-Chiesa. Notas e comentários de Bruno Tarquini, Controcorrente, Nápoles, 2004), no qual é trazido à luz o projecto do "novo Cristianismo" do cónego apóstata Paul Roca (1830-1893). Sobre esta personagem, veja-se igualmente MARIE-FRANCE JAMES, Esotérisme, occultisme, franc-maçonnerie et christianisme ao XIXéme et XXéme siècle. Explorations bio-bibliographiques, Préface d'Émile Poulat, Nouvelles Éditions Latines, Paris, 1981, pp. 228-230. Sobre o tema Concílio-Maçonaria, veja-se igualmente o estudo do Padre PAOLO SIANO f.i., «Alcune note su Concilio e postconcilio, tra storia, ermeneutica e massoneria», in Fides catholica, cit., pp. 88-89.

(9) Massoneria e Chiesa cattolica, cit., pp. 88-89.

(10) Nota de VICENZO MIANO s.d.b., in R. F. ESPOSITO, La riconciliazione tra la Chiesa e la massoneria, cit., p. 16 (pp. 11-16). Em 1980, o Card. König, presidente do Secretariado, rejeitou a declaração antimaçónica da Conferência Episcopal Alemã, tendo continuado a bater-se pela abolição da excomunhão da Maçonaria.

(11) Ibid., pp. 625-628.

(12) Ibid., p. 478 (pp. 477-479).

(13) CÂMARA, Lettres Conciliaires, Vol. II, p. 843.

(14) Ibid., p. 844.

(15) Y. MARSAUDON, op. cit., p. 60.

(16) AS, IV/2, pp. 47-50.

(17) Ibid., p. 49.

(18) Cf. R. MOROZZO DELLA ROCCA, «L'umile dovere di servire la pace», in Avvenire, 20 de Abril de 2008; Emma Fatorini, «Il Papa "esperto di umanitá"», in Il Sole 24 ore, 13 de Abril de 2008.

(19) Cf. PAULO VI, Alocução aos Representantes dos Estados, in Insegnamenti, Vol. III (1965), pp. 507-516 (tr. it. pp. 516-523).

(20) Ibid., p. 517 (1). Na «colaboração fraterna entre os povos» promovida pelas Nações Unidas, Paulo VI via a realização do «ideal da humanidade peregrina no tempo» e conseguia enxergar «a mensagem evangélica, de celeste, fazer-se terrestre» (ibid., p. 121 (6)).



Paulo VI nas Nações Unidas



(21) Ibid., pp. 519-520 (5).

(22) R. LA VALLE, Il concilio nelle nostre mani, cit., p. 252. Por seu turno, o Padre de Nantes via abrir-se uma época em que «a Igreja renega silenciosamente a ordem antiga da cristandade, da sua fé e das suas cruzadas» (Lettres à mes amis, 215, de 31 de Outubro (Cristo Rei) de 1965), para celebrar o seu "casamento" com o mundo (Lettres à mes amis, 218, de 8 de Dezembro de 1965).

(23) Cf. V. GAIDUK, op. cit., p. 29.

(24) CF. ANDREJ GROMYKO, Memorie, tr. it. Rizzoli, Milão, 1989, pp. 218-219.

(25) AS, IV/3, pp. 258-261.

(26) Cf. G. ALBERIGO, Breve storia del Concilio, cit., p. 141.

(27) AS, IV/1, p. 37 (pp. 36-38).

(28) Ibid., pp. 28-36.

(29) AS, IV/3, pp. 397-400.

(30) Ibid., pp. 509-510.

(31) Ibid., pp. 510-512.

(32) Ibid., pp. 613-617.

(33) Léon-Etienne Duval (1903-1996), francês, ordenado em 1926, bispo de Constantine (Hipona), Argélia, em 1946, arcebispo de Argel em 1954, feito cardeal em 1965.

(34) AS, IV/3 pp. 601-606.

(35) Ibid., pp. 642-644.

(36) Pierre Boillon (1911-1996), francês, ordenado em 1935, bispo de Verdun entre 1963 e 1986.

(37) AS, IV/3 pp. 732-735.

(38) Cf. VICTOR ZASLAVSKY, Lo stalinismo e la sinistra italiana. Dal mito dell'Urss alla fine del comunismo, 1945-1991, Mondadori, Milão, 2004.

(39) R. BURIGANA, «Il Partito comunista e la Chiesa», cit., p. 223.

(40) Vejam-se os lúcidos artigos do Padre A. MESSINEO s.j., «I paradossi della politica internazionale», in Civiltà Cattolica, 2299 (1946), pp. 3-11; ID., «La seconda assemblea generale delle Nazioni Unite», ibid., 2318 (1947), pp. 97-105; ID., «Il declino delle Nazioni Unite», ibid., 2458 (1952), pp. 373-385. Cf. igualmente A. RICCARDI, Le politiche della Chiesa, San Paolo, Cinisello Balsamo, 1997, pp. 84-100.

(41) Cf. AGOSTINO CARLONI, «Il fallimento dell'ONU», in Cristianità, 330-331 (2005), pp. 19-24; EUGENIA ROCCELLA e LUCETTA SCARAFFIA, Contro il Cristianesimo. L'ONU e L'Unione Europea come nuova ideologia, con apêndice org. por Assuntina Morresi, Piemme, Casale Monferrato (AL), 2005; M. SCHOOYANS, IL volto nascoto dell'ONU. Verso il governo mondiale, com prefácio de R. de Mattei, tr. it Il Minoutauro, Roma, 2004; R. De MATTEI, La dittadura del relativismo, Solfanelli, Chieti, 2008 [A ditadura do relativismo, Porto, Civilização 2008], pp. 47-66.

(42) PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA, «Declaração sobre a diminuição da fecundidade no mundo», de 27 de Fevereiro de 1998, 2.

(43) JOÃO PAULO II, Encíclica EVANGELIUM vitae, de 25 de Março de 1995, 17.



Peregrinação Apostólica de João Paulo II a Fátima (12 a 13 de Maio de 1982).



Continua


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