segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Autópsia do «25 de Abril»

Entrevista a Pierre de Villemarest




Jacob Rothschild


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José Freire Antunes


«O Partido Comunista Português nasceu, em 1921, do ventre do anarquismo e em guerra com ele. Alimentado a Bakunine e pouco mais, oscilava entre o golpismo anarca, o ecletismo ingénuo e o economicismo cego; marchou na esteira da burguesia liberal, serviu os 'putchs' radicais, despersonalizado quanto aos anarquistas. Em 1923 avançava, como "principal tarefa do operariado", a manutenção das regalias sociais, e "em especial das oito horas". A confusão era grande e Marx desconhecido. Em 1924, já a guerra entre o PCP e a CGT ia árdua, as quatro comunas do partido no Porto chamavam-se Bela Kun, Rosa Luxemburgo, Bakunine e Lenine! Os arrivistas campeavam; engenheiros, jornalistas, universitários, brilhando sobre o suor operário, como lamentaria Bento Gonçalves».

José Freire Antunes («A desgraça da República na ponta das baionetas»).



«A Nação é para nós una e eterna».

 Oliveira Salazar (28 de Abril de 1934).



«A 22 de Fevereiro, Marcello Caetano convoca o chefe e vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas a S. Bento. A conversa é fria e grave: acabara de ler o Portugal e o Futuro e a sua percepção era de que o fim do regime estava iminente. Reconhecendo ser impossível continuar a governar o País com um corpo de oficiais insubmissos e chefes militares divergentes, sugere aos dois generais que reivindiquem o poder junto do Chefe de Estado. A proposta chega tarde. O livro de António de Spínola era já distribuído pelas livrarias, transformando-se rapidamente num bestseller.

Num momento em que era visível o cansaço e desgaste provocados pela guerra, a obra propõe uma solução para a "crise que enfrentamos": o "rápido restabelecimento da paz", porque "a vitória exclusivamente militar é inviável". Às Forças Armadas "compete, pois, criar e conservar pelo período necessário" as "condições de segurança que permitirão soluções político-sociais, únicas susceptíveis de pôr termo ao conflito". Porque, acrescenta, pretender "ganhar uma guerra subversiva através de uma solução militar é aceitar, de antemão, a derrota".

Defendendo a aplicação na desconcentração e descentralização de poderes", na "descentralização administrativa" e "progressiva autonomia dos Estados e Províncias Ultramarinas", reconhecendo o "direito dos povos à autodeterminação", Spínola demolia um dos mais fortes pilares do regime - o Império - e abria o debate sobre um tema tabu: a guerra. Mas se Portugal e o Futuro era uma derradeira tentativa para encontrar uma saída para a questão ultramarina mantendo o regime, a verdade é que acabará por acelerar a morte deste último, num processo que ultrapassa as próprias intenções do seu autor.

Para além do seu impacto junto da opinião pública nacional e internacional, o livro gerou uma onda de entusiasmo nos capitães. Apesar de nem todos concordarem com as teses federativas de Spínola, muitos eram os que se reviam nas suas críticas à política colonial do regime e na ideia de que a solução para a guerra era política e não militar. Portugal e o Futuro transforma-se numa bíblia não por ter constituído o suporte ideológico do Movimento, mas porque permitiu que muitos ultrapassem a questão do apoliticismo das Forças Armadas e, sobretudo, o complexo de se oporem à continuação da guerra. Depois de Spínola o afirmar, ninguém seria acusado de cobardia».

«Nasce o MFA» (in Os Anos de Salazar, Editor PDA, Vol. 29, 2008).




«No cerne de toda a atitude construtiva de inserção de Portugal no mundo em que vivemos deverá situar-se o respeito pelo espírito que presidiu à Conferência de São Francisco, tomando a criação das Nações Unidas como desejo sincero de uma era nova para a humanidade, que por essa via se pretendia preservar do flagelo da guerra. Terão de ser essas, de facto, as bases de uma harmonia mundial de raiz ideológica, fundada na paz, no progresso e no desenvolvimento social, no espírito de justiça, nas aspirações legítimas das Nações, na igualdade dos homens e nos seus direitos fundamentais; estes consubstanciados na consagração do princípio "um homem - um voto", fórmula simples de traduzir o imperativo moral de correspondência entre os direitos e os deveres do cidadãos. Estará assim ultrapassada a concepção exclusivamente política do Estado e proclamada uma noção mais justa e exacta de Pátria e de fronteiras nacionais, na medida em que se reconhece serem a unidade e a soberania dos estados "pluri-nacionais" um permanente foco de injustiças e de tensões enquanto exclusivamente fundadas na força de um poder político central e mantidas contra a vontade e o interesse das nações anexadas, por mais pacífico que tivesse sido o processo de anexação. A paz surgirá então consagrada como decorrente do imperativo de justiça entre os homens e entre as nações.

É forçoso reconhecer, porém, que aqueles ideais se transformaram num amontoado de mitos de evidência tão flagrante que se torna ocioso documentar a afirmação do seu reconhecimento. O mundo de hoje rege-se por princípios diversos dos então proclamados e, todavia, continua a exigir-se aos países mais fracos que os respeitem na medida em que de tal resultem favorecidos os interesses dos mais fortes; e estes não hesitam em fazer tábua rasa das grandes esperanças que, findo o último conflito, renasceram na Humanidade. Vale a pena, porém, analisarem-se as origens do descrédito das Nações Unidas em tal clima, para se avaliar do seu impacto no caminho que tem de abrir-se para um Portugal renovado. A razão fundamental desse descrédito é que a Organização é uma criação dos homens e como tal eivada de todas as suas virtudes e vícios, a cavar um fosso entre a nobreza dos princípios proclamados e os mesquinhos interesses ocultamente disfarçados sob cortinas de idealismo. Das micro-sociedades às sociedades de nações, o mundo está cheio de indivíduos que escondem sob belos mantos as suas torpezas, reveladas sempre que a cobiça alheia colide com a sua própria. O mundo pode assim comparar-se a um vasto oceano e, tal como ali, os peixes grandes continuarão a comer os pequenos apenas pela simples razão de que os pequenos não podem comer os grandes.

Desta razão decorrem todas as outras. A justiça proclamada no seio da ONU como fonte de paz mundial só resultaria eficaz se o direito internacional dela decorrente dispusesse de força suficiente para se impor. Mas essa força apenas a detêm uns quantos, para quem é de justiça ou é contrário à justiça o que favorece ou contraria os seus desígnios; estamos em presença de uma estrutura ainda muito agarrada ao primado dos nacionalismos consubstanciado na tese de que cada povo tem o direito de defender os seus interesses pela melhor forma. Tese perigosa, todavia, pois o que reivindicamos para nós não o podemos negar a outros, havendo, por coerência, de reconhecer o direito de esses outros defenderem também os seus interesses mesmo colidindo com os nossos e, em tal caso, aceitando então que vença o mais forte, pois que a tese pura dos nacionalismos rejeita as instituições supranacionais. E é forçoso reconhecer que, neste contexto, as Nações Unidas nada tentam no sentido de estabelecer a síntese entre a utopia do governo mundial e a realidade da luta de cada um pelos seus interesses. Dentro dos grupos sociais homogéneos - como o são as nações - o direito de cada indivíduo defender os seus interesses tem de ser limitado por leis e forças que impeçam que essa defesa colida com os interesses colaterais. Ora o mundo é uma macro-sociedade em que as nações se comportam como indivíduos; e é na procura de fórmulas idênticas à escala mundial que deveria residir a preocupação actual dos homens. Esta será outra das causas do fracasso das Nações Unidas, causa provocada não só por quantos desacreditam a sua missão colocando-a ao seu serviço, como por aqueles que visualizam aquela organização numa perspectiva de que só é justo o que é conforme ao interesse próprio. Em tal clima, pode parecer, à primeira vista, que haverá portanto redobradas razões para nos não importarmos com quanto naquela organização mundial se nos assaque. Todavia, resta saber se seremos, de facto, daqueles que podem manter indefinidamente levantado o dedo acusador contra uma organização que se desviou dos princípios que lhe estiveram na origem, ou se, pelo contrário, deveremos envidar todos os nossos modestos esforços no sentido da sua reconversão, em atitude construtiva que nos granjeie respeito, prestígio e aceitação. Portugal não detém o monopólio da clarividência, da razão, da justiça e da visão histórica; é esta uma verdade que não poderá esquecer quem acredita nos ideais que presidiram à Carta das Nações Unidas e tem a intenção honesta de, quanto possível, se aproximar deles. Parece assim não ser prudente alicerçarmos a procura das soluções para o problema nacional na vituperação de um organismo mundial de cujo descrédito, bem vistas as coisas, talvez Portugal esteja a beneficiar.

Sede das Nações Unidas em Nova Iorque


Mas a análise da nossa projecção em círculos mais estreitos do mundo em que vivemos revela igualmente contradições.

O movimento de unificação europeia surgiu como fruto de uma visão particularmente acertada sobre o que seria o futuro da Europa desde que balcanizada em presença de colossos para quem os princípios da Carta das Nações Unidas apenas funcionariam ao serviço dos seus interesses. Em presença dos movimentos integradores do mundo actual não se crê que alguém tenha dúvidas quanto ao imperativo de uma unificação europeia como condição de sobrevivência deste velho berço da civilização ocidental; é que, apesar das aparentes contradições ideológicas e das reais diferenças de estádio, das barreiras linguísticas e de certas diferenças entre concepções de vida, é muito mais profundo o que une e aproxima as nações europeias do que quanto as separa.

(...) A carta política da Europa flutuou sempre ao longo dos séculos ao talante dos europeus; todavia, a última guerra desenrolou-se na Europa e dela saíram triunfantes super-potências não europeias. Tanto bastou para que políticos de larga visão pressentissem que se estaria no limiar de uma nova era - a da civilização pós-europeia - e procurassem que, passando por cima do que no passado fora causa de desunião, os povos europeus se unissem de modo a assegurar a sua sobrevivência económica, alicerce da independência política e da expressão internacional de uma civilização e de uma forma de viver. A sobrevivência da Europa começava, pois, pela sua expressão económica. Face à dimensão dos mercados e à capacidade produtiva dos blocos em formação, não seria possível a prevalência das economias de escassa dimensão dos pequenos países europeus divididos; e desde logo se desenhou prioritária a integração económica. Integração que, evidentemente, não podia ser imediata, mas que se impunha progressiva e alargada a todos os domínios: livre circulação de pessoas, bens e capitais, adopção de políticas económicas comuns, aceitação de orgãos com jurisdição supranacional e adopção de moedas e políticas financeiras comuns. Preconizava-se, assim, o caminho progressivo e seguro no sentido de uma confederação; e apesar das várias vicissitudes e do empenhamento dos não europeus, bem parece que esse caminho se encontra em processo de consolidação.

Não é uma via fácil, e em muitos momentos se deparam razões que indiscutivelmente justificam desconfianças e cepticismos. Trata-se de razões históricas ainda demasiado fortes a oporem-se à lúcida visão dos poucos que traçaram os caminhos em que a Nova Europa se deveria encontrar. Tiveram sempre alguma justificação as reservas postas; e os esforços dos estadistas que delinearam o movimento europeu, criaram o "Benelux", constituíram a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, criaram o Parlamento Europeu e assinaram o Tratado de Roma, esbarraram sempre com um condicionalismo de natureza humana. De facto, a geração prevalecente nas duas décadas que se seguiram ao termo da II Guerra Mundial havia combatido numa luta que envolveu europeus contra europeus; e o combate deixa marcas, pois não pode esperar-se que o inimigo de ontem seja o amigo de hoje, e que, de um momento para o outro, se esqueçam as ruínas e o sangue em que todos os povos europeus se mergulharam reciprocamente. A Europa foi durante largo tempo o centro do mundo e cada um dos seus países uma força; esses traços deixaram no subconsciente colectivo marcas profundas que não se apagam com brilhantes argumentações de políticos clarividentes. E a opinião das maiorias nacionais prevaleceu, como prevaleceu a interpretação de atitudes históricas sem todavia se atentar na sua diferente causalidade. Ocorre lembrar, por exemplo, a reserva francesa face às intenções britânicas, fruto de uma interpretação destas últimas dentro do mesmo espírito que marcou a política europeia da Inglaterra na era vitoriana.















Bandeira da Benelux




Países fundadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA)

























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A construção da unidade europeia foi assim, de facto, como alguém disse, e durante um quarto de século, um "fervoroso debate de mitos e uma construção de abstracções". Foi-o efectivamente enquanto teve peso a geração dos que viveram a guerra; hoje prevalece uma geração menos sensível à herança de ódios de que não partilhou. E cremos bem que, no quadro actual, volta a desenhar-se, com justificada esperança, o pensamento de Jean Monnet; e ainda que os "Estados Unidos da Europa" não tenham efectivamente começado, tudo leva a crer encontrar-se a Europa, de facto, no arranque da "Confederação Europeia". A atitude actual dos povos europeus orienta-se já franca e decisivamente num sentido que, embora ainda não totalmente liberto dos preconceitos que estão na origem das vicissitudes por que tem passado o processo de unificação europeia, parece não deixar dúvidas quanto à concretização, num futuro não muito distante, dos propósitos até aqui tomados em diversos sectores como mitos e abstracções. É que, na verdade, há cada vez menos gente a aceitar que se sacrifique à intransigência dos nacionalismos exacerbados o futuro das gerações vindouras.

Também nesse quadro nos projectamos. É hoje reconhecido pela maioria lúcida voltada para o futuro de não podermos ser deixados à margem da Europa, correndo-se o risco de comprometer o bem-estar social e a ordem e tranquilidade internas se nos forem fechadas as portas do Mercado Comum Europeu. É ocioso justificar a afirmação mais do que documentada nas exposições que a tal respeito têm sido oficialmente feitas. Situam-se na Comunidade Europeia os nossos mercados mais importantes, os que oferecem melhores condições de complementaridade e maiores possibilidades de comércio externo. A emigração provoca entradas maciças de divisas provenientes das zonas do Mercado Comum, cujo interesse financeiro é indiscutível mas cuja incidência económica aponta também fluxos na direcção da Europa. Não nos chega o mercado interno como o demonstrou o chamado "problema dos atrasados". Da evolução das nossas relações com a Comunidade Europeia depende muito o futuro económico e social do País; e já não estamos em posição de suportar novas agressões com incidência no nível de vida do povo português. Se o bem-estar é factor fundamental da ordem nas ruas, algo haverá a este respeito de recear. Sobre o que daí se reflectiria nas frentes de luta, e no futuro de uma retaguarda economicamente depauperada e dividida, não nos parece necessário discorrer.

(...) Não se ignora, como de resto já noutro ponto de aflorou, que a materialização de uma tese federativa pode implicar riscos de desagregação. Mas o problema não deve ser o da escolha entre concepções susceptíveis ou não de conduzir ao separatismo, visto que ambas, de uma forma ou outra, a ele podem conduzir de facto; trata-se, antes, de uma opção pela ordem política que melhor promova a unidade portuguesa. De facto, ou se asseguram o bem-estar e a expressão sócio-política de cada uma das partes do todo a unificar, ou, pelo contrário, se iludem esse bem-estar e essa possibilidade de expressão, e então o separatismo é inevitável, seja qual for o ideário prosseguido e a força posta ao serviço.

A tese federativa, para a qual somos assim impelidos, não deixa, é certo, de comportar aspectos negativos que devem ser acautelados. Passaremos em breve revista esses aspectos, em ordem a descortinar-lhes soluções.

General Spínola


O primeiro grande ponto de dúvida que poderia surgir resulta da própria consistência de uma estrutura federativa que, implicando uma limitação de poderes do Estado, impõe que se determine se a solução é ou não desejável do ponto de vista da actual conjuntura nacional. Por outras palavras, importa esclarecer se a tese federativa será ou não, como alguns pensam, um passo em falso para a desagregação; aí chegaremos pela análise da validade de um esquema federativo apreciado em abstracto e da sua consistência na aplicação ao caso português. Abordaremos os problemas separadamente.

Começaremos por nos debruçar sobre o carácter nacionalizante ou desnacionalizante de uma federação de Estados, pois se tivéssemos de reconhecer em abstracto o carácter anti-nacional de uma constituição federativa, é evidente que a ideia teria de rejeitar-se. Não nos parece, porém, ser desnacionalizante uma arquitectura política federativa; primeiro, pela análise racional; segundo, pela constatação da experiência alheia. Não se vislumbra, de facto, como uma constituição federativa possa estar em conflito com o patriotismo das gentes que assim decidem constituir-se, dado que a federação continua a ser uma unidade política na ordem externa e que a respectiva constituição, como instrumento de formação do Estado, pressupõe, na sua essência, a permanência do Estado. E, por outro lado, não pode aceitar-se que sejamos mais patriotas do que os alemães ou os brasileiros pelo facto de a Alemanha e o Brasil serem repúblicas federativas e a nossa ser unitária. Em abstracto, haverá assim de reconhecer-se a improcedência de qualquer identificação entre a defesa de uma constituição federal e uma posição desnacionalizante.

Vejamos agora o segundo ângulo: se uma federação não é de lesa-Pátria, porque receá-la? Porque conduziria à desagregação, dir-se-á; e nós perguntamos: porquê? Será porque o portuguesismo da nossa gente africana desapareceria por encanto perante uma mudança da Constituição? Será que receamos sejam postas à prova as nossas verdades? E porque o receamos se acreditamos nelas? Ou será que não acreditamos? Mas, então, tudo se desmorona; e, neste quadro, aqueles que verdadeiramente acreditam na força aglutinadora da portugalidade não terão de recear uma viragem federativa, que poria à prova as nossas verdades. De outro modo, pese a quem pesar, não é a unidade nacional que está em causa, mas a unidade imperial; e a consciência de hoje já não aceita impérios. Profunda e nefasta incongruência é a tentativa de nos iludirmos, a nós e aos outros, afirmando verdades no prévio receio de as pôr à prova. Somos dos que crêem firmemente no portuguesismo da nossa gente africana. E, porque assim é, defendemos a tese federativa como a única que permite real expressão ao País plural que idealizamos. Porque, se não acreditássemos nesse portuguesismo, não teria sentido o empenhamento pessoal na mais firme defesa do Ultramar. Defesa que está, aliás, na origem da publicação deste trabalho.

General Spínola: governador-geral e comandante-chefe da Guiné entre 1968 e 1973.









É evidente que esta lógica destrói toda a argumentação unitária baseada no pretenso racismo negro da nossa gente africana e no seu possível antagonismo face ao europeu. Admitamos que esse antagonismo existia; se, na aceitação desse facto, receássemos a evolução para um esquema aberto numa base volitiva, isso implicaria que os africanos do nosso Ultramar, a despeito do seu antagonismo, ali continuassem submetidos, e a unidade nacional consistiria então em ali continuarmos impondo a nossa lei pela força das armas. Ora, não só tal hipótese repugna à moral comum como não é sequer viável, como já vimos, no quadro das nossas capacidades. Admitir a inviabilidade da tese federativa com base no antagonismo euro-africano nada mais é, afinal, do que regressar a um mal disfarçado imperialismo.

Outro aspecto de dúvida será a estabilidade de um regime federativo, desde que não tenha o suporte de um Estado central dissuasor, como no caso da URSS, ou se não alicerce na tradição moral e alta noção de solidariedade como nos EUA, ou num elevado grau de formação cívica e de consciência nacional, como no caso alemão. É certo que, aparentemente, carecemos de tudo isso. Mas, se analisarmos a situação actual, verificamos que se luta em África contra a desintegração imediata e que, se agora o fazemos com determinada força de razão, naquela outra hipótese com muito maior força de razão o poderíamos fazer. Além do mais, entre uma solução que implica o depauperamento da Nação e se apresenta de viabilidade mais do que duvidosa e outra que, com menor desgaste, apresenta alguns riscos aceitáveis e uma viabilidade mais nítida, parece não haver campo para hesitações.

Poderia ainda objectar-se com as consequências da adopção por parte de outros países de esquemas abertos de raiz federativa ou comunitária que acabaram por conduzir à formação de Estados independentes. Mas tal asserção só se nos aplicaria na medida em que cometêssemos em política interna os mesmos erros que estiveram na base dessas secessões e não tirássemos partido da excepcional capacidade miscegenadora do Povo Português.

Outra objecção que poderia levantar-se respeita ao pretenso carácter anacrónico de uma constituição federativa face às correntes integracionistas do mundo actual, onde se verifica uma tendência acentuada para um reforço do poder central em detrimento da liberdade política dos Estados federados. Mas também esta asserção nos parece destituída de fundamento, na medida em que as tendências integracionistas, mal esboçadas nos actuais Estados federados, se integram num ciclo evolutivo que não pode ser tomado no meio.






É que a centralização do poder federal pressupõe uma homogeneidade entre os federados, visto a homogeneidade gerar entre estes uma concorrência que reclama uma coordenação forte e centralizadora. Essa centralização, porém, pressupõe estádios semelhantes de vida social para que o poder central seja exercido por uma estrutura constitucional sobre o todo federado, e nunca por um dos estados sobre os demais. A unidade de uma nação sob um poder centralizado e concentrado pressupõe a sua emanência numa homogeneidade do conjunto, em termos de padrões de vida social que só se atingem pela rápida ascensão dos elementos menos desenvolvidos. E como nada se desenvolve rapidamente senão liberto de condicionalismos, resulta assim que a liberalização é indispensável a cada uma das partes do todo para mais rapidamente atingir o nivelamento que permita aquela homogeneidade; desenvolvimento que terá, portanto, de processar-se em separado até que todos os elementos atinjam estádios de integrabilidade; só nessa altura a centralização volta a impor-se, para assegurar o desenvolvimento da nova estrutura.

Temos, assim, dois estádios a que correspondem esquemas totalmente distintos. O primeiro, sob uma fórmula imperial, decorre da aglomeração de Estados sob a hegemonia de um deles; este esquema tende sempre para a desagregação violenta, tanto mais rápida quanto maior for a oposição dessa hegemonia às tendências de expansão dos Estados submetidos. O segundo atinge-se por via democrática, em que os Estados federados, reconhecendo o imperativo da centralização, delegam cada vez mais poderes num governo central de cuja formação participam e de cuja actuação conservam o poder de julgar; este Estado tende à integração pela via pacífica de uma solidarização consistente. Deste modo, pode dizer-se que da fórmula unitária do tipo imperial à democracia unitária vai um processo que nas suas diversas fases se decompõe em passagens sucessivas à federação, confederação, de novo federação e finalmente democracia unitária. Sendo assim, a tendência federativa da solução nacional não pode, em boa verdade, ser considerada como entrando numa corrente oposta às tendências actuais, mas sim como inserindo-se em ponto diverso da mesma corrente. Esta lógica sugere, como corolário, a urgência de tal solução, pois quanto mais tarde a adoptarmos mais longo, difícil e incerto será o caminho a percorrer.

Poderia também argumentar-se que a nossa heterogeneidade determinaria disparidades de tal ordem que se correria o risco de acelerar a desagregação do País pela via da autonomia federal, sem embargo da força agregadora do portuguesismo prevalecente, que em tal clima entraria em processo regressivo.

Não deixa de reconhecer-se certa base neste argumento; e dizemos certa base porque ele resulta parcialmente refutado pela consciência de que, por um lado, não será impeditivo de uma opção pelo menor dos dois males e, por outro, porque tal risco se revela passível de redução a proporções francamente controláveis. Além do mais, não se poderia passar repentinamente do sistema actual para um esquema federativo, pelo que a própria progressividade da evolução induziria procedimentos em desfavor da desagregação explosiva. Por outro lado, afigura-se possível conciliar um sistema que assegure autonomia aos Estados federados sob uma autoridade central, desde que a legislação de cada Estado se submeta a câmaras parlamentares com justa representação e, em último caso, à arbitragem do poder judicial, sob uma constituição votada pelo conjunto dos cidadãos e das regiões. Não é, aliás, inovação, pois Marnoco e Sousa e Eduardo Costa já no princípio do século preconizavam soluções com certos traços comuns à hipótese visualizada. De resto, no nosso caso, haveria larga probabilidade de reforçar a coesão num quadro federal através de um Poder Judicial fortalecido e isento, e de Forças Armadas perfeitamente conscientes dos objectivos a atingir.


Finalmente, haverá de reconhecer-se que a solução pela via federativa está sujeita a fortes condicionalismos de ordem política interna, dado certos sectores da opinião não estarem preparados para compreender o alcance de uma tal evolução. Mas este reconhecimento não anula a nossa firme convicção de que as questões com que nos debatemos se revelariam de mais fácil solução se outra fosse a fisionomia apresentada ao mundo. Aos que afirmam que a posição internacional em relação ao País não se modificará com a alteração sugerida, pois se trata da conjura traçada para nos expulsar do continente africano, responderemos que ainda teríamos amigos prontos a apoiar-nos, desde que à luz de teses sustentáveis. E, além do mais, a maior blindagem contra essa conjura terá sempre o acréscimo da força moral que advirá da opção por um esquema límpido, traçado com honestidade e clareza.

É evidente que um tal esquema carece de tempo, evolução e suportes. Seria trágico esperar a sua concretização de um dia para o outro; nem os africanos o querem, nem a própria opinião mundial isenta o reconhece possível. E o primeiro desses suportes é a promoção social e cultural e o desenvolvimento económico dos territórios e das suas populações, a que tem vindo a dar-se particular atenção com resultados espectaculares, sobretudo por carência de recursos humanos e pela hipoteca de parte apreciável das nossas potencialidades à actual conjuntura de guerra.

Do ponto de vista de segurança e de defesa, é evidente que as nossas preocupações, se bem que francamente atenuadas em face de uma mais ampla abertura, não poderão imediatamente diminuir, embora se reconheça que, neste particular, a situação sofreria uma inversão, assumindo tendência regressiva, desde que universalmente reconhecido o nosso propósito de dar à questão nacional uma solução marcadamente luso-africana. A pressão militar tenderia desde logo a atenuar-se, o que permitiria rever a rendibilidade das Forças Armadas em termos nacionais e reconverter o seu potencial a uma mais flexível utilização, balanceada entre segurança e desenvolvimento, transferindo para este último substancial acréscimo de recursos. E teria de encarar-se decisivamente a mobilização civil, em especial numa primeira fase de promoção acelerada de quadros e técnicos africanos, que suprisse as necessidades locais de fomento. Seria, todavia, fundamental que a Nação sentisse o imperativo dessa mobilização e a votasse em expressão inequívoca da sua vontade.

É evidente que ao decidir-se caminhar por esta via de equilíbrio se encontrará a oposição de minorias extremistas, para quem tal solução é atentatória de interesses consolidados, ou é estigmatizada por um chauvinismo despropositado, ou combatida por aqueles que só desejam a anarquia e a revolução. Mas tal oposição não contará perante a maioria expectante da Nação que, face à perspectiva de um futuro próspero e livre, seria a primeira a colocar a sua actividade militante ao serviço da paz pública».

António de Spínola («Portugal e o Futuro»).



Spínola e Costa Gomes


«Corria Agosto de 1974 quando surge o primeiro sinal de resistência à Comissão Coordenadora do MFA. Uma nota rubricada pelo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Francisco da Costa Gomes, reclama a extinção daquele orgão revolucionário. E, em simultâneo, no seio dos vários ramos das Forças Armadas arranca uma campanha de apoio ao presidente da República, António de Spínola.

Este último recorre a quem pode e é neste contexto que manda chamar Alpoim Calvão: "Apenas me recordo de ter ido vê-lo uma vez, em princípios de Agosto de 1974, a seu pedido. Tivemos uma longa conversa numa casa, para os lados de S. João do Estoril, logo a seguir ao seu discurso de fins de Julho e quando estavam a suceder aqueles problemas em Moçambique, com pessoal em atitudes inconvenientes, incluindo a rendição de uma companhia à Frelimo. Nessa altura é que ele se apercebeu de estar a ser levado pelo então general Costa Gomes. Também dei uma ajuda para o esclarecer".

António de Spínola passa, então, à acção e transmite instruções muito específicas ao operacional mais eficaz que comandara na Guiné: "Disse-me (general Spínola) que estava rodeado de traidores e pediu-me ajuda para eliminar dois membros da Comissão Coordenadora (Vasco Gonçalves e Melo Antunes), mas pouco tempo depois mandou-me suspender a operação, indicando que tudo se resumia a neutralizar Costa Gomes, que era o verdadeiro traidor e quem manejava a Comissão Coordenadora. (...) O atentado, apesar da sua cuidada planificação, nunca chegou a ser executado porque o general Costa Gomes tinha um apertado sistema de segurança".

Na Escola de Fuzileiros e na Força de Fuzileiros do Continente, Alpoim Calvão levanta entre oficiais objecções à iniciativa, por considerar que pode suscitar divisão entre os militares. Mas não é o único motivo: preocupa-o o crescente protagonismo de jovens oficiais, inspirados pelos ideais de esquerda e movidos pelo ardor revolucionário.

Havia que auscultar a sensibilidade de quem comandava. Alpoim Calvão e os capitães-tenentes Ribeiro Pacheco, Geraldes Freire e Bustorff Guerra dirigem-se, então, a casa do almirante CEMA Pinheiro de Azevedo, na Parede. A conversa corre bem, mas não abre novas perspectivas. Para alguém que, como o militar mais condecorado da Marinha, levava as Forças Armadas e o futuro das colónias portuguesas tão a sério era impossível continuar naquele ambiente. Se palavras não chegavam, havia que agir. E é isso que Alpoim Calvão faz.

Dias depois, a 7 de Setembro, chega de Lourenço Marques a confirmação de que o futuro de Portugal está longe da unanimidade que a revolução de Abril anunciara. Alpoim Calvão assiste à distância ao desmoronar do cenário que coloriu a sua infância. Cá e lá, segue os acontecimentos o melhor que pode.

No dia 27, o aviso de um amigo sobre o facto de estarem a ser formadas barricadas nas ruas é o pretexto ideal para se aproximar da acção. Dirige-se a Belém, para procurar saber as conclusões da reunião que se realizava no Palácio e para avaliar a possibilidade de tentar impedir a manifestação nacional, convocada pela chamada "Maioria Silenciosa" e agendada para a manhã seguinte, com o objectivo de apoiar o presidente da República contra o sector mais radical do MFA. Pelo caminho, as barricadas lá estavam, consolidando a ideia da tomada de poder pelas forças de esquerda. A ele como a outros, elementos de braçadeira vermelha no braço, tentam travar a passagem. Desta vez não perde tempo a falar, aponta-lhes a sua pistola Tokarev e o argumento é aceite com conformismo.



Alpoim Calvão







Consegue chegar a Belém, mas também acaba por pagar o preço por lá ter ido: "Como fui visto por alguns ardentes oficiais da linha progressista, entre os quais o sr. Lobo de Oliveira, 'premiaram-me', imediatamente, com o congelamento da minha promoção".

Pede pois a passagem à licença ilimitada. Não pretende continuar a servir numas Forças Armadas onde não se revê, que considera um arremedo, uma imagem desfocada daquelas que, durante 13 anos de guerra, tinham cumprido nobremente a missão que lhes fora confiada e que, agora, tinha traído os seus ideais.

A Forças Armadas viviam tempos conturbados. Alpoim Calvão era olhado de soslaio não apenas pelos seus camaradas de tendências esquerdistas (muitas delas recentemente adquiridas), mas também pelos invejosos do seu ilustre passado, das condecorações que ostentava e da sua rápida ascensão.

A decisão de passagem à licença ilimitada contraria o CEMA, que tenta demove-lo. O vice-almirante Pinheiro de Azevedo manda chamá-lo e chega a afirmar-lhe que os jovens oficiais de esquerda não viam com bons olhos a sua saída "pois fora da Marinha seria mais difícil de controlar", adiantando-lhe que o seu nome não se encontrava na lista dos oficiais a sanear (apesar do resultado dos saneamentos ainda não ter vindo a público). Perante este último ao argumento do CEMA, Alpoim Calvão reage com prontidão: "Então, saneio-me a mim mesmo!"».

Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna, Abel Melo e Sousa («Alpoim Calvão. Honra e Dever»).


«O Gen. Spínola encontrava-se num estado de grande depressão. Chegara ao ponto de chorar abertamente durante uma das audiências. Sentia-se que estava submetido às maiores pressões contra as quais mal podia reagir. Desabafara afirmando que estava "rodeado por covardes e traidores".

Contou toda a história das negociações, afirmando que nunca transigiria com o que lhe queriam impor. Os próprios ministros Mário Soares e Almeida Santos, que os emissários viram sem lhes falar, pareciam acabrunhados.

Quando se mencionou o nome do Maj. Melo Antunes, o Gen. Spínola não se conteve gritando que "esse é um comunista, não tenho já dúvidas a tal respeito".

Referiram a possibilidade de ele ser nomeado para Moçambique (como os jornais haviam largamente noticiado) e o Presidente da República acrescentou: "Se isso acontecer há que abatê-lo. Têm três dias para lhe darem um tiro na cabeça".






Penso que a ninguém ocorreu objectar que seria mais simples não chegar a nomeá-lo, uma vez que essa prerrogativa pertencia ao Chefe de Estado.

Ainda mais simples teria sido prendê-lo em vez de oficiais considerados patriotas (como o Ten. Cor. Alexandre Lousada, o Com. Almeida e Costa e o Maj. Casanova Ferreira) aceitarem fazer parte do séquito de um "comunista" na sua triunfalista deslocação a Lusaka.

(...) O assalto político em Portugal só era viável através de um golpe militar. A avaliação da capacidade dos partidos, feita em sucessivas campanhas eleitorais, havia-o demonstrado.

Para isso, era indispensável motivar os quadros, cuja agitação se iniciara explorando razões de ordem profissional. A carência de politização dos militares, mesmo que infiltrados pelos oficiais milicianos doutrinados, não consentia desencadear qualquer golpe sob a bandeira de uma ideologia revolucionária. Isso ficara demonstrado nas reuniões de oficiais integrados no "Movimento dos Capitães".

Com o fito de a todos mobilizar, arrastando os mais influentes e que eram os menos sensíveis à doutrinação subversiva, havia que provocar uma afronta à sua honra militar e fazê-los crer que se transformavam, perante a nação, em culpados de faltas que não lhes pertenciam.

Por isso se provocaram os incidentes da cidade da Beira, em Janeiro de 1973.

Importa recordar que o crime atribuído à "Frelimo" para agitar a população, ainda hoje é duvidoso que tenha sido por esse movimento cometido. Lembro que o Dr. Kaunda me assegurou que tal procedimento não se enquadrava na actuação da "Frelimo", mas que admitiu poder ter sido realizado por algum grupo actuando à margem das ordens superiores.

O que não oferece dúvidas é que o frio assassinato duma mulher europeia foi executado em termos revoltantes e em zona onde pudesse causar a reacção civil, afrontosa para os militares, que os "democratas" comunistas fizeram desencadear.

O Gen. Costa Gomes surge em Moçambique, e concretamente na Beira, e exactamente na altura dos incidentes. Numa viagem programada antecipadamente.

A viva emoção causada nos oficiais levou-os às atitudes drásticas que relatei, com a complacência dos comandos superiores em cujo vértice o Gen. Costa Gomes se encontrava. A partir daí o "Movimento dos Capitães" amplia-se e motiva-se para derrubar o regime que responsabilizava pelos insultos recebidos. Nascera o "Movimento das Forças Armadas".



Dinis de Almeida em 1.º plano, um dos promotores do encontro de Alcáçovas, a primeira reunião do movimento dos Capitães.



A minha intervenção tinha evitado que a agitação popular alcançasse as dimensões planeadas, mas não impediu que fosse suficiente para se realizarem esses objectivos.

O Gen. Costa Gomes regressou de Moçambique dispondo de todos os elementos necessários: a revoltada motivação dos militares, a excitada disposição das populações e os contactos locais a utilizar no futuro.

Sabia, porque o levara consigo, o que representaria como estandarte aglutinador, o livro do Gen. Spínola. Servido por um nome prestigioso enquadrava-se, perfeitamente, na exploração das condições criadas. Não podia ter dúvidas sobre os resultados que o seu lançamento causaria. 

Apressa-se, então, o Gen. Costa Gomes a dar ao governo um parecer tranquilizador e procura, mesmo, convencer o Doutor Marcello Caetano de ser indispensável a sua permanência no poder.

Como fruto desta hábil manobra surgiu uma revolução a que ninguém se opôs e em que os militares apresentavam uma frente unida.

O "Programa do MFA", cuja elaboração se confia ao Maj. Melo Antunes, é redigido em termos de congregar as vontades que ainda se encontrassem dispersas, de obter a adesão de todas as correntes políticas e, mesmo, a contemporização das camadas conservadoras da sociedade portuguesa.

O "Programa" fora, porém, habilmente redigido em termos de vir a consentir leituras e interpretações diversas daquelas que inicialmente aparentava.

Com a vitória da revolução, mantêm-se o Gen. Spínola como figura adormecedora das preocupações internas ou externas que pudessem esboçar-se. No elenco da "Junta de Salvação Nacional" participam outros nomes que a todos justificam confiança.

Havia, porém, que iniciar a tarefa descolonizadora. Para isso se fizera a revolução.

Não era fácil conduzi-la para os propósitos da estratégia soviética sob a presidência do Gen. Spínola apesar do domínio influente que sobre ele exercia o Gen. Costa Gomes.

Tudo teve de ser feito com método e de acordo com os planos delineados.

O Gen. Costa Gomes volta a deslocar-se a Moçambique. Dali traz o Dr. Almeida Santos para Ministro da Coordenação Interterritorial, dali envia emissários a Samora Machel e ali reforça a posição dos "democratas". Servindo-se do Dr. Almeida Santos impede que o Gen. Silvino Silvério Marques assuma as funções de governador-geral e comandante-chefe em Moçambique. Em seu lugar, instaura o governo provisório do Dr. Soares de Melo, escolhido pelas sua docilidade obediente e incapacidade governativa.

Tendo confirmado a minha influência e as minhas ligações moçambicanas, consegue reter-me em Lisboa. Com isso, também o Gen. Costa Gomes impede os meus contactos com o Dr. Banda e o Dr. Kaunda (evitando a possibilidade de negociações imediatas com a "Frelimo"), denunciando-se ao documentar por escrito o seu propósito de arredar a Zâmbia e o Malawi da acção mediadora que tinham oferecido. Quando se inteira da firmeza daqueles países africanos em meu favor, recorre à cilada para tentar prender-me.







Jorge Jardim e a filha Carmo Jardim















Para minar resistências deixa Moçambique resvalar para o caos, a anarquia e a bancarrota. Agrava-se a instabilidade interna fomentando a incerteza das soluções e promovendo a confrontação tribal.

Envolve o Dr. Mário Soares em negociações destinadas ao insucesso, mas que fariam recair sobre os socialistas, ávidos de alcançarem prestígio político, as maiores responsabilidades aparentes da descolonização.

Quando me escapo às suas malhas, o Gen. Costa Gomes lança campanha de descrédito calunioso que iria até à invenção de acções subversivas, ataques de mercenários e propósitos de racismo colonialista. Impede Otelo Saraiva de Carvalho de se encontrar comigo para se esclarecer sobre os problemas moçambicanos e, mais tarde, haveria de repetir a manobra com Rosa Coutinho. 

Sucedem-se os mandatos de captura, o congelamento das contas bancárias e o anúncio de rigoroso inquérito aos meus actos. Multiplicam-se as pressões diplomáticas e chega-se ao corte de relações com o Malawi.

Neste processo intimidador, o Gen. Costa Gomes transmitiu a ordem para as tropas me abaterem se cruzasse a fronteira de Moçambique.

Perante nada recuava quando era necessário retardar a solução do caso descolonizador moçambicano.

Consegue-o, levando as unidades militares ali presentes ao desespero e frustração.

Só nessa altura surge o Maj. Melo Antunes como o negociador que tudo salvaria. Ultrapassa o Dr. Mário Soares e o Dr. Almeida Santos (parceiros já de secundária ordem) depois destes terem desempenhado o papel que neste complexo jogo lhes estava atribuído.

O Maj. Melo Antunes não negoceia. Confraterniza.

Entende-se com os extremistas da "Frelimo" e com eles concerta as fórmulas que correspondiam aos comuns propósitos. Também os nacionalistas daquele movimento haviam sido ultrapassados. Perante a resistência do Gen. Spínola utiliza-se o argumento de que as tropas em Moçambique não estão dispostas a sustentar posições que ainda ali mantinham. O Gen. Costa Gomes, como chefe do Estado Maior General, confirma-lhe que assim é. Admite-se o perigo da capitulação militar.

O velho soldado, traído, acaba por transigir e o acordo "Samora Machel-Melo Antunes" é assinado em Lusaka, em 7 de Setembro de 1974.









Os campos de extermínio ou campos da vergonha (Frelimo - Moçambique).



Ilha de Moçambique


As Forças Armadas ficariam, para sempre, como "bode expiatório" desse compromisso vergonhoso. Ninguém explica a verdade da situação e a forma como os militares haviam sido minados por longos meses de propositado retardamento das soluções e premeditada deterioração das condições de Moçambique.

Com o "Movimento Moçambique Livre", para que foi arrastada uma população que planeadamente se conduziu a extremos de desespero, estão encontradas todas as justificações para se acelerar a saída das camadas humanas mais válidas de que Moçambique dispunha. Dessa tarefa se encarrega o Com. Vítor Crespo, nomeado Alto Comissário. Sem preparação para cargo tão responsabilizante, tinha determinação política para levar a cabo essa missão.

A resignação do Gen. Spínola, que tarde descobriu a traição enleadora do Gen. Costa Gomes, deixa o caminho facilitado à "descolonização original" que se aceleraria com o seu afastamento (Setembro de 1974) e com o exílio, agravado pela prisão de muitos oficiais desiludidos (Março de 1975).

Com Vasco Gonçalves no governo (onde Costa Gomes o manteria até a reacção popular forçar, meses depois, o seu afastamento) aniquilam-se as estruturas portuguesas em termos de nenhum reflexo poderem ter nos territórios ultramarinos em vias de descolonização. O vazio estava criado para que a estratégia soviética pudesse alcançar os objectivos fixados.

Foi Vasco Gonçalves o instrumento da entrega de Moçambique à falsa "Frelimo" que os extremistas controlavam.

Agravava-se, em termos incomportáveis, a situação dos portugueses e dos moçambicanos que ali viviam e conviviam. Por isso foram saindo às dezenas de milhar, como se pretendia que acontecesse. Ali ficaram milhões escravizados a uma democracia popular.

O Gen. Costa Gomes havia realizado a sua missão. Como veio a realizar em Angola, onde tudo se preparou para ser possível a esmagadora intervenção soviética.

Para a culminar haveria de tomar a iniciativa e a responsabilidade de reconhecer o regime do "MPLA" (Fevereiro de 1976) aproveitando a ausência do Primeiro-Ministro, do chefe do Estado Maior da Armada, do chefe do Estado Maior da Força Aérea, do ministro da Administração Interna e do ministro da Cultura.

Nessa capitulação desnecessária (a que a ameaçada Zâmbia resistiu) o Gen. Costa Gomes teve o apoio aberto e previsível do Maj. Melo Antunes. O binómio descolonizador ficou, só por isso, claramente identificado.

Melo Antunes atreveu-se a declarar que essa decisão merecera a inteira solidariedade do Conselho da Revolução e do MFA.

Valeu-lhe isso o desmentido público e corajoso do Gen. Morais e Silva em termos que não deixam dúvidas sobre a manobra do Maj. Melo Antunes que se atrevera a acrescentar: "estamos longe de considerar que tenhamos reconhecido um governo pró-soviético"!

Só um comunista poderia afirmar essa convicção.



Melo Antunes






Vasco Gonçalves e Costa Gomes



Vasco Gonçalves, Otelo Saraiva de Carvalho e Rosa Coutinho.



Ver aqui






Otelo em Cuba


Com as tropas cubanas e os tanques russos a ocuparem Angola!»

Jorge Jardim («Moçambique Terra Queimada»).


«Estamos em Agosto de 1975. Um pequeno grupo de portugueses desembarca em Angola para ajudar a impedir a sua entrega ao colonialismo soviético.

Eram poucos. Iriam, porém, mostrar em valentia sem par e altruísmo sem preço, a vontade de todo o povo real que, perplexo e traumatizado, estava incapaz de reagir à mais aviltante farsa de toda a sua História. Em nome de um povo imaginário e de liberdades paranóicas - aliás tolhidas a cada passo em pesados preços de sangue e de fome - todos assistimos à maior mentira do século: a "independência" de Angola.

Qual Angola?

A que víramos próspera, virada ao futuro, na preocupação do bem-estar das suas gentes, na riqueza da sua história, no valor da sua cultura, na grandeza e na dimensão do seu viver? Ou a que encontrámos destruída, com os povos famintos a fugir de um lado a outro, para morrerem mais tarde? A que encontrámos em gritos de dor e pedindo a nossa ajuda, uma palavra de esperança, uma afirmação de que tudo era pesadelo e de que voltariam à tranquilidade do seu viver?

Qual independência?

A que trouxe a Angola a ocupação colonial por um exército estrangeiro, em flagrante conquista militar, sem quaisquer laços que liguem o povo aos ocupantes, para além da anuência de uma minoria dirigente e totalitária e porque um governo, em Lisboa - provisório mas definitivamente irresponsável - o consentiu também? O que pensa realmente deste facto trágico o povo português e desgraçadamente o povo de Angola?».

TEN. - COR. COMANDO GILBERTO SANTOS E CASTRO («Angola. Comandos Especiais contra os Cubanos»).


«As atrocidades e os Crimes de Guerra e Contra a Humanidade decorrentes da Revolução Comunista de 1974, são hoje cabalmente omitidos por universitários, intelectuais, politólogos, o diabo. A essa legião pertence Pedro Pezarat Correia, cujo papel na descolonização de Angola, a par de Rosa Coutinho, José Emílio da Silva, Correia Jesuíno e Fonseca de Almeida, contribuíra para a catástrofe que profundamente atingiu Portugal e os Portugueses. Não admira, portanto, que Pezarat Correia procure, uma vez perpetrada aquela mesma catástrofe sem precedentes na História de Portugal, atribuir as culpas aos "adeptos de uma colonização a qualquer preço", e, assim, enaltecer "aqueles que, apesar de tudo, tendo de arcar com o peso da reparação dos erros anteriores, conseguiram abrir vias de soluções num clima de entendimento, que começa a dar frutos" (cf. Pedro Pezarat Correia, Questionar Abril, Círculo de Leitores, 1994, p. 17).





Por outras palavras, quem, alicerçado na tradição histórica e num profundo sentimento patriótico, procurou defender o Ultramar português dos ataques que estavam sendo perpetrados com o auxílio das duas superpotências da época (os EUA e a URSS), deve tão-só ser acusado de ter incentivado a "radicalização de posições", a "inviabilização de soluções políticas" e as "terríveis consequências humanas e materiais que se conhecem"; ao invés, os "homens do MFA" que puseram em marcha, após um golpe militar e a definição de um programa político, uma série de transformações que presumivelmente levaram à "restituição total e imediata das liberdades", esses devem ser glorificados por terem feito "da revolução uma festa" (ibidem, p. 17). Em suma: os que se bateram dando a vida pela Pátria eram colonialistas, politicamente cegos e incapazes de compreender o mundo em que viviam, ao passo que a canalha do MFA, posicionando-se, consciente ou inconscientemente, ao serviço de uma criminosa descolonização arquitectada por soviéticos e, de algum modo, amparada por americanos, libertaram o povo português de uma ditadura política, económica e socialmente bloqueada.

Consequentemente, quem, na óptica de Pezarat Correia, pretender "desacreditar o nosso processo de descolonização", é porque a sua análise "resulta distorcida e falseada", e, portanto, própria de quem está alienado e dominado "por ignorância e má-fé" (ibidem, p. 22). Ora bem: vamos lá ver, com base num exemplo entre os muitos que podemos aventar, quem é que aqui distorce as coisas relativas à dita "descolonização" e está claramente de má-fé.

No âmbito do Acordo do Alvor e, mais particularmente, da "nomeação do alto comissário que devia ter a aprovação dos movimentos de libertação", diz-nos Pezarat Correia:

"Excluída estava a hipótese da permanência de Rosa Coutinho, que contava com a oposição da FNLA e da UNITA, que o acusavam de ter, na presidência da Junta Governativa, favorecido os interesses do MPLA.

A acusação carecia de fundamento, mas vários factores tinham concorrido para a construção daquele pretexto que viria a adquirir o peso de verdade absoluta" (cf. Pezarat Correia, Descolonização de Angola. A Jóia da Coroa do Império Português, Editorial Inquérito, 1991, p. 121).

Entretanto, Pezarat Correia adianta esses factores, que passam pela "implantação do MPLA na sociedade luandense", pelos "sectores da população europeia que se opunham à independência", pelo "radicalismo do poder popular do MPLA nos musseques de Luanda", etc. (ibidem, p. 129).

E continua:

"Apesar das simpatias que Rosa Coutinho pudesse ter pelo MPLA, na realidade a sua acção não foi no sentido de o privilegiar, como bem o demonstrou o seu empenhamento em criar as condições que possibilitaram a Cimeira do Alvor, com a presença dos três movimentos exactamente com o mesmo estatuto, a mesma legitimidade, a mesma dignidade e as mesmas oportunidades.

Isto mesmo o reconheceu, com toda a justiça, o ministro Almeida Santos, quando no seu discurso de posse do novo alto-comissário, em 28 de Janeiro de 1975, afirmou: 'O almirante Rosa Coutinho [...] mais do que ninguém, contribuiu para a criação da situação de facto que tornou possíveis negociações quadripartidas [...] o senhor almirante manteve uma coragem, uma serenidade e uma lucidez que a História há-de registar [...] A cimeira do Alvor [...] é [...] a demonstração cabal de quanto foi isento'" (ibidem, p. 130).



Rosa Coutinho e António de Spínola







Cimeira do Alvor









Porém, a História, ou melhor, a História não distorcida e falseada conta-nos outra coisa completamente diferente. Ora vejamos:

"Agostinho Neto é certamente um dos principais, na estratégia de exclusão dos outros movimentos políticos, mas também o então vice-almirante António Alva Rosa Coutinho, Alto-Comissário Português em Angola. A carta que aqui se transcreve é um exemplar de tal modo eloquente que qualquer palavra que se acrescente se tornará insatisfatória:


Repartição de Gabinete do Governo-Geral

Luanda, aos 22 de Dezembro de 1974


Camarada Agostinho Neto


A FNLA e a UNITA insistem na minha substituição por um reaccionário que lhes apare o jogo, o que a concretizar-se seria o desmoronamento do que arquitectámos no sentido de entregar o poder unicamente ao MPLA. Apoiam-se aqueles movimentos fantoches em brancos que pretendem perpetuar o execrando colonialismo e imperialismo português - o tal da Fé e do Império, o que é o mesmo que dizer do Bafio da Sacristia e da Exploração do Papa e dos Plutocratas.


Pretendem essas forças imperialistas contrariar os nossos acordos secretos de Praga, que o camarada Cunhal assinou em nome do PCP, a fim de que sob a égide do glorioso PC da URSS possamos estender o comunismo de Tanger ao Cabo e de Lisboa a Washington.


A implantação do MPLA em Angola é vital para apearmos o canalha MOBUTU, lacaio do imperialismo e nos apoderarmos da plataforma do Zaire.


Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola. Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à Terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir. A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e de sua experiência militar. Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela.


Saudações revolucionárias

A Vitória é certa
António Alva Rosa Coutinho
Vice-Almirante.


Rosa Coutinho teve, também, um papel fundamental na mobilização do apoio cubano. Alguns relatos dão testemunho de uma deslocação de Rosa Coutinho a Cuba, num avião que Fidel Castro dispensou para o efeito. Rosa Coutinho terá estado durante três dias em La Habana para negociar com o Presidente cubano o apoio militar ao MPLA (Rosa Coutinho sabia que a UNITA era mais poderosa militarmente). Para tal acenou a Fidel Castro com as riquezas de Angola, mormente o cobiçado petróleo.













Ver aqui



Pedro Pezarat Correia







Fidel, Raul Castro e Otelo Saraiva de Carvalho






O papel de Rosa Coutinho neste percurso de traição ao povo angolano tem sido frequentemente referido por literatura muito diversificada: "Rosa Coutinho veio em segredo a Cuba [...]. O [vice] almirante chegou num avião que Fidel enviou a Luanda e permaneceu em Havana três dias. A sua visita ocorreu num momento chave, em Setembro de 1975, quando na mesa de negociações com os grupos guerrilheiros se chegava a um acordo com vista à convocação de eleições. António Rosa Coutinho sabia que os comícios iam ser ganhos por quem controlasse Luanda e que a UNITA era a organização com mais presença militar [...]. Rosa Coutinho descreveu a Fidel as imensas riquezas de Angola [...], e apresentou-lhe como inevitável o facto do país cair nas mãos da UNITA se Fidel não enviasse tropas". Santiago AROCA, Fidel Castro. El Final del Camino, Barcelona: Planeta, 1992, 275s. Também Juan F. Benemelis chama a atenção para o papel de Rosa Coutinho: "Em Julho de 1974, o governo de Spínola designa como Alto-Comissário em Angola o vice-almirante Rosa Coutinho, que tem fortes ligações com o PCP. A partir do momento em que assume funções, Rosa Coutinho bloqueia tanto a FNLA de Holden Roberto como a UNITA de Savimbi e designa, para cargos-chave do governo de transição, pessoal de confiança que facilita o transporte de contingentes estrangeiros de confiança e de armas soviéticas para o MPLA, que se iniciaram nesse mesmo mês, provenientes da URSS, via Congo-Brazaville [...]. O vice-almirante Rosa Coutinho favorece a entrega ao MPLA de uma força necessária composta por 6000 catangueses que figuram no exército colonial e pelos angolanos que servem no mesmo. Estes contingentes são enquadrados por conselheiros militares cubanos e checos que se instalam na base de Massangano". Castro, subversão e terrorismo em África, Lisboa: Europress, 1987, 222s" (cf. Américo Cardoso Botelho, HOLOCAUSTO em ANGOLA. Memórias de entre o cárcere e o cemitério, Nova Vega, 2007, pp. 61-62).

A carta do "Almirante Vermelho" para Agostinho Neto, datada de 22 de Dezembro de 1974, é, pois, perfeitamente elucidativa do descalabro perpetrado em Angola a favor do MPLA, desmentindo por completo a versão distorcida e falseada de Pezarat Correia, que, além do mais, só reconhece o envolvimento de Rosa Coutinho com o MPLA e com as intervenções estrangeiras depois de terminadas as suas "funções em Angola". Daí afirmar que "a sua acção esgotara-se com a concretização do objectivo que norteara toda a sua política - a conclusão do Acordo do Alvor" (ibidem, p. 130). Enfim, uma completa distorção quando sabemos agora, preto no branco, que o verdadeiro objectivo do "Almirante Vermelho" era estender o comunismo de Tanger ao Cabo e de Lisboa a Washington, matando, pilhando e incendiando a fim de provocar, por via do terror, a debandada da população branca de Angola, não poupando sequer as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos.

Aliás, calhando a propósito, diz-nos Jorge Jardim a respeito do camarada Rosa Coutinho o seguinte:

"Na manhã imediata, Álvaro Récio tomou o pequeno almoço na residência oficial do governador, com o Com. Rosa Coutinho e sua mulher.

Vieram à conversa as acusações que já corriam sobre a filiação comunista de Rosa Coutinho que as repudiou com indignação. Afirmou que estaria disposto a pagar bem, só para ver a ficha da 'PIDE' em que tal constasse. A senhora quase se emocionou ao gritar: 'Oh, Récio. Você está a ver-nos comunistas? Até dizem que o meu marido já o era há 14 anos. Veja bem onde pode chegar a calúnia'" (cf. Jorge Jardim, Moçambique Terra Queimada, Intervenção, 1976, pp. 318-319).

Se um tal episódio não estivesse estreitamente ligado a uma tragédia sem precedentes em Angola, poderia dar uma boa comédia. Mas nem isso, infelizmente. De resto, o esquerdopata e catedrático Soromenho Marques também colabora para fazer do 25 de Abril de 1974 aquilo que ele decerto não é, visto entendê-lo, em tom de cretina exaltação, como "uma data incontornável da História de Portugal contemporâneo e um acontecimento de ressonância europeia e mundial no último quartel do século XX". Mais: Soromenho Marques, no seu prefácio ao livro de Pezarat Correia - Questionar Abril -, aconselha aos "leitores mais jovens" o pretenso valor de uma obra que, no que toca à verdade histórica, é mais uma cabal vigarice com vista a omitir, distorcer e falsear tudo quanto diga respeito a Portugal e Oliveira Salazar».

Miguel Bruno Duarte
















O professor universitário Soromenho Marques e o «Pai da Democracia» em Portugal: Mário Soares.







«P - É verdade que boa parte das tropas da FNLA eram zairenses?

R - Assim parecia. Falavam francês e diziam-se "comandos belges". Spínola, talvez para combater o marxismo do MPLA, cometeu o grave erro de deixar avançar essas tropas em direcção a Luanda. A resposta do MPLA, armamentista e de ocupação de posições, não se fez esperar.

P - Mas parece que, depois, o almirante Rosa Coutinho tentou equilibrar...

R - Sim, mas cometeu erros graves, que iriam comprometer as possibilidades de uma paz democrática. O governador Silvino Silvério Marques, que tinha granjeado o nome de 'Pai dos Pretos' no seu anterior Governo-Geral, não foi bem recebido pelos movimentos, sobretudo pelos que desejavam obter hegemonia absoluta pelas armas. Como homem bom e justo, tentou, em vão, a harmonização dos movimentos, em prol do bem comum. As pressões contra ele foram tantas, que Lisboa o fez substituir pelo [vice] almirante Rosa Coutinho. Este, que fora prisioneiro da FNLA, tudo fez para favorecer o MPLA de Agostinho Neto, por meios nada transparentes. Um cargueiro vomitou quantidades impressionantes de enormes caixotes com "cozinhas automáticas" [armamento bélico] para o MPLA. De nada valera os protestos dos outros movimentos, que reclamavam o direito à verificação do conteúdo desses caixotes. Assim armada, a facção de Agostinho Neto foi adquirindo alguma superioridade militar, na capital e nos Dembos. Rosa Coutinho incentivou os Flechas a alistarem-se nas FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola). Retirou explicitamente a protecção aos comerciantes brancos do musseque, abrindo caminho ao saque generalizado dos seus bens. A facção Agostinho Neto abriu as hostilidades, atacando e conquistando as delegações da facção Chipenda, que, na mata, tinha merecido as preferências dos guerrilheiros em detrimento da facção Agostinho Neto. Depois, nos vários meses a fio, assistiu-se a uma guerra sem quartel entre o MPLA e a FNLA, luta sangrenta que fez milhares de mortos. A UNITA decidiu retirar-se pacificamente para o Huambo, mas, mesmo assim, a sua caravana sofreu ataques no Dondo. Uma pequena força do MPLA ousou mesmo atacar, pelas costas, quatro militares portugueses que se deslocavam num jipe e tinham acabado de dialogar amigavelmente com eles. Foi então que o Exército Português exigiu desculpas e o julgamento dos autores desse feito. Como não obtivesse resposta, forças conjugadas de cavalaria e dos comandos fizeram uma operação de retaliação contra a sede do MPLA, na Vila Alice, em que os guerrilheiros sofreram muitas baixas. A partir daí, o Exército Português foi respeitado».

Entrevista a Manuel Álvaro Ferreira da Silva (in Dalila Cabrita Mateus, «Memórias do Colonialismo e da Guerra»).


«(...) uma figura de primeiro plano emerge na tentativa de salvar os princípios definidos no seu livro Portugal e o Futuro na chamada tese federalista - o General Spínola.

Da sua luta, cheia de contradições e ingenuidades, resultou o seu afastamento dos orgãos de decisão, a sua morte política.

Ao rever o programa do movimento das Forças Armadas, ainda antes do 25 de Abril, foi chamado a protagonizar o golpe militar, e nada alterou do que nele constava a respeito da política ultramarina apesar de tal questão já ter sido objecto de acesa polémica entre os "abrilistas" com várias versões, mas vencendo a que deixava tudo em aberto e que não mereceu qualquer reparo do Gen. Spínola até ao eclodir da revolução. Após a sua concretização vitoriosa e antes de se divulgar o plano, o já Presidente da Junta de Salvação Nacional exige alterações de fundo na definição da política ultramarina que conduziram a todo um conjunto de cisões entre os revolucionários que acabaram por facilitar a missão aos verdadeiros promotores da descolonização e seus agentes. Seria inimaginável alterar os planos cuidadosamente elaborados pelos responsáveis do golpe em matéria de política ultramarina. Recorde-se, que mesmo antes do programa se tornar público, já Mário Soares se encontrara com Agostinho Neto em Bruxelas e com Aristides Pereira em Dakar. Não foi certamente tratar de assuntos privados mas, sem dúvida, preparar o terreno para o que viria a constituir uma das maiores tragédias da história contemporânea de Portugal.

Mário Soares e António de Spínola


Mas Spínola, desiludido, sentindo que não controlava minimamente o processo, em meados de Junho encontra-se com o Presidente Nixon nos Açores quando o seu avião ali fez uma escala técnica no seu regresso de Moscovo. O encontro resultou duma proposta nacional, não foi objecto de quaisquer negociações preliminares, durou pouco mais de uma hora e nele participaram exclusivamente os dois Presidentes e o General Vernon Walters, subdirector da CIA e que serviu de intérprete. No final não foi emitido qualquer comunicado, nem os elementos da comitiva do Presidente tiveram conhecimento dos assuntos abordados. Admito que Spínola terá tido dois objectivos com esta iniciativa. Um, de carácter pessoal, visando uma melhoria ou valorização da sua imagem tanto no exterior como a nível nacional; outra, para alertar Washington para a onda comunizante que parecia ter invadido todo o espaço nacional e, muito especialmente, os territórios ultramarinos, visando colocá-los na esfera de influência da União Soviética. Naturalmente que os resultados práticos desta diligência não foram visíveis no imediato até porque a situação de Nixon era já de extrema fragilidade, acabando ele por pedir a sua exoneração em princípios de Agosto. Quem não gostou da iniciativa foram os elementos do MFA, sobretudo os ditos progressistas e motores da revolução.

Em vão Spínola tenta travar o rumo dos acontecimentos em matéria de descolonização que segue os seus próprios trâmites, à margem das alterações que introduziu no programa do MFA logo após o 25 de Abril. Em 9 de Agosto, através dum comunicado, a Junta de Salvação Nacional, decide tomar nas suas mãos o problema de Angola, sem dúvida o mais complexo, já que a Guiné e Moçambique parecem casos em vias de solução face a compromissos assumidos por Mário Soares, tanto em Argel como em Lusaka. Nesse comunicado o Presidente da República estabelece um plano a seguir para a descolonização de Angola que, em síntese, referia:

- direito à autodeterminação e à independência;

- diligências junto dos movimentos de libertação para se chegar a um cessar-fogo;

- constituição de um Governo Provisório que incluiria não só elementos dos movimentos de libertação, como de outros agrupamentos étnicos mais expressivos entre os quais se contavam os brancos;

- eleição de uma Assembleia Constituinte após a elaboração da lei eleitoral e do respectivo recenseamento;

- a execução de todo o plano estender-se-ia por um prazo da ordem dos três a cinco anos.

Este plano, ou esta intenção, não mereceu comentários especiais em Angola e no âmbito da Junta senti uma enorme indiferença, limitando-se o Rosa Coutinho a afirmar: "Parece que o homem está a sentir que o pássaro lhe está a fugir das mãos". Não reagi mas tive a impressão de que o "homem" não iria ter qualquer interferência no problema de Angola como não estava a ter em relação ao resto do Ultramar.

Entretanto a violência e insegurança alastravam em Luanda, criando um clima de instabilidade, em especial na comunidade branca a que muitos atribuíam a sua causa. Em 5 de Agosto, pouco depois da chegada de Rosa Coutinho, o Major Mariz Fernandes, secretário de Estado da Comunicação Social e Turismo, é demitido das suas funções embora fosse elemento do MFA. Na altura afirmou que os incidentes em Luanda se deviam, não a um problema rácico, mas a uma luta desenfreada entre militantes do MPLA e da FNLA na conquista de posições de força na capital do território. Mas, o já Presidente da Junta Governativa, tinha trazido consigo o comandante Correia Jesuíno para essas funções que passou desde logo a exercer, como delegado da Junta, mesmo antes de tomar posse, tendo o Rosa Coutinho afirmado: "a informação em Angola, se não mudasse dentro de um período de oito dias, os angolanos poder-se-iam queixar na mesma".

E tinham razões para se queixar, logo que tomaram consciência de que o novo responsável por este sector governativo, da maior importância na conjuntura do momento, orientou toda a sua política para um descarado apoio ao MPLA e quem não colaborasse era considerado militante ou simpatizante da FRA [Frente de Resistência Angolana], reaccionário perigoso, preso e escorraçado de Angola. Foi mesmo o Correia Jesuíno que impediu o Rosa Coutinho de ser linchado dentro do Palácio por um numeroso grupo de brancos que, completamente descontrolados e enfurecidos com a política seguida pelo Almirante Vermelho, irromperam pelo palácio durante mais uma manifestação dispostos a tudo. Rosa Coutinho que se encontrava em reunião numa sala próxima, saiu de imediato e foi encontrá-los num pequeno compartimento procurando saber o que pretendiam e tentar acalmá-los. No entanto os ânimos exaltaram-se, os homens foram apertando o cerco e o Rosa Coutinho teve que subir para cima duma mesa, procurando escapar à sua fúria. Nesta altura apareceu o Correia Jesuíno que conseguiu pôr um pouco de ordem na situação e chamar à razão aquela gente constituída essencialmente por camionistas e comerciantes, tendo tudo acabado em bem.






O Presidente da Junta não ganhou para o susto mas, como homem destemido que sempre tinha sido, não deixou de enfrentar aquelas pessoas com coragem embora com natural excitação.  Era o ambiente desta Luanda, em perfeita efervescência, reforçada pelas greves, paralisações e reivindicações de toda a ordem, que começavam a pôr em causa a saúde económica da Província. O assunto é debatido no âmbito da Junta, tendo-se reconhecido a necessidade de tomar algumas medidas tendentes a sossegar as pessoas e permitir que a vida voltasse à sua normalidade. Entretanto, como se previa, o Presidente Nixon pede a demissão e é substituído por Gerald Ford, seu vice-presidente. O José Emílio da Silva, naturalmente satisfeito com esta demissão, realçou o azar de Spínola ao escolher a personalidade errada para expor os seus problemas ou pedir ajuda e, assim, teria de continuar a colaborar dentro dos princípios definidos pelo MFA, especialmente em matéria de descolonização. Rosa Coutinho, totalmente concordante com as teses do José Emílio disse que para trazer uma certa acalmia à vida de Luanda iria, esporadicamente, fazer algumas declarações em sintonia com o plano definido pela Junta de Salvação Nacional e tentar convencer o Eng. Fernando Falcão a participar no Governo de Angola. Recorde-se que Fernando Falcão era uma figura bastante prestigiada nos meios angolanos, especialmente no Sul, pertencente à chamada oposição democrática e fundador da FUA (Frente Unida de Angola) que se encontrava em plena ascensão, tendo os seus dirigentes apelado aos angolanos de todas as etnias, raças e credos para se juntarem à FUA, pretendendo constituir um dos maiores partidos do território. Designado por 4.ª Força, afirmava-se com pleno direito a participar no processo de descolonização, contrariando as declarações de Mário Soares de que os legítimos representantes do povo angolano eram unicamente os movimentos de libertação.

No meu bloco de notas de 6 de Setembro anotei:

Tudo o que Rosa Coutinho possa afirmar para cumprimento do plano de Spínola, não passará de mera mistificação e a vinda do F. Falcão para o Governo terá como objectivo manter o homem controlado, envolvê-lo na estratégia do MFA e acalmar os descontentes, em especial os brancos.

No início de Setembro, Rosa Coutinho deslocou-se a Lisboa e no seu regresso afirmou, como estava previsto, que se iria dar cumprimento ao plano da Junta de Salvação Nacional. Numa entrevista concedida ao "Notícias da Beira" de Moçambique afirmou:

Logo que possível serão iniciados os passos para a eleição da Assembleia Constituinte que, como soberana representante de todo o povo angolano, decidirá sobre as formas de Governo e estruturas fundamentais sobre os quais o país deverá constituir por si mesmo o seu futuro. Será completamente prematuro fazer vaticínios sobre os resultados dessa Assembleia Constituinte embora se saiba que necessariamente dela terá que resultar uma definição de iguais direitos e deveres para todos os angolanos, com inteiro respeito do homem, permitindo assim a integração de Angola como membro de facto no concerto geral das Nações civilizadas».

General Silva Cardoso ANGOLA. Anatomia de uma Tragédia»).


«Neste livro ["ANGOLA. Anatomia de uma Tragédia"] fica escrita a História que felizmente não será possível manter oculta, ou contada de forma forjada, pois não haverá autor tão corajoso e habilitado que a tenha vivido e descrito como o que foi o Alto-Comissário em Angola (General Silva Cardoso)».

General Silvino Silvério Marques


«Em Moçambique, a bandeira de Portugal é arrastada de rojo pelas ruas de Lourenço Marques. Em Angola, o major Pezarat Correia desarmara os brancos para que estes não se intrometessem ou sequer viessem a ter qualquer peso nos pratos da balança com que se havia acertado os acordos, tendo como resultado a instalação do terror e a vergonha de ver unidades do Exército serem obrigadas a abandonar os quartéis em cuecas.



A revolta de 7 de Setembro de 1974 dos moçambicanos contra a entrega do poder exclusivamente à Frelimo sem eleições.










Pedro Pezarat Correia






Na Guiné, ainda antes da independência e à medida que as Forças Armadas portuguesas retiram, explode o sentimento de vingança do PAIGC contra os seus concidadãos que estiveram ao lado de Portugal, e começam os assassinatos. A primeira vítima é o tenente Abdulai Queta Jamanca, que pertencera à 1.ª Companhia de Comandos africanos e participara na operação "Mar Verde", um herói condecorado pelo general Spínola. Jamanca era um mito entre os africanos, um príncipe local que, servindo então na Companhia de Caçadores 21, em Babadinca, foi fuzilado naquela localidade após ter sido preso numa horta próximo de sua casa.

Os meses passam mas a situação em nada melhora. Logo a seguir ao golpe de 11 de Março de 1975, em Lisboa, o PAIGC lança uma enorme operação de limpeza entre os ex-soldados, os ex-marinheiros e os ex-milícias, portugueses e guineenses, com o argumento falacioso de que pretendiam desferir um golpe de estado na Guiné. Largas centenas de antigos militares são presos, torturados e fuzilados (500 segundo as autoridades locais informaram posteriormente, 1.000 de acordo com os seus companheiros sobreviventes). Muitos dos prisioneiros são pendurados pelos pés e chicoteados até à exaustão; outros, obrigados a carregar às costas gigantescos pneus de Berliet, e as respectivas jantes.

Joaquim Baticã Ferreira, rei manjaco e antigo deputado da Assembleia Nacional Popular, muito querido do seu povo, credor de grande consideração por parte das autoridades portuguesas, e Didi, um sargento dos comandos africanos natural de Cadgindjaça - povoação um pouco a norte de Bissau -, ambos são fuzilados depois de um julgamento fantoche sumário. Para os humilhar, amarram-lhes as mãos atrás das costas e, de joelhos no chão, nem lhes dão o direito a defender-se. Aquilo a que chamam julgamento durou apenas um minuto.

Os fuzilamentos não param. Nas matas, em aeroportos, nos campos de futebol, na presença das populações, centenas de guineenses cujo único "crime" foi terem sido leais à sua Pátria, acabam por ser sumariamente executados. E os linchamentos continuam até aos anos 80, sob as ordens de Luís Cabral, durante este período presidente da Guiné.

Os corpos são atirados de qualquer maneira para valas comuns nas matas de Jugudul, Cumeré, Portogole, Mansabá e Mansoa e, pretendendo que tudo tivesse um ar de natural legalidade, era então passada uma ingénua certidão de óbito - muitas vezes em papel timbrado e selado com as armas de Portugal -, na qual se atestava que "...faleceu por fuzilamento um indivíduo do sexo masculino...".

A má consciência das autoridades portuguesas responsáveis pela soberania nacional naquela província não deixa de ser evidente pelo desconforto com que encaram a situação. Na entrevista que o Alto-Comissário concede a um jornalista do semanário O Diabo, em 1994, o lavar de mãos é bem patente: 

"O então brigadeiro Carlos Fabião foi o último representante do Governo Central na Guiné-Bissau.

Falámos-lhe à hora do jantar sobre este assunto indigesto: a morte de cerca de quatrocentos homens presos no Cumeré, fuzilados por se terem batido por Portugal, como portugueses que eram. 


O Diabo - O que é que se fez pelos soldados naturais da Guiné pertencentes ao Exército português? 


A surpresa pela pergunta sobre matéria tão óbvia era nítida na voz do Brigadeiro Fabião ao responder:


Carlos Fabião - Desmobilizámos as forças guineenses e pagámos-lhes os salários até ao final do ano. 


O Diabo - Mas o que é que se fez para garantir a sua segurança? 


C.F. - Desde o início das conversações com o PAIGC que se tratou dessa gente. Foi-nos dito que seriam integrados e tratados como a restante população guineense. 



Vala comum de antigos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas assassinados às ordens de Luís Cabral (1980).





Luís Cabral




O Diabo - Sabe que foram fuzilados às centenas, senhor brigadeiro? 

C.F. - Bem, nós deixámos lá um embaixador português" [Entrevista ao jornal O Diabo de 12 de Abril de 1994].


Como Carlos Fabião culpa o embaixador de Portugal, O Diabo procura-o para permitir o contraditório: "O embaixador Sá Coutinho representava a soberania portuguesa na Guiné-Bissau ao tempo destes acontecimentos. Abordado por 'O DIABO' reconheceu terem chegado até à Embaixada vagos rumores sobre estes fuzilamentos, que na altura foram classificados de boatos. O clima que se vivia em Bissau era, segundo ele, pacífico e, se bem que não pudesse ser considerado de abundância, satisfatório no tocante ao abastecimento de bens essenciais. Reconhece que se praticavam algumas perseguições, das quais o clamor não devia atravessar as paredes da embaixada..."».

Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna, Abel Melo e Sousa («Alpoim Calvão. Honra e Dever»).


«Os incidentes ocorridos no início de Fevereiro demonstraram que a tropa portuguesa não conseguiria travar com êxito uma escalada de violência. Os Movimentos não estavam dispostos a esperar pela saída dos efectivos portugueses para fazer vingar a sua lei, sujeitando-os a constantes provocações. Bastava uma discussão com um militante (num bar, num café, na rua) para um soldado português poder ser agredido ou preso: na Gabela tinham-se registado vários casos de ofensas ou "palavras vexatórias" dirigidas às FAP e ao MFA. Num bar dessa localidade, um grupo da UNITA chamara "fascistas" a todos os presentes, incluindo dois "soldados portugueses". Na Avenida dos Combatentes em Luanda, a FNLA agredira um major na reserva e roubara-lhe a arma por a ter apontado "a dois meliantes que tentaram assaltar o seu estabelecimento. Não obstante ter explicado as razões de tal atitude, foi conduzido à delegação, sujeito a sevícias e esbofeteado". No Bairro Catambor, 12 elementos do MPLA tinham insultado e ameaçado com armas alguns soldados nacionais.

O Poder ia mudar de mãos. Os militares portugueses estavam a prazo e tinham de se submeter à nova ordem caso quisessem voltar vivos à pátria. Foi o que inferiu um soldado português em Cabinda de uma conversa entre militares do MPLA: tinham de ser "firmes e de limpar tudo se necessário, mesmo com prejuízo do processo de descolonização". Porque não os consideravam como iguais: "Olham para nós como dantes, como se ainda andássemos na mata". Mas agora estavam em vantagem. Em meados de Fevereiro estimava-se que (dentro e fora de Angola) os Movimentos tivessem mais de 64.000 combatentes: a FNLA disporia de 27.300 - sem contar com os 3.500 homens da facção Chipenda; a UNITA arregimentara mais de 20.000 e o MPLA, 13.000. Precisavam de instalações para os abrigar, levando a que as ocupações selvagens de postos administrativos ou da PSPA [Polícia de Segurança Pública de Angola] começassem a ser frequentes. No Cuanza Norte, o comandante da Polícia do Golungo Alto reportava que "guerrilheiros do MPLA e os comandos Folhas Caídas" tinham ido à residência do administrador exigir as chaves do quartel desactivado pelas tropas portuguesas. No dia seguinte, cerca de 50 homens das FAPLA [Forças Armadas para a Libertação de Angola] vindos do Bango Azongo arrombaram as instalações à residência do administrador local e em Chitado diziam: "Quem mandava era a UNITA; as autoridades portuguesas já não mandam nos assuntos angolanos, somos nós que fazemos justiça!". Em Bula Atumba, o MPLA ocupara de novo o posto do GEI [Grupo Especial de Informações - Angola]. Era sempre o mesmo, prometiam respeitar os acordos e faziam o contrário, queixava-se o comandante português. Particularmente "apetecíveis" pelo seu equipamento técnico e rede de transmissões (como fora referido tanto em Argel como no Alvor), as instalações do GEI do Moxico (sitiadas na Gafaria, uma antiga leprosaria) também foram ocupadas pelo  MPLA.

A insegurança era tal que nem os governantes angolanos se sentiam seguros quando se deslocavam pelo território. Para ir a Malange, o Ministro da Saúde (da FNLA) pedira protecção à tropa portuguesa no percurso até Lucala "para conseguir a libertação do seu delegado em Salazar, que estava cercado pelo MPLA num hotel do Dondo". O MPLA da região mandara "emissários a todas as aldeias" para mobilizarem os populares dos arredores. Circundaram o hotel "armados com machados e catanas" e queriam "atacar a FNLA e os brancos" que a apoiavam. Nas rodovias de Malange, bandos que se intitulavam do MPLA passavam "revista a pessoas e a viaturas". Saques idênticos verificaram-se "em algumas residências ao longo dessas estradas". Os bens mais desejados encontravam-se ao alcance da mão, à frente de cada arma apontada: quem não obedecesse era baleado. Mais valia ficar sem o automóvel ou a carteira. Previa-se que o sentimento de "insegurança e perplexidade" entre a população branca se acentuaria durante a "fase de incerteza" que seria o "período de preparação da independência": "Pessoas e bens são alvo de depredações por parte de bandos que actuam muitas vezes com a complacência dos próprios Movimentos".


Não tinha havido "uma correspondência generalizada ao apelo do governo de transição" para a população entregar todas "as armas em situação ilegal". O executivo pretendia desarmar os civis, mas por todo o território eram cada vez mais os africanos armados e os campos de treino militar. Só no distrito de Cuanza Sul a UNITA tinha quatro instalações militares (no Novo Redondo, Gabela, Quibala e Santa Comba) e uma base de treino na Aldeia de Melo, situada na estrada Luanda-Cela. A FNLA possuía no distrito de Malange cinco recintos militares, um campo em Porto Amboim e outro em Calulo. O MPLA já possuía sete campos militares: cinco nas mesmas localidades da FNLA e mais dois em Quibala e em Vila Nova de Seles, além "de uma base de treino próxima de Assango num local chamado Catuta". Subia de tom a contestação aos ex-colonos; num cortejo de mulheres do MPLA em Quimbala (no Cuanza Sul) ouviram-se frases de regozijo pelo fim do domínio português: "O branco vai embora". No Bairro do Golfe em Luanda, o MPLA ministrava "instrução político-militar às militantes da Organização da Mulher Angolana e aos Pioneiros". Neste CIR [Centro de Instrução Revolução], para além do treino militar básico (como manusear e carregar uma espingarda) era ministrada doutrinação partidária: "As aulas de política em dialecto quimbundo, incitando ao ódio rácico, pois terminam com os seguintes slogans: 'O branco não faz falta. Abaixo o branco! Abaixo o colono'".

Era igualmente complexa a coabitação pacífica nas FMM [Forças Militares Mistas] entre soldados negros e brancos. Logo após a posse do governo, durante uma manifestação na Avenida de Lisboa em Luanda, "elementos armados do MPLA negaram-se a dispersar a população que ali se concentrara, em que populares e elementos do MPLA insultaram as Nossas Tropas e a população branca". Os soldados negros recusavam-se a actuar contra os compatriotas para manterem a ordem e os militares brancos interrogavam-se se valeria a pena arriscar a vida em contendas que não lhes diziam respeito. Angola seria em breve dos angolanos. Se queriam matar-se uns aos outros que o fizessem: não iriam para Portugal amortalhados num caixão por os africanos não se entenderem. Existia uma "falta generalizada de espírito de missão e o anseio desmedido por um regresso breve a Portugal": "São mais influenciados e sensibilizados pelo correio que recebem de Portugal do que mentalizados pelas campanhas de esclarecimento que lhes são dirigidas". Continuavam a ser os únicos militares das FAP "amarrados" a uma missão no Ultramar que poderia prolongar-se durante meses se não fossem rendidos, o que tornava mais angustiante a espera pela partida: "Sabem que familiares e amigos (com menos tempo de serviço militar em Portugal, na Guiné e em Moçambique) já regressaram a casa e apresentam na generalidade uma revolta interior latente".

(...) Os portugueses eram personae non gratae para todos os Movimentos. Aos automobilistas que circulavam na estrada de Catete era-lhes apontada uma arma à cabeça "quando os pedidos de boleia para os seus familiares não eram satisfeitos". O incitamento à expulsão do branco era transversal e acolhido pelos africanos mais carenciados, aos quais era garantido que, com a partida dos colonos, poderiam ficar com tudo o que lhes pertencia. No seu programa radiofónico, a FNLA dizia que os portugueses não passavam de uns "esclavagistas e miseráveis. Entre os colonizadores eram os piores". Em Salazar, um apoiante do ELNA [Exército de Libertação Nacional de Angola - FNLA] roubara uma caçadeira e duas carabinas da residência da fazenda Bananeira: matou de seguida o proprietário, a mulher e a irmã deste. Em Quimbele, um outro militar deste Movimento violara uma jovem de 16 anos "quando foi detida para averiguações". No Novo Redondo, um regente agrícola também tinha sido detido por passar por cima de uns panfletos e uma menor branca submetida "a um interrogatório violento" numa das delegações da FNLA. O balanço do primeiro mês de governo era preocupante: "Prosseguem as detenções ilegais, provocações às tropas portuguesas, aplicação de justiça privada, controlo de viaturas, ocupação abusiva de instalações e ameaças a europeus". Como o era a entrada abusiva em residências particulares para apreensão de "espingardas legalizadas e cartuchos".

As tentativas de expropriação e os incitamentos à greve eram constantes. Na região de Malange eram recorrentes as ameaças do MPLA aos gerentes das fazendas. Por "apoiarem a FNLA". Unidades fabris ou mineiras e transportes colectivos eram os alvos predilectos de bandos armados que contestavam a permanência dos portugueses e o sistema económico vigente. Alguns autocarros eram interceptados para no seu interior serem lançadas palavras de ordem. A um motorista da empresa Lusitanos, um grupo das FAPLA disse que "deixava de cumprir horários e de cobrar bilhetes porque os autocarros passavam a pertencer ao povo". Na Companhia Açucareira do Bom Jesus (no Catete), um grupo do MPLA expulsara os voluntários da OPVDCA [Organização Provincial para a Defesa Civil de Angola] e ocupara as instalações na fábrica, impedindo quem quer que fosse de entrar. Os donos das salgas do Cacuaco também tinham sido ameaçados e os trabalhadores exortados a largarem o trabalho.

Fidel Castro e Agostinho Neto


(...) Num juramento de bandeira (em 23 de Fevereiro) Agostinho Neto incitou os angolanos leais à causa nacionalista a "atirar bala" contra todos os que não perfilhassem os ideais do MPLA: "As nossas armas voltam-se, sim, contra os inimigos do povo angolano, aqueles que querem forçosamente levar-nos para o neocolonialismo. Contra esses as nossas armas não devem hesitar. Devem disparar". A FNLA era o inimigo a abater. O MPLA estava a criar núcleos de resistência nas áreas da FNLA no Norte e no Leste e a aliciar "graduados" das FAP "à sua deserção com armas". Continuava a infiltrar "material de guerra através da fronteira leste" e um navio tinha "desembarcado material" num porto muito "próximo de Luanda". Estava também a "enviar grupos de jovens militantes para Cuba e para a URSS", onde recebiam "treino político-militar".

Em finais de Fevereiro, as FAPLA possuíam 500 homens no Quifangondo e tinham aberto outra base com 400 efectivos perto de Nova Lisboa. A melhoria na organização dos CIR [Centro de Instrução Revolução - do MPLA] devia-se aos militares portugueses ingressados nas FAPLA: "O funcionamento dos CIR que era muito deficiente tem melhorado progressivamente com a presença de muitos ex-militares das nossas tropas como instrutores". O MPLA parecia ter-se "relegado a uma aberta e vasta luta política pela conquista do Poder", através de estruturas como o Poder Popular que lhe serviriam "de trampolim para a sua acção futura". Tinha adquirido "material de guerra destinado a armar as comissões de autodefesa dos bairros periféricos de Luanda" às quais concedera subsídios, e embora a sua actuação primasse "pela disciplina" e se destacasse "no combate ao banditismo", a sua popularidade não aumentara. Talvez por os seus militares se mostrarem "extremamente repressivos, crítica que as populações reiteradamente lhe fazem", era assinalado. Os outros Movimentos não eram mais complacentes. A UNITA semeava o pânico nas suas áreas, infundindo na população um autêntico "terror" pelas práticas empreendidas. sobretudo contra alegados feiticeiros que eram perseguidos "com ferocidade": "Muitos têm sido queimados vivos para exemplo dos demais". Os "espancamentos, arbitrariedades e queima de feiticeiros" nas instalações da UNITA transtornavam a população. Mas, apesar destas "selváticas acusações, a nível geral nenhum descrédito" a atingia porque "os seus dirigentes têm genialmente sabido abafar esses acontecimentos", registava-se. Em Rito, no Cuando-Cubango, também o MPLA lançara "ao rio duas mulheres sob a acusação de serem 'feiticeiras'".

A FNLA fazia frequentes exibições de aparato bélico em desfiles "de carros militares com elementos bem armados e impecavelmente fardados" que causavam nas populações um misto de respeito e intimidação. A adesão de muitos civis a este Movimento era, aliás, explicada "ou por medo" ou por considerarem que, em Angola naquele momento, "a força é um factor de ordem e disciplina que não pode deixar de existir". O modo de actuação dos nacionalistas continuava "muito longe do espírito de Mombaça e do Alvor": "O espírito de unidade que forjou tais acordos parece ter-se perdido, o que pode levar a um clima de violência e de hostilidade. Os diferendos entre a FNLA e o MPLA estão longe de desanuviar e tendem a aumentar de intensidade".

Como era dito a Kissinger, Savimbi estava no terreno (ao contrário de Holden Roberto), o que permitiria a Washington ter mais informações sobre o que se passava em Angola, mas não dispunha de armas nem de homens treinados para combater e muitos estavam a desertar. Nos distritos de Cuando Cubango, Huíla e Cunene, alguns recrutados já tinham abandonado os campos de instrução devido às "precárias condições de vida" neles existentes. Os dirigentes nacionalistas poderiam viver faustosamente em Luanda, mas os soldados continuavam tão miseráveis como dantes. No Novo Redondo, o MPLA conseguira recrutar mancebos com a promessa de lhes pagar oito contos por mês, mas alguns abandonaram logo as fileiras ao aperceberem-se da "deficiência de alimentação e de outros meios". Os CIM [Centro de Instrução Militar] da FNLA não eram mais abastados: no de Quiende, o "rancho" era simplesmente um cacho de bananas.

Ainda a CND [Comissão Nacional de Defesa - de Angola] não se pronunciara sobre a atribuição dos quartéis desocupados pelas FAP e já "o clima de desconfiança" entre os Movimentos suscitara "a corrida à sua ocupação ilegal, originando situações de confronto". Em Silva Porto, por exemplo, por causa "do aquartelamento General Machado", as relações entre o ELNA e as FAPLA estavam "agitadas e quase a chegar a vias de facto". Eram disputadas instalações e quartéis devolutos; homens e armas, a maioria roubada dos paióis do Exército e dos depósitos das forças de vigilância. No Cunene, a FNLA ocupara o Campo de São Nicolau: a tentativa do MPLA para os desalojar resultou em "dois mortos e dois feridos". A FNLA antecipara-se, mas por "o MPLA ter idêntica intenção" ambos aguardavam reforços e receava-se que o conflito alastrasse.








Em Cabinda, no fim de Fevereiro um helicóptero português ainda foi alvejado pelas FAPLA com uma bazuca e armas automáticas. Não foi atingido, mas o caso foi referido pelo Alto-Comissário na reunião da CND como exemplo das arbitrariedades que continuavam a ser cometidas. Também a bandeira portuguesa merecia que lhe fosse prestada "uma atitude respeitosa" e as "honras que lhe eram devidas" durante as cerimónias oficiais, afirmou. Além disso, embora tivesse sido decidido que a recolha de armas da OPVDCA ficaria a cargo das FAP, inúmeros armazéns da Organização tinham sido assaltados. No da Ganda (em Benguela) fora roubada "uma apreciável quantidade de armamento". Nos depósitos estavam "cerca de 70.000 armas" e a manterem-se "as acções ilegais" de roubo em massa, em breve, perder-se-ia "qualquer hipótese de controlo" das mesmas. Andavam a roubar o armamento destinado ao futuro Exército angolano, ao qual as FAP deixariam também meios aéreos e marítimos, embora nem todos operacionais. Das oito Lanchas de Fiscalização Grandes o governo de Luanda deveria aproveitar as cinco "em melhor estado", sugeriu o comodoro. Os angolanos concordaram. Ficariam com os 28 navios disponibilizados e dispensavam as três lanchas avariadas. A Força Aérea entregaria os "Dornier (21 dos quais ainda estavam a voar); os Dakota (quatro operacionais e dois em reparação); os Beechcraft, todos os T6-Harvard e os Auster". E seis helicópteros (Alouettes III e Nord Atlas). Seria também cedida uma base aérea em Cabinda e as já desactivadas no Cazombo, Santa Eulália e Camachilo, além da unidade de Toto. Em breve poderiam utilizar a base do Luso e o aeródromo de Serpa Pinto, preparado para a "aterragem de qualquer tipo de avião"».

Alexandra Marques («Segredos da Descolonização de Angola»).


«Cada africano que trabalhe com o branco deve ser falso, para lhe mostrar uma boa cara mas com um coração infiel. Quando, em cada canto de Angola, houver um africano pronto a morrer, pronto a trair o branco, então estaremos próximos da vitória».

Jonas Malheiro Savimbi (in Dalila Cabrita Mateus, «A PIDE/DGS na Guerra Colonial - 1961-1974»).


«P - A DGS [Direcção Geral de Segurança] sabia que o 25 de Abril se ia dar?

R - Claro que sabia! Quando se deu o 25 de Abril, já não era da Polícia. Mas não me venham cá convencer de que isto foi uma revolução do povo, porque não foi, não engulo isso. Tenho falado com o Cardoso e com outros que conheci, até com oficiais do Exército. E todos dizem que isto foi planeado, sabe para quê? Para entrarmos na CEE.

P - Acha que foi essa a razão?

R - Claro. O Marcello Caetano tentou entrar e não conseguiu, chegou a ir a Londres para tentar entrar para a CEE e não conseguiu, porque o país tinha de ser uma democracia, não podia ter colónias, compreende? Isto para os angolanos foi ouro que caiu do céu, aliás o terrorismo em Angola estava vencido.

P- Está convencido disso?

R - Ah, sim! Sem dúvida»

Entrevista a João dos Reis Pestana Pau Branco (in Dalila Cabrita Mateus, «Memórias do Colonialismo e da Guerra»).


«No livro “O Fim do Império. Memória de um Soldado Português”, a propósito do 7 de Setembro e da população branca e negra que participou deste movimento, Ribeiro Cardoso usa adjectivos como “nave de loucos”, “insanidade criminosa”, “gabarolas com microfones na mão”. Já Henrique Terreiro Galha, em “Descolonização e Independência em Moçambique”, dedica o seu livro “em Homenagem e à Memória dos homens e das mulheres e crianças que foram chacinados em Lourenço Marques em 9 e 10 de Setembro de 1974, dos milhares de vítimas torturadas e mortas nas prisões e nos ‘campos de reeducação’ de Moçambique após a assinatura do acordo de Lusaka , antes e depois da independência”. Em entrevista à RTP, Melo Antunes, em Julho de 1999, pouco antes de morrer, afirmou: “Muitos responsáveis políticos portugueses têm dito que a descolonização foi a que era possível. Acho que não é assim. Considero que a descolonização foi uma tragédia. Foi uma tragédia a forma como a descolonização acabou por se realizar. Tal como a colonização o foi. Não assumo responsabilidade do que hoje lá se vive. Isso tem a ver com os movimentos e seus líderes. Assumo a responsabilidade das negociações para a descolonização não terem sido conduzidas de modo a evitar situações que acabaram por descambar naquilo que hoje existe nos ex-territórios portugueses africanos.” Há também a declaração do major Manuel Monge, que foi peça importante em determinado momento no MFA: “De facto, a descolonização foi feita na defesa dos interesses políticos e estratégicos da União Soviética, de seus aliados e dos seus movimentos no terreno. Foi contra os interesses de Portugal, dos portugueses residentes nos territórios sob a nossa administração e contra os interesses das suas populações.” O Coronel Pára-Quedista Sigfredo Costa Campos, comandante dos GEP de Moçambique, afirmou: “Prova-o a inequívoca intenção das forças internacionais no pseudo-revolucionário processo de Abril, desencadeado com o objectivo de nos impor o vergonhoso abandono dos territórios africanos, onde, além de termos causado o caos e a destruição, fomos co-responsáveis pela morte de milhares de pessoas. E ainda há quem despudoradamente afirme que a revolução de Abril foi uma revolução sem sangue”. No discurso de posse do Governador Geral de Moçambique, em 11 de Junho de 1974, Henrique Soares de Melo afirmou: “O que hoje se entende por independência imediata seria a mais gigante negação dos ideais democráticos universalmente aceites e nos quais se inspirou o MFA.” Por fim, no livro “País sem Rumo”, António de Spínola escreve: “A Frelimo estava consciente de que o seu poder residia essencialmente, não nas suas estruturas, mas na traição da esquerda militar portuguesa, disposta a impô-la ao povo moçambicano, proporcionando-lhe a organização político-militar que nunca conseguiria alcançar antes do 25 de Abril”».

Entrevista a Pedro Mesquitela








«A entrega de Moçambique dera-se com base numa proposta redigida "pelos dirigentes da Frelimo (Joaquim Chissano e Óscar Monteiro) e por Almeida Costa, na última noite, no seu quarto de hotel com uma garrafa de conhaque". Aliás, Melo Antunes foi quem, efectivamente, delegou em Almeida Costa a tarefa de pôr por escrito a transferência de poderes para a Frelimo prevista e realizada de 7 de Setembro de 1974 a 25 de Junho de 1975».

Miguel Bruno Duarte («O 'Gulag Angolano'»).


«P - A FRELIMO estava muito bem implantada no terreno da guerra. Acha que se não tivesse havido o 25 de Abril...!

R - Ah! Teríamos sido independentes em 1976.

P - Em 1976? Tinham perspectivas disso?

R - De certeza. Mais ou menos em 1976.

P - Acha que Portugal não tinha armas à altura?

R - O problema eram os homens. Homens [fala muito alto]. As pessoas que pegam em armas é o que conta. Não as armas.

P - Mas sabe que se diz que estava prevista uma ajuda a Portugal em armas, armas que iriam...

R - Vamos embora. Vamos embora».

Entrevista a Marcelino dos Santos - fundador e dirigente da FRELIMO (in Dalila Cabrita Mateus, «Memórias do Colonialismo e da Guerra»).


«"Nenhuma ditadura do proletariado pode ser imaginada sem o terror e a violência".

Lenin


Que foi afinal o gonçalvismo?

Quem esteve por detrás das prisões sem culpa formada, das sevícias monstruosas, da conspiração do 25 de Novembro, dos assassinatos a frio, das liquidações morais e físicas de tantos e tantos portugueses? Quem incitou à destruição violenta dos bens nacionais e estrangeiros que hoje o Povo tem que pagar? Quem foram esses "fascistas"?

Quem, sob a sigla de um partido político, continuou a praticar assaltos e roubos, a assassinar agentes da ordem, a fazer declarações odientas, dizendo que o 25 de Abril tinha feito poucas mortes em Portugal?

Quem são, afinal, esses bandoleiros do PRP (BR), que continuam a receber armas e explosivos do estrangeiro (ou dos depósitos internos e das "boas-mãos") que têm tratamento de excepção, mesmo na cadeia; que continuam a ser apoiados por determinadas publicações e até por um certo tipo de "intelectuais" (com conferências de imprensa e tudo...) os quais não vemos lutar pela libertação de outros presos, alguns deles claramente inocentes? Não estarão estes "intelectuais", com o seu apoio, a avalizar e até a impulsionar o terrorismo político (?) dos seus "afilhados"?»

Vera Lagoa («A CAMBADA»).







AUTÓPSIA DO «25 DE ABRIL»


SPÍNOLA FOI UM IDIOTA!


- Apesar de muito avisado, antes e depois do 25 de Abril, comportou-se como um completo ignorante político, destruindo o futuro dos portugueses, diz-nos PIERRE DE VILLEMAREST, de Paris (Entrevista de Fernando Pereira, publicada no «NOVO SÉCULO», de 1/8/1982).


Falar com Villemarest é extremamente difícil. Dividido entre o analista e o escritor político, pouco tempo lhe resta disponível.

Constantemente solicitado para dar pareceres de política internacional, estudioso atento de tudo o que se relaciona com os movimentos políticos conhecidos e os que vão despontando, Villemarest é o que se pode considerar uma «agência» informativa do mundo actual.

Dialogar com Villemarest sobre o panorama político internacional é aliciante, por vezes extremamente confuso.

As suas ideias - para ele certezas - alteram completamente o panorama que julgamos visionar, lançando-nos em conjecturas de antecipação.

Prever situações políticas a prazo, é tarefa relativamente fácil para Villemarest, para ele tudo tem um fim perfeitamente equacionado a médio ou a longo prazo. A antecipação num qualquer esquema é a sua especialidade.

O caso do Ultramar português, bem como a revolução abrilina, estão para ele na sequência da cimeira dos Açores, entre Pompidou, Nixon e Marcello Caetano. Aí foram oferecidos muitos milhões de dólares ao Presidente do Conselho português, em troca da independência dos territórios ultramarinos. Mas a intriga internacional estava em curso e as cobiças capitalistas e marxistas precipitaram-se.

A reunião de Megève foi decisiva. Em 19, 20 e 21 de Abril de 1974, no Hotel du Mont d’Arbois, propriedade de Edmond Rothschild, reuniram-se muitos dos “grandes" da «Trilateral»; participaram entre outros Joseph Luns, Nelson Rockefeller, General Goodpaster, Helmut Schmidt, Giovanni Agnelli, A. Chalandon, enviado por Giscar, E. Faure, Stoleru, enviado por Mitterrand, A. Fontaine e foi tomada a decisão de desencadear a revolução portuguesa de 25 de Abril, anulando ainda a parte atlântica das manobras aeronavais da “Dawn Patrol”, marcadas pela NATO para o dia 26.

Foi assim possível à Marinha de Guerra portuguesa estar em Lisboa no dia 24 de Abril, para assestar os seus canhões, o que, na opinião de alguns, foi decisivo para a demissão do Governo de Marcello Caetano.

Ano e meio mais tarde, Joseph Luns, Secretário-Geral da NATO, reconheceu que a revolução que tinha favorecido, estava dominada pelos comunistas, traindo o mais fiel aliado Atlântico.

Tudo isto foi suficientemente bem explicado por Villemarest na sua História Secreta das Organizações Terroristas, no tomo IV, inteiramente dedicado ao caso português.

Mas foi bastante mais longe na nossa conversa.

Sabíamos que o general tinha consultado Villemarest, bastante antes da revolução, daí a curiosidade natural de procurar saber o que entre ambos se tinha passado.

Villemarest não ficou surpreendido, sabia da nossa curiosidade e não se fez rogado:

Avisei-o do fracasso a que estava destinada a revolução em perspectiva. Eram muitos e vários os quadrantes políticos interessados no desmembramento da última potência colonial. Portugal era o alvo a atingir, morto que estava o dr. Salazar, escolho intransponível, dado o seu inquebrantável nacionalismo. 

Por um lado a «maçonaria africana», por outro lado a «Trilateral» e ainda os comunistas estacionados em Praga. 

Um golpe de estado em Portugal condenava a independência da nação. Bastante antes da data prevista para o «golpe» acedi a um encontro com o general Spínola, a pedido deste, e aí lhe transmiti todos os meus receios. Ele ficou consciente de que condenava o Ultramar português ao ferrete comunista, mas confiava no seu arrogante e impertinente «ego», convencido que não seria ultrapassado pelos seus inferiores. 

Hoje, necessariamente que a classificação a dar-lhe, poderá ser de traidor ou idiota. Prefiro a última, por mais verdadeira.

Mas Villemarest foi bastante mais longe. Conhecedor como é da política internacional e dos múltiplos interesses dos mundialistas da tenebrosa “Trilateral” e da famigerada “Maçonaria”, adiantou ainda:

- Todos sabem que Portugal sem as províncias ultramarinas tem vida difícil e de problemática recuperação. Com o dr. Salazar, e a sua intransigente política nacionalista, era completamente impossível o domínio da África Austral. Salazar era temido pelas grandes potências, pela sua superior visão dos problemas mundiais. Só fomentando uma mudança de regime seria possível vencer o nacionalismo português.

Ver aqui



Escudo de Armas de Moçambique Português




Escudo de Armas da Guiné Portuguesa




Escudo de Armas de Cabo Verde Português




Escudo de Armas de São Tomé e Príncipe Português




Tenho até dúvidas, bastante mesmo, sobre se no pseudo-liberalismo de Marcello Caetano não estaria já o “vírus” da “Maçonaria” e da “Trilateral”. 

É de entender que a «Trilateral» é uma força em expansão, controlada pelos grandes capitalistas da Europa, Japão e Estados Unidos, que não hesitam em pactuar com os comunistas e afins para auferir melhores proventos. 

Daí o verificarem-se enquadramentos de personalidades diversas, credos e convicções políticas.

Neste momento, Japoneses e Americanos lutam pelo domínio da Europa. Apenas é visado o lucro, mesmo que isso implique a perda de dignidade nacional, qualquer que seja. 

Como é evidente isso não está explicitado nos seus «estatutos». 

Especialmente os sindicalistas especializados, têm particular interesse para a «organização».

Conhecem-se casos de mundialistas, nome pomposo que se auto-intitulam, que são incorporados em lugares de Governo, com o fim específico de conhecerem planos de desenvolvimento económico, para depois serem aproveitados pela organização capitalista.

Colocámos a Villemarest a possibilidade de Spínola estar ligado a alguma destas organizações, mas nas listas que são conhecidas o seu nome não figura.

Procurámos ainda saber se existiriam nomes secretos:

- Certamente que existem, como é natural. Mas, numa segunda vez que o general Spínola me procurou, em Paris, no hotel Sheraton, o ridículo ultrapassou tudo o que se possa imaginar. Agora procurava razões para uma possível contra-revolução, já que se sentia suficientemente apoiado.

Vinha rodeado de um mini-exército e de um aparato espantoso, mas incrivelmente ridículo. 

Limitei-me a confirmar tudo o que anteriormente já lhe tinha dito, assegurando-lhe que tinha destruído a nação portuguesa no seu conjunto, entregando à cobiça moscovita as colónias e lançando na miséria e na fome os pobres africanos, impreparados para se assumirem como independentes. 

Para além de tudo isso, destruiu as economias dos milhares de europeus a quem tudo tiraram. 

Hoje, queiram ou não, o mundo ocidental já entendeu que a política do dr. Salazar estava certa. O maior derrotado, para além da infeliz Nação Lusitana, foi o Ocidente!

Reconhece-se o esforço que está sendo feito para a recuperação dos novos Países de expressão portuguesa. Os Estados Unidos têm o petróleo de Angola pago até 1985, pagam ainda aos cubanos a sua guarda, e entretanto negoceiam a sua completa retirada.

Em Moçambique a viragem é igualmente flagrante, só que a resistência cresce vigorosamente.

Indiscutivelmente que a presença dos portugueses em África é uma necessidade, ela confere uma autoridade que não é imposta e é aceite com evidente boa vontade pelos naturais, para quem os portugueses de forma alguma são estranhos.

Os portugueses não foram colonos, foram civilizadores, na melhor expressão da palavra.

Muito e muito mais falou Villemarest, uma autêntica «enciclopédia» de política internacional.

Fala apaixonadamente, como estudioso profundo dos temas que aborda.

É um conhecedor perfeito do que se vai passando no conturbado mundo de hoje. Para além da temática político-económica muito mais nos avançou, será tema para outra oportunidade.

Um dia, esperamos breve, daremos aos leitores uma análise do que Villemarest pensa do que será o futuro que nos espera.

Mas existem possibilidades de uma terceira guerra?

Ele sorriu, falou demoradamente dos múltiplos interesses industriais do Ocidente localizados em países de Leste, teceu muitas conjecturas mas não deu qualquer resposta.

O fantasma de uma terceira guerra, provocada pelos países do Pacto de Varsóvia, ainda só existe nos livros de ficção.



Emblema do Pacto de Varsóvia. No círculo lê-se. "União da Paz e do Socialismo".






A retaguarda imediata da primeira linha das forças daquele Pacto é composta por homens e mulheres ansiosos de se libertarem do ferrete comunista. Daí a quase certeza de serem potenciais aliados anticomunistas.

Paris, Julho de 1982.

Fernando Pereira.







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