domingo, 25 de outubro de 2015

«25 de Abril»: a Fatal Derrocada (i)

Escrito por José Dias de Almeida da Fonseca







«P. - Em "África. A Vitória Traída", obra de V. Ex.ª e de outros três generais, pretende-se provar que a guerra em África não estava perdida. O livro foi discutido e criticado mais emocionalmente do que factualmente, ao que parece. E continua a sublinhar-se o elevado custo da guerra, as perdas de vidas, as de portugueses e guerrilheiros. Por outro lado, parece que a descolonização, exemplar ou não, provocou mais vítimas fora ainda, evidentemente, as suas consequências futuras com o prolongamento da guerrilha, em Angola, e dificuldades que, segundo alguns, se registam no caminho da normalização noutros territórios antes portugueses. A sua opinião sobre o problema? Ou será que, na realidade, é muito cedo para escrever a História?...

R. - Em "África. A Vitória Traída" repõe-se com números, que ninguém contestou, e factos relatados pelos chefes militares mais qualificados para o efeito, verdades que andavam monstruosamente deformadas. Não é mais possível empolar-se, sem demonstrar ignorância e má fé, os custos financeiros e humanos da guerra, ou a fuga dos mancebos pela impopularidade daquela. E se se comparar os custos financeiros e humanos da guerra com os mesmos custos da "paz" trazida pelo 25 de Abril, sem a restritiva óptica racista que explica muito do que se passou, e ficou consolidada na incrível lei da nacionalidade, fica-se horrorizado com o preço daquela "paz". Ouçam-se as vítimas que por aí andam, juntem-se as vítimas que deambulam por Angola, Timor, Moçambique, Guiné... some-se a tudo o comportamento indecoroso para com os soldados e as populações vitimadas por sempre se terem considerado portugueses. E não haverá arte, subtileza, ou habilidade, capaz de camuflar o horror provocado. E a haver inteligência que tente justificação, a não a admitirmos conduzida por razões menos transparentes, temos de lhe atribuir insensibilidade e, ou, irresponsabilidade.

Que a guerra não estava perdida em 25 de Abril, já hoje ninguém, medianamente informado, duvida. Como praticamente todos sabem que, em Angola, a vitória estava à vista. Quanto ao resto, é como se prova em "África. Vitória Traída". Os que andaram pelo Ultramar e os que por lá combateram sabem que era assim... E daí o sentimento generalizado de vergonha, arrependimento e frustração de muita gente boa que hoje sabe ter sido objecto de manipulação com o 25 de Abril.

P. - Um fenómeno curioso e sobre o qual gostaria de escutar a sua opinião. Depois da indisciplina reinante nas Forças Armadas Portuguesas, durante o período conturbado que terminou com o "25 de Novembro", o respeito pela hierarquia e pela disciplina regressaram progressivamente aos quartéis e creio que se reimplantaram entre a maior parte da oficialidade. Porque foi suspenso após o "25 de Abril"? Culpa dos soldados, até aí e hoje de novo obedientes, dos soldados que não quiseram combater, diz-se, assim que deflagrou a Revolução de Abril?


R. - A destruição da Instituição Militar fez parte da estratégia utilizada para, com o 25 de Abril, se perder o Ultramar, que acabou por cair em órbita soviética. Consumado o abandono de Angola e tentada, sem êxito, a conquista do poder pela força, a acção sobre a Instituição Militar deixou de se poder exercer com a mesma intensidade, e perdeu mesmo parte do seu interesse. As circunstâncias referidas, abandono de Angola e 25 de Novembro, com certa limpeza militar decorrente deste, levaram a uma melhoria indubitável da disciplina exterior das nossas Forças Armadas. Mas a destruição da estrutura da Instituição encontra-se, por muito tempo, consumada. Com raras excepções, o melhor dos excelentes quadros que possuíamos, nas hierarquias mais elevadas, foram objecto de uma odiosa purga, entre nós sem precedentes. Antes que novos quadros estejam preparados (o que não acontecerá com graduações e promoções por distinções... política de quadros jovens, que globalmente e com poucas excepções, se revelaram maus), oxalá não seja necessário recorrer a novo Conde de Lippe para restaurar o que programadamente foi destruído...».

Entrevista de Silvino Silvério Marques concedida a J. N. Pereira da Costa, publicada no semanário «O País», de 11 de Novembro de 1977 (in Silvino Silvério Marques, «Portugal. E Agora?»).






General Silvino Silveira Marques



«Decorrida uma década sobre o "25 de Abril", escrevi o seguinte:

Quando surgiu o 25 de Abril, não foram poucos os que previram que dele resultariam dificuldades maiores para o País metropolitano e ultramarino e para os portugueses de todas as condições e das diversas etnias.

E quando se tornaram conhecidos os seus principais autores e seguidores, aquela previsão transformou-se, para as mesmas pessoas, em certeza, na certeza daquelas dificuldades maiores.


Além disto, alguns, logo ou depressa, se aperceberam da projecção do 25 de Abril no conjunto da África Austral e dos gravíssimos problemas de tal resultantes para todo o Ocidente.


Hoje - ano de 1984 -, decorridos dez anos do processo ainda em curso do 25 de Abril, a previsão e a certeza em causa foram confirmadas e ultrapassadas pelos factos.


Todos, no Portugal de agora - situados no Poder e nos partidos ou fora deles; no Estado, nos organismos públicos ou entre os privados; no patronato, nos sindicatos ou noutros parceiros sociais; na classe política ou entre os não políticos; dos mais à direita até aos mais esquerdistas -, todos, no Portugal de agora, consideram e proclamam ter-se factualmente atingido uma situação nacional de emergência, uma situação de pré-desastre nacional.


Todos igualmente sabem ser um facto que, em Angola e Moçambique, o desastre se consumou, transformando estes territórios em espaços de opressão, miséria e sofrimento, onde, em consequência, se instalou uma luta violenta e cada vez mais generalizada.


E todos observam ainda que, na África Austral, se multiplicam os factos de cariz anti-ocidental e que, por força deles, grave conflito tende a intensificar-se e a agudizar-se, gerando um clima de desastre.


O 25 de Abril não deu pois somente lugar a dificuldades maiores, mas produziu realmente graves situações de desastre potencial ou efectivo.


Porém, o que deixa as pessoas, clarividentes e sãs, inteiramente atónitas é a circunstância dos autores e seguidores do 25 de Abril, ao proclamarem, conhecerem e observarem as calamidades daquele resultantes, o fazerem ingénua e candidamente, como se não estivessem, inseridos no processo, como se responsabilidade alguma lhes coubesse, como se esta responsabilidade fosse total e exclusivamente de outros.


Que se passa com tal gente? Obscurantismo? Paixão? Fanatismo? Oportunismo primário? Medo de culpa enorme? Apenas erro imenso?


Talvez um pouco de tudo, mas por certo, básica e simplesmente uma total carência de altura espiritual, que os inibe, que os torna incapazes de uma tomada de consciência, de um remorso, de um "mea culpa" histórico.


De um "mea culpa" na dimensão da desagregação quase completada de uma Pátria gloriosa com mais de oitocentos anos, na dimensão do retrocesso em séculos de territórios em progresso espectacular, como Angola e Moçambique, e na dimensão de problemas maiores criados na África Austral à civilização mais avançada e apurada que desde sempre existiu - a Civilização Ocidental.


Um "mea culpa", em verdade, a nível da grande História.



Ver aqui





Vista aérea da pista de Santa Eulália (Angola).



Avião Noratlas, conhecido por barriga de ginguba, a levantar da pista de Santa Eulália.














































Ao centro: General Spínola





Marcello Caetano discursa perante Generais (1973).



Costa Gomes e o General Spínola aquando da proclamação da Junta de Salvação Nacional (26 de Abril de 1974).











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(...) O General António Spínola, Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, publicou, em Fevereiro de 1974, um livro intitulado "Portugal e o Futuro".

O texto do livro tinha sido aprovado, com elogio, pelo General Costa Gomes, Chefe do mesmo Estado-Maior, e a sua publicação foi previamente autorizada pelo Dr. Silva Cunha, Ministro da Defesa Nacional, com conhecimento do Prof. Marcello Caetano, Presidente do Conselho de Ministros.

Naquele texto, evidenciava-se a incoerência do autor, segunda Autoridade Militar do País, com a concordância da primeira Autoridade Militar do País, ao mostrar não acreditar e ao considerar não ser possível o sucesso militar português em África. Assim, o Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, apoiado pelo Chefe do mesmo Estado-Maior, estava, insiste-se, incoerentemente, a dizer - aos militares deles dependentes e que se batiam em Angola, em Moçambique e na Guiné - ser o seu esforço e, porventura, o seu sacrifício inúteis e sem sentido. A expressão pública desta opinião, por um chefe militar, mesmo que correspondesse à realidade - o que não acontecia - exigia a sua demissão prévia e voluntária.

Este facto conduziu à exoneração compulsiva de Spínola e de Costa Gomes das suas funções no Estado-Maior General das Forças Armadas. E foi uma das causas do pedido de demissão de Marcello Caetano das funções que exercia de Presidente do Conselho de Ministros, apresentado ao Almirante Américo Thomaz, Chefe do Estado, em 11 de Março de 1974.

O livro em questão, "Portugal e o Futuro", foi certamente uma das causas próximas da queda, em 25 de Abril de 1974, do regime político vigente em Portugal.

(...) O Governo teve muito cedo conhecimento do movimento dos capitães, depois Movimento das Forças Armadas. Teve conhecimento do progresso deste MFA; do seu comandamento, a partir de certo momento, parcial mas muito efectivo, quer por portugueses apóstatas e traidores, quer por estrangeiros inimigos de Portugal; e dos seus objectivos, incluindo a entrega do Ultramar. E teve conhecimento das ligações que os Generais Costa Gomes e Spínola com ele mantinham, sendo até o Presidente Marcello Caetano prevenido de que esses Generais o iam visitar - o que fizeram - com a intenção de lhe dirigirem convite - o que se não sabe se se concretizou - para encabeçar o mesmo MFA.


Para cúmulo de explicitação, verificou-se, como reacção à exoneração compulsiva daqueles Generais das suas funções no Estado-Maior General das Forças Armadas, em 14 de Março de 1974, a revolta falhada de 16 do mesmo mês. Esta revolta constituiu aviso supremo e deveria ter sido motivo e pretexto para chamar à razão e às suas responsabilidades nacionais - ou, se necessário, neutralizar - aqueles dois Generais e todos os oficiais promotores do MFA que se presumisse continuassem a agir contra a Nação.

Mas, por razões ainda não cabalmente explicadas, e muito menos justificadas, o Governo, desde o início apático, acabou por adoptar uma atitude de grande passividade para com os referidos Generais e oficiais do MFA, deixando-lhes toda a liberdade de actuação. Esta passividade foi tal que não poucos admitiram tratar-se de cumplicidade. O que pode dizer-se é que pelo menos houve cumplicidade inconsciente.

Repetia-se, porém, agora em situação muitíssimo mais grave, a benevolência havida com Costa Gomes em Abril de 1961.

Esta passividade e cumplicidade, pelo menos inconsciente, foi com certeza uma outra causa próxima da queda, em 25 de Abril de 1974, do regime político vigente em Portugal».

Kaúlza de Arriaga («Guerra e Política. Em Nome da Verdade. Os Anos Decisivos»).











Kaúlza de Arriaga na Barragem de Cabora Bassa (Moçambique).


















«O Senhor Dr. Freire Antunes, muito recentemente, em artigo publicado no jornal Diário de Notícias, diz-nos que, segundo René Pélissier, investigador da História Angolana, "a UPA não tinha, em 1961, uma estratégia nacional, mas uma estratégia meramente tribal para os povos de Bacong e Dembos".

Não nos diz o Senhor Dr. Antunes, nem o Senhor Pélissier, quem financiou este grupo terrorista, mas sabem, com certeza, que foi especialmente a Fundação Ford sob o alto patrocínio dessa sinistra figura que foi a Senhora Eleanora Roosevelt, a mulher do Presidente que entregou metade da Europa ao goulag soviético.

A partir de todos estes auxílios e após muitos anos de luta armada sem conseguirem os seus objectivos — os grupos terroristas estavam na iminência de depor as armas — compreenderam que só com uma acção em Lisboa, conseguiriam alcançá-los.

A dificuldade, porém, com que tinham deparado, noutras tentativas fracassadas, era a de não terem encontrado, nem terem conseguido promover, um descontentamento, que é sempre o ponto de partida para qualquer acção de subversão política. Tinham tentado criá-lo, várias vezes, ao longo de anos, mas sem êxito. O aproveitamento do descontentamento entre os oficiais veio dar-lhes a oportunidade de, a partir dele, conseguirem em Lisboa o que não tinham conseguido com o terrorismo no Ultramar.

(...) As Forças Armadas, por outro lado, estavam na sua quase totalidade, nos territórios ultramarinos. Na Metrópole estavam sobretudo generais na Reserva, oficiais instrutores e recrutas.

Vejamos o que nos diz um órgão da imprensa estrangeira, sobre esta franja não operacional das Forças Armadas.

"Resta apenas o problema da NATO: Spínola promove o contacto com o próprio Secretário da Nato, Joseph Luns, [através] de um dos seus amigos da Finança — o Director dos Estaleiros Navais Portugueses, Lisnave, Thorsten Anderson — que participa em Megève, França (de 19 a 21 de Abril) numa misteriosa reunião de importantes homens da política, da diplomacia e do mundo dos negócios internacionais reunidos num igualmente misterioso clube: o Clube de Bilderberg. 

De 19 a 21 de Abril, Megève é zona vigiada pela polícia francesa como se o visitante fosse um Chefe de Estado. De facto, no Hotel Mont Arbois, propriedade de Edmond Rothschild, reúne-se a flor e a nata da política e das Finanças ocidentais. A reunião é discreta, à porta fechada: os jornalistas não falarão dela; mas é ali que será decidido o destino do mundo ocidental. Desde 1954, e do dia da primeira reunião no Hotel Bilderberg, na cidade holandesa de Oosterbeek, sob a presidência do Príncipe Bernardo da Holanda, que os homens mais influentes do Ocidente se reúnem anualmente para estudar a situação 'política e financeira e estudar ou aprovar programas para o futuro'. 


Bastam os nomes dos participantes daquele ano na reunião do Clube para que possa compreender-se a sua importância. São os seguintes: Nelson Rockefeller, Governador do Estado de Nova York; Frederick Dant, Secretário Norte-Americano do Comércio; General Andrew Goodpaster, Comandante das Forças Aliadas na Europa; Denis Healey, Ministro da Fazenda inglês; Joseph Luns, Secretário Geral da NATO; Richard Foren, Presidente da General Electric na Europa; Helmut Schmidt, Ministro da Fazenda alemão, actualmente chanceler, após a demissão de Brandt; Franz Joseph Strauss, definido como homem de negócios alemão; Joseph Abs, Presidente do Deutsche Bank; Guido Carli, Governador do Banco de Itália; Giovanni Agnelli, Presidente da Fiat; Eugénio Cefis, Presidente da Montedison e além destes Thorsten Anderson, homem de negócios português que sonda Joseph Luns sobre as possíveis reacções da NATO perante a possível mudança de regime em Lisboa. 






Joseph Luns




1.ª reunião do Clube de Bilderberg, realizada entre 29 e 30 de Maio de 1954.





A resposta de Luns, certamente positiva, vem a ser confirmada pelo comportamento, já citado no início, dos navios da NATO defronte da capital portuguesa durante as primeiras horas do golpe de Estado. A sua presença actuou como um silencioso dissuasor contra quem, entre os generais ultras, tivesse tentado opor resistência a Spínola. Os generais sabem da presença dos navios e sabem muito bem interpretar a sua saída de Lisboa na madrugada de 25 de Abril. É evidente que a NATO julga saber quem são os iniciadores do movimento, conhece o seu programa e aprova-o. A reunião do Clube de Bilderberg cumpriu os seus objectivos e neste momento Spínola tem o caminho livre". 

O Poder político, por outro lado, estava nas mãos de um homem fraco, hesitante e pressionado pelos que viam na Europa do mercado comum a solução para todos os problemas pessoais e nacionais, dominados por uma estranha mística de Terra Prometida, donde esperavam que um fácil maná viesse alimentar os seus apetites, insuficiências e vaidades. Para todos eles os territórios ultramarinos eram o único obstáculo à realização dos seus sonhos europeus. Muitas vezes me disseram que entre os marcelistas se afirmava que era preciso abandonar o Ultramar a qualquer preço. Não me surpreende que tenham vindo a desempenhar um papel de relevo na descolonização exemplar, como, impudicamente, alguém chamou ao vergonhoso e sangrento abandono do Ultramar.

Não me surpreende, na verdade, porque quando o chefe é fraco, tudo à sua volta enfraquece. Por isso mesmo não foi necessário derrubá-lo. Apenas caiu.

(...) Tive conhecimento, em Madrid, através de um oficial que na altura prestava serviço no Quartel do Carmo, que o Prof. Marcello Caetano, logo que entrou, se dirigiu ao Gabinete do Comandante, que ocupou, dando ordens terminantes para que, em circunstância alguma, o interrompessem, tendo fechado a porta à chave. Esteve horas ali dentro, sem contactar com os ministros que o tinham acompanhado, até ao momento em que o General Spínola chegou ao quartel para o proteger de arruaceiros a soldo, que na rua o ameaçavam.

Soube depois, por outra via, que o Comandante Geral da Legião Portuguesa, General Castro, fora uma das pessoas por ele contactadas, tendo-lhe dado ordens para desarmar e dispersar o batalhão que estava no momento a ser municiado. É de presumir que tenha contactado outras entidades militares, dando-lhes instruções para não intervirem. Nesta altura ainda devia estar convencido de que o movimento se fazia a seu favor, o que lhe iria permitir libertar-se do Ultramar, ideia antiga que o obcecava e não conseguira até ali levar a cabo.

Mais tarde, em Espanha, viria a saber pelo Eng. Santos e Castro, que o Presidente do Conselho, quando o convidou para desempenhar as funções de Governador Geral de Angola, lhe dissera que ia com a missão específica de preparar, o mais brevemente possível, a independência do território, informando-o de que igual incumbência fora cometida ao Dr. Baltasar Rebelo de Sousa em relação a Moçambique.

Não tenho dúvidas de que na sua intenção estava a preparação de independências inspiradas no modelo da África do Sul.

Simplesmente o projecto do Professor não estava de acordo com o plano americano-soviético, aprovado na Conferência de Bilderberg, pelo que não passou de um ingénuo útil, mais um, a servir interesses hostis aos de Portugal.

Pelo que ficou dito poderá o leitor melhor avaliar da importância que certamente teve aquela reunião do Clube de Bilderberg na eclosão e desenvolvimento do 25 de Abril e sobretudo tomar consciência das vezes sem conta, quando insuficientemente informados, em que tomamos a aparência pela realidade. Por isso não deve ter sido difícil ao embaixador do CFR, Carlucci e seus ajudantes, aconselhar os nossos aprendizes de feiticeiro a seguir-lhes as sugestões de que dependiam os seus futuros políticos que talvez se possam reduzir a uma só: não façam nada que contrarie o projecto do Governo Mundial, porque nele está a Esperança e fora dele a Tragédia.












Costa Gomes, Gerald Ford e Henry Kissinger. Ver aqui



Costa Gomes nos jardins da Casa Branca, com Gerald Ford, Henry Kissinger, Mário Soares, Hall Themido, entre outros (Outubro de 1974).


O Partido Comunista, por outro lado, o único com quadros bem preparados, apesar da massa militante ser de terceira categoria, o que o impediu de ir mais longe na destruição do País, conseguiu, no entanto, em curto espaço de tempo, ocupar posições-chave que lhe permitiram lançar a confusão generalizada, utilizando técnicas bem conhecidas dos especialistas na manipulação de massas.

Tudo estava bem estudado e planeado para preencher com a desordem, a intimidação e a arbitrariedade, o vazio do poder.

Surpreenderam-se muitos comentaristas da imprensa internacional que num País com uma História tão antiga e tão rica como a portuguesa, fosse possível a desordem manter-se durante tanto tempo e durante ela os portugueses assistirem impassíveis à sua auto-destruição, se não mesmo a aplaudi-la».

Fernando Pacheco de Amorim («25 de Abril. Episódio do Projecto Global»).


«E o meu último erro, também antes do "25 de Abril", foi certamente o de ter acreditado nos militares de alta hierarquia com quem havia concertado a actuação de tropas da sua linha de comando, no próprio dia do golpe revolucionário de "25 de Abril"».

Kaúlza de Arriaga («Guerra e Política. Em Nome da Verdade. Os Anos Decisivos»).


«Kaúlza De Arriaga c'est un caractère et une légende. Pour ses adversaires il fait figure de "Massus" portuguais. A dire vrai, cet homme de cinquante-six ans, cultivant avec beaucoup d'art le sens des relations publiques nous a paru plus fin, plus intelligent que Massu. Géneral victorieux dans le nord, n'ayant pas encore forcé et scellé la décision à Tete, à Kaúlza de Arriaga pourrait s'appliquer le mot e Barrès: "Il y a toujours de la cervelle dans le pommeau d'un sabre».

Luc BEYER de RYKE, le 25 septembre 1973 (in «L'Outre-Mer Portugais en Procès»).


«Para Almeida Santos o documento de Mombaça "continha o essencial do texto, só formalmente não acabado, que viria a converter-se no acordo assinado na Cimeira do Alvor". Fora apenas submetido a um "simples ajustamento de forma". O papel dos negociadores nacionais tinha sido tão irrisório que até se poderia dizer que a "participação dos responsáveis políticos nas negociações do Alvor" tinha sido "uma participação chancelar": a delegação portuguesa limitara-se "a pôr em bom português o texto que de Angola veio". O Acordo tinha sido o que os líderes angolanos "quiseram que fosse" e a "pressa com que foi negociado" demonstrara "a urgência" que tinham "em se verem livres de nós". Tinha havido pouco tempo "para tudo fazer", o que "levou a que praticamente se não tivesse chegado a fazer nada". Gonçalves Ribeiro não considera que o texto do Alvor seja um mero decalque do Acordo de Mombaça porque (como as actas atestam) ao longo das reuniões "foi sendo sucessivamente ajustado às sensibilidades, percepções, vontades e credos de cada uma das partes".

Acordo do Alvor: delegação 'portuguesa'


(...) Os mais satisfeitos com o Acordo eram os militares portugueses em Angola: estavam orgulhosos do trabalho feito por Rosa Coutinho, para o qual auguravam, num futuro próximo, um papel proeminente em Portugal. As críticas ao Almirante, tanto por parte dos brancos como dos negros, estavam indubitavelmente ligadas ao favorecimento do MPLA, embora o diplomata [Tom Killoran] considerasse ser impossível a qualquer mortal cumprir aquela missão "sem ofender alguém". Rosa Coutinho rechaçara "as intenções golpistas que se tinham formado nas cabeças de meia dúzia de extremistas brancos", mas nem sempre respeitara os direitos dos próprios compatriotas: "Certamente terá violado os direitos civis de alguns brancos e poderia até vir a ser processado judicialmente por tê-lo feito, mas como era 'uma raposa velha' não se preocupava com tais minudências".

(...) O Acordo do Alvor tinha sido publicado (na íntegra ou parcialmente) pela Imprensa nacional e estrangeira, mas em 16 de Janeiro de 1975 o embaixador português nas Nações Unidas ainda não o tinha recebido: Veiga Simão solicitava que Lisboa lho enviasse urgentemente "a fim de ser imediatamente divulgado", senão acabaria por ser primeiro distribuído pelos representantes angolanos. Em Angola, as previsões mais cépticas ou os comentários menos alinhados com o triunfalismo ostentado pelas partes subscritoras do Acordo não eram bem-vindas. Os meios de comunicação eram uma poderosa arma de propaganda e (como a FNLA já adquirira um jornal) o governo de Rosa Coutinho impôs restrições à liberdade de informação. A decisão, justificada pela desejada paz social, era uma forma de silenciar opiniões divergentes da "linha justa". As transgressões consagradas na nova Lei de Imprensa incluíam a difamação do chefe de Estado, de ministros e diplomatas, a agressão ideológica a princípios democráticos legais ou ao processo de descolonização, violações ao Direito Civil e o incitamento à revolta popular ou à greve (que em Portugal viria a ser um direito constitucional). A coima mínima era de 200 contos e a mais pesada correspondia à suspensão do orgão noticioso por um período mínimo de 30 dias.

Durante uma conversa informal com Tom Killoran (antes de partir de Luanda), Rosa Coutinho disse-lhe que o Acordo do Alvor era "um acordo desajeitado", não crendo que "o espírito de cooperação entre os três Movimentos fosse muito sincero". Anos depois mantinha a opinião expressando-a através de uma típica metáfora gastronómica bem nacional: o Alvor tinha sido "uma 'caldeirada à portuguesa'", mas não se negasse o mérito de ter juntado os líderes angolanos à mesa com Portugal, de ter fixado a data da independência e de ter mantido Cabinda anexada a Angola. Para Mário Soares, a Cimeira assemelhou-se mais a um "jogo viciado". O ministro - que teve início pretensões de "cavalgar a questão africana", julgando que "poderia solucioná-la melhor do que os outros" - percebeu ao chegar à Penina que "os dados estavam lançados e o jogo praticamente feito". "A visão dominante naquela sala era pró-MPLA", diria. A leitura de Savimbi era semelhante: "As forças gonçalvistas" pretendiam "entregar o Poder exclusivamente ao MPLA" e Rosa Coutinho, que tinha sido "introduzido 'a martelo'" na Cimeira, como observador, não tinha parado "de manobrar nos corredores do hotel". Depois de se conhecerem as actas das reuniões pode aferir-se de que forma os ministros socialistas foram relegados para um lugar secundário nas conversações, como alegaram posteriormente. Almeida Santos referiu ter sido um mero escrivão e o MNE [ministro dos Negócios Estrangeiros] que ambos se limitaram a desempenhar um papel quase decorativo: "Tanto o Almeida Santos como eu estávamos um pouco à margem desses esquemas e a nossa contribuição na Cimeira, para dizer a verdade, foi mais do tipo 'chá e simpatia', limando algumas arestas mais vivas que já se desenhavam, claramente, entre eles". Para o fundador do PS, o Alvor foi "o compromisso possível", não crendo que houvesse outra estratégia que pudesse ser seguida: "Não tinha uma visão claro do que se poderia fazer de diferente e a minha capacidade de intervenção era reduzida. Não havia grandes saídas ou outras opções a tomar, com êxito".






Cimeira do Alvor








O 'Almirante Vermelho': Rosa Coutinho




Pedro Pezarat Correia




Os líderes angolanos dos três movimentos terroristas na Cimeira do Alvor: Jonas Savimbi (UNITA), Agostinho Neto (MPLA) e Holden Roberto (FNLA).




(...) Rosa Coutinho, Mário Soares e Almeida Santos não acreditaram, logo após a assinatura do Acordo que este fosse posto em prática devido à direcção tricéfala do governo com um primeiro-ministro mensal. Mas como "vinha de Mombaça, tinha sido acordado por eles e não havia nada a fazer", justificou Pezarat Correia. Na verdade, o executivo angolano viria a revelar-se absolutamente disfuncional desde o início, mas o maior óbice à paz e ao cumprimento do Alvor foi a coexistência de três exércitos rivais, cuja manutenção foi permitida. Não foi imposta qualquer restrição ao poderio militar ou ao número de efectivos das tropas nacionalistas e essa lacuna contribuiu para o caos gerado em Luanda, quando nem 30 dias tinham decorrido sobre a assinatura do Acordo.

Para Melo Antunes, o "calcanhar de Aquiles" de Portugal foi a incapacidade de obrigar os líderes angolanos a cumprirem o Acordo. O Alvor não previa qualquer punição eficaz em caso de incumprimento pelos Movimentos e a única forma de o fazer respeitar seria recorrer à coacção pela força militar, o que era inevitável. Em Angola tinha começado a desmobilização dos soldados africanos das FAP e dos brancos recrutados na Província; o tempo de serviço das tropas fora reduzido e o Exército abdicou das Forças Auxiliares. Força militar era algo que Portugal já não tinha em Angola e também não poderia contar com eventuais reforços da Metrópole.

Havia ainda a intervenção em Angola das grandes potências mundiais (China incluída) que Lisboa não controlava, mas que para Melo Antunes poderia ter sido neutralizada, se as autoridades em Luanda tivessem meios para travar a corrida aos armamentos e as hordas estrangeiras (de zairenses, cubanos, russos) que dissimuladamente se foram infiltrando nos campos de treino disseminados pelo território. Como escreveu Savimbi: "A nenhum observador atento passava despercebido o desejo de supremacia que cada um dos ML procurava obter sobre os restantes. Daí a uma corrida ao armamento foi um abrir e fechar de olhos". Melo Antunes acreditava que, se Portugal tivesse sido capaz de obrigar à obediência do Alvor, "a influência das grandes potências pouco se poderia fazer sentir". Mas perante o "vazio de Poder da potência colonial", ficou dependente "da capacidade de os Movimentos levarem por diante a aplicação dos acordos e, portanto, dependentes apenas da sua boa-fé".

(...) O primeiro embaixador soviético em Portugal também não foi uma escolha casual. Formado na escola diplomática de Moscovo (o Instituto Estatal das Relações Internacionais) ainda na presidência de José Estaline, Arnold Kalinin desembarcou em Lisboa em 1974, proveniente de Havana, onde era conselheiro da Embaixada da URSS, desde 1969. Kalinin possuía no seu currículo duas competências muito recomendáveis à missão que lhe tinha sido destinada: falava "brilhantemente espanhol e português" e teve um papel relevante nos contactos entre militares do MFA e as Forças Armadas de Cuba, a partir do primeiro trimestre de 1975. Também não terá tido um contributo de somenos importância nos contactos que antecederam a intervenção cubana em Angola, onde foi embaixador da União Soviética a partir de 1983, um ano após deixar Lisboa. Falecido no início de 2012, Kalinin terminou a carreira diplomática em Havana, onde a iniciara. Como refere Vasco Vieira de Almeida: Ouvira falar "antes de ir para Angola de uma possível ajuda de cubanos ao MPLA. [...] Os intermediários estavam em Lisboa. Os primeiros contactos foram com o embaixador cubano que estava cá na altura...".





Luanda: 3 de Junho de 1975, início da ponte aérea.





Para Pinheiro de Azevedo, "a descolonização, tal como se processou", só poderá ser entendida tendo em conta "as decisões dos grandes centros mundiais sobre África", embora Lisboa pudesse ter feito mais para se opor às ingerências directas de Moscovo e de Washington: "Portugal teria podido orientar a descolonização por forma a salvaguardar os seus interesses e antes de mais os interesses dos portugueses radicados em Angola e em Moçambique, se o povo português e os seus dirigentes tivessem reagido violentamente à entrega daquelas colónias a Movimentos comunistas. Não teria havido interferência das superpotências, apesar de estarem de acordo quanto a essa entrega. Mas essa reacção não foi possível porque as forças da Esquerda determinaram três factos fundamentais: primeiro, impediram a saída de soldados para as colónias, a partir de certa data depois do 25 de Abril; segundo, "lavaram o cérebro" e mentalizaram os que de facto partiram, de tal maneira que, em vez dos esplêndidos combatentes que tivemos de 1961 a 1974, seguiram para África transformados em cobardes; e terceiro, provocaram entre as nossas forças um ambiente de derrotismo e abandono tão pronunciado que não mais se pôde contar com elas, o que tornou impossível que negociações políticas diferentes fossem apoiadas pela força"».

Alexandra Marques («Segredos da Descolonização de Angola»).


«O Partido Comunista mostra, desde a primeira hora, enormes aptidões para comover oficiais menos seguros de si. A sua arte consiste em pôr-se, na aparência, atrelado ao carro do MFA. As fortalezas melhor se tomam do interior. Com a vantagem de o MFA ser uma casa de vento.

Prestáveis, envolvendo os oficiais em celofane e cantos de sereia, os comunistas fazem uma colagem ao MFA. O sentido último é o da osmose com a estrutura partidária e sindical.

Na sua vasta finura, Álvaro Cunhal socorre-se de um trato pessoal bem cultivado. Põe todo o seu talento nessa operação de charme, e os cuidados de um jardineiro da Babilónia.

"Nunca lhes prodigalizei", afirma Mário Soares, referindo-se aos militares, "os sorrisos aliciantes de um Cunhal, jamais avaro de superlativos para qualquer oficial no activo".

O Partido Comunista delegava as suas obrigações revolucionárias nos oficiais devotos. Os militares eram os procuradores da sua revolução.

O gonçalvismo, para além de uma excessiva mácula pessoal, não tem assim qualquer marca de pecado original. É um subsistema político, derivado da estratégia do Partido Comunista.

E o general Vasco Gonçalves é simultaneamente um rosto e uma máscara.

O rosto de um médio burguês idealista, um engenheiro cambista no socialismo da velha escola soviética.

A máscara do partido que o empurrou e o manteve politicamente à tona.

Assim pagou também Vasco Gonçalves o odioso atribuível a outras personagens menos expostas.



Vasco Gonçalves e Costa Gomes



Costa Gomes conferindo posse a Vasco Gonçalves como primeiro-ministro do III Governo Provisório (Setembro de 1974).




Melo Antunes nas Nações Unidas



Melo Antunes nos Açores




Não tardaram as turras entre os militares. O contencioso entre os oficiais na orla do Partido Comunista e os moderados data, com gravame, de Novembro de 1974. O diálogo de Vítor Crespo com Vasco Gonçalves começou a ser espinhoso. O major Melo Antunes esboçara já um temível perfil de social-democrata.

Tudo por falinhas mansas.

Mas a ofensiva a oeste foi lançada na noite de 11 de Março. O MFA é institucionalizado no Centro de Sociologia Militar, no meio de grande exaltação.

Oficiais exigem a pena de morte para Spínola e os seus amigos. Listas de militares a eliminar, tivessem ou não a ver com o 11 de Março, foram brandidas por gonçalvistas em cólera.

A caça às bruxas começava. Chegara a hora, aproveitando a limpeza geral, de varrer os moderados. Nessa noite ia tudo na corrente. Em triunfo, agradecendo a Spínola a dádiva celeste que lhes permitia purificar as fileiras do MFA, os gonçalvistas pretendem excluir, do Conselho da Revolução, Vítor Crespo, Melo Antunes e Vítor Alves.

A perversão tinha início. Mas Crespo, ao tempo alto-comissário em Moçambique, não se deixou enrolar. Meteu-se no primeiro avião e apareceu no Conselho da Revolução, à hora marcada. Sentou-se no seu lugar com cara de poucos amigos.

Rosa Coutinho, porta-voz dos gonçalvistas, assegurou-lhe que teria assento no CR logo que acabasse a sua missão em Lourenço Marques. Crespo, porém, não foi no engodo. Ele e Sousa e Castro só deixaram de batalhar quando ficou claro que os três expurgados teriam no CR cadeira própria e sem favor.

Os moderados rejeitavam a primeira camisa de forças. Os gonçalvistas encolhiam ligeiramente as garras. Crespo, Antunes e Alves reagiram como quem está a perder o pé. Mas também já com a noção de que o 25 de Abril se afunilava sem eles.

Começou aqui, para nove conselheiros, um demoníaco jogo de poder. Meses depois, no pino do Verão, os cartoons no matutino gonçalvista O Século retratá-los-ão a conspirar na praia com o embaixador Frank Carlucci. Eram os fiéis servidores da reacção mais negra.

A Assembleia do MFA, num tempo em que a fogosidade do verbo substituía a competência militar e a qualidade humana, transformou-se num inamovível parlamento.

Duzentos e quarenta activistas das Forças Armadas, saídos em golpe do vazio de poder numa noite de Março, erigiam-se em orgãos de soberania. O País não lhes passou procuração.

(...) Mas que faz correr Vasco Gonçalves?

A fé no socialismo de modelo soviético, a que outros chamam capitalismo do Estado monopolista.










A tese central é a do atraso da consciência das massas. A maioria do povo não possui a elucidação e a maturidade políticas para construir o socialismo por suas mãos.

Sendo assim, a construção do socialismo carece de um aparelho de vanguarda, teoricamente dotado e clarividente, que agregue a capacidade doutrinária e o poder militar.

A construção do socialismo passa ainda por uma revolução cultural, que dilate a base social e dê às massas incultas a noção do seu próprio dever histórico.

A vanguarda auto proclamada defenderá, a todo o transe, os interesses mais profundos das massas adormecidas.

Os meios de produção são entretanto apropriados pelo Estado, máquina que dilata as suas malhas burocráticas, age com as suas polícias e tem sempre razão.

A apropriação dos meios de produção deixa de ser individual, como nos países capitalistas, e passa a ser feita pelo Estado, ou seja, por uma nova burguesia burocrática que controla os orgãos do Estado e representa o povo.

Esta vasta felicidade colectiva parece ter sido criada, segundo os devotos, na União Soviética, na Checoslováquia ou na Polónia. Tratava-se agora de aplicar o esquema a Portugal.

Construir o aparelho de vanguarda, eis a prioridade que o gonçalvismo põe em marcha após o 11 de Março.

O estado-maior dos pró-comunistas nas Forças Armadas é o próprio staff do general Vasco Gonçalves, que Álvaro Cunhal articula com mãos de mestre.

As malhas são estendidas com eficácia meticulosa. O domínio da 2.ª Divisão do EMGFA (Informações Militares) e da 5.ª Divisão (Relações Externas) são os focos de onde irradia a revolução ao vento leste.

O COPCON, dirigido por Otelo, surgira como forma de apaziguar fricções entre o general Spínola e a comissão coordenadora do MFA. Contraponto do poder militar do general, o COPCON foi também o preço que Spínola pagou pela crise Palma Carlos e pela ida de Tomás e Caetano para o Brasil.



Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Gonçalves
















Mas os cargos de chefes dos estados-maiores do Exército, da Armada e da Força Aérea, ocupados por oficiais graduados do MFA, escapavam igualmente ao presidente Spínola e ao general Costa Gomes, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

O staff de Costa Gomes servia para as ligações à NATO, e pouco mais.

Por estas frestas passou a carga de cavalaria dos gonçalvistas. Na sequência do 11 de Março, Almada Contreiras tomou conta da 2.ª Divisão e Ramiro Correia instalou-se na 5.ª Divisão.

Contreiras chefia o Serviço de Direcção e Coordenação das Informações. O SDCI tem o raio de acção de uma polícia política. E utiliza-o bem.

Correia dirige a Comissão Dinamizadora Cultural do MFA, espécie de Superministério da Cultura. A CODICE vai empenhar-se em galvanizar os cépticos para a empresa da Revolução.

Na Armada, os gonçalvistas edificam uma estrutura centralizada por células de tipo "leninista". Têm a cobertura total do CEMA, almirante Pinheiro de Azevedo.

Colocam Eurico Corvacho na Região Militar do Norte. Infiltram o COPCON para "segurar" Otelo. Tentam controlar o Conselho da Revolução. Empenham-se em que as assembleias do MFA não lhes escapem das mãos.

O gonçalvismo liga-se, no plano civil, a muitas autarquias locais. Controla-as o MDP, rosto domingueiro do PCP. Os quadros do MDP, partido com 4 por cento dos votos, detêm um poder desproporcional ao seu eleitorado. Povoam zonas consideráveis da administração pública.

O gonçalvismo apoia-se na Intersindical e no ministro do Trabalho, Costa Martins. Numa notável sincronia, ministério e central sindical agem como bombeiros dos conflitos laborais.

É o tempo do Partido Comunista como partido da ordem, ferozmente antigrevista, que atribui o clamor operário às influências da CIA.

O gonçalvismo serve-se da comunicação social e cria entre as redacções dos jornais e a 5.ª Divisão um cordão umbilical.

A RTP e a Emissora Nacional, o Diário de Notícias e O Século destilam um noticiário tendencioso e panfletário. Rui Montês, Faria Paulino, Sobral Costa, são alguns dos oficiais encarregados do controlo.

Correia Jesuíno é o ministro da Comunicação Social. Duran Clemente o telegénico educador do povo.

No SDCI coordenam-se escutas telefónicas. A coacção torna-se frequente. Gente há que age sob ameaças veladas. Na Comissão da Extinção da PIDE/DGS, controlada pelo tenente naval Judas, fabrica-se a chantagem com os dossiers policiais e escondem-se passados não inteiramente meritórios.

(...) A 5.ª Divisão é a oficina ideológica.

Coordena a intoxicação do público e difunde um arremedo de marxismo que nada tem a ver com Marx. Produz textos com ansiedade e mau gosto, em trejeitos juvenis de queimar etapas.

Com perseverança, a 5.ª Divisão torna-se um Estado dentro do Estado e arvora-se em 5.ª força dirigente do aparelho militar.

Fixa antenas nos quartéis, os grupos de dinamização de unidades, destinados à "educação política" dos soldados.

Elabora e distribui, gratuitamente, o Boletim das Forças Armadas, com tiragens superiores a 100 000 exemplares.

Promove estágios para quadros do "futuro MFA", à laia de escolas para comissários políticos.













Coliseu (1974): os cantantes comunistas, Zeca Afonso e companhia.






















Lança campanhas de dinamização cultural no Norte, de um conteúdo paternalista, medíocre e deslocado que pouco mais consegue do que irritar as populações camponesas.

Cria e domina as comissões nacionais de sargentos, nos três ramos militares.

Faz tudo isso de forma apressada.

Num documento exemplar, divulgado em Maio, a CODICE explicava que nas democracias populares o povo é que estava no poder.

"Socialismo proletário é o mesmo que democracia popular. Há socialismo proletário na União Soviética, na Hungria, na Alemanha Oriental, na Bulgária, em Cuba", afirmava-se no texto.

A abertura de espírito da 5.ª Divisão não chegava à Jugoslávia, à Roménia ou à China, países demasiado heterodoxos para o seu gosto.

Em Portugal, garantia a 5.ª Divisão, o 11 de Março tinha criado condições para a democracia popular.

"Uma democracia burguesa é só democracia de nome, de fachada", dizia o texto.

A 5.ª Divisão tinha igualmente ideias sobre a composição do "povo". Segundo os seus ideólogos, pertenciam ao "povo" os operários, os camponeses, os empregados de escritório e os empregados do comércio.

Mas já não pertenciam ao "povo" os "administradores", os "gerentes" e os "encarregados", que eram, sem dúvida, "verdadeiramente lacaios dos exploradores".

A generosidade da 5.ª Divisão ia até aos empregados do comércio.

Mas a 5.ª Divisão ia ainda mais fundo no seu pensamento. Falava do "comunismo" como derradeira etapa do socialismo proletário em construção depois do 11 de Março.

"Então entra-se no comunismo. Aí as riquezas serão abundantes e os trabalhadores estarão educados para não terem exigências supérfluas, pois as suas necessidades nunca visarão o supérfluo, mas sim o essencial.

Saímos então do 11 de Março rumo ao comunismo.

Delirante discurso, o da 5.ª Divisão, num país de camponeses que amam sobretudo a terra e aspiram à sua posse.

Mas a mensagem da 5.ª Divisão era a palavra oficial do tempo.

O Diário do Minho, temeroso, registava as intenções do MFA quanto à sovietização do País. E citava, a medo, discursos de Mário Soares em que o dirigente socialista negava ao modelo de Leste a condição de libertador do homem.





Reunião do Partido Comunista saído da clandestinidade.
















Legalização do Partido Comunista (1975).





















Mas onde vinha esta obra teórica da 5.ª Divisão?

Era, nem mais nem menos, do que a transcrição, sem indicação da fonte, de uma brochura eleitoral do Partido Comunista. Essa brochura foi distribuída pelas comissões concelhias de Alenquer, Sobral de Monte Agraço, Mafra e Torres Vedras.

A 5.ª Divisão copiara-a integralmente, acrescentara-lhe um lead, e toca a andar.

(...) O Partido Comunista visava efectivamente a conquista do poder. Não é outra a sua vocação, e para a cumprir lutou meio século, com o seu património de heróis e mártires, os quatrocentos anos de cadeia evocados como troféu.

Mas cometeu um erro crasso: aliou-se aos esquerdistas, como quem reúne filhos tresmalhados, e subestimou o peso social da pequena e média burguesia. A aliança com os esquerdistas implicou uma dinâmica de afogadilho que assustou as classes médias.

Numa primeira fase, o PCP queria utilizar os radicais para deteriorar, para desorganizar e para agredir. Numa segunda fase, tinha em mente ceifá-los, tirar-lhes o tapete debaixo dos pés na altura própria e tomar o poder com a face lavada de um partido responsável.

As sereias esquerdistas são fatalmente pequenos capatazes do alarido.

O Partido Comunista é a única organização política capaz de desenhar o ataque aos pontos nevrálgicos e a ruptura nos momentos cruciais. É impossível aos esquerdistas aliarem-se ao PCP sem fazerem o papel de bobos.

O fracasso comunista entre as classes médias deveu-se ao delírio triunfal, ao espírito de igreja fechada, ao aventureirismo ávido dos teóricos de encomenda da 5.ª Divisão, à falta de perspicácia de dirigentes com uma fidelidade sem quebra a Moscovo.

A incompreensão da realidade portuguesa, a falta de respeito pelos valores das classes médias, a intoxicação permanente, tornaram o Partido Comunista extremamente odiado.

A reacção era também necessária para compor esse cenário de papel pintado em que Álvaro Cunhal imaginou o País. Mas essa reacção foi o Partido Comunista que a criou em grande parte, que a estimulou com os seus desvarios de novo-rico.

Ademais, a maioria dos portugueses sem atraso de consciência não pensa que o socialismo da Checoslováquia ou o socialismo da União Soviética sejam empolgantes paradigmas de liberdade humana.

Mas, como em todos os galopes, a prática do Partido Comunista não foi cronometrada, nem isenta de acidentes de percurso.

Houve divergências na sua direcção quanto à utilização da FUR, por exemplo. Em certos momentos, o PCP parecia colhido de surpresa, ultrapassado pelos radicais e sem outro remédio que entrar na barca para tentar domar a onda.

Num primeiro instante, o PCP parecia dirigir e marcar o timing do assalto. Num segundo instante, o PCP pensa em refrear os esquerdistas e lançá-los pela borda fora. Seria assim no 25 de Novembro.

Só que, no 25 de Novembro, o Partido Comunista não teve um segundo instante. Viu que a relação de forças lhe era desfavorável, que do outro lado havia um comando organizado e uma vontade política de lutar - e retirou-se candidamente da cena, como se não fosse nada com ele.






Como diz Melo Antunes, toda a prudência de Álvaro Cunhal, o tacto frio de animal político, não o impediram de, por instantes, ter perdido a noção da realidade portuguesa e acreditado numa ruptura violenta que reeditasse o Outubro de 1917.

A União Soviética, porém, nunca acreditou. Não queria também: ao repartirem o globo como uma melancia, nas novas Tordesilhas de Vladivostoque, o Kremlin e a Casa Branca acordaram na permanência de Lisboa na esfera ocidental.

Os Soviéticos esperaram para ver. E deram a cumprir ao Partido Comunista uma tarefa estrategicamente mais importante do que um duvidoso Belém vermelho: Angola.

A partir da batalha de Luanda, o PCP e os militares afectos boicotaram os acordos de Alvor. E a investida cubana e soviética em Angola, essa fulminante quão inovadora forma de exportar o socialismo, beneficiou da desastrosa actuação de Henry Kissinger.

Melo Antunes, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, avistou-se três vezes com o secretário de Estado norte-americano: e encontrou um homem apostado sobretudo nos acordos SALT, disposto mesmo a dar alguns peões a comer à União Soviética, e descrente numa invasão militar de Angola.

Como toda a Administração Ford, Kissinger não percebia África, e somou malogros sobre malogros.

(...) O Partido Comunista tinha um plano sistemático de desorganização das Forças Armadas.

São os radicais do Exército que se apoderam de postos-chave, que fazem a propaganda da insurreição, que enquadram milícias armadas. Mas é o Partido Comunista que colhe os lucros desse trabalho.

O fim último do desgaste é a paralisação do Estado. Pelo caminho, usa-se o terror, a intimidação, a conversão de ateus e o folclore radical. Uma bela manhã, o País surgirá esgotado, minado até à medula, sem oferecer resistência - e sobre o caos constrói o Partido Comunista a nova ordem.

Cunhal dirá mais tarde, depois do vendaval:

"Se o PCP tivesse ido a reboque do radicalismo esquerdista e do desejo de uma aventura de tipo insurreccional, como pretendiam alguns irresponsáveis, o movimento operário iria para um desastre incalculável que abriria as portas ao fascismo".

Está certo. Mas o álibi de Cunhal é mais para consumo interno e está carregado de má consciência. Não foi o secretário-geral do PCP que garantiu a Oriana Fallaci a inviabilidade de uma democracia parlamentar em Portugal?

A partir daí, quem é irresponsável?».

José Freire Antunes («O Segredo do 25 de Novembro»).











«Veio de longe e traz-nos novas de amigos distantes. A meio da conversa, cita uma frase de Lenine. Mais ou menos isto: “Sempre que se faz uma revolução, devemos ser nós a organizar a direita antes que a direita se organize a si própria”.

Logo me lembro de, há anos, Henrique Ruas me haver contado de como o convocaram para ir à “Cova da Moura”, nos primeiros tempos da revolução comuno-socialista, quando Spínola era o dócil Presidente da República. Henrique Ruas compareceu, foi conduzido a uma sala onde já se encontravam umas tantas pessoas que, como ele, não sabiam para que ali tinham sido convocadas. Esperaram. Entrou um oficial do MFA, um coronel, Vasco Gonçalves, que se tornaria em breve famoso como Chefe do Governo comunista de 1976/77. Sobraçava um grosso “dossier”, sentou-se a uma mesa e informou os presentes de que, estando instaurado o regime democrático, não havendo democracia sem Partidos Políticos e apenas se encontrando organizados os Partidos Socialista e Comunista, eles haviam sido escolhidos como as personalidades mais capazes para organizar os Partidos que ainda não existiam. Ao ouvir isto, o Sr. Freitas do Amaral levantou-se: “Nesse caso, não estou aqui a fazer nada”. Logo, Vasco Gonçalves o obrigou a ficar: “O Sr. Professor é a pessoa escolhida para organizar o Partido da Direita”. Assim nasceu o CDS. E assim a “direita” chegou ao estado em que hoje se encontra. Lenine bem sabia...

Nota: Depois de publicado este texto no “Diário do Minho”, o semanário “Expresso” elaborou, com elementos fornecidos pelo biografado, uma biografia de Freitas do Amaral. Aí se descreve o que nós descrevemos mas trocando o comunista Vasco Gonçalves pelo comunista Vítor Crespo e colocando-o, decerto para atribuir mais solenidade à carreira do biografado, no centro de um grupo de membros do Conselho da Revolução, organismo que esteve ao serviço do comunismo. A correcção é, deste modo, apenas formal. Nada de essencial altera».

Orlando Vitorino («O processo das Presidenciais 86»).





«25 DE ABRIL»: A FATAL DERROCADA


ANTECEDENTES REMOTOS - 1941

A PARTILHA DE ÁFRICA


A catástrofe liricamente apelidada de "revolução dos cravos" teve antecedentes remotos: a sua origem longínqua situou-se em 1941, quando Roosevelt e a superfinança americana se conluiaram com Staline.

Num artigo publicado em O Dia (23/3/1980), duma série sobre os Rockefellers, Lourdes Simões de Carvalho transcreveu a carta que Roosevelt endereçou em 1941 ao Kremlin - carta que Le Figaro, de Paris, revelou a 7 de Fevereiro de 1951:

«Quanto à África, será preciso dar à Espanha e a Portugal compensações pela renúncia dos seus territórios para que haja um melhor equilíbrio mundial. Os Estados Unidos instalar-se-ão aí por direito de conquista e reclamarão inevitavelmente alguns pontos vitais para a zona de tutela americana. Será mais que justo.

Queira transmitir a Staline, meu caro senhor Zabrusky, que para o bem geral e para o aniquilamento do Reich ceder-lhe-emos as colónias africanas se ele refrear a sua propaganda na América e cessar a interferência nos meios laborais».






Acrescentou depois a citada articulista:

«Em 1973, esta promessa solene continuava por cumprir. Falha tanto mais embaraçosa para a parte faltosa quanto os soviéticos tinham honrado a sua.

Portugal, três décadas depois da cedência de Roosevelt à URSS das suas possessões africanas, interpunha-se ainda como um escolho inamovível na viabilização do contrato e lutava sozinho conta o condomínio russo-americano e respectivos mecanismos de conquista e anexação.

Os Rockefellers eram especialistas, na América do Sul, a manobrarem através de militares a quem a pala do boné delimita o horizonte das suas abstracções.

No dia 25 de Abril de 1974, capitães convictos de salvarem o povo das garras dos exploradores, apoiados por comunistas primários, estudantes analfabetos e intelectuais muito eruditos sobre o imperialismo dos EUA investiram contra a última barreira existente na Europa a esse mesmo imperialismo.

Ao largo, na costa, uma esquadra americana velava pronta a intervir em favor dos revoltosos marxistas para que as promessas de Roosevelt fossem honradas. A África foi partilhada de harmonia com o esquema habitual: ideologia redentora primeiro; depois, financiamentos saneadores e divisão equitativa dos lucros entre os parceiros sociais. O agente de confiança de Nelson Rockefeller, Frank Carlucci, posando como embaixador dos EUA em Lisboa, com o seu homólogo da KGB, Kalinine, sob travesti semelhante, destacados para consolidar mais esta etapa, desempenharam-se com discrição e eficácia desta missão especial.

Os expoentes máximos do Round Table Business, organismo Rockefeller que agrupa os 178 maiores capitalistas do mundo, consideram hoje Portugal como uma das melhores coutadas europeias, tendo o caminho facilitado pela desertificação dos empresários nacionais, liquidados e afastados da competição pela aguerrida matilha comunista. Chase, Morgan, Ford, Rothschild e o Kremlin tinham vencido juntos mais um lance».


NA DÉCADA DE 70


a) As três internacionais. - Carlos Camposa, no prefácio do seu opúsculo "Salazar respondeu a Afonso Costa", tem esta curiosa observação de que o "25 de Abril" foi a sinistra obra de três internacionais:

- a vermelha (comunista e socialista);

- a capitalista ou doirada (América do Norte e plutocracia do Norte da Europa, em especial da Holanda e da Suécia);

- e a negra (clerical progressista), lembrando a propósito a acção dos "padres brancos" em Moçambique e de outros, as calúnias do Pe. Hastings, etc.




b) Em 1973: o Acordo de Paris - Se bem que ainda sem revelação de todos os pormenores, têm surgido referências concretas ao "Acordo de Paris" firmado em Maio de 1973 entre o PC e o PS. Perante a crescente dificuldade de vencer militarmente Portugal no Ultramar, a União Soviética promoveu esse acordo prometendo financiar a organização de um golpe de Estado em Lisboa, comprometendo-se o PC e o PS a conceder a "independência" imediata às Províncias Ultramarinas portuguesas entregando-as aos movimentos pró-soviéticos: PAIGC (Guiné e Cabo Verde), MPLA (Angola) e FRELIMO (Moçambique).

Sobre este acordo, ver: Jornal de Economia e Finanças, números 357 e 392; África - Vitória Traída, pelos generais Luz Cunha, Kaulza de Arriaga, Bethencourt Rodrigues e Silvino Silvério Marques, página 27; Angola - Os Vivos e os Mortos, de Pompílio da Cruz, página 149; A Rua, de 6/2/77, transcrição de uma notícia de Santana Mota publicada no diário O Estado de São Paulo, Não lhes perdoais, Senhor, de Rebelo Cotta; a página 28 diz que o tenebroso Rosa Coutinho e outros chacais do seu séquito executaram fielmente o plano gizado "em Moscovo, Paris e Lisboa"».

É sobretudo no opúsculo Liquidação do Ultramar (Jornal de Economia e Finanças, 1980) que o Acordo de Paris aparece mais estudado:

«Nos princípios de 1973 ter-se-ia realizado, em Paris, uma conferência convocada pelo Partido Comunista onde, elementos heterogéneos da esquerda portuguesa, se comprometeram a levar a cabo uma revolta em Portugal, o mais tardar até 1975. Estiveram presentes, além do PCP convocante, a Acção Socialista Portuguesa, uma dezena de militares, católicos progressistas e representantes da maçonaria. Não era a primeira conferência ali realizada, com maior ou menor participação das chamadas esquerdas oposicionistas e mesmo de simples descontentes. Mas o facto do PC russo ter enviado uma pequena delegação, com instruções claras e poderes precisos para assumir compromissos financeiros, conferia-lhe particular importância.

A revista Faits et Idées que a chamada "Frente Portuguesa de Libertação" publicava em França, afirmou em Agosto de 1976 que, nessa conferência - para a qual teria sido convidada - fora decidido o reforço da infiltração marxista nas forças militares portuguesas e elaborado um plano para intensificação do terrorismo nas províncias africanas. O sucesso da revolução implicaria a instalação na Metrópole de um regime "democrático a caminho do socialismo" que poria termo à "guerra colonial". A independência da Guiné, Angola e Moçambique seria concedida aos movimentos terroristas de obediência comunista, sem condições políticas e económicas nem indemnizações. Os colonos deveriam ser repatriados a expensas de Portugal.

Embora nos meios políticos afectos à esquerda a conferência de Paris tivesse tido ampla repercussão, a sua realização e o clausulado suscitaram interrogações a que nunca foi dada resposta convincente.

Em primeiro lugar para quê uma conferência em Paris entre os PCs soviético e português? A linha de conduta dos comunistas portugueses foi sempre, fora de questão - mais na altura, se possível, do que hoje - fixada autoritariamente pelo Kremlin; a Acção Socialista Portuguesa não tinha qualquer implantação no país e os seus dirigentes careciam de prestígio. Nestas condições para quê a conferência? Teria sido convocada para provocar a presença e comprometimento de meia dúzia de militares e outros tantos ex-militares desertores que formavam o grupo de Argel? Dir-se-ia gente desprezível demais para justificar um tão grande interesse como então se afirmava ter-se verificado por parte da delegação russa.

Grupo fundador do Partido Socialista em BadMünstereifel, na Alemanha Federal, em 19 de Abril de 1973.


Parecia mais fácil acreditar que Moscovo, com essa conferência, procurasse obter cobertura civil a uma operação militar já em preparação e, provavelmente, em estado mais adiantado do que então se julgava.

Nos princípios de 1973 o interesse da Rússia pela sorte de Portugal metropolitano era restrito demais para justificar a presença de uma delegação na conferência de Paris. Só o Ultramar lhe interessava e só em função desse interesse as questões portuguesas vieram a ser tratadas por essa delegação.

A "guerra colonial" ao tempo dominada em Angola, controlada em Moçambique e, em condições de ser ganha na Guiné, podia terminar em meia dúzia de meses. Se assim acontecesse Moscovo teria deixado perder uma rara oportunidade para se instalar em Angola e Moçambique sem levantar protestos internacionais. Na política portuguesa passaria a oportunidade para adquirir por um prato de lentilhas, a uma minoria ávida de honras e benesses, uma herança de quinhentos anos de história.

O montante posto pela Rússia em Paris, à disposição da esquerda portuguesa, para financiar a revolução, foi objecto de muitas conjecturas. Na altura falou-se em cinquenta milhões de dólares; não parece, porém, que tão pouco chegasse para satisfazer tantos encargos, mesmo tendo em conta que as despesas com as tropas mercenárias cubanas desde logo ficara assente serem pagas directamente por Moscovo.

O governo russo não estava interessado em economizar rublos e, naturalmente, menos ainda, em poupar copeks [Aliás, como refere Faits et Idées, ficou assente que o governo saído da revolução deveria pagar integralmente todos os dinheiros recebidos. O que fez com a compra de açúcar a Cuba a preços superiores aos do mercado internacional e, à Rússia, compra de madeira de pinho e sardinhas, e venda de vinho a dois escudos o litro e sapatos a cem escudos o par]. Na guerra todas as economias são sempre dispendiosas. O que interessava ao Kremlin era levar os sectores democratas tradicionalistas da primeira República - ou pelo menos uma parte representativa -, a maçonaria e elementos progressistas católicos, tipo Capela do Rato, a alinhar com os socialistas e comunistas no apoio a um grupo de militares que se propusesse transferir a solução do problema ultramarino do plano militar para o plano político onde o Kremlin estava seguro de poder impor os seus pontos de vista.

Esse apoio, ainda que fosse confuso e mal definido, teria acção decisiva no clima revolucionário que dominaria as semanas posteriores à eclosão do movimento militar. Com ele seria possível proceder a uma descolonização sem complicações "democráticas", passando as províncias ultramarinas directamente da soberania portuguesa, sem ouvir as populações, para o controlo de forças dependentes de Moscovo. Sobretudo se os meios de comunicação fossem habilmente utilizados para desviar a atenção do país dos problemas africanos, onde o destino de Portugal estava em jogo, para a ameaça de comunização imediata do quadrilátero europeu que Moscovo, na altura, não tinha, por certo, a menor intenção de levar a cabo.

A partir da conferência de Paris os acontecimentos pelos quais se traduziu a escalada de subversão no nosso país, sucederam-se em rápida cadência.
















Em Maio a Acção Socialista Portuguesa transformou-se no Partido Socialista que, desde logo se declarou "radicalmente anti-colonialista" pronto a bater-se pelo "direito à autodeterminação dos povos coloniais"; em Setembro o PC e o PS subscreveram um comunicado em que afirmaram ser objectivo das forças "democráticas portuguesas" pôr termo à "guerra colonial" propondo "imediatamente negociações com vista à independência dos povos de Angola, da Guiné-Bissau e de Moçambique". Entretanto em Julho, em volta de questões de ordem profissional, formou-se o chamado "movimento dos capitães" que, no Outono, tendo relegado para segundo plano as suas reivindicações iniciais, tinha dado aos seus objectivos um nítido cariz político, pretensamente democrático mas, na realidade, de inspiração marxista. 

Os milhões de dólares do Kremlin não tinham caído em terra sáfara». 

Também na revista Newsletter de Boston (Agosto de 1976, Vo. I, n.º 2), se afirma (reportagem de John C. Wahnon):

«Os Secretários-Gerais do Partido Comunista Português (PCP) e do Partido Socialista (PS), juntamente com outros membros dos Partidos, reuniram-se em Paris em Maio de 1973 para estudarem as possibilidades de canalizarem o descontentamento então evidente em certos sectores das Forças Armadas Portuguesas no sentido de estruturarem um movimento capaz de derrubar o Governo Português. Desde o início, o PCP provou ser tão altamente organizado e conhecedor da situação que maravilhou e convenceu o PS a juntar-se ao movimento. 

O PCP tinha fichas detalhadas de todos os oficiais portugueses e contava com um número surpreendente de membros e simpatizantes nas Forças Armadas e nos sectores de Serviço Público. O Secretário-Geral do PCP decidiu, contudo, por razões óbvias, que não se aventuraria em certas actividades para evitar que arriscasse a posição que tinha adquirido. Portanto, delegou no PS, então praticamente desconhecido e por consequência menos susceptível de causar suspeita, a responsabilidade de fazer o trabalho sujo. O PS atacou as medidas do Governo Português enquanto o PCP generosamente financiou as operações. Moscovo, a fonte desses fundos, só impôs uma condição: 

"Independência imediata a todas as colónias portuguesas e transferência das respectivas soberanias, sem eleições, aos movimentos pró-russos". 

O acordo final, respeitante às condições impostas pela Rússia, foi assinado numa reunião a que compareceram cinco comunistas e quatro socialistas, no primeiro andar de um restaurante de Paris adjacente à Farmácia da Ópera. Há quem afirme que o PCP ou o PS, mas não ambos, assinou o acordo final com a Rússia. Seja como for, o acordo tinha duas cláusulas: 

1 - Entrega de dinheiro: a Rússia contribuiria com dois milhões de dólares para financiar a organização do golpe de Estado que derrubaria o Governo Português. 

2 - Compromisso: o PCP e o PS comprometiam-se a dar independência imediata às Colónias Portuguesas representadas na Reunião, para a ocasião, pelo PAIGC, MPLA e FRELIMO. 

O que sucedeu em Moçambique, Guiné, Cabo Verde e Angola foi de tal forma vergonhoso que os responsáveis pela concessão da independência só se atreveram a cobrir a sua traição a Portugal, e às populações locais, com loucas generalidades de óbvio cultivo soviético. Os partidos opostos à FRELIMO em Moçambique, ao PAIGC na Guiné e Cabo Verde e ao MPLA em Angola, foram perseguidos e por decisões totalitárias e fascizantes proibidos de defender os ideais que sustentavam».


O «MOVIMENTO DOS CAPITÃES»


Amorim de Carvalho, no capítulo O Processo da Traição do seu livro póstumo «O Fim Histórico de Portugal», escreveu em resumo:

«Em 9 de Setembro de 1973 surgiu o "movimento dos capitães", de início apenas de tipo mercenário (de exigência de maiores vencimentos) e depois de tipo elitista (contra o acesso dos oficiais milicianos ao quadro permanente). Só a partir de 24 de Novembro desse ano se deu a viragem para um comportamento político, com a ideia de um golpe de Estado».






Esta última fase deve ter correspondido à estada do PC nesse Movimento.

(...) Pela resenha que se segue - extraída do excelente trabalho do eng.º Luís Aguiar O Livro Negro da Descolonização - pode apreciar-se o calendário e a forma directa e imediata da entrega do Ultramar aos movimentos terroristas pró-soviéticos, como havia ficado estabelecido no Acordo de Paris, com indicação dos nomes daqueles que por tal traição foram responsáveis. Na parte respeitante a Timor foram também considerados os depoimentos do arqu.º Rui Palma Carlos e do dr. Cravo Cascais, nos seus livros adiante referidos.


GUINÉ


Acordo de Argel: No dia 26 de Agosto de 1974 e na cidade de Argel, foi assinado o acordo entre o PAIGC e o Governo Português, firmando-o em nome deste: Mário Soares, Almeida Santos, Vicente de Almeida Eça, capitão-de-mar-e-guerra, e Hugo Manuel Rodrigues dos Santos, major de infantaria. O acordo foi aprovado no dia 29 seguinte pelo então Presidente da República, general Spínola, «depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório».

Dizia-se no n.º 17 do Anexo ao Acordo que «as forças portuguesas obrigam-se a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo».

Eram largos milhares de soldados guinéus que lutavam por Portugal, armados e encorajados pelo exército português - que depois os desarmou, vindo muitos deles a ser fuzilados pelo PAIGC! - e talvez mesmo enquanto as forças portuguesas lá estavam, segundo acusação da «Frelig», os oficiais e soldados guinéus dos comandos africanos, fuzileiros e milícias foram fuzilados após Fabião os ter abandonado.

O PAIGC era de franco alinhamento pró-Rússia.

Segundo o artigo 1.º daquele Acordo, a data de independência foi marcada para 10/9/74.

E Fabião ficou sendo o Encarregado do Governo até essa data.


ANGOLA


No «25 de Abril», Angola vivia uma época de intensa prosperidade económica e social.

E nenhum dos três movimentos - FNLA, UNITA e MPLA - conseguira sequer embaraçar a vida em Angola.

Mas destes três movimentos, era com o MPLA (pró-Rússia) que, antes do «25 de Abril», Mário Soares tivera especialmente contactos - e foi este MPLA que Rosa Coutinho grandemente favoreceu.

Acordo de Alvor: No seu artigo 1.º foram reconhecidos três movimentos «como únicos e legítimos representantes do povo angolano». Que mentira!

O acordo foi concluído em 15 de Janeiro de 1975 e preparado por Rosa Coutinho  - e em nome do Estado Português foi assinado por: Melo Antunes, Almeida Santos, Mário Soares, Silva Cardoso, Fernando Reino, Passos Ramos, Gonçalves Ribeiro e Pezarat Correia; e foi aprovado por Costa Gomes, como Presidente da República.









MOÇAMBIQUE


No «25 de Abril» também Moçambique prosperava, económica e socialmente.

E como atrás se referiu, caminhava-se para a vitória das Forças Armadas Portuguesas.

Acordo de Lusaka: Os responsáveis portugueses foram logo negociar com a FRELIMO (pró-Rússia); conforme o Diário do Governo, 1.ª série, de 9/9/74 (2.º suplemento), diz-se no Acordo:

«1. O Estado Português, tendo reconhecido o direito do povo de Moçambique à independência, aceita por acordo com a FRELIMO a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.

2. A independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da FRELIMO».

Que vergonha!

Pelo Estado Português assinaram: Melo Antunes, Mário Soares, Vítor Crespo, Almeida Santos, Antero Sobral, majores Lousada Santos e Casanova Ferreira e capitão-tenente da Armada Vasco Leote de Almeida e Costa.

O acordo foi aprovado por Spínola, como Presidente da República, depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório.

Veio a ser Alto-Comissário no período transitório Vítor Crespo.


CABO VERDE - SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - TIMOR


Têm de comum estas três ex-províncias ultramarinas portuguesas:

1.º - Em qualquer delas não chegara a haver luta armada contra Portugal; 

2.º - As respectivas populações tinham forte amor a Portugal, sobretudo Cabo Verde e, de forma muitíssimo particular, Timor, onde a bandeira nacional era quase [ou melhor, efectivamente] adorada;

3.º - Em nenhuma delas houve consulta às populações sobre o seu próprio destino, como impunha tanto o Programa do MFA como a mencionada Lei Constitucional 7/74 (só em S. Tomé houve simulacro de eleições).


CABO VERDE


No dia 18 de Dezembro de 1974, foi assinado um acordo em Argel com o PAIGC, entregando-lhe Cabo Verde.

No mesmo dia 18 foi publicada a Lei n.º 13/74 promulgada por Costa Gomes e que empurrava Cabo Verde para a independência, em 5 de Julho de 1975.

Nesse período foi Alto-Comissário em Cabo Verde o comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho de Almeida D'Eça.

A partir daquela data, os partidários dos partidos locais - UPICC e UDC - foram humilhantemente presos por esbirros do PAIGC, armados até aos dentes com armas das Forças Armadas Portuguesas.

Um ano após a independência, dizia-se num comunicado distribuído na cidade da Praia (do Livro Negro da Descolonização, pág. 499):

«A nossa terra, mercê de uma dádiva, foi entregue a um grupo de lacaios da Rússia, a pretexto de uma luta de libertação, que nunca houve em Cabo Verde, sem auscultar nem o povo cabo-verdiano nem o povo português. Fomos entregues a "ineptos, incultos", "sem qualquer autodeterminação ou eleição livremente expressa pelo povo».








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S. TOMÉ e PRÍNCIPE


O acordo da independência de S. Tomé e Príncipe foi celebrado em 26 de Novembro de 1974, em Argel.

Também verdadeiramente não houve consultas à população e muito menos plebiscito sério: só o MLSTP foi autorizado.

No art. 1.º da  Lei 7/74 foi decidido que este território seria independente em 12/7/75.

Muitos negros fugiram para o Gabão, em embarcações desprovidas de condições para a travessia, pelo que muitos morreram.

A descolonização deu-se sendo Alto-Comissário o coronel António Capelo Pires Veloso.


TIMOR


Não é demasiado salientar o «portuguesismo» das populações de Timor e a quase [ou melhor, a efectiva] adoração da bandeira nacional - de tal forma que até Almeida Santos se comoveu, quando em meados de Outubro de 1974 lá foi de visita.

Há que distinguir dois períodos:

- Até à chegada de Lemos Pires, em 18 de Novembro de 1974: em 25 de Abril desse ano era governador o coronel Alves Aldeia, depois exonerado em meados de Julho seguinte, ficando a substituí-lo o tenente-coronel Níveo Herdade: embora um e outro sofrendo as naturais dificuldades do momento, ambos se conduziram muito acima do que viria a passar-se;

- Em 18 de Novembro de 1974, chegou Lemos Pires e o seu «grupo de colaboradores»... - e pouco a pouco começou a ser privilegiado o partido pró-Rússia FRETILIN, em prejuízo dos outros dois principais: UDT (visando uma independência voltada para Portugal) e APODETI (integração, mas não anexação à Indonésia).

Não houve eleições; morreram dezenas de milhares de portugueses; e muitos dos nossos soldados foram «abandonados como prisioneiros» (ver o livro do arq.º Rui Palma Carlos Eu fui ao fim de Portugal).

Lemos Pires... «cavou»!

O que se veio a passar em Timor quanto ao comportamento de certos responsáveis militares é verdadeiramente espantoso, segundo o relato do dr. Cravo Cascais, no seu livro Timor - quem é o culpado?, no qual indica como responsáveis:

- Major Arnão de Metelo e sua «equipa»;

- Majores Rodrigues e Reis Marques;

- Lemos Pires e a sua «equipa».

Há um relatório oficial há anos entregue ao Presidente da República; quando será conhecido?


BALANÇO DA DESCOLONIZAÇÃO





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- Custos em vidas

Em defesa da Pátria no Ultramar, entre Março de 1961 e Abril de 1974, morreram 4788 portugueses de todas as cores e raças, enquanto que na Grande Guerra (e nas duas frentes morreram 7 908 (do livro A Vitória Traída).

E com a «descolonização exemplar»?

Não está feita a estatística, mas só em Timor se fala em 90 000! E em Angola mais de 100 000!

Houve largas centenas de milhares de mortos e de vítimas de violações e torturas!

Não se pode deixar de acrescentar o drama - quantas vezes a tragédia - de cerca de 2 milhões de refugiados!

- Custos em despesas

Segundo O Tempo de 4/3/76 o país gastou 178 milhões de contos com a sua entrega - e só até àquela data.

E depois?

E agora? Não se continua a conceder empréstimos (?) e dádivas e «ajudas» a quem insulta Portugal?

Quem informa o povo de quanto se gastou? E de quanto se continua a dar ou a «emprestar»?

- Investimentos perdidos

Segundo Pompílio da Cruz, no livro Angola - Os Vivos e os Mortos, no qual faz pormenorizada publicação dos respectivos números, os portugueses deixaram em Angola, em investimentos privados e públicos, 1 bilião e duzentos milhões de contos!

Com Moçambique e o restante Ultramar a perda rondará os 2 biliões de contos!

Isto é: cada«descolonizado» ficou a ter direito a cerca de 200 contos por cabeça o que dá 1 000 contos por família média de 5 membros.

Para a Metrópole a solução tem sido a inversa: os portugueses estão endividados já em perto de 100 contos por cabeça, ou seja cerca de 500 contos por família média de 5 membros...



ACTOS VERGONHOSOS






Com a coragem que é seu apanágio, o prof. António José Saraiva escreveu um artigo publicado no Diário de Notícias de 26/1/79:

«Os militares, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando as armas e calçado, abandonando portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer-Quibir».

No dia anterior, na televisão, classificara a descolonização como «debandada em pé descalço».

Muitos foram os actos vergonhosos no Ultramar após o «25 de Abril», sobretudo a partir da nomeação dos «Altos-Comissários» (com excepção para Silva Cardoso dado que por isso foi chamado a Lisboa e substituído por Rosa Coutinho, para este fazer o jogo do MPLA) [Correcção: quem foi chamado a Lisboa foi Silvino Silvério Marques e não Silva Cardoso - este é que, por sua vez, sucederia o Almirante Vermelho].

E a esses homens deu-se-lhes o mesmo título de «Altos-Comissários» que fora tão prestigiado por ilustres Portugueses defensores do Ultramar...

Mas têm surgido livros com relatos vividos de actos de vergonha e traição, que é preciso recordar e que convém ler. Por exemplo:

O de Clotilde Mesquitela, Moçambique; 7 de Setembro; sobre Timor já citámos alguns; em relação a Angola vários também já foram publicados, além da obra de Pompílio da Cruz já referida, e apareceu recentemente o livro de Rebelo Cotta Não lhes perdoais, Senhor. Mas faltam obras que narrem o que se passou na Guiné, em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe. Recordaremos ainda o livro de Melo Machado Aviltados e Traídos e o de Neves Anacleto A Iventona do 28 de Setembro. Mas eis alguns casos especiais:

- Guiné. Centenas de «comandos» fulas foram desarmados e entregues ao PAIGC, sabendo-se perfeitamente que iriam ser trucidados por terem defendido a pátria comum, sob o comando de Carlos Fabião - o próprio que depois os entregou à morte, sendo Encarregado do Governo!

- Angola. Ainda a província era Portugal e já estava ocupada por soldados cubanos. Veja-se o prefácio do tenente-coronel comando Santos e Castro ao livro Angola - Comandos Especiais contra Cubanos, de Pedro Silva, Francisco Esteves e Valdemar Moreira. A independência deu-se a 11 de Novembro de 1975, e no Verão desse ano o exército cubano  desembarcou em Angola. Quem autorizou esse desembarque? Quem autorizou que os aviões escalassem as Lajes? Quais os responsáveis que colaboraram com os cubanos em Angola e os apoiaram? Costa Gomes negou o facto numa entrevista - mas O Diabo replicou: «Costa Gomes mente».







- Moçambique. Disse Samora Machel em Nampula, ainda antes da independência: 

«Enfrentámos generais portugueses corajosos como Caeiro Carrasco e Kaúlza de Arriaga, que nos teriam derrotado.

Mas não queremos em Moçambique, depois da independência, esses oficiais e soldados que se renderam cobardemente, nem sequer defenderam aquilo por que morreram tantos dos seus».

Ainda quanto a Moçambique, Jaime dos Santos Teixeira (de Moscavide), em O Diabo de 17/5/77, conta ter visto na África do Sul:

«...um filme (por um português de nome Ramos) intitulado Moçambique - um documento vivo»; e resume assim o filme:

«Vê-se o acordo de Lusaca a ser celebrado. E aparece também o ministro Almeida Santos a discursar e a afirmar que agora, sim, é que iria existir paz e sossego em Moçambique. Também se vê Álvaro Cunhal sorrindo, em grande plano, na altura em que uma bandeira portuguesa era substituída pela da Frelimo. E vê-se e ouve-se Mário Soares. E Samora a discursar - o que só por si é espectáculo incrível - afirmando ter terminado o fascismo e o colonialismo. E, logo a seguir, o casamento de Samora com a sua 5.ª mulher e companheira de militância, numa cerimónia absolutamente ao estilo fascista e colonialista, desde as alianças ao banquete, às indumentárias e ao beijo na boca.

O povo em bichas para água, para pão, e esgaravatando o lixo.

E vê-se - suprema vergonha - soldados tanzanianos a ser transportados para Lourenço Marques, em barcos de guerra portugueses, e a desembarcarem naquilo que é hoje o Maputo.

É bem um documento vivo. Não permitirão certas forças que ele seja projectado em Portugal, para maior e melhor elucidação dos portugueses».

- Timor. Muitos foram os actos de vergonha ali cometidos, designadamente o abandono de um grupo de soldados portugueses. Ver o livro de um deles, arq.º Rui Palma Carlos, Eu fui ao fim de Portugal.

E as ofensas à bandeira nacional e aos monumentos públicos, a mulheres, crianças, na presença de soldados metropolitanos?

Quando serão elaborados relatórios oficiais sobre o que verdadeiramente se passou em cada um dos antigos territórios do Ultramar? Quando será dado a conhecer o relatório há bastante tempo concluído sobre Timor?


O SILÊNCIO DOS PARTIDOS POLÍTICOS


Compreende-se o silêncio do PC e do PS quanto ao que se fez em matéria de descolonização, e porque se fez. Mas não tem justificação alguma a colaboração do PPD no governo nem o silêncio mantido pelo CDS - que apenas em campanhas eleitorais se refere, vagamente a «erros cometidos na descolonização»...

Não se condenando os actos de separatismo do Ultramar, como se podem condenar as incitações ao separatismo da Madeira e dos Açores formuladas por Kadhafi? O que o chefe líbio disse foi precisamente o que portugueses (só no bilhete de identidade) fizeram antes em relação aos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe - e de todo o Ultramar, afinal? Todo o Ultramar que tinha, como a Madeira e os Açores, cinco séculos de história portuguesa.

Mas outras vergonhas devem ser lembradas. Cala-se o «Caso Angoche» e deixam-se vinte trabalhadores portugueses apodrecerem na Tanzânia (ver O Diabo de 28/2/78). Cala-se o que foi a dramática odisseia das traineiras regressadas à Metrópole sem o menor apoio oficial em contraste com o que aconteceu com as que se dirigiram ao Brasil, a que não faltou o auxílio das autoridades daquele país.



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O PROCESSO DA TRAIÇÃO


Esta parte sobre a «descolonização exemplar» finda com um brevíssimo apontamento sobre o processo corajosamente intentando por um grupo de patriotas contra os principais responsáveis.

Já Amorim de Carvalho, no seu livro O Fim Histórico de Portugal, deu a um dos capítulos o título de O Processo da Traição. Este poderia muito adequadamente ser a designação dessa causa posta nos tribunais - embora desta primeira vez sem êxito. No final deste livro, aliás, vai sugerida uma sanção talvez mais expressiva do que a da cadeia: o Juízo da História.

Resumo desse processo:

a) - Data da queixa à Polícia Judiciária: 28 de Dezembro de 1979;

b) - Síntese da queixa:

- Prática do crime previsto no art.º 141.º do Código Penal, punido pelo art.º 55  do mesmo diploma, crime consubstanciado em documentos de que os acusados foram signatários, em pareceres dados no exercício de funções oficiais, e em declarações prestadas publicamente, usando assim de meios fraudulentos com vista à separação de parcelas do território português, objectivo que conseguiram alcançar em directa colaboração com os que pretendiam por acções violentas a apropriação das províncias ultramarinas, como eram designadas na Constituição então vigente.

c) - Despacho do Juiz do 3.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, de 23/2/80, ordenando o arquivamento do processo com o fundamento de que, ainda que fossem provados os factos denunciados, eles deixaram de ter relevância jurídica em face do art.º 5 da actual Constituição.

d) - O recurso para a Relação de Lisboa foi negado por acordão de 23/4/80, porque os factos participados estavam amnistiados, nos termos do n.º 1º da Lei n.º 74/79, de 23 de Novembro.

e) - O Supremo Tribunal de Justiça, em acordão de 20/1/82, entendeu que: «De qualquer modo, a Constituição de 1976 ratificou expressamente a descolonização levada a efeito nos anos de 1974 e 1975». A terminar lê-se: «Se porventura houve erros ou desvios no processo da descolonização, a História não deixará de fazer sobre eles o seu Julgamento».

Foram participantes:

1. Silvino Silvério Marques, general na reserva;

2. Leonel Luís Nunes Vieira de Aguiar Câmara, engenheiro agrónomo;

3. Gilberto de Santos e Castro;

4. António Augusto dos Santos, general na reserva;

5. João Diogo Alarcão de Carvalho Branco,editor;

6. Adriano Augusto Pires, general na reserva;

7. Rodrigo Emílio Alarcão de Melo, jornalista;

8. António da Cama Ochoa, professor;





9. Fernando Alves Aldeia, tenente-coronel na reserva;

10. Pedro Alexandre Brum de Canto e Castro Serrano, brigadeiro na reforma;

11. Zarco Moniz Ferreira, bancário;

12. Eduardo Luís de Sousa, Gentil Beça, coronel de artilharia na situação de reserva;

13. Duarte Amarante Pamplona, major na reforma extraordinária;

14. Manuel Almeida Damásio, professor universitário;

15. José Pinheiro da Silva, inspector superior ultramarino;

16. Vasco António Martins Rodrigues, oficial da armada na reserva;

17. Miguel Ângelo da Cunha Teixeira e Melo, economista;

18. Camilo Rebocho Vaz, coronel na reserva.

Foram acusados:

1. Dr. Mário Soares, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros ao tempo em que ocorreram os factos denunciados e Secretário Geral do Partido Socialista;

2. Dr. António de Almeida Santos, que foi ministro da Coordenação Interterritorial ao tempo em que ocorreram os mesmo factos;

3. Ernesto Augusto de Melo Antunes, que foi membro do Conselho de Estado ao tempo em que ocorreram os mesmo factos e é actualmente presidente da Comissão Constitucional e membro do Conselho da Revolução;

4. Francisco da Costa Gomes, que foi Presidente da República ao tempo em que ocorreram os mesmos factos;

5. António Alva Rosa Coutinho, que foi presidente da Junta Governativa de Angola ao tempo em que ocorreram os mesmo factos;




6. Vítor Manuel Trigueiro Crespo, que foi Alto-Comissário em Moçambique, ao tempo em que ocorreram os mesmos factos;

7. Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, que foi Comandante Adjunto do Copcon, ao tempo em que ocorreram os mesmo factos;

8. Mário Lemos Pires, que foi governador de Timor ao tempo em que ocorreram os mesmos factos.

A referida queixa foi apresentada contra todos os indivíduos que tiveram participação activa nos factos criminosos denunciados, e que foram referenciados expressamente no corpo da peça processual, nomeadamente:

1. Coronel Pires Veloso, que foi Alto-Comissário em S. Tomé e Príncipe;

2. Vicente de Almeida d'Eça, que foi Alto-Comissário em Cabo Verde;

3. António da Silva Cardoso, que foi Alto-Comissário em Angola:

4. Leonel Cardoso, que foi alto-Comissário em Angola;

5. Os membros da Junta de Salvação Nacional que se venha a apurar tenham dado pareceres favoráveis aos Acordãos da Descolonização;

6. Os membros do Conselho de Estado que se venha a apurar terem dado pareceres favoráveis aos mesmos Acordãos;

7. Os membros dos Governos Provisórios que se venha a apurar terem dado pareceres favoráveis aos mesmos Acordãos;

8. Os membros do Conselho da Revolução que se venha a apurar sejam autores da Lei Constitucional 7/74 (in José Dias de Almeida da Fonseca, «LIVRO NEGRO DO "25 DE ABRIL"», Edições Fernando Pereira, pp. 13-25; 40-59).






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Continua


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