sábado, 11 de abril de 2015

Maçonaria e anarco-comunismo

Escrito por Miguel Bruno Duarte










«A União Soviética decidiu adoptar a partir de 1921 uma política claramente hostil à Maçonaria, estendendo essa posição a todos os partidos comunistas ocidentais. Ainda que efectivamente não tenham sido tomadas decisões contra a prática da Maçonaria nos dois primeiros congressos da Internacional Comunista (1919 e 1920), já na III Internacional (1921), organizada por Vladimir Lénine e Lev Trotskii, foi proibido aos membros do partido aderirem à Ordem. Nessa reunião foi ainda sublinhado que as práticas maçónicas, parte do jogo de interesses burgueses, eram um obstáculo ao desenvolvimento e à liberdade dos proletários. Além disso, disse-se que a Maçonaria mostrava várias similitudes com os ritos religiosos, o que lhe conferiria uma reputação que só podia prejudicar a força social dos povos.

Foi Trotskii quem assumiu a responsabilidade de defender essas posições anti-maçónicas, embora estas só se tenham fortalecido um ano depois, quando se realizou em Moscovo o IV Congresso e foi expressamente declarada a incompatibilidade entre comunismo e Maçonaria. Os maçons passavam assim a ser considerados como oportunistas e ambiciosos, muito afastados do que devia ser a atitude de uma organização política de pensamento e acção inequivocamente revolucionários. Particularmente importante foi a recomendação ao Partido Comunista de França para que eliminasse todos os contactos com a Maçonaria antes do dia 1 de Março de 1923. Foi aliás exigido que este corte de relações fosse tornado público através dos jornais, o que realmente aconteceu».

Miguel Martín-Albo («A Maçonaria Universal. Uma Irmandade de Carácter Secreto»).
















«Em teoria, os princípios maçónicos parecem inconciliáveis com os do nazismo e com o totalitarismo em geral. Aliás, é verdade que vários mações estiveram nos campos de concentração e de extermínio nazis. No entanto, o nazismo considerou a maçonaria mais uma sociedade secreta rival a ser controlada por causa do seu secretismo do que um perigo sociopolítico para o III Reich. Uma publicação oficial do partido nazi alemão, intitulada "Maçonaria, o Caminho para o Domínio Judaico Mundial", acentua o perigo da maçonaria, não por ser maçonaria, mas pela sua alegada subordinação aos judeus e à tópica aspiração destes ao domínio mundial. Daí a filiação de mações no Partido Nacional-Socialista alemão, bem como o apoio da maçonaria a alguns nazis depois da derrota. Assim se livraram de ser julgados, entre outros, Walter Hörstmann, da loja Selene (Lua), de Lunenberg, e Heinz Rüggeberg, que em 1967 ascendeu a Grão-Mestre das Grandes Lojas Unidas, cargo desempenhado desde 1974 por outro nazi, George C. Frommholz (cf. Vidal, op. cit., pp. 238-242). De resto, várias seitas de origem e cariz maçónicos forneceram os elementos básicos do nazismo. Pense-se na Germanenorden ("Ordem Germânica" ou "dos Germanos"). Embora a sua gestação tenha começado dois anos antes em Leipzig, nasceu formalmente em 1912 conforme o modelo das lojas maçónicas. Tentou conseguir uma raça totalmente pura, também nos aspectos biológico e somático (olhos azuis, cabelo loiro, pele branca). O seu emblema era a cruz suástica. Nos seus rituais e ritos de iniciação predominam os ingredientes maçónicos e tomados do paganismo germânico. Pertenceu à Germanenorden Rudolf von Sebottendorff (1875-1945), pseudónimo de Adam Alfred Rudolf Glauer, fundador da Sociedade Thule (nome dado por Píteas à terra mais setentrional por ele descoberta cerca do ano 300 a.C. e que há quem pense que é a Islândia). Iniciado numa maçonaria egípcia, o Rito de Memphis-Misraïm, após uma estada prolongada na Turquia escreveu o livro Die Praxis der Alten Türkischen Freimaurerei ("A Prática Operativa da Antiga Maçonaria Turca, Leipzig, 1924), original em vários aspectos, sobre uma maçonaria antiga da Turquia. Sete adeptos do grupo fundador do Sociedade Thule eram mações. Os rituais dessa sociedade são maçónicos, mas de um ponto de vista ariano. A sua ideologia é pangermanista, anti-semita e restauradora da antiga religião dos germanos. No seu outro livro, "Antes de Hitler", Sebottendorff atribui à Thule, com razão, a função de núcleo embrionário do nazismo. Não consta que os ideólogos e dirigentes nazis tenham pertencido à Thule, mas certamente vários, incluindo Hitler, visitaram os seus centros, onde proferiram conferências. Os membros espanhóis da Thule têm a sua sede em Barcelona. Um ramo desgarrado da Sociedade Thule, enraizado na Catalunha, deu origem à Grande Loja de Thule, que se nutre de mações da Loja Agartha, loja "selvagem" ou independente que conseguiu ser admitida no Grande Oriente da Catalunha, bem como de neonazis do CEDADE, Círculo Español de Amigos de Europa, fundado em Barcelona em 1966.






Germanenorden








Emblema da Sociedade Thule







'A Lança do Destino'





Deutsche Arbeiterpartei - DAP















Castelo Wewelsburg (a 'Távola Redonda' dos oficiais das SS).















Ver aqui










(...) [As lojas encobertas] Chamam-se assim as lojas cuja existência só é conhecida pelos mações que a elas pertencem e pelos dos graus superiores (30-33). Os seus membros costumam ser personalidades dos âmbitos político, literário, militar, judicial, empresarial e dos meios de comunicação social que dessa forma introduzem mais fácil e eficazmente a concepção maçónica no seu meio sociocultural. As lojas encobertas são como que a espinha dorsal da maçonaria, pela sua influência, tão eficaz quanto invisível, nos organismos sociopolíticos, culturais e ético-morais; os seus membros mais representativos e influentes estão ocultos e dispostos a avançar em obediência a uma ordem. A descoberta de um esconderijo de droga numa loja da Calábria, em Itália, permitiu "descobrir 26 lojas maçónicas. Destas, só quatro eram conhecidas; as restantes 22 eram lojas encobertas" (Civiltà Cattolica, 2 de Abril de 1994, pp. 75-76). Seria interessante fazer um estudo que determinasse que percentagem de políticos, professores, jornalistas, juízes, etc., mações e não-mações existe nessa região (a ponta da "bota" italiana), que conta com pouco mais de dois milhões de habitantes».

Manuel Guerra («A Trama Maçónica»).


«A história do anarquismo consiste numa série infindável de actos de violência tais como: assassínio, terrorismo, tortura, assaltos, roubos, banditismo, vingança, sublevação, atentados a tiro e à bomba contra monarcas, juízes, ministros, polícias, enfim, um rol de atrocidades a que não escapam instituições, cafés, teatros, auditórios, câmaras de deputados e até apartamentos residenciais em nome da "propaganda pela acção". E, não obstante tudo isto, o anarquismo prega igualmente os instintos generosos em detrimento dos sentimentos egoístas, postula as crenças acerca da natureza boa do homem e do progresso humano, preconiza a teoria da evolução, a abolição da propriedade e a consequente reorganização da sociedade tendo por modelo as comunidades primitivas com vista àquilo a que Kropotkin chamou de "comunismo anarquista". De resto, o anarquismo está impregnado de sofismas revolucionários do tipo:

"O simples facto do açambarcamento estende as suas consequências ao conjunto da vida social. Sob pena de perecerem, as sociedades humanas serão obrigadas a voltar aos princípios fundamentais: sendo os meios de produção obra colectiva da humanidade, têm de voltar à posse da colectividade humana.









A apropriação pessoal não é justa nem é útil. Tudo é de todos, porque todos necessitam de tudo, porque todos trabalharam na medida das suas forças, e é impossível determinar a parte que pode corresponder a cada um na produção actual das riquezas.

Tudo é de todos!" (in Kropotkine, A Conquista do Pão, Edições Delfos, 1975, p. 26).

Além do mais, o anarquismo não admite, de um modo geral, o colectivismo entendido como um regime em que o Estado substitui o patrão, posto que "o maior serviço que a próxima revolução poderá prestar à humanidade, será criar uma situação em que seja impossível e inaplicável qualquer sistema de salário e em que se imponha como única solução aceitável o comunismo, negação do sistema de salário" (idem, p. 90).

Revolução, portanto, completa e total, visto que, segundo Kropotkin:

«Se o empurrão do povo não for bastante, hão-de fuzilá-lo. Para que o colectivismo se possa estabelecer, necessita em primeiro lugar de ordem, disciplina, obediência. E como os capitalistas compreenderiam bem depressa que fazer fuzilar o povo pelos que se dizem revolucionários é o melhor meio de o desgostar da revolução, hão-de prestar por certo o seu apoio aos defensores da "ordem", até mesmo aos colectivistas. E mais tarde, por sua vez, verão o meio de esmagar estes sem qualquer dúvida.

Não esqueçamos como triunfou a reacção no século passado. Primeiro guilhotinou os herbetistas, a quem Mignet chamava "os anarquistas". Não tardaram a seguir-se os dantonianos. E quando os de Robespierre já tinham guilhotinado estes revolucionários, chegou também a sua vez de subirem ao patíbulo. Depois disto, o povo, desgostoso, vendo perdida a revolução, deixou manobrar os reaccionários.

Se a "ordem for restabelecida", os colectivistas guilhotinarão os anarquistas, os oportunistas guilhotinarão os colectivistas, e estes, por sua vez, serão guilhotinados pelos reaccionários. A revolução terá de voltar a começar.











Mas tudo leva a crer que o empurrão do povo será bastante forte e que, quando se fizer a revolução, terá ganho terreno a ideia do comunismo anarquista. E se o empurrão for bastante forte, os assuntos tomarão outro curso. Em vez de saquear algumas tabernórias, onde mate o bicho de manhã, o povo das cidades sublevadas apoderar-se-á dos celeiros de trigo, dos matadouros, dos armazéns de comestíveis, em resumo, de todos os víveres" (idem, pp. 91-92).

Por outro lado, o anarquismo de Bakunin, a par do de Kropotkin, também se demarcara do comunismo marxista, nomeadamente nos métodos pelos quais pretendera levar a cabo a revolução, já de si manifesta no trecho que se segue:

«As causas imediatas da cisão no movimento operário internacional foram comparativamente pouco importantes; um mal-entendido sobre as relações entre a Aliança Internacional Social-Democrática e a Associação Internacional dos Trabalhadores, uma discussão sobre a abolição do direito sucessório, diferenças locais entre os operários nos arredores de Génova e as alegações contra a integridade de Bakunin. Inevitavelmente, porém, uma vez que ambos os lados necessitavam de uma tomada de princípio sobre a qual se apoiariam, as diferenças de interpretação e de doutrina foram formalizadas e ampliadas. O comunismo de Estado, com base num partido centralizado disciplinado, que os marxistas propunham, foi atacado pelos anarquistas, que em troca defenderam a livre federação de comunas independentes, nas quais "o capital, as fábricas, os instrumentos e as matérias-primas pertenceriam às associações e a terra a quem a cultivasse". Bakunin estava, porém, mais interessado em fazer a revolução e preservar a liberdade do que em organizar economicamente a sociedade. "Detesto o comunismo - declarara à Liga para a Paz e a Liberdade, em 1868 - porque ele é a negação da liberdade e porque nada posso conceber de humano sem a liberdade. Não sou comunista porque o comunismo concentra e absorve todos os poderes da sociedade no Estado; porque necessariamente acaba na centralização da propriedade nas mãos do Estado, enquanto o que eu quero é a abolição do Estado - a extirpação radical do princípio da autoridade e da tutelagem do Estado, que, sob o pretexto de tornar os homens morais e civilizados, os tem até hoje escravizado, oprimido, explorado e depravado". Embora verificasse que faltava a Proudhon a compreensão intelectual do mundo de Marx e os conhecimentos sistemáticos deste, não obstante era por Proudhon que se sentia mais inclinado temperamental e instintivamente: "Proudhon compreendeu e sentiu a liberdade muito melhor que Marx; Proudhon, quando não se enreda em doutrina e em metafísica, tem o verdadeiro instinto do revolucionário - adorava Satã e proclamava a anarquia. É possível que Marx possa teoricamente conseguir um sistema de liberdade mais racional que o de Proudhon - mas falta-lhe os instintos de Proudhon. Como alemão e judeu, é um autoritário da cabeça aos pés. Daqui partem os dois sistemas: o anarquismo de Proudhon alargado e desenvolvido por nós e liberto de toda a sua bagagem metafísica, idealista e doutrinária, aceitando a economia material e social como base de todo o desenvolvimento da ciência e da história: e o sistema de Marx, chefe da escola alemã dos comunistas autoritários" (in James Joll, Anarquistas e Anarquismo, Publicações Dom Quixote, 1977, pp. 122-123).





É, pois, caso para dizer: venha o diabo e escolha!».

Miguel Bruno Duarte


«A Revolução Francesa é apenas a precursora de uma revolução muito maior, de uma revolução muito mais solene, que será também a última».

Gracchus Babeuf


«Em 1909, o príncipe Peter Kropotkin, o primeiro entre os teóricos anarquistas da sua geração, publicou uma história acerca de A Grande Revolução Francesa. "O que hoje aprendemos do estudo da Grande Revolução - escreveu - é que ela foi a fonte e a origem de todas as concepções comunistas, anarquistas e socialistas actuais". E terminava o seu livro com uma fervorosa invocação do Espírito da Revolução Francesa. "A única coisa certa é que qualquer que seja a nação que, nos nossos dias, entre no caminho da revolução será herdeira de tudo o que os nossos avós fizeram em França. O sangue que verteram derramaram-nos pela humanidade - os sofrimentos por que passaram padeceram-nos por toda a raça humana; as lutas, as ideias que deram ao mundo, o choque dessas ideias, fazem hoje parte da herança da humanidade. Todas produziram frutos e produzirão mais, e ainda melhores, à medida que avançamos em direcção a esses horizontes rasgados diante de nós, onde, como grandes faróis a apontarem-nos o caminho, flamejam as palavras LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE"».

James Joll («Anarquistas e Anarquismo»).


«Aos 17 anos, nesses genesíacos 17 anos onde tudo parece principiar, [Sampaio Bruno] insurgia-se contra o comunismo, pois este, "suprimindo a liberdade pela autoridade do Estado, apagando o indivíduo [...], sonhando uma organização niveladora, o que é uma contradição nos termos, dá-nos os tristes desvarios da Cidade do Sol, ou do Paris no ano 2000, de Tony Mailin".

Cerca de três anos depois, a propósito do livro As Eleições, de Oliveira Martins, publica uma longa e severa crítica do programa do Partido Socialista Português, com o qual não parece jamais tenha feito as pazes, como nunca as fez com o socialismo de Proudhon. Mas, enquanto critica o socialismo português, adverte "que o papel da democracia é empenhar-se num trabalho de desorganização contínua de modo que no futuro não exista um estado justo, porque não exista estado algum". E dirá, no mesmo jornal [A Folha Nova de 29 de Junho de 1880], pouco depois: "a democracia dissolve, e essa é a sua glória". Admitir, por conseguinte, que, desde muito novo, Bruno levou o seu individualismo até ao anarquismo parece comprovado pelo que aqui se transcreveu.



Sampaio Bruno



Durante o exílio, mediante a análise crítica dos fundamentos e das soluções do socialismo pós-Proudhon, o seu anarquismo adquire uma dimensão nova, proveniente da meditação acerca do conceito de justiça. Em Notas do Exílio, ensina-nos que o estado "pode ser útil e beneficente na medida em que, afirmando-se, ele se nega. Quer dizer, em que, preparando os homens a deliberar e a resolver os seus interesses, como membros duma sociedade, ou pelas forças próprias de cada um ou pela sinergia de cooperação em associação, consoante os casos respectivos, o estado, gradualmente, desaparece diante de empreendimentos livres, sucessivamente ascendentes. Até este desideratum a necessidade transitória do estado impõe-se a todos os espíritos desprevenidos e meditando um rato". E em O Brasil Mental esclarece sem rodeios qual seja, por essa época, a sua posição: "o compilador socialista-anarquista (parece contraditório, mas não é) deste volume".

Transitou, pois, por tudo quanto temos estudado, do anarquismo para o social-anarquismo. E por aqui ficou até ao fim.

(...) Do anarquismo pensava, depois do exílio, que, embora "altíssimo e nobre" o seu ideal, assentava numa "utópica, ucrónica quimera". E explicava porque assim se lhe afigurava: "porque querem [os anarquistas], desde agora, na sociedade humana a anarquia". Ora a anarquia é um fim, mas nunca um meio; divisava-a ele nos longes dos tempos a vir, mas o processo para alcançá-la não poderia ser, desde já, a supressão pura e simples do estado.

Quanto ao surto socialista, posterior a Proudhon, afigurava-se-lhe da maior importância. Ele assim o diz: "...aos olhos dos sociólogos, o grande acontecimento moderno da Alemanha não está nas vitórias militares dos seus governos, as quais não passam de acidentes sem alcance estrutural, sem corolários próprios nos destinos gerais da humanidade. Reside na criação do partido socialista; isto é, no advento, por ele, da massa nacional à vida pública consciente, de que por séculos nem sequer se deu conta". E em 1900, referindo-se, uma vez mais, ao significado do acontecimento celebrado no 1.º de Maio, escreve: "Breve a massa amorfa se poderá organizar em legião, e a legião poderá ser amanhã partido. Tudo enfim converge para dar o assalto à velha sociedade"».

Joel Serrão («Sampaio Bruno. O Homem e o Pensamento»).


«Liberdade, igualdade, fraternidade! Humana trindade, inefável e esquiva...

O ternário sagrado! Saint-Martin, seu inventor e promotor!».

Sampaio Bruno («O Encoberto»).
























Execução de Maria Antonieta


















«Thomas Müntzer, que se tornou chefe revolucionário depois de ter começado como mero reformador religioso, como Lutero, era sacerdote da Igreja que depois veio a atacar tão duramente, e a princípio foi bastante influenciado pelas doutrinas de Lutero, e, acima de tudo, a sua doutrina da justificação pela fé eram bastante brandos para a natureza turbulenta e volúvel de Müntzer, que de 1520 em diante se envolveu na mais violenta das agitações, exigindo a imediata destruição da ordem de coisas existente com o objectivo de preparar o caminho, aqui e agora, para o advento do Reino de Deus na Terra. Tratava-se de um apelo que, pela sua natureza, encontra sempre resposta em tempo de mudança, quando as esperanças de uma rápida transformação do mundo logo se vêem desapontadas pelo passo lento das reformas; e foi um apelo ao qual os camponeses da Turíngia, os mineiros argentíferos de Zwickau e cupríferos de Mansfeld, onde Müntzer pregou a sua doutrina apocalíptica, responderam ansiosamente. Durante algum tempo, os membros da casa reinante da Saxónia mostraram algum interesse pelo seu ensinamento, mas, em parte por sugestão de Lutero, depressa verificaram que os pontos de vista de Müntzer implicavam uma revolução social e religiosa. Nos dois ou três anos seguintes os escritos de Müntzer tornaram-se cada vez mais sinceros e inequivocamente revolucionários em conteúdo. Em 1525 envolveu-se em acontecimentos que selaram a sua reputação como apóstolo da revolta social, pois em Março desse ano rebentou a grande Revolta dos Camponeses em toda a Alemanha. As causas desta revolta são muitas e complexas; e até que ponto foi Müntzer o responsável por ela é ainda assunto de controvérsia. Não há dúvidas, porém, que, pelo menos na Turíngia, as suas doutrinas exacerbaram o estado de agitação causado pelo estabelecimento de uma forte centralização real nos Estados alemães e pelo consequente aumento dos impostos. E não há dúvidas, também, que o próprio Müntzer saudou o levantamento como um passo no caminho para o derrubamento da ordem existente. Müntzer juntou-se ao exército camponês e, após a derrota fácil deste, foi preso e executado.

Todavia, os problemas históricos das causas da Revolta dos Camponeses e da parte exacta que Müntzer nela teve não são o que mais importa para o estudo dos movimentos revolucionários posteriores. O que tornou Müntzer simpático aos escritores revolucionários subsequentes, quer marxistas quer anarquistas, foi a sua tentativa genuína, de realizar uma revolução social e a violência revolucionária da linguagem com que ele próprio se exprimia. Foi esta acima de tudo que o aproximou dos anarquistas posteriores. Ele insistia constantemente em que o derrube indiscriminado pela força do sistema existente era um preliminar necessário à nova ordem. "A eles, a eles enquanto o fogo está aceso - assim exortava os seus companheiros. - Não deixem arrefecer a vossa espada! Nada de hesitações! Que o martelo não deixa de bater na bigorna de Nimrod! Derrubemos as suas torres! Enquanto eles viverem nunca sacudireis o medo dos homens..." Müntzer é típico daquela classe de revolucionários para quem é mais importante o acto de revolta do que a natureza do mundo pós-revolucionário. E nisto, pelo menos, é um verdadeiro precursor de muitos dos revolucionários de épocas posteriores.













Também os anabaptistas são considerados precursores pelos revolucionários do século XIX. E também aqui as semelhanças são talvez mais de temperamento do que de doutrina ou circunstância; mas há, pelo menos, um episódio, o cerco de Münster em 1535, que veio a alcançar importância quase lendária na historiografia revolucionária. De facto, é um erro falar dos anabaptistas como se fossem um único movimento coerente. Os vários grupos anabaptistas muitas vezes pouco têm em comum, para além da sua crença, em pertencerem à Comunidade dos Santos. Incluem uma larga variedade de doutrinas e temperamentos entre os seus aderentes. Alguns foram revolucionários violentos, outros tranquilos e puritanos quietistas. Alguns acreditavam na prática da acção revolucionária; outros preferiam, como os heréticos gnósticos da Idade Média, retirar-se do mundo e dos seus caminhos e colocar as suas esperanças no outro. Todos estavam, porém, de acordo em negar a necessidade do Estado. Uma vez que os baptizados estavam em contacto com Deus, todos os posteriores intermediários entre eles e Deus eram supérfluos. Os Estados e as Igrejas eram desnecessários, e na verdade um mal, uma vez encontrarem-se colocados entre o homem e a divina luz que o habitava e que o guiaria na vida. A partir daqui era fácil o passo para a reivindicação da destruição da sociedade existente e a substituição de uma nova ordem milenária, cujas leis seriam reveladas ao crente pela luz interior de um profeta ou de um chefe; e, tal como tantas vezes acontece na história dos movimentos revolucionários, o que começou como um movimento de libertação podia facilmente terminar em autocracia terrorista.

Os anabaptistas espalharam-se pela Suiça, Alemanha e Países Baixos, e foi na cidade de Münster, na Vestefália - um Estado sob o governo de um bispo -, que o movimento assumiu a sua forma revolucionária mais extrema. Münster tornara-se um baluarte luterano por volta de 1533, mas os seus habitantes rapidamente se converteram ao credo anabaptista, mais sugestivo. A cidade e os arredores vinham de há alguns anos sofrendo uma série de dificuldades e desastres - peste, mal-estar económico, impostos pesados, luta religiosa - e os seus habitantes estavam, pois, em estado de escutar os profetas da destruição e da condenação e de colocar as suas esperanças num cataclismo e numa mudança iminentes. Desta maneira, foi fácil para os "profetas" anabaptistas Jan Mathys de Harlem e o seu discípulo e sucessor John Boeckeler, conhecido por João de Leyden, pô-los num estado de fervor revolucionário e de excitação que, durante um ano, os levou a acreditar que Münster se tornara a Nova Jerusalém, enquanto do lado de fora tudo perigaria. Os anabaptistas assumiram o contrôle completo da cidade. Os católicos romanos e os luteranos foram expulsos; o que levou o bispo, o soberano nominal ainda da cidade, a tomar providências. Com o exército de mercenários e mais tarde com a ajuda dos governantes vizinhos, o bispo pôs cerco à cidade, e a revolução social e o reino de terror dos anabaptistas, foi simultaneamente acompanhado de uma guerra feroz. Primeiro, para mostrarem o seu desprezo pelas leis de propriedade existentes, destruíram todos os registos de contratos e dívidas. (Esta destruição da evidência física de uma estrutura social injusta foi uma característica dos movimentos anarquistas italiano e espanhol, no século XIX; as revoluções destes começavam normalmente por uma cerimónia: deitar fogo à propriedade e outros registos da Câmara Municipal). Depois instituiu-se uma espécie de comunismo de emergência, com armazéns de comida, roupa e alojamento comunais. O movimento também foi militantemente anti-intelectual (de novo outra característica de alguns dos movimentos revolucionários posteriores), tendo-se procedido à destruição de livros e manuscritos considerados como anticristãos e temporais.


Münster (1570).


Como era de esperar, o governo anabaptista em Münster não durou muito tempo. Jan Mathys foi morto quando chefiava uma sortida; e o governo de João de Leyden depressa se transformou num terror megalomaníaco insano - acompanhado pela poligamia, característica tão comum na vida dos "profetas" das posteriores comunidades utópicas. Em Junho de 1535, a cidade foi conquistada e, no princípio do ano seguinte, João de Leyden torturado até à morte pelos seus captores. Todo o incidente adquiriu um certo carácter lendário na genealogia das revoluções e, tal como Müntzer, também João de Leyden foi convertido pelos revolucionários posteriores num deles, embora de facto o seu governo em Münster exemplifique apenas os aspectos mais negativos, loucos e cegos do fanatismo e da violência anarquista.

O que emerge de qualquer estudo dos movimentos religiosos heréticos é que certa espécie de pessoas sente uma necessidade periódica de reagir violentamente contra a ordem existente, de pôr em questão o direito da autoridade e de defender, em vez dela, que toda a autoridade é desnecessária e até prejudicial. E esta revolta contra a sociedade e os seus dirigentes é acompanhada, segundo o temperamento de cada um, quer pela crença nas propriedades curativas da destruição violenta, na importância da revolução como um fim em si mesmo, quer por uma crença optimista e sem limites nas possibilidades de uma mudança radical e imediata para melhor, na construção de uma ordem social completamente nova sobre as ruínas da velha. A total rejeição dos valores da sociedade contemporânea, o desprezo pela autoridade, a crença na possibilidade e ainda na iminência de uma revolução completa - tais são as suas características, tantas vezes acompanhadas pela sensação de se pertencer a um grupo eleito e muitas vezes secreto.

O temperamento que outrora levou os homens a adoptar crenças religiosas milenárias e utópicas podia (como alguns escritores o têm sugerido) tê-los levado também, no nosso tempo, a apoiar dogmas revolucionários totalizantes e totalitários, mas podia levá-los ainda à rejeição de toda a autoridade e à revolta contra qualquer espécie de Estado. Crenças que levam um homem a aceitar uma ditadura totalitária podem levar um outro à completa rejeição de toda a autoridade.



Embora o anarquismo seja um produto do racionalismo do século XVIII e a teoria política anarquista se baseie na confiança da natureza racional do homem e na crença da possibilidade do seu aperfeiçoamento intelectual e moral, esta é apenas uma das suas faces. A outra é a tendência que podemos descrever correctamente como religiosa e que aproxima o anarquista emocionalmente, se não doutrinalmente, dos heréticos dos séculos passados. Foi o conflito entre estes dois tipos de temperamento, o religioso e o racionalista, o apocalíptico e o humanista, que tornou a doutrina anarquista contraditória. Foi também esta dupla natureza que deu ao anarquismo um apelo vasto e universal. Consequentemente, não podemos compreender as crenças dos anarquistas sem compreendermos primeiro as ideias políticas que aqueles herdaram do iluminismo. Todavia, as suas acções podem explicar-se muitas vezes apenas em termos de psicologia da crença religiosa».

James Joll («Anarquistas e Anarquismo»).


«Os defensores do comunismo evitam, em geral, preconizar, valorizar ou apenas reconhecer que o estado de incultura e de ignorância seja inerente às suas doutrinas. Alguns, todavia, são forçados ou têm a coragem de o fazer. É o caso dos anabaptistas. Seus principais representantes - Carlostadt, G. More, G. Didyme, Melanchton - foram sequazes e discípulos de Lutero, e não só proclamaram, como o mestre, a doutrina do "sacerdócio universal" segundo a qual todo o homem pode ser intérprete da Bíblia, mas ainda entenderam que o homem mais ignorante pode ser o melhor intérprete: Carlostadt interrogava, nas ruas, operários e mulheres sobre o sentido dos textos evangélicos por considerar que Deus oculta dos sábios o que revela aos ignorantes. Por outro lado, incitavam a juventude a trocar os estudos pelos trabalhos manuais, pelas manufacturas, pela indústria.

Outros casos encontramos em utopias como As Ilhas Flutuantes ou a Basilíada, que Morelly publicou em 1753, logo a fazendo seguir, em 1755, de um Código da Natureza durante muito tempo atribuído a Diderot. Aí imagina e descreve uma "legislação do ensino que impedirá toda a liberdade do espírito humano e toda a especulação transcendente"; antecedendo a sistematização do materialismo moderno, considera que "a razão de que o homem é dotado se destina a fazer dele um ser social"; e preconiza "uma espécie de código de todas as ciências segundo o qual nada acrescentará à metafísica e à moral para lá das normas prescritas pela lei".








Esta utopia de Morelly teve profunda influência em certos sectores da Revolução Francesa e, mais tarde, em Louis Blanc. Constitui ela a doutrina comunista de Babeuf que privava de direitos políticos quem se dedicasse exclusivamente à literatura e à arte.

Outra utopia comunista, A Viagem a Icária, de Étienne Cabet, um jacobino, proscreve "todos os livros considerados hostis à comunidade": na sua sociedade comunista, "o governo encomendará às grandes oficinas literárias as obras-primas que considere necessárias".

Foram estas utopias que criaram, na primeira metade do século XIX, o ambiente propício tanto ao radical repúdio do saber pelo materialismo que deu por finda a filosofia como à exaltação da cultura popular por aqueles a quem, na época, Hegel chamou "os trapaceiros do livre-arbítrio", defensores de uma "sensaboria" ou "vil doutrina": "um corifeu desta vil doutrina, que se dá a si mesmo o nome de filósofo, um tal Fries, não se envergonhou de, numa solenidade pública que ficou célebre, fazer um discurso sobre o objecto do estado e da constituição, em que propunha esta ideia: no povo onde reina um verdadeiro espírito comum, as funções de interesse público devem possuir uma vida que lhes vem de baixo, do povo; a tudo o que for obra de cultura popular e de serviço do povo se devem consagrar as sociedades, indissoluvelmente unidas pelos sagrados laços da amizade... E assim sucessivamente" (Princípios da Filosofia do Direito, trad. port., p. 7)».

Orlando Vitorino («Refutação da Filosofia Triunfante»).


«A opinião de Proudhon sobre a dupla natureza do homem e o seu pecado original aproxima-o, mais do que a nenhum outro anarquista, da crença em Deus. Para ele, Deus e o Homem confrontam-se constantemente um ao outro e a sua luta é a luta do homem com o melhor lado de si mesmo: "Mas Deus e o homem, apesar da necessidade que os acorrenta, são irredutíveis; o que os moralistas por uma piedosa calúnia chamaram a guerra do homem consigo mesmo, e que é, afinal, de contas, apenas a guerra do homem contra Deus, a guerra da reflexão contra o instinto, a guerra da razão, planeando, escolhendo, contemporizando, contra a paixão impetuosa e fatal, é disso a prova irrefutável". Se as ideias de Proudhon acerca da organização da sociedade se apoiam na crença na existência de leis racionais económicas e sociais, a sua concepção da natureza humana fundamenta-se na verificação do poder do irracional e do esforço constante necessário para o homem se comportar racionalmente. A nova ordem do futuro não é uma utopia fácil, imediatamente atingível; quando Proudhon escreveu no seu canhenho "Liberdade, Igualdade, Fraternidade, eu digo antes Liberdade, Igualdade, Severidade", sabia o que dizia.






(...) A violência do seu próprio carácter não o impeliu, contudo, a tomar parte directa nas revoluções. Embora pudesse exclamar, durante a revolução de Paris de 1848, que tinha "ouvido o sublime horror dos canhões", não foi, como Bakunin o era, inclinado a revoluções violentas. No fundo, acreditava que a transformação da sociedade podia ser levada a cabo por meios pacíficos e temia que a revolução acarretasse consigo o perigo de uma nova tirania. "Não devemos julgar que a acção revolucionária é o meio da reforma social - escreveu ele a Marx, pouco antes do corte de relações entre ambos -, porque os ditos meios seriam simplesmente um apelo à força, à arbitrariedade, em resumo, uma contradição".

A violência no carácter de Proudhon é mais pessoal e exprime-se mais denunciando, por exemplo, as manifestações contra os judeus e os homossexuais ou contra a nação inglesa; e embora nos seus momentos mais razoáveis chegue ao ponto de pôr em questão o direito da sociedade em punir, outras vezes apela para a pena de morte e muitas vezes para o uso da tortura.

(...) Durante toda a sua vida e em toda a sua obra o extremo puritanismo de Proudhon, especialmente em questões sexuais, advém de um sentido da natureza violenta, cega e destrutiva dos instintos do homem. Uma das virtudes do trabalho pesado, na verdade, estava em que diminuiria o desejo sexual e proporcionaria os meios naturais de controlar o crescimento da população. Proudhon foi um obstinado antifeminista; o lugar da mulher era em casa, e não havia qualquer outra alternativa para ela entre ser dona de casa ou cortesã.



(...) Nos seus livros e panfletos dos anos 40, Proudhon estivera empenhado em elaborar as suas opiniões filosóficas políticas e nada dissera sobre a organização política da sociedade depois da concretização de todas as mudanças que ele advogava, na posse dos meios de produção e no sistema de troca. Desde o princípio, porém, é claro que rejeita a ideia de Estado. "Que é o governo?", perguntava em 1840; e respondia simonianamente: "O governo é a economia pública, a suprema administração do trabalho e os activos de toda a nação". De novo, em Que é a Propriedade? mostra em que direcção o seu pensamento político se está a mover: "A associação livre, onde a liberdade garante a igualdade nos meios de produção e equivalência na troca, é a única forma possível de sociedade, a única verdadeira. A política é a ciência da liberdade; o governo do homem pelo homem, seja sob que nome ele se disfarce, é opressão: a perfeição máxima da sociedade consiste na união da ordem com a anarquia". Todavia foram as experiências de Proudhon na Revolução de 1848 que voltaram a sua atenção para questões de organização quer política quer económica e o levaram a elaborar o duplo programa que resumiu quando disse: "A nossa ideia de anarquismo está lançada: nada de governo, nada de propriedade". É esta negação do governo e da propriedade que faz de Proudhon o primeiro pensador anarquista autêntico e efectivo

(...) Proudhon não foi um filósofo que criasse uma estrutura racional consistente como a de William Godwin. Foi mais um escritor cuja influência se ficou a dever a meia dúzia de slogans de choque - "A propriedade é um roubo", "Deus é o mal" - e a ideias fundamentais reiteradas sobre a natureza do homem e a futura organização da sociedade».

James Joll («Anarquistas e Anarquismo»).


«Quanto à afirmação de ter sido Godwin "o primeiro, e durante muitos anos, o único doutrinador socialista a ser tomado a sério", pode o leitor confirmá-la observando como, na segunda metade do Séc. XIX, os socialistas ainda eram uma seita agarrada a velhas utopias. Para se desembaraçarem dessa imagem, que designaram por "socialismo utópico", os seus mais conhecidos doutrinadores, Proud'hon e Marx, chamaram ao seu socialismo, respectivamente, "socialismo libertário" e "socialismo científico", assim iniciando a infindável variedade de designações que, ao correr das sucessivas frustrações, o sempre mesmo socialismo veio adoptando. Nos nossos dias, encontramos o "socialismo real", o "socialismo progressista" e, até, "o socialismo em transição para o socialismo", para não falarmos naquelas designações extraídas dos nomes dos chefes socialistas: o marxismo leninista, o estalinismo, o maoísmo, o titoísmo, o castrismo, etc.







Estaline
















Fidel Castro e Nikita Kruchtchev











Mas enquanto Proud'hon e Marx se dilaceravam um ao outro - "A Filosofia da Miséria", do primeiro, a "A Miséria da Filosofia", do segundo - numa polémica muito mais significativa, travada em 1849 e 1850, mas deliberadamente esquecida ou ocultada - apenas figura nas "Obras Completas", de F. Bastiat - o cientismo anti-capitalista de Proud'hon era completamente desfeito. Em 1852, o nome de Marx não figurava sequer no monumental "Dictionnaire de L'Économie Politique", onde, no já citado artigo "Socialistes", L. Reybaud concluía: "a economia política - designação que durante muito tempo se deu à ciência da economia - jamais poderá ser confundida, nem sequer em pormenor, com as doutrinas socialistas". Em 1978, 126 anos depois, agora com a experiência de mais de um século de predomínio efectivo do socialismo, F. Hayek podia seguramente afirmar, numa conferência realizada em Lisboa, que a obra de Marx é, de ponta a ponta, um acervo de erros, não sendo possível tomá-la, cientificamente, a sério».

Orlando Vitorino («Exaltação da Filosofia Derrotada»).


«Uma vez consumado o acto de expropriação, estará aberto o caminho para o comunismo anarquista. Kropotkin insistiu constantemente em que este se devia basear segundo o princípio "de cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades", e declarava repetidas vezes que não era possível repartir os frutos do trabalho segundo o trabalho actual que um homem fazia. Muitos argumentos há sobre este ponto nos círculos anarquistas e sobre toda a questão da propriedade. Proudhon concebera uma sociedade onde cada membro teria direito a um pequeno montante de propriedade pessoal e os vários tipos de movimento cooperativo que ele inspirou pensavam em meios de produção como algo a ser possuído em comum pelos membros, cada um deles possuindo uma parte dos produtos ou controlando os processos de os obter. Para Kropotkin, porém, isso seria, na melhor das hipóteses, uma fase transitória. Posteriormente não haveria qualquer propriedade e tudo estaria simplesmente à disposição de todo aquele que necessitasse das coisas. Com optimismo, procurou ver, na sociedade contemporânea, desenvolvimentos que parecessem mostrar que o mundo se estava movendo na direcção que ele queria. O desenvolvimento dos serviços públicos entusiasmava-o: "O bibliotecário do Museu Britânico não pergunta ao leitor quais foram os seus serviços anteriores à sociedade, mas dá-lhe pura e simplesmente os livros que ele requisita". Impressionava-o a maneira como, na sociedade liberal da Inglaterra vitoriana, o Estado parecia estar a abdicar e as associações voluntárias a aumentarem de dia para dia. Frequentes vezes se referiu à British Life-Boat Association como um exemplo do modo como podia vir a organizar-se a sociedade na base da cooperação livre em prol das causas humanas, onde os homens prestariam livremente a sua ajuda àqueles que dela necessitassem: "A posse colectiva dos bens de produção implica o gozo colectivo dos frutos da produção colectiva; e consideramos que a organização equitativa da sociedade só será uma realidade quando todo o sistema de salário tiver sido abolido e quando todos, contribuindo para o bem-estar comum até aos limites das suas capacidades, desfrutarem dos bens comuns da sociedade segundo as necessidades.

Nikita Kruchtchev e Joseph Estaline.


Um ideal que os anarquistas compartilharam com os comunistas. Kruchtchev, por exemplo, afirmou no XXII Congresso do Partido Comunista da União Soviética que na década de 1971-1980 "estarão criadas as bases materiais e técnicas do comunismo, e haverá abundância de benefícios materiais e culturais para toda a população; a sociedade soviética aproxima-se da fase em que entrará em vigor o princípio da distribuição segundo as necessidades".

(...) O anarquismo individualista foi de pequena importância política e muitas vezes, na forma do seu mais extremo solipsismo e da auto-expressão violenta, constituiu sério embaraço àqueles anarquistas que acreditavam mais numa revolução social do que na simples rejeição dos valores convencionais. Não obstante, ele foi um factor psicológico de muitos revolucionários. Através dos escritos de Nietzsche e de Stirner ele pôde produzir um self-made super-homem como Mussolini; pôde contribuir para o assalto provocador ao passado pelos futuristas. Pôde ainda produzir a geração beat dos anos 50 do século XX - figuras como aquele barbudo, andrajoso e apaixonado que a si mesmo se chamava "Liberdade" e que fundou em Paris um semanário intitulado L'Anarchie e uma série de causeries populaires, para propagar as suas ideias de total liberdade individual.

(...) Todavia, nos países onde o desenvolvimento industrial não condicionou ainda toda a estrutura social como o fez na Europa e na América do Norte, os ideais dos anarquistas continuam ainda a parecer estarem dentro de alcance. Na Índia, o próprio Gandhi e posteriores reformadores sociais, como Jayaprakash Narayan e Vinoba Bhave, sonharam basear a sociedade indiana em "repúblicas aldeãs soberanas e autónomas", segundo as próprias palavras de Gandhi. Talvez mesmo na Índia o desenvolvimento de uma comunidade industrial centralizada tenha ido bastante longe, para ser detida, e Jayaprakash Narayan tenha verificado que as mudanças propostas envolvem também o abandono da democracia parlamentar de estilo europeu da Índia. Na verdade, o seu ataque às instituições parlamentares liberais e a sua procura de "comunidades locais urbo-rurais, soberanas, autónomas, agro-industrializadas" é uma reminiscência de Proudhon. E, como Proudhon, Narayan é talvez bastante optimista quando pensa que a rejeição das instituições liberais conduzirá a uma melhor forma de governo: "A evidência desde o Cairo até Jacarta indica que os povos asiáticos estão a ter segundos pensamentos e a procurar encontrar melhores formas do que a democracia parlamentar para expressar e englobar as suas aspirações democráticas". Pena é que a evidência dificilmente sugere que estas novas formas tenham alguma coisa de comum com os admiráveis ideais proudhonianos de Narayan. Na verdade, se os Indianos, com uma longa tradição de comunidades aldeãs e com o exemplo e o ensinamento de Gandhi, o único homem de Estado do século XX com a sofisticação moral para fazer uma revolução social e política, não conseguiram desencadear a revolução social nas linhas advogadas por Narayan, é difícil ver quem mais o conseguirá».

James Joll («Anarquistas e Anarquismo»).








«Os seis últimos meses da sua estada [de Benito Mussolini] na Confederação foram, para ele, sem dúvida os mais proveitosos, os que provavelmente terão contado mais na formação política e intelectual do jovem emigrado. Dividia a maior parte do seu tempo entre as suas actividades militantes e a vida de um estudante normal, vivendo do pouco dinheiro que a mãe lhe enviava, ou que lhe rendiam páginas, traduções e lições de italiano ou de francês, frequentando os cursos de Verão da universidade e lendo freneticamente tudo o que podia fortalecê-lo nas suas convicções.

Entre os escritores que ele apreciava mais particularmente, escreve Angelica Balabanoff, figuravam Nietzsche, Schopenhauer, Stirner - homens que celebravam a vontade, o eu, a acção individual, bem mais que a das massas. Era inevitável que ele acabasse por se apaixonar pelas teorias de Blanqui, esse radical francês que concebera a revolução como um violento coup d'État - a tomada do poder por um pequeno grupo de conspiradores; e é no aventurismo revolucionário de Blanqui, mais que no colectivismo e Marx, que devemos procurar a chave da evolução ulterior de Mussolini.

Ou seja: ainda que Mussolini não precisasse de estar na Suíça e de ler os clássicos da revolta libertária para se sentir discípulo de Blanqui, e que este último tenha igualmente inspirado Lenine na sua concepção do golpe de força revolucionário, não serviu de modelo ao fundador do fascismo, o qual alimentou a sua cultura política igualmente nos escritos de Bakunine, de Kropotkine, do qual traduziu as Palavras de um Revoltado durante a sua estada em Dovia, nos teóricos italianos e franceses do sindicalismo revolucionário, e nas aulas que dava na universidade o grande sociólogo e economista Vilfredo Pareto.

(...) Mussolini não havia aguardado a visita de Treves a Forlì para travar conhecimento com o autor de Para Além do Bem e do Mal. Aquando da sua estada na Suíça, já tinha ficado bastante impressionado pelos escritos de Nietzsche: não ao ponto, como pretenderá mais tarde, de ficar "curado do socialismo", mas suficiente para que se fortalecesse com a ideia que aquele tinha de um socialismo puro e duro, despojado dos ouropéis da ideologia burguesa e, consequentemente, em  completa ruptura com os princípios e a prática do reformismo. Em Oneglia, tinha lido com interesse o ensaio, recentemente publicado, que Daniel Halévy tinha consagrado às ideias nietzscheanas e, de regresso a Dovia, e depois a Forlì, tinha empreendido ler ou reler os principais escritos do filósofo alemão. Foi, portanto, a quente, e pleno de entusiasmo por aquele que considera como "o espírito mais genial do último quartel do século passado", que o futuro fundador do fascismo reagiu à conferência de um dos chefes de fila do partido, censurando Treves por ter feito da vontade de poder o ponto nevrálgico do pensamento nietzscheano, e dado uma interpretação redutora e relativamente caricatural da noção de super-homem.



Frederico Nietzsche




É evidente que a leitura de Nietzsche, como um pouco mais tarde a de Sorel, foi determinante na formação intelectual e ideológica do futuro ditador, mas também muitos outros representantes do sindicalismo revolucionário, e que os escritos destes dois autores constituem marcos essenciais na revisão do marxismo, que se opera no decurso da primeira década do século, e que constitui uma das matrizes do fascismo. O que Mussolini já retém da obra de Nietzsche, não é apenas a crítica corrosiva da ideologia burguesa, dos "fariseísmos" sobre os quais assentam, ao mesmo tempo, o humanismo cristão e os valores adulterados da era positivista - a justiça, a caridade ou a democracia, tantos outros artigos que fundam a "moral da manada", e que o socialismo reformista retoma por conta própria -, mas também o modelo do "homem novo", forjado pela luta e apto a envolver-se nos empreendimentos prometaicos. Não é o dirigente fascista de 1922 que escreve as linhas que se seguem, mas um dos mais modestos representantes da tendência sindicalista revolucionária do socialismo romanhês assombrada pelo espectro da desvitalização e da "desvirilização" do partido e da sua doutrina.

O "super-homem" - escreve ele no ensaio publicado em 1908 por Il Pensiero Romagnolo -, eis a grande invenção nietzscheana. Que impulso secreto, que revolta interior inspiraram ao solitário professor de línguas da universidade de Basileia esta soberba noção?

Possivelmente o tiedum vitae da nossa vida. Da vida como se desenrola nas sociedades civis de hoje, onde triunfa a irremediável mediocridade.


E Nietzsche anuncia o despertar de um regresso próximo ao ideal. Mas a um ideal fundamentalmente diferente daqueles que acreditaram as gerações passadas. Para compreendê-lo, virá uma nova espécie de "espíritos livres", fortificados pela guerra, pela solidão, por grandes perigos, de espíritos que conhecerão o vento, os gelos, as neves das altas montanhas, e que saberão medir com olhos serenos toda a fundura dos abismos - de espíritos dotados de uma espécie de sublime perversidade - de espíritos que nos libertarão do amor pelo próximo, da vontade do nada restituindo à terra o seu significado e aos homens as suas esperanças - de espíritos novos, livres, libérrimos, que triunfarão sobre Deus e o nada.




Benito Mussolini




Em suma, o que Mussolini extrai da leitura de Nietzsche, é a legitimação de um activismo e de um ideal a que os epígonos de Marx, lhe parecem ter renunciado definitivamente. Neste sentido, ele é bem um produto da geração de jovens intelectuais sufocados pela atmosfera conformista e prosaica da Itália giolittiana, e que anseia exprimir, de outro modo que não pelas palavras, ou pelos escritos, esta crise de consciência europeia que caracteriza o período entre os dois séculos, e que se traduz em pôr radicalmente em causa os valores e postulados sobre os quais repousava, desde a época das Luzes, a hegemonia intelectual da burguesia. Para os detentores do sindicalismo revolucionário que acompanharão até ao fim, no caminho da "transposição" (pela sua esquerda) do marxismo, o futuro fundador dos Fachos de Combate, não chegou ainda o momento de trocar o mito da revolução proletária pelo da nação. Mas muitos são já os acessos que põem em comunicação o anarco-sindicalismo e o nacionalismo Não era o próprio Corradini figura de proa da jovem e poderosa corrente nacionalista, que, numa carta enviada em Abril de 1909 ao director do jornal Il Tricolore, escrevia isto: "Peço-vos, não percam de vista os sindicalistas. O ponto de partida deles é, em certa medida, o nosso. É a primeira doutrina sincera e forte saída do inimigo?».

Pierra Milza («Mussolini»).


«Pour soulever les hommes, il faut avoir le diable au corps».

Bakunin


«Sentindo profundo amor à Rússia e uma fé inabalável na futura revolução desta, Bakunin estava particularmente ansioso por entrar em contacto com a geração mais jovem que nela vivia. Assim, saudou entusiasticamente um jovem de 22 anos de idade, Sergei Gennadevich Nechaev, que declarando ter escapado de uma prisão russa, apareceu na Suiça em 1869. "Tenho comigo - escreveu Bakunin a um amigo suiço - um daqueles jovens fanáticos que não conhecem dificuldades, nada temem e que sabem, absolutamente, que muitos, muitos deles mesmo, hão-de perecer às mãos do governo, mas nem por isso pararão até o povo se sublevar. São magníficos, estes jovens fanáticos, crentes sem deuses, heróis sem frases". A amizade de Bakunin com Nechaev viria a causar-lhe problemas pessoais e políticos, mas não obstante isso ela foi importante para o desenvolvimento dos conceitos anarquistas, uma vez que, sob a influência do temperamento autenticamente terrorista de Nechaev, Bakunin, durante algum tempo pelo menos, advogou o terror como o modo mais efectivo de alterar os valores e o poder do Estado.

(...) Quando Nechaev chegou a Génova, na Primavera de 1869, com uma grande história, em larga medida inventada, sobre o seu passado revolucionário, encontrou Bakunin a cooperar com ele e a colocar-se à cabeça de uma nova geração revolucionária na Rússia. Juntos redigiram um Catecismo Revolucionário, os Princípios da Revolução e outros manifestos, que proclamavam a necessidade do terror desapiedado na luta contra o Estado. Todo aquele que escarnecesse e desprezasse os valores da sociedade existente era um aliado na causa revolucionária: "O banditismo é um dos modos da existência mais honrosos do povo, na Rússia... O bandido na Rússia é o verdadeiro e o único revolucionário, sem frases feitas, sem retórica livresca. A revolução popular nasce da fusão da revolta do bandido com a do camponês... Ainda hoje é este o mundo da revolução russa; o mundo do banditismo, e apenas este sempre tem estado em harmonia com a revolução. O homem que quer fazer uma conspiração a sério, na Rússia, que quer uma revolução popular, deve voltar-se para este mundo e mergulhar nele".














"O revolucionário despreza e odeia a moral social actual, em todas as suas formas... olha como moral apenas tudo aquilo que conduza ao triunfo da revolução.... Todos esses sentimentos meigos e enervantes da amizade, do conhecimento, do amor, da gratidão, da honra mesmo, deve-os sufocar dentro de si, por uma paixão fria pela causa revolucionária... Dia e noite não deve ter mais do que um pensamento, mais do que um objectivo - a destruição sem dó, nem piedade".

"Não reconhecemos outra actividade senão a do trabalho de exterminação, mas admitimos que as formas de que se pode revestir esta actividade podem ser extremamente variadas - o veneno, a faca, a corda, etc. Nesta luta, a revolução tudo santifica por igual".

Esta glorificação apaixonada do terror, em que a violência é quase aceite como um fim em si mesma, é algo que não se encontra em parte alguma dos escritos de Bakunin e é sintoma de até que ponto este caiu sob a influência de Nechaev. Não obstante, foi o suficiente para introduzir no movimento anarquista um elemento que nunca mais perdeu e sugerir a doutrina de le propagande par le fait, que veio a ser a mola de tanta acção anarquista nos trinta anos seguintes. Nechaev, antes de voltar à Rússia, passou o tempo a apelar para a acção imediata, pessoal, violenta. "Sem respeito por vidas, sem hesitar diante de qualquer ameaça, medo ou perigo, devemos - com uma série de actos e sacrifícios pessoais, sucedendo-se uns aos outros, segundo um plano previamente estabelecido, com uma série de atentados arrojados, para não dizermos temerários - dedicarmo-nos totalmente à vida do povo, incutindo fé no seu próprio poder, sacudindo-o, unindo-o e instigando-o ao triunfo da causa... Temos uma missão exclusivamente negativa que ninguém poderá modificar: a destruição completa"».

James Joll («Anarquistas e Anarquismo»).


«Je ne frapperai pas un innocent en frappant le premier bourgeois venu».

Léon-Jules Léauthier (1894).


«Ergamo-nos contra os opressores da Humanidade; todos os reis, imperadores, presidentes da república, todos os padres de todas as religiões, são os verdadeiros inimigos do povo; destruamos com eles todas as instituições jurídicas, políticas, civis e religiosas».

Manifesto dos anarquistas na Romagna (1878).


«Paz a los hombres, guerra a las instituciones».

Slogan anarquista espanhol


«O problema não é apenas um problema de pão, mas de ódio também».


Salvador Cordón











Ver aqui




MAÇONARIA E ANARCO-COMUNISMO


Pedro Martins, socialista e ‘Filho da Viúva’, refere o facto de o presente blogue (Liceu Aristotélico) se ter “distinguido pela difusão, entre nós, das artes marciais” – coisa inapropriada, a seu ver, para o que aquela mesma “denominação faria supor”. E, em ladina associação, alude à carta de Álvaro Ribeiro dirigida a António Telmo onde se censura a revista Escola Formal - então dirigida por Orlando Vitorino e Afonso Botelho - como “um periódico que mais me parece digno de intitular-se ‘Quartel General’” (in «Cadernos de Filosofia Extravagante», Zéfiro, 2012, pp. 136-137). Ora, o que assim se pretende sugerir é que tanto o Liceu Aristotélico quanto a revista Escola Formal se identificam na “intervenção crítica, polémica, ou bélica”, conforme o dizer do insigne Álvaro Ribeiro na já referida carta.

Bem, quanto à Escola Formal, é um facto que a revista, na sequência da revolução comunista de 1974, teve a virtude de, sob a pena varonil de Orlando Vitorino, denunciar e refutar os dogmas do socialismo triunfante mediante a defesa de um liberalismo económico, político e religioso que em nada se confundia com o liberalismo histórico, mata-frades e maçónico. Nisto, é também um facto que Álvaro Ribeiro, que nem sequer perfilhava o liberalismo, se sentisse incomodado perante a forma como Orlando Vitorino se impunha doutrinariamente num contexto pautado pelas destruições do socialismo invasor. E que, além do mais, o próprio António Telmo, sempre invejoso do protagonismo do irmão - com quem aliás aprendera a ver no socialismo uma das principais causas atreitas ao fim histórico de Portugal - , aproveitasse a intriga alvarina para assim, no tocante ao Orlando e, por extensão, à revista Escola Formal, congeminar na penumbra da sua personalidade luciferina.





















Orlando Vitorino



A revista Escola Formal descuidara-se no aspecto ortográfico por inapropriada revisão das provas tipográficas? Decerto. Estaria, no dizer de António Telmo, a revista Escola Formal excessivamente dominada pela circunstância política, nomeadamente a respeito do último número aludido pelo kabbalista de Estremoz? Com a devida reserva, podemos dizer que sim. Contudo, é também preciso dizer, com toda a propriedade, que a revista Escola Formal teve sobretudo a virtude de sair a terreiro num contexto dominado pelo socialismo instituído no controlo da produção, no planeamento da economia, na abolição da propriedade (não de direito, mas de facto), assim como no absentismo, no desemprego e na miséria social e humana a que dera efectivamente lugar. E nisso, há, pelos menos da nossa parte, que reconhecer a coragem e a inteligência de Orlando Vitorino por ser o rosto visível de um pensamento que jamais recuou perante a versão mais primitiva do que primária das hostes socialistas e comunistas saídas do 25 de Abril.

Depois, quanto ao Liceu Aristotélico, que de nenhum modo hostiliza os quartéis-generais, um dos seus objectivos é, como não podia deixar de ser, disparar toda a sua artilharia contra o socialismo, o comunismo e tudo o que tende a minorar a fisionomia espiritual da Pátria Portuguesa. Logo, também não atenta contra as artes marciais enquanto nobres tradições e manifestações milenárias de povos que, directa ou indirectamente, tiveram e continuam a ter relações históricas, culturais e civilizacionais com Portugal.

De resto, a nossa suposta alusão a Pedro Martins, no âmbito da postagem relativa à biografia falhada de Agostinho da Silva – lida a qual verteu, segundo confessa, lágrimas de crocodilo -, é tão-só um delírio da auto-importância com que se ilude a si mesmo – curiosamente, Don Ruan, no âmbito da tradição tolteca manifesta nos livros de Carlos Castaneda, chamara aos ufanos e presunçosos de peidos. Portanto, é somente com este sinal de reconhecimento, de contornos iniciáticos, que ao socialista Pedro Martins poderei distinguir. Entretanto, se foi referido o Círculo António Telmo, foi para que o leitor confirmasse e pudesse ver os informes libertários que nesse círculo se alardeiam quanto ao anarco-comunista da Univerdade de Évora. Logo, não foram visadas as alegadas orientações políticas ou religiosas dos respectivos membros, pese embora o que, nesse círculo, mais salta à vista seja, de facto, uma ‘orientação’ télmica ostensivamente maçónica e de ‘velada’ e acintosa hostilidade para com a Igreja Católica.






Demais, convém dizer que o influxo jacobino de António Telmo não fora, para o efeito, certamente inocente, nem pouco mais ou menos revelador de uma justa medida quando bem sabemos que um dos factores que o levaram a ingressar na maçonaria reflecte, de alguma forma, a razão pela qual Sampaio Bruno não simpatizava com associações secretas, “porque é força da sua essência que elas façam prevalecer sobre a ideia de justiça para todos, a ideia da protecção para alguns” (in «Aos amigos conhecidos e desconhecidos. Aos inimigos desconhecidos»). Como tal, não há nada como trazer à luz do dia as judiarias maçónicas que têm ensombrado a filosofia portuguesa, até porque Álvaro Ribeiro, filiado que fora na maçonaria, também confessara a um dos seus próximos que uma tal 'associação' de modo algum correspondia ao que dela se esperava em termos písticos, gnósicos e sóficos. E, ao contrário de António Telmo, proclamara ainda “que a filosofia portuguesa se articulará muito com a futura sistematização da teologia católica” («A Filosofia Portuguesa em foco!», in Flama, pp. 5-7).

Relativamente a Cândido Franco, não há nada como trazer à baila o seu currículo de baixezas torpes e infames. Senão vejamos:

Na sua “Nódoa (perdão, Nótulasobre a situação da Filosofia Portuguesa”, declarou que ao respectivo movimento tinham prestado um mau serviço Afonso Botelho com suas “ideias monárquicas e brigantinas”, a geração do “57” com suas alegadas “desfigurações políticas e sociais”, assim como Orlando Vitorino “por uma defesa intolerante do neo-liberalismo económico” (150 anos de Filosofia Portuguesa. Actas dos Colóquios NO SIGNO do 7, Realizados na Biblioteca de Sesimbra entre Março e Novembro de 2007, 2008, pp. 111-113). Posto isto, a perfídia em causa é, sem dúvida, um sinal deveras revelador de quem igualmente afirma de que “não se pode tão-pouco aceitar os preconceitos anti-socialista e anti-comunista”. Logo, no escrevinhar do aprendiz de poeta, o movimento da Filosofia Portuguesa resume-se tão-só ao comunismo libertário, ao livre-pensamento socialista e anti-clerical – verbera até contra “uma perigosa aproximação à Igreja Católica de Roma” -, enfim, estamos perante uma furada e falhada tentativa de fazer da Filosofia Portuguesa um redil de anarquistas, socialistas, comunistas e tutti quanti.










Mas há mais: o anarco-comunista revelou ainda a pretensão de fazer uma biografia sobre Agostinho da Silva com conotações sexuais sórdidas à mistura. Entretanto, viu sair-lhe a terreiro um constitucionalista que lhe deu um valente puxão de orelhas, mostrando o fiasco da pretendida obra nos mais burlescos, exóticos e pitorescos aspectos. Veio então com uma meia-resposta alegando ter escrito uma biografia poética para ver se a coisa passava. Por fim, perguntei eu simplesmente o que de poético tinham expressões do tipo sobre o ilustre biografado: "Matava com a mão o apetite do bicho mas o que ele queria mesmo era o corpo meio nu da prima nas mãos".

Nisto, o Círculo António Telmo, de peito inchado, disse que a resposta do dito-cujo não se faria esperar. E cá esperámos, esfregando as mãos de satisfação. Mas não é que, afinal de contas, não veio, de facto, nenhuma resposta da parte do falhado biógrafo.

Em vez disso, lá veio a teatral ladainha dos perseguidos por Oliveira Salazar, todos eles uns anjinhos e umas grandes vítimas cuja ocupação era, em termos gerais, conspirar e procurar destruir obra feita e consolidada. E, de resto, danado da vida com o facto de no Liceu Aristotélico não se embarcar no ataque descabelado à figura de Oliveira Salazar como é próprio dos espíritos inferiores e medíocres, o anarco-comunista aponta o dedo e diz: “A História é tudo! A História – as fontes documentais, como ele [Miguel Bruno Duarte] faz questão de dizer – é a madre de todas as verdades”. Claro, foi mesmo isso que foi dito, tal e qual.

Na sua extravagante e cândida extrapolação, Cândido Franco não quis fazer de analfabeto funcional. Ele é, irremediavelmente, um analfabeto funcional. E, num tom anedótico e burlesco, evoca ainda Paiva Couceiro para, perante uma curial denúncia dos anarquistas, dizer que havia de “ser belo e bonito” se por cá andasse. Ora essa!



Oliveira Salazar



Passemos agora aos presumíveis “católicos ateus”, consoante se dá a conhecer num escrito deveras medíocre de um tal Ruy Ventura. O finório vem, pois, dar um triste espectáculo falando à toa de marranos, Inquisição, António Telmo – agora, onde estão aqueles está necessariamente este -, Álvaro Ribeiro, Oliveira Salazar e, quem diria: Paiva Couceiro. Ora, é óbvio que o intuito do catraio é depreciar, caluniar e rebaixar o que aleivosamente apoda de o “botas nascido em Santa Comba”, para, com base em intrigas de sacristia, dar Oliveira Salazar como ateu, embora muito católico – e acrescentando que lhe faltava “a grandeza moral e a humildade intrínseca para ser verdadeiramente crente”. Mas de que buraco saiu este pirralho para afirmar uma coisa destas? Que sabe ele, com base num alegado espólio e eventuais dissídios, sobre a intimidade religiosa de Oliveira Salazar para dar por adquirido aquilo que, em última instância, só à Providência parece dizer respeito? Até porque, no que se reporta ao âmago do Estadista Português, nem astrólogas, como Maria Emília Vieira, nem, supostamente, Fernando Pessoa, que naquele vira um “materialista católico”, um “ateu que respeitava a Virgem”, poderiam acercar-se e adentrar-se na secreta e sibilina intimidade de quem nenhum cardeal, padre, ministro, secretário, criado ou guarda lograriam, certamente, decifrar.

Aliás, o (des)Ventura põe em epígrafe Álvaro Ribeiro de quem também julga surpreender o pensamento, mas, na verdade, nem isso. Aliás, o filósofo portuense, que jamais em nenhum momento da sua vida se aproximara ideologicamente de Oliveira Salazar, era, não obstante, suficientemente inteligente a ponto de, inclusive, ter reconhecido, no rescaldo das atrocidades da revolução comunista de 1974, que o maior Estadista do Século XX tendia a agigantar-se cada vez mais perante o já deveras patente descalabro económico e político de Portugal. E quem, ao vivo, nos testemunhou isto foi um dos discípulos mais próximos de Álvaro Ribeiro, de seu nome Luís Furtado.


De resto, diz-nos ainda o tal (des)Ventura que teve a honra de ser mestrando de Cândido Franco. Ora bem, isso já explica então a estupidez de que o próprio tanto fala e até personifica em preito de homenagem à presumível “grandeza moral e intelectual” daquele “escritor e professor da Universidade de Évora”. Ora, já todos vimos no que essa alegada “grandeza moral e intelectual” consiste. Chama-se a isto, segundo o provérbio popular, arrotar fumaças como tão bem a empregou, num dos “Casos do Romualdo”, o escritor gaúcho J. Simões Lopes Neto, na historieta do grande mentiroso dos pampas intitulada “Essência de cachorro (Novo método para caçar)”: “Arrotam os europeus grandes fumaças de sabedores em coisas de caçadas; mas como de presunção e água benta... deixá-los lá”.


P.S.: O (des)Ventura refere-se ainda e, a título lamentável, ao “pensador que, como os melhores, não confude a história com a historiografia”. Nem precisa. É um zero à esquerda nas duas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário