quarta-feira, 26 de abril de 2017

A Dança da Morte

Escrito por Miguel Bruno Duarte






«Morrer faz parte de viver. Não se pode amar sem morrer – morrer para tudo o que não é amor, morrer para todos os ideais que são a projecção dos nossos próprios desejos, morrer para todo o passado, para a experiência acumulada – de modo a podermos saber o que o amor significa, e portanto o que significa viver...». 

Jiddu Krishnamurti («O Voo da Águia»). 



Na Califórnia, Estados Unidos, vem ao mundo, a 27 de Setembro de 1940, no hospital chinês de São Francisco (Chinatown), Lee Jun-Fan, conhecido posteriormente pelo nome artístico de Li Xiaolong, que significa «Pequeno Dragão» (1). Em termos astrológicos, augurava-se-lhe vida longa e próspera por ter nascido no Ano do Dragão. Porém, do ponto de vista da duração terrena, o destino revelar-se-ia surpreendentemente funesto e desditoso, já que, correndo o ano de 1973, os tablóides de Hong Kong anunciavam, perante um mundo atónito, a morte de uma «estrela» em portentosa e vertiginosa ascensão.

Não vamos aqui enveredar pelas bizarras circunstâncias que envolveram a sua inesperada morte. Procuremos, em vez disso, desvendar até que ponto Bruce Lee, perante o mecanicismo científico da Europa moderna, vira no Taoísmo o que a física atómica de Einstein, Planck, Whitehead e Jeans pareciam já aparentemente confirmar: a concepção monista do universo. Daí o correspondente recurso ao simbolismo chinês do Yin/Yang e à concomitante identificação entre matéria e energia, naturalmente estranha a definições absolutas relativas ao peso, à extensão, ao tempo, etc. (2).

Bruce Lee começara, pois, por assim realizar uma peculiar percepção do «mundo» por intermédio de uma cultura originária. E é precisamente no âmbito dessa cultura originária enraizada no Oriente, que o Taoísmo aparece profundamente imbuído dos princípios de não-acção (Wu-Wei) e de não-intencionalidade (Wu-Tsin). Aliás, jamais poderiam tais princípios vir a constituir-se em mero reflexo de uma dada cultura situada no espaço e no tempo, por já simplesmente prefigurarem a manifestação de uma ausência presente que, única e intransmissível, resulta somente apreensível por via de um exercício simultâneo de acção e observação, e, nessa medida, não proveniente dos esquemas da concentração analítica.

De resto, é também de salientar a profunda influência espiritual que Jiddu Krishnamurti exercera, de facto, sobre Bruce Lee, pese embora num registo inteiramente distinto daquele frequentemente atribuído a uma autoridade de ordem intelectual, ideológica ou doutrinária. Aliás, Lee sempre fizera particular questão de assinalar que, não obstante ter aberto três escolas de Jun Fan Gung Fu em Seattle, Oakland e Los Angeles (3), o mais importante era não passar a imagem de um «sifu» ou de um mestre detentor de uma nova «verdade», viesse ela na forma de um estilo ou na forma de um sistema de artes marciais com seus discípulos e seguidores. Ora assim vejamos:

«Já não acredito em estilos, isto é, não acredito que haja algo do tipo… a forma de luta chinesa ou a forma de luta japonesa, ou qualquer outra forma de luta. Se os seres humanos tivessem três braços e quatro pernas, então teríamos uma forma diferente de luta. Mas, basicamente, só temos duas mãos e dois pés. Portanto, os estilos tendem não só a separar os homens com as suas doutrinas, como também toda a doutrina acaba por se tornar na verdade última que não é possível alterar… Mas se não tivermos estilos, direis: "Aqui estou eu! Enquanto ser humano, como me poderei exprimir de uma forma total e completa?" Logo, não é necessário criar um estilo, porque o estilo é já uma cristalização que se opõe a um processo de crescimento contínuo» (4).


















Posto isto, a inspiração colhida em J. Krishnamurti não oferece quaisquer dúvidas. Assim, quando Krishnamurti nos diz que a percepção, liberta da experiência, do conhecimento e da memória, é, incondicionalmente, acção, Bruce Lee afirma, por seu turno, que não há combate livre senão quando desaparece o pensamento conceptual; depois, sabido que, para o primeiro, é a desatenção que cria as imagens, para o segundo é a descrição que, extrínseca ao combate, nunca é real; finalmente, quando J. Krishnamurti diz que não se pode amar sem morrer (isto é: morrer, não fisicamente mas psicologicamente – para o passado e para toda a experiência acumulada), o «Pequeno Dragão», repudiando a repetição mecânica do já vivido e experienciado, refere, metaforicamente, que a verdade não tem aurora (5).

Durante a realização do filme Enter the Dragon, chegou a ser rodado um plano que vem ao encontro do supracitado, no qual Bruce Lee, personificando um monge de Shaolin (6), dialoga com o mestre sobre o carácter não-electivo da percepção:


Mestre - Vejo que o teu talento superou o nível físico. Estás preparado para um conhecimento espiritual profundo. Tenho algumas perguntas a fazer-te: qual é a mais alta técnica que pretendes alcançar? 

Lee - Não ter nenhuma técnica. 

Mestre - Muito bem. Em que pensas quando enfrentas o adversário?

Lee - Não existem adversários. 

Mestre - E porquê? 

Lee - Porque a palavra “Eu” não existe. 

Mestre - Continua. 

Lee - Uma boa luta deve ser... como um jogo, mas a sério. Um bom lutador de artes marciais não fica tenso, mas preparado. Não pensa, nem sonha. Fica preparado para o que der e vier. Quando o adversário se expande, contraio-me. Quando ele se contrai, expando-me. Quando surge uma oportunidade... não o atinjo. É ele que se atinge a si próprio. 


Ora, Bruce Lee procurava assim tornar explícita a estrutura da consciência auto-divisora, evasiva e fragmentária enquanto característica intrínseca do pensamento sensorial e psico-noético do Ocidente, especialmente herdeiro dos antigos gregos. Porém, convém notar estarmos perante uma consciência não menos susceptível de ser paradoxalmente surpreendida no Oriente, se, para o efeito, atendermos aos hindus que também, a seu modo, já propendiam a transformar a observação e a audição num processo de imagens e até de ideias (7) sobrepostas ao que verdadeiramente nos é dado presenciar no próprio acto de ver e escutar. Por outras palavras, a interferência sobrevem no pensamento que é tempo, movimento, conflito ou sofrimento presente em todas as civilizações, desde as mais sofisticadas às mais remotas e primordiais.

Por contrapartida, a percepção não-dualista resulta livre de todo e qualquer esforço, motivo, intenção, recompensa e castigo, ganho ou perda, reacção causa-efeito, relação exterior-interior, para assim fluir instantânea e desprovida de toda a ilusão eidética, categorial e imagética. Daí que compreender a realidade, uma vez alcançada a percepção iminente, como diria J. Krishnamurti, equivale a ver uma cobra sem a confundir com uma corda, ou a ver, no nosso mundo interior, como o tempo, enquanto catalizador psicológico produtor de mudança, é uma ilusão inventada pelo pensamento. Não nomear ou verbalizar, não reflectir, analisar ou racionalizar, eis o caminho do não-caminho da verdade silenciosa, posto que totalmente alheia às seduções do pensamento que pensa ver o que enuncia mas ignora «o que é», ou que almeja medir o que não pode ser medido para, no ínterim, agir privado de amor e compaixão quando o «eu» se insinua e aspira dominar todas as coisas cujo perfume lhe é de todo estranho e inexistente.

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O «eu», por um lado, é um movimento do limitado, fragmentado e fragmentável pensamento. Daí a parcialidade da percepção confinada ao que, vulgarmente, se entende por realidade e que não passa de uma construção ou de uma associação de ideias, conceitos e imagens inerentes às particularidades subjectivas do pensamento humano (8). E daí também todas as formas de oposição criadas, inventadas e projectadas ora por intelectuais, filósofos e visionários, ora por gurus, mestres e profetas que postulem metas, ideais e princípios de realização ética, moral e espiritual sobre o bem e o mal, o certo e o errado, a violência e a não-violência e tudo o que indicie oposição relativa, contraditória e absoluta.

O «eu», por outro lado, é essencialmente o mesmo que o todo, uma vez que o individual e o colectivo são apenas produtos nocionais do pensamento. Ora, o pensamento percepciona, sem dúvida, as qualidades, as propriedades e os atributos uma vez focado e concentrado na acção fragmentada e dividida em partes isoladas e aparentemente independentes do observador que se limita a captar objectos, acontecimentos e transformações na ordem do relativo, do contingente e do particular. No entanto, ver o todo é não permanecer fixo nas partes, que não são a soma do todo, muito embora o possam conter tal como a gota do oceano pode potencialmente conter toda a informação acerca do mesmo.

Assim, ao depararmos com uma «coisa», uma árvore, por exemplo, vê-la, observá-la, impele à suspensão de toda e qualquer interferência do pensamento sensorial (9), conceptual e eidético, para, no imediato, podermos apreendê-la como um todo e não como uma apropriação subjectiva e particularizável do tipo: «É a minha árvore ou esta árvore pertence-me». Eis então o princípio do amor que transcende a separação entre o observador e o observado, o eu e o não-eu, o sujeito e o objecto. Demais, o amor não carece de sentimentalismo e emoção, prazer ou desejo (10), porque não pertence ao tempo.

Aliás, quando «amamos não há eu e tu, nós e eles», segundo J. Krishnamurti (11). E, de facto, é de observar o que, em contexto determinado, o mesmo dissera a quem lhe perguntara se o pensamento é um movimento da mente, e se, no mais, a percepção é a acção de uma mente imóvel:

«Como há dias dissemos, o pensamento é a reacção, a resposta da memória, à semelhança de um computador ao qual foram fornecidos dados de toda a espécie. E quando se lhe faz uma pergunta, o que está depositado no computador responde. Do mesmo modo, a mente, o cérebro, é um depósito do passado – a memória -, e quando desafiado, responde, sob a forma de pensamento, de acordo com o seu conhecimento acumulado, a sua experiência, o seu condicionamento, etc... O pensamento é, pois, o movimento, ou, antes, uma parte do movimento da mente e do cérebro.

O nosso interlocutor deseja saber se a percepção é a acção de uma imobilidade da mente. Podeis observar alguma coisa – uma árvore, a vossa mulher, ou marido, o vosso vizinho, o político, o sacerdote, um belo rosto – sem nenhum movimento da mente? As imagens da vossa mulher, do vosso marido, do vosso vizinho, o conhecimento da árvore, ou do prazer, tudo isso interfere, não é verdade? Assim, quando há a interferência de uma imagem de qualquer espécie, subtil ou evidente, não há verdadeira observação, não há uma percepção real, total – só há uma percepção parcial. Para se observar claramente não pode haver interferência de nenhuma imagem entre o observador e a coisa observada. Ao olhardes uma árvore podeis fazê-lo sem os vossos conhecimentos botânicos ou sem o conhecimento do vosso prazer ou desejo referentes a ela? Podeis olhá-la de modo tão completo que o espaço entre vós – o observador – e a coisa observada desapareça? Isso, obviamente, não significa tornar-se a árvore! ...Mas quando desaparece esse espaço, cessa o observador, ficando apenas a coisa observada. Nessa observação há uma percepção muito clara, vê-se a coisa com extraordinária vitalidade, as suas cores, a sua forma, a beleza da folha ou do tronco. Quando não existe o centro do “eu” que está a observar, está-se intimamente em contacto com aquilo que se observa.

Jiddu Krishnamurti





Há um movimento do pensamento que faz parte do cérebro e da mente, quando há um desafio a que o pensamento tem de fazer face. Mas, para se descobrir algo novo, algo nunca antes observado, tem de haver uma atenção intensa, sem nenhum movimento. Isto não é uma coisa misteriosa ou oculta, nem é algo que se tem de praticar durante anos e anos (o que é uma completa insensatez). É algo que realmente acontece quando, entre dois pensamentos, se está a observar.

Sabeis como se descobriu a propulsão a jacto, como é que isso aconteceu? O homem que a descobriu sabia tudo o que havia a saber sobre o motor de combustão, mas estava à procura de um outro método. Para ver, ele tinha de estar em silêncio; se estivesse carregado com todos os conhecimentos sobre o motor de combustão, só encontraria aquilo que tivesse aprendido. O que já se aprendeu deve ficar latente, quieto, então, pode-se descobrir algo novo. Do mesmo modo, para vermos a árvore, a nossa mulher (ou marido), o vizinho, toda a estrutura social – que é desordem – temos de descobrir, em silêncio, uma nova maneira de olhar, e portanto uma nova maneira de viver e de agir» (12).

Entretanto, como doravante veremos, resulta perplexo o facto de J. Krishnamurti, na sua referência ao pensamento enquanto resposta da memória, ter estabelecido uma semelhança com o computador, que tem, como se sabe, uma estrutura binária resultante da abstracção matemática. E que, a par disso, tenha igualmente observado o condicionamento da moral (13) e do próprio acto de aprender à semelhança da ordem matemática:

«Sabendo que a moralidade social não é moral mas imoral, percebemos que temos de ser extraordinariamente morais porque, afinal, moralidade é apenas criar ordem, tanto dentro como fora de cada um de nós; mas esta moralidade deve estar na acção, não sendo uma moralidade baseada em ideias e conceitos, mas em termos de uma conduta verdadeiramente moral.

Será possível disciplinarmo-nos sem repressão, sem controlo, sem fugas? A raiz da palavra “disciplina” é “aprender”, e não conformarmo-nos nem tornarmo-nos discípulos de alguém; não é imitar ou reprimir, mas aprender. O próprio acto de aprender exige disciplina – uma disciplina que não é imposta nem é acomodação a qualquer ideologia, nem é a dura austeridade do monge. Contudo, sem uma profunda austeridade, a nossa conduta diária apenas leva à desordem. Podemos ver como é essencial ter completa ordem dentro de nós, tal como a ordem matemática, que não é relativa, que não é comparativa, nem resulta da influência do meio» (14).

E mais adianta quanto à ordem matemática:

«(...) meditação é, afinal, compreender a vida, a vida de todos os dias, com toda a sua complexidade, aflição, sofrimento, solidão, desespero, medo, inveja, vontade de ser famoso, de ter sucesso – compreender tudo isto é meditação.

Sem essa compreensão, a mera tentativa de um encontro com o mistério é totalmente infrutífera, sem valor. É como uma vida e uma mente em desordem, a tentar chegar à ordem matemática. A meditação tem tudo a ver com a vida; não é um mergulho num qualquer estado emocional e extático. Há um êxtase que não é prazer e que acontece apenas quando em nós próprios há essa ordem matemática, que é total. A meditação é uma maneira de viver, todos os dias – só então aquilo que é imperecível, que não tem tempo, poderá surgir» (15).










Quer dizer: se, por um lado, a matemática parece surgir, no entender de J. Krishnamurti, como algo que contrasta com o conflito, a dor e o sofrimento em que andam e permanecem envolvidos os homens, os povos e as nações do mundo, por outro lado parece ignorar que a matemática, permeável, pela sua evolução histórica, ao pensamento especulativo, não é redutível, por si só, àquilo que faz questão de frisar como o acto de observar pela primeira vez a fim de ver o que realmente acontece. De resto, se a mathesis, em Khrishnamurti, redunda numa ordem sem imagens que contraria os dados da sensitividade e destitui as noções primordiais que, presentes na ciência primitiva e sagrada da aritmologia, transcendem as faculdades tidas por inatas no homem, como explicar então o aparecimento do mundo artificial dos computadores (16), ou o trânsito da matemática para a técnica do cálculo?

Por consequência, da ciência matemática às múltiplas aplicações técnicas, cibernéticas e industriais, vai uma distância a percorrer perante o engenhoso espírito de contradição que, a avaliar pelo seguinte trecho, passara despercebido a J. Krishnamurti:

«[...] viver, amar e morrer são um todo, que consiste em viver, agora, de modo inteiro, não dividido. Há, então, uma acção que não é contraditória, não trazendo, portanto, conflito e sofrimento; há apenas viver, amar e morrer, que em si mesmos são acção. Essa acção é ordem, integridade. E se vivermos dessa maneira – como precisamos de viver, não ocasionalmente, em raros momentos, mas constantemente, todos os dias – teremos ordem na sociedade, haverá união entre os homens, e os governos serão exercidos com base em computadores, e não pelos políticos, com as suas ambições e condicionamentos pessoais. Assim, viver é amar e morrer» (17).

No fundo, a sociedade, sendo um composto de partes e encerrando um conjunto de interesses infindáveis, manifestará sempre no seu seio latentes preconceitos de classe, guerras, divisões políticas e religiosas, medo, ansiedade, solidão, enfim, tudo o que a criatura humana, por experiência própria, sente num mundo dominado e, por vezes, impregnado de conflitos e contrariedades de toda a espécie. Isso, porém, não significa que nos resignemos a viver num ambiente que nos seja política, social e moralmente adverso, ou sequer mesmo sob um sistema de educação que, aviltando e desprezando o ser humano, destrua as faculdades psico-espirituais concedidas, dotadas e agraciadas por Deus. E também não significa depositar na tecnologia (18) a panaceia dos males que afligem e atormentam a humanidade dolorida.

Entrementes, não foi, pois, por acaso que, com base numa série de documentários realizados pelo activista Peter Joseph, se fundou, em 2008, O Movimento Zeitgeist. Como tal, encontra-se disponível uma trilogia (2007, 2008 e 2011) em que o termo alemão Zeitgeist aparece definido como o «espírito do nosso tempo», através do qual se procura projectar uma mudança de paradigma baseada em métodos exclusivamente científicos e tecnológicos para pôr fim às instituições políticas, económicas e religiosas da actualidade. Por outras palavras, The Zeitgeist Movement inspira-se no Venus Project fundado por Jacque Fresco e Roxanne Meadows, por via do qual se alega que todos os males da sociedade – pobreza, crimes, corrupção, guerras, poluição, etc. – resultariam de uma «economia monetária» em detrimento de uma «economia de recursos» projectada para a eficiência, a abundância e a sustentabilidade da comunidade humana.

Nisto, trata-se de mais um plano global urdido por um movimento que, absorto no lema de que «a ciência e a tecnologia se definem como a divindade em acção», garante solucionar, vencer e ultrapassar todo o tipo de privações e necessidades da população humana, abolindo, para o efeito, todas as condições políticas e sócio-económicas que incrementam o lucro, legitimam a propriedade e estimulam a competição desenfreada pelo poder e pelos recursos disponíveis à face da terra. Ora, a humanidade já se encontra, de facto, perante uma clara centralização do poder político, económico e cultural para que cedamos à tentação de uma nova civilização com base num processo não menos centralista e tecnocrático da existência humana, e, portanto, largamente consagrado à supressão da dimensão religiosa para, desse modo, assegurar a sociedade cibernética que dispensará toda e qualquer legislação, exército, profissão, polícia, nação e Estado. Depois, é de notar que O Movimento Zeitgeist, na qualidade de braço activista do Venus Project, está organizado por Capítulos e Sub-Capítulos na ordem internacional, nacional e regional.


De resto, a primeira parte do documentário que tem por título Zeitgeist, the Movie (2007), é um ataque directo ao cristianismo com base no livro de “Acharya S”, intitulado The Christ Conspiracy, The Greatest Story Ever Told (1999). O conteúdo consiste, pois, no seguinte: Jesus Cristo – e, por extensão, a Cristandade – é apenas uma construção artificial e conspiratória baseada em elementos astronómicos e cosmológicos derivados de religiões mais antigas que Roma levou a cabo para controlar tais religiões e outras escolas de mistérios e sociedades secretas. Os títulos de alguns capítulos podem, aliás, falar por si: «O Filho de Deus é o Filho do Sol»; «Os Discípulos [de Cristo] são os Signos do Zodíaco»; «Os Patriarcas e os Santos são Deuses de outras Culturas»; «Bíblia, Sexo e Drogas».

Deste modo, dir-se-ia que um tão insólito ataque desferido contra o cristianismo, ou mais propriamente contra a Igreja Católica, é como que o corolário materialista de certos movimentos de índole ocultista, mística e teosófica proponentes de uma nova religião, quando não mesmo de um evangelho universal em que a exaltação da paz e do amor se traduziriam no fim da ignorância, da guerra, da opressão e das desigualdades entre os homens. Ora, aqui sobressai o caso da teosofia exposta e propalada por Helena P. Blavatsky, na sequência de quem se tornaria possível a concessão de subsídios a igrejas progressistas e à criação de escolas e seitas que impulsionariam uma série infindável de movimentos, entre os quais o da Wiccae e o da New Age. De resto, o testemunho de Manuel Guerra não nos deixa mentir:

«[...] Não é fácil detectar a influência “invisível” da maçonaria exercida através das seitas que, de alguma maneira, a ela se encontram vinculadas. Pensemos, por exemplo, no esoterismo teosófico como factor promotor e determinante da difusão do budismo no Ocidente desde 1875 (fundação da primeira Theosophical Society) até 1962, início de outra vaga, a da New Age ou Nova Era. O casal formado pela russa Helena P. Blavatsky e pelo coronel norte-americano Henry Steel Olcott (fundadores da Sociedade Teosófica) era mação e dedicava-se ao espiritismo e ao ocultismo. Foram os primeiros ocidentais a “tomar o triplo Refúgio”, o rito oficial de integração no budismo, a 25 de Maio de 1880, no Sri Lanka (Ceilão). E defrontaram desde logo as missões cristãs, maioritariamente anglicanas por influência do colonialismo inglês. Formaram um comité de defesa do budismo que, em 1881, publicou um catecismo budista a imitar o catecismo cristão e destinado a substituí-lo. Quando o Governo nacionalizou o ensino, a Sociedade Teosófica já possuía mais de 400 escolas na região. Os mações, por seu turno, pelo menos como tendência generalizada por parte de muitas sociedades teosóficas e mesmo fora delas, promoveram a expansão do budismo no Ocidente. E não disfarçaram a razão deste procedimento. A maçonaria considera que o budismo é a religião com crenças e práticas mais afins ao que é “comum a todas as religiões”, aquilo que poderia ser ensinado nas escolas em vez de “uma determinada religião”. Pensam que a maçonaria está acima de todas as religiões e que – mais do que uma religião – é a “religião universal, eterna e imutável” (A. Pike). É necessário um certo treino para descobrir o elemento maçónico na origem e no reticulado da New Age, ou “Nova Era”, que, em grande medida, está a conformar as crenças e as práticas do homem ocidental, assim como a opinião pública. Alguns mações reconheceram que bastantes lojas maçónicas da costa californiana (nos Estados Unidos) apoiaram os primeiros passos da New Age em torno de um dos seus principais berços: o Instituto Esalen, localizado em Big Sur, na Califórnia. Um dos mais decisivos introdutores da Nova Era em Espanha por volta de 1990 foi o mação Blaschke, prémio nacional de Jornalismo em 1987 e co-autor do livro La Caída del Imperio del Vaticano (Robinbook, 1992), de uma tendenciosidade evidente e até agressiva contra a Igreja Católica» (19).

E mais adiante, prossegue Manuel Guerra:

«[...] O Instituto RAND, fundado por Rockefeller, e o Instituto Tavistock (com sede em Londres e 10 instituições sob o seu controlo directo, com 400 sucursais e 3000 grupos de estudo), financiado por Rockefeller, “têm um único objectivo: acabar com a força (resistência) psicológica do indivíduo e torná-lo incapaz de se opor aos ditames da Ordem Mundial”. Nelson, por seu lado, pode ser considerado o representante da instrumentalização das religiões e das seitas ao serviço do imperialismo norte-americano e contra a Igreja Católica. Depois de ter percorrido a América do Sul, elaborou um relatório, conhecido pelo seu apelido, que apresentou ao Presidente Nixon em 1969. A Fundação Rockefeller, ardente defensora do controlo da natalidade por meio da contracepção e da esterilização, investiu somas avultadas no planeamento familiar em Nova Iorque e em todo o mundo, embora também as tenha recuperado com o lucro da venda de pílulas contraceptivas, agora também abortivas na sua maioria. Controla grande parte dos produtos contraceptivos (com as empresas Upjohn, Dalkon, Shield, Robins e Xeros). A Fundação Rockefeller financia o Summer Institute of Linguistics, os Catholics for a Free Choice, a AMORC (“Antiga Ordem da Rosa-Cruz”), fundada por Harvey Spencer Lewis, membro da maçonaria egípcia (Memphis-Misraïm) e do martinismo, bispo da Milícia Crucífera Evangélica e da Igreja da Rosa-Cruz. No “Catecismo 34” da Loja Rockefeller fala-se com despeito dos “latinos” ou “ibero-americanos”, tanto pela sua ascendência hispânica como especialmente asteca, maia, etc. “Estamos à beira de uma transformação global. A única coisa de que precisamos é de uma grande crise e as nações aceitarão a Nova Ordem Mundial” (David Rockefeller no jantar dos embaixadores das Nações Unidas)...» (20).









































Ora, retomando a questão tecnológica, é um facto de que novas formas de consciência estão sendo descobertas e avaliadas a partir de ondas electromagnéticas, raios gama e ultravioletas, bem como através de toda uma série de formas energéticas que subjazem a tudo o que o homem consegue percepcionar como sendo o mundo físico constituído por objectos sólidos e espácio-temporalmente distintos entre si. Enfim, todo o mundo físico e material humanamente perceptível passa agora a ser entendido como um subconjunto quântico capaz de explicar a ilusão do mundo em que vivemos pelo recurso a frequências electromagnéticas, hologramas e potentes microscópios capazes de apreender as partículas subatómicas de que os átomos parecem ser nuclearmente constituídos.

Contudo, não obstante os progressos da tecnologia que estão sendo, infelizmente, subcanalizados para a centralização económica, política e cultural do mundo hodierno, a verdade é que o problema da percepção humana não tem equivalente perante o Mistério da Encarnação de Cristo e o que nesse mesmo Mistério se implica quanto à própria Ressurreição e Redenção da criatura espiritual que é o homem. Logo, à luz transfiguradora de Jesus Cristo – Filho Unigénito, consubstancial ao Pai segundo a divindade, consubstancial a nós segundo a humanidade – ficamos a saber que o universo não é propriamente uma ilusão, nem muito menos uma criação tecnológica, mas uma dádiva do Poder e da Misericórdia de Deus que se faz infinitamente presente em todas as esferas da Criação Divina. Em suma: Deus é Amor que sustenta e permite mover, ponto por ponto, instante a instante, toda e qualquer percepção ou saber que tenhamos das substâncias de que o universo é infinitamente composto (21).

Porém, se Jesus Cristo é, na Tradição Apostólica Romana, o único Mestre interior por excelência, já em Krishnamurti cada um de nós deve ser o mestre e discípulo de si próprio, na medida em que, no melhor dos mundos, não há lugar para a autoridade mas apenas para a inteligência desprendida de ilusões. Não há, portanto, muros construídos à nossa volta, pois isso equivale a controlar o pensamento e a concentrarmo-nos numa ideia de modo a protegermos um princípio, um conceito ou uma imagem. Daí a tendência generalizada para construirmos ou, porventura, distorcermos a imagem do outro centrada na relação mesmidade-alteridade, a fim de predominarem as imagens em detrimento da observação directa propriamente dita.

Logo, no relacionamento com o mundo e pessoa a pessoa, o que prepondera são as imagens. E quando nos prendemos a imagens formam-se, naturalmente, os pre-conceitos. De sorte que Krishnamurti pergunta então: qual o mecanismo que constrói a imagem que nos leva a ver, em termos de pensamento, o conceito que fazemos das pessoas, das árvores e de tudo o mais? E a resposta, a seu ver, reside na desatenção.

Será, pois, caso para dizer que todos nós podemos, eventualmente, ser vítimas das «nossas» ilusões, a começar pelas de ordem óptica, um pouco à semelhança das imagens hipnóticas e alucinatórias sugeridas pelos espelhos, ou pelos reflexos na água, pelos cristais e até mesmo pelos painéis e ecrãs digitais de múltiplas e variegadas dimensões (22). Curiosamente, sobre a ilusão imagética com base na adivinhação pelos espelhos, atente-se no seguinte trecho:

«A captromancia, adivinhação pelos espelhos, e as suas derivadas, a cristalomancia, a mesma actividade exercida com um pedaço de cristal, e de hidromancia, utilizando os reflexos da água na superfície de uma bacia ou através de um recipiente transparente, foram usadas a partir da Idade Média de uma forma diferente da Antiguidade.

[...] Gian-Battista della Porta, na sua Magie naturelle, descreveu numerosos meios de criar ilusões de óptica maravilhosas. Deu todas as instruções necessárias para cortar, estanhar, polir e dispor espelhos onde uma pessoa fica reflectida de cabeça para baixo; onde ela se pode ver entrar e sair no mesmo instante; onde a mínima coisa parecerá multiplicada vinte vezes; onde um espectáculo que se passa no exterior, longe, se achará subitamente reflectido. Porta indicou o espelho côncavo ampliador, que “mostrará um dedo grande como o braço”, ou duplicador “no qual se terão dois rostos e quatro olhos”; o espelho esférico ou cilíndrico, cujo reflexo parece afastar-se e avançar: “Se alguém apresentar o punho por detrás, enquanto o espectador olha, esse mesmo observador é atingido por um murro, de tal forma que terá medo e afastará o rosto” (23). Porta ensinou como compor um espelho “de tal forma que uma pessoa que se olhe nele não se verá, antes verá a figura de uma outra coisa ou de um outro homem” (24); não havia nenhuma feitiçaria por detrás, bastava um quadro em escala real, escondido, e um segundo espelho inclinado. Assim, o mágico do Renascimento usava este género de técnicas para fazer nascer fantasmagorias sob os olhos dos seus clientes supersticiosos, que as julgavam devidas às fórmulas incompreensíveis que ele resmoneava» (25).












Orson Wells





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Aliás, durante a rodagem do filme Enter the Dragon, Robert Clouse e sua mulher quiseram incluir a cena do compartimento espelhado que não estava originalmente prevista no guião do filme. Esta cena, contracenada por Bruce Lee e Shih Kien, implicou, portanto, um montante adicional de $8,000 para custear a totalidade dos espelhos. De resto, tudo fora disposto para que, perante o movimento do actor, os reflexos e as luzes, se criassem as condições necessárias para ocultar a câmara na sequência final do filme. Quando finalmente se apresentou o compartimento espelhado a Bruce Lee, a sua aversão fora tal que quase ameaçou estorvar as relações entre o protagonista e o realizador do filme.

É que, numa instante quão inesperada impressão decorrente da insólita configuração de espelhos, qualquer movimento marcial surtia ridículo por não reflectir as distâncias correctas e apropriadas da realidade vivida. Contudo, Robert Clouse acabou por explicar o que já havia testado durante ensaios efectuados numa altura em que Bruce Lee recuperava de uma lesão na virilha, persuadindo assim o «Pequeno Dragão» a levar avante uma cena condigna de um jogo de espelhos (26).

Enfim, já depois de concretizada a cena e após o regresso do realizador e da equipa produtora (27) a Los Angeles, Bruce Lee quedara de tal modo entusiasmado com a ilusão provocada pelos 8.000 espelhos, que não se coibira de, durante mais duas semanas, continuar a filmar, com uma equipa da Golden Harvest, cenas e movimentos para usufruto próprio.

Mas o que é paradoxal, em tudo isto, é o perfeccionismo que Bruce Lee depositara na realização do seu primeiro filme de projecção internacional, e a que não faltara, certamente, um orçamento considerável. Ou seja: entre a intensidade que marcara o «Pequeno Dragão» na rodagem d’Enter the Dragon e o que publicamente pregava sobre a fluidez e o relaxamento no plano existencial, ia uma denodada distância manifesta na sua crescente agitação e nervosismo rumo ao estrelato internacional. E tanto assim fora que, convicto do seu sucesso cinematográfico, até encomendara um Rolls-Royce Carniche.

De resto, convém não esquecer que Bruce Lee tornara-se bastante conhecido no Extremo Oriente, nomeadamente após o seu regresso a Hong Kong para protagonizar os filmes que dele fariam um sucesso mundial de bilheteira entre caucasianos, afro-americanos, hispânicos, outros mais. Em Hong Kong, as multidões cercavam-no e chamavam-lhe Li Xiaolong. E dado que inúmeros desafios e ameaças surgiram na sequência do filme Fist of Fury, o «Pequeno Dragão», ainda que discretamente, adoptara como guarda-costas Bob Baker, com quem, aliás, ali contracenara num estilo coreográfico marcial inolvidável.

Em virtude do seu sucesso em Singapura, sessões houve que tiveram de ser canceladas devido aos enormes engarrafamentos nas imediações do cinema. Consecutivamente, tudo isto contribuiu para que Bruce Lee indiciasse cada vez mais um comportamento paranóico, por achar que todos se queriam aproveitar dele. E, de facto, tornara-se arrogante, gritava com as pessoas, empurrava-as e ameaçava-as a ponto de manifestar uma personalidade agressiva e violenta como, aliás, não poucas vezes assim o reconhecera. Além disso, dizia o que pensava e ofendera muita gente, sobretudo no âmbito da comunicação social.

Bruce Lee também conquistara muitos inimigos por querer revolucionar a indústria cinematográfica de Hong Kong, tornando-se, pois, numa ameaça intolerável num mundo particularmente dominado por costumes asiáticos. Não se conhece, de um modo geral, o envolvimento de Bruce Lee com elementos criminosos do submundo asiático, embora, no que se reporta a Hong Kong, seja de supor não ter podido evitá-lo em virtude do seu enorme sucesso. Aliás, semelhante fenómeno aparece na indústria cinematográfica americana, uma vez considerada a presença não menos eficaz e poderosa da máfia.


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É, por outro lado, sabido que Bruce Lee, devido ao seu nervosismo, começara por não aparecer aquando das filmagens d’Enter the Dragon, sendo até difícil encontrá-lo nas primeiras semanas. Mas uma vez presente, trabalhava afincadamente nas cenas de luta, registava a coreografia em papel mediante figuras que engenhosa e habilmente desenhava, enfim, parecia que não dormia a ponto de, pela madrugada, telefonar ao realizador para informar que tinha novas ideias para o guião, que urgia discutir num restaurante local.

Dir-se-ia ainda que o perfeccionismo do «Pequeno Dragão» fazia dele um verdadeiro Dr. Jekyl e Mr. Hyde. Durante as filmagens d’Enter the Dragon, era constantemente desafiado, e, conforme os depoimentos de algumas testemunhas oculares, limpava literalmente o chão com alguns dos figurantes que o desafiavam cruzando os braços ou batendo três vezes o pé no chão. A resposta não se fazia esperar, com Li Xiaolong avançando na sua direcção para, acto contínuo, deixá-los inconscientes.

Um desses depoimentos em primeira mão é o de Bob Wall, um dos personagens-vilão em Enter the Dragon (28). Assim, diz-nos ele que um tipo de grande estatura saltou do muro, tornando-se imeditamente claro de que era forte e rápido, com a intenção de magoar o protagonista do filme. Entretanto, Bruce Lee, sem hesitar, atacou-o, desancando-o a sério com uma bela surra. Atirou-o contra o muro de onde o desafiante tinha saltado, para o neutralizar com o braço e com o joelho, deixando-lhe a cara bastante ensanguentada. Mostrou-lhe assim quem mandava. E quando o largou, o tipo não quis mais nada. Bruce deixou a coisa passar e disse: «Volta lá para cima». E, de facto, nem sequer o despediu por não ser vingativo, mostrando-lhe tão-só quem ali mandava. Em suma: Bruce Lee era um grande lutador de rua.

Por seu turno, e no mesmo documentário, diz-nos Paul Heller que nas ruas de Hong Kong parecia o tiroteio do O.K. Corral, posto que os homens abordavam-no e, batendo o pé, desafiavam-no. Na maioria dos casos, Bruce Lee, ciente da sua inata superioridade, ignorava-os, virando-lhes simplesmente as costas. Mas às vezes não era possível fazê-lo, havendo quem se magoasse a sério. Eram, ao fim e ao cabo, encontros agressivos e contundentes.

Paul Heller adianta ainda que Bruce Lee era, perante todos os possíveis e eventuais desafiantes, o mais dotado por ser incrivelmente rápido e dispor, inclusivamente, de reflexos extraordinários dificílimos de igualar (29). Contudo, Li Xiaolong, como toda a criatura humana, não estava imune à possibilidade de se tornar vítima de suas próprias ilusões por contraste à natureza primordial una, plena e informal reflectida na multiplicidade de espelhos do mundo físico. Nesta última acepção, é como se estivéssemos perante um espelho (30) que tudo reflecte sem diferenciar isto ou aquilo, tal como acontece com o praticante de artes marciais que, na limpidez do espelho da sua «mente», não se esforça por discriminar o certo e o errado, o correcto e o incorrecto, para, no meio termo, agir com desapego e rectidão.

Agora, talvez melhor se explique o que, na verdade, originara a perplexidade de Bruce Lee ao confrontar-se, na rodagem d’Enter the Dragon, com um surpreendente e insólito jogo de espelhos. E, de facto, tudo começara com a ilusão descontínua proveniente de imagens reflectidas em espelhos que não correspondiam aos movimentos e distâncias da realidade vivida e experienciada, num transe que podia, aliás, propiciar a transformação dos sentidos em imagens numa escala transitiva operada entre a fantasia, a imaginação e a alucinação. Daí, pois, a impressão caleidoscópica característica de uma fragmentação contrária à fluidez dos movimentos de ataque e defesa, ou de expansão e contracção entre dois adversários.

Porém, para além destes aspectos relativos a emoções, desejos e pensamentos captados no mundo da «imaginação caleidoscópica», cabe-nos intuir o que, porventura, mais profundamente despontara no espírito do «Pequeno Dragão» acerca da «reflexão» produzida em tão peculiares circunstâncias. Ora, num primeiro relance, atentemos na capacidade da «mente» em reflectir todo e qualquer objecto sem, para o efeito, cair na ilusão de que existe separabilidade, isolamento e conservação em tudo o que se afigura real. Aliás, é nesta esfera não-intelectiva e destituída de influxo abstractivo que Li Xiaolong justamente recorre às palavras de Chuang-tzu:

«O bebé olha para as coisas durante todo o dia sem pestanejar, porque os seus olhos não estão focalizados em nenhum objecto particular. Ele anda sem saber para onde vai, e suspende a marcha sem saber o que faz. Funde-se com que o rodeia e age de pleno acordo com isso. Estes são os princípios da higiene mental» (31).






Logo, é na sequência das palavras do discípulo de Lao-tzu que, à semelhança da luz incidente e da luz difusa, haveremos de distinguir entre visão central e visão periférica. Assim, ao passo que a visão central se caracteriza pelo seu foco linear e directo como se de um raio intenso se tratasse, a visão periférica, menos brilhante e operando indirectamente sobre fenómenos circundantes, caracteriza-se, por analogia, com o «subconsciente» nocturno e lunar susceptível de simultaneamente abranger um vasto e diversificado leque de «objectos». Daí que, por vezes, a visão periférica decorra mais eficazmente do que a visão central, conquanto naturalmente mais descontraída e, nessa medida, subtraída a toda a tentativa de fixar, definir e delinear os contornos dos objectos que só aparentemente surgem como independentes ou separados entre si.

De resto, é a percepção totalizante, em sua obscura sublimidade, o que realmente perdura quando entram parcialmente em jogo recordações e acontecimentos passados que fazem parte integrante da identidade de uma pessoa que os selecciona, simboliza e generaliza segundo fórmulas convencionais e abstractas do pensamento representacional. Decerto, tal se explica porque as nossas representações e as nossas experiências recortam apenas fragmentos de uma «teia» universal que nos escapa sob a forma condicionante dos cinco sentidos. Por conseguinte, limitamo-nos a percepcionar formas de energia e luz codificadas em virtude do modo como a nossa capacidade perceptiva permite registar, sentir e visualizar as manifestações espácio-temporais de um universo em constante vibração (32) informacional.

Dir-se-ia assim que as fotografias, as transmissões televisivas e as películas cinematográficas são também casos notáveis a considerar (33), dada a possibilidade de captarem pequenas porções de infindáveis frequências que mais profunda e infinitamente atravessam o universo que nos rodeia, informa e conecta. Aliás, o que compõe um filme é apenas o resultado de uma série intervalada de fotogramas individuais, pelo que a velocidade imprimida e projectada numa tela de cinema é o que permite explicar a não-captação sensorial da descontinuidade fotogrâmica. E não é por acaso que, no que especialmente concerne aos sinogramas, toda a sua combinação releve de uma percepção holística propriamente dita.

Destarte, não obstante os chineses terem, por exemplo, criado caracteres para exprimir «bom» e «mau», «curto» e «longo», é-lhes, no entanto, possível formar, mediante a sua combinação, as respectivas noções de «qualidade» e de «extensão» (34). Além disso, os chineses, na sua forma de ser, dispõem da possibilidade de captar a interdependência e a complementaridade de duas ou mais forças para alcançar a unidade plena e indivisível, sem, para isso, terem de recorrer ao género, ao modo, ao tempo, à voz e ao número. Aclarando, Li Xiaolong aludira, inclusivamente, à diferença decisiva entre o sistema de escrita chinesa e algumas das línguas que mais têm moldado o mundo ocidental, tais como o latim e o francês cuja gramática, cada qual em suas distintas e complexas nuances, denota um modo completamente diferente de pensar (35).

Em todo o caso, diz-nos ainda o «Pequeno Dragão» que os chineses também já haviam, no âmbito da sua escrita, cultivado uma complexidade semelhante numa época remota da sua existência milenar. Daí, no Império do Meio, o sentido atribuído à simplificação da estrutura e da construção ideográfica nos seguintes termos: «Mais vale mostrar uma vez, do que descrever cem vezes». E daí também o facto de Bruce Lee, na derradeira e épica cena d’Enter the Dragon, ter partido os espelhos como quem aspira a libertar-se de imagens e representações provindas de pensamentos ilusórios.

Ora, o quebrar dos espelhos não significa necessariamente a exclusão da reflexão, mas somente o expediente encontrado para evitar a fragmentação da realidade e do movimento cotidianamente vivido e experienciado. Ou seja: o espelho inutilizado não mais produzirá a refracção indefinida e multímoda implicada no dualismo do pensamento e da acção, pelo que assim cessam as projecções artificiais que frequentemente distorcem a acção da inteligência. De resto, oportuno é relembrar que nem a água procura reflectir as coisas circundantes, nem, na sua ausência, poderá alguma vez ocorrer a reflexão da Lua.





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Entretanto, já antes de se lançar na co-produção d’Enter the Dragon, Bruce Lee começara as filmagens de Game of Death, no declarado intuito de dar a conhecer a sua visão filosófica das artes marciais. Tratava-se, portanto, de um «filme multinível» em que Lee chegara a executar o trabalho de oito pessoas, visto, por um lado, ser o realizador, o produtor, o coreógrafo e o autor do argumento, e, por outro, participar na cenografia, na cinematografia e na iluminação do filme. E, claro está, era também o protagonista.

De facto, poucos eram os artistas marciais que estavam efectivamente habilitados a actuar perante uma câmara, pelo que eram geralmente chamados a familiarizar-se com certos e determinados planos, ângulos e enquadramentos cinematográficos, além de convenientemente orientados na consecução de técnicas de luta susceptíveis de produzir o efeito expectável. Não admira, pois, que os takes da coreografia marcial desenvolvida por Li Xiaolong, fossem tão intensamente exigentes que seriam precisos quatro dias para filmar uma sequência de cinco minutos. E também não admira que, no contexto dessa sequência envolvendo o manuseamento de um nunchaku, Lee filmasse não menos que dez takes para captar uma pequena sequência que, na tela, duraria apenas 3,5 segundos.

Lee Xiaolong, na ânsia de imprimir realismo e autenticidade aos seus filmes, era, de facto, extremamente exigente consigo mesmo. Porém, as filmagens de Game of Death quedariam suspensas em Outubro de 1972, para assim darem lugar, na então colónia britânica de Hong Kong, à co-produção d’Enter the Dragon. Historicamente, seria a primeira vez que um estúdio chinês e um estúdio americano trabalhariam em conjunto num género cinematográfico que Lee não só reputava como um passo indispensável para a devida compreensão da cultura chinesa, como também para uma maior perfeição e reconhecimento, à escala internacional, do cinema de acção de Hong Kong. Por conseguinte, Lee e Raymond Chow voariam para Los Angeles para, em Novembro de 1972, fecharem negociações com a Warner Bros. Pictures.

Enfim, quando em meados de Julho de 1973, Bruce Lee fica novamente disponível para trabalhar no guião de Game of Death, está já na sua última semana de vida. Em 20 de Julho, o dia fatídico da sua morte, chega ainda a debater ideias para o enredo do futuro e promissor filme. E, no lance, também agenda, para o dia 20 de Setembro de 1973, a intenção de retomar as filmagens de Game of Death.

Cinco anos decorridos após a sua morte, seriam ainda reunidas e montadas várias cenas em que Lee trabalhara durante os últimos meses da sua vida, para, de facto, ser lançada, em jeito de homenagem póstuma, mais uma produção cinematográfica que pudesse contar, ainda que discreta e episodicamente, com a marca, a presença e o carisma do actor precocemente desaparecido. Todavia, o novo roteiro, completamente diferente do original, já nada tinha a ver com a visão multifacetada que Li Xiaolong planeara introduzir num filme técnica, artística e espiritualmente inspirado nas artes marciais. Aliás, sem as notas de Lee sobre a coreografia, o argumento e o tema, aconteceu que os produtores nem sequer sabiam o que fazer com os 100 minutos de filme que tinham em seu poder, dois terços dos quais eram apenas takes ou repetições que o «Pequeno Dragão», em virtude do seu perfeccionismo, pusera de lado por não traduzirem a fluidez espontânea do movimento idealizado.

Doravante, os produtores chegariam à conclusão de que só 11 minutos e 7 segundos mereciam ser incluídos no filme, restando um total de 21 minutos. Assim, procedendo ao corte de antigos planos e cenas fílmicas de Lee (36) incorporadas em novas sequências compartilhadas por Yuen Biao e pelo mestre de Taekwondo King Tai-jong (37) no papel de Billy Lo, o resultado final saldar-se-ia num fracasso inevitável. Depois, nada se sabendo sobre a eventual existência das filmagens originais de Lee, e de qual seria, efectivamente, o enredo original do filme, eis que, em Outubro de 1994, o guião e as notas da coreografia de Lee para o Jogo da Morte, aparecem por ocasião de estudos empreendidos com vista à produção de uma série de livros baseados nos escritos do «Pequeno Dragão».






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Ji Han-Jae






Hai Tien (Bruce Lee) e seu cúmplice antagónico Tien (James Tien).












Hai Tien (Bruce Lee) e seu segundo cúmplice Hsie Yuan (Chieh Yuan).














































Aliás, as notas confirmavam o que, na verdade, já de há muito se suspeitava, isto é, que Lee filmara muito mais cenas para o Jogo da Morte do que aquelas até aí particularmente vistas. E, no lance, outra surpresa sobreviria ainda por entre as notas da coreografia, nomeadamente as 12 páginas contendo toda a divisão das cenas e diálogos seleccionados. O enredo original não podia, pois, ser menos incompatível com aquele que viria a ser posteriormente conhecido. De resto, isso constituiria apenas o início da procura das filmagens desaparecidas que se prolongaria por um período de seis anos, findo o qual seriam finalmente descobertas as filmagens originais de 35 mm.

Na versão própria do seu criador, o Jogo da Morte passava por ser, na sua essência, um filme revelador do estilo do não-estilo (38). Segundo o mencionado esboço de 12 páginas, Lee personificaria Hai Tien, um campeão imbatível de artes marciais que, embora retirado da competição, seria abordado por membros do submundo coreano para participar num assalto a um pagode de 5 andares, no topo do qual era suposto haver um tesouro nacional. Porém, quando recusa participar, a irmã e o irmão mais novo são raptados, deixando-o, pois, sem alternativa quanto à constrita necessidade de tomar parte no assalto. Num encontro em casa do chefe, Hai Tien é apresentado aos seus cúmplices (39), todos eles grandes lutadores de artes marciais. Nisto, o chefe projecta um filme de reconhecimento da área do templo (40), para então explicar que, proibidas as armas na aldeia, o pagode é guardado por mercenários, um em cada andar segundo o nível técnico, artístico e filosófico adquirido no exercício das artes marciais. Em suma: as instruções dadas vão no sentido de Hai Tien e seus cúmplices abrirem caminho até ao topo do pagode e deitarem mão ao tesouro.

Sabemos hoje que Bruce Lee escolhera o templo budista de Beopjusa (41) para figurar como o cenário ideal de Game of Death. Daí, pois, que o monumento mais surpreendente do templo, a estátua de Buda (42) com 33 metros e 160 toneladas de bronze, venha claramente indicada nos esboços da coreografia de Lee. E diante de Buda encontra-se o Palsangjeon, o pagode de cinco andares em madeira que Lee houvera deliberadamente escolhido como pano de fundo para filmar os combates fulcrais do «filme multinível».

Linda Lee Cadwell dissera, de viva voz, que as primeiras cenas de luta filmadas para o Jogo da Morte haviam, porventura, sido realizadas entre Bruce Lee e Kareem Abdul-Jabbar (43). Demais, de entre os seus cúmplices, Lee quisera que um deles fosse antagónico em relação à sua personagem, porque decerto criaria uma interessante dinâmica entre ambos, até para que o público não soubesse se estavam solidários ou não. Dessa forma, para o papel de cúmplice antagónico (Tien), Lee escolhera James Tien, um actor com quem, de resto, já contracenara em dois dos seus três filmes em Hong Kong.

O segundo cúmplice (Hsie Yuan) seria um artista marcial forte, mas simples de espírito. Seriam, pois, atributos que permitiriam um tipo de dinâmica diferente entre cúmplices enquanto lutavam para avançar de nível no pagode, pelo que Lee fora assim buscar um duplo de Hong Kong com quem trabalharia pela primeira vez, chamado Chieh Yuan (44). Quanto aos demais cúmplices, pouco ou nada estava ainda decidido.

Uma vez dentro do pagode, Lee (Hai Tien) e seus cúmplices – já depois de terem defrontado e vencido 10 karatekas –, teriam de lutar para subir e superar os 5 níveis, cada um deles guardado por um artista marcial versado num estilo específico. O primeiro nível seria guardado por Whong In-Sik, um mestre perito na arte de pontapear. De resto, Whong já trabalhara com Lee no papel de um adversário em The Way of the Dragon.

Para o segundo nível, Lee escolhera um dos seus alunos mais avançados, Taky Kimura, para ser o guardião do Palácio da Mantis Religiosa. Para o efeito, este utilizaria o Kung-Fu estilo louva-a-deus, bem como elementos de Wing Chun que realçariam a luta corpo-a-corpo, usando sobretudo as mãos, e só com pontapés abaixo da cintura (45). Para o terceiro nível, Lee seleccionara ainda outro dos seus alunos e instrutor-auxiliar, Dan Inosanto, para ser, por seu turno, o guardião do Palácio do Tigre. Assim, este utilizaria, na sua qualidade de adepto praticante na vida real, não só a arte do Jeet Kune Do, como também as artes do Karaté Kenpo (46) e da Eskrima filipina (47). Aliás, Lee pedira a Dan Inosanto que empregasse e combinasse os métodos destas artes, o que, a seu ver, constituiria um empolgante elemento visual, além de permitir intervalar as sequências de luta desarmada.



Estátua de Buda no Templo de Beopjusa



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E, de facto, Inosanto demonstrara ser um hábil e brilhante expoente no uso do nunchaku, por forma a Lee poder filmar, pela primeira vez, um combate inolvidável entre dois oponentes versados no «Tabak-Toyok» (48). Consequentemente, a contenda prestar-se-ia a duas formas simbolicamente distintas: a primeira, mercê do ritmo ensaiado, revelar-se-ia marcialmente previsível no estilo de Dan Inosanto; a segunda, originada no ritmo interrompido, tornar-se-ia, por contrapartida, na marca imprevisível do não-estilo de luta imposto por Bruce Lee. Daí a notável lição filosófica figurada numa vara de bambu verde utilizada por Hai Tien contra os bastões de Kali usados por Inosanto, a qual não passará certamente despercebida ao espectador capaz de compreender o sentido e o alcance do breve e revelador diálogo travado entre os dois cultores das artes marciais:


Hai Tien: Sabes, querido... este bambu é mais comprido... mais flexível e está vivo. E se a tua vistosa rotina deixar de acompanhar a rapidez e a intangibilidade... desta coisa... só te posso dizer que estarás metido num belo sarilho. 

Inosanto: Isso é o que teremos de descobrir. 

Hai Tien: É como te digo... é difícil ter uma rotina ensaiada... que se ajuste... a um ritmo interrompido.  

E, no lance, já depois de fustigar Inosanto com a vara de bambu, conclui Hai Tien:

Vês? Às rotinas ensaiadas falta flexibilidade de adaptação. 


No fim, Inosanto perde a vida e Hai Tien passa ao quarto nível do pagode. E é então que, no Palácio do Dragão, entra em cena o coreano Ji Han-Jae (49), o Grão-Mestre 7.º Dan na arte do Hapkido (50). Com ele se confrontam, além de Hai Tien, os seus dois cúmplices, cabendo apenas a Hai Tien dominar e derrotar o oponente versado em múltiplas torções, chaves, esquivas e projecções (51).

No imediato, Lee ascende ao quinto e último nível do pagode, já depois dos referidos cúmplices o terem precedido e, assim, perdido a vida. Aí, no Palácio do Desconhecido, encontra um gigante negro de 2,20 metros de altura, personificado por Kareem Abdul-Jabbar (52) no papel de um lutador cujo «estilo», indeterminado, simboliza o não-estilo dinamizado numa atmosfera difusa e sombria, mas potencialmente vantajosa para a não-interferência de qualquer pensamento sobre a vida e a morte. Daí, em termos não menos simbólicos, o uniforme suficientemente flexível usado por ambos os lutadores, porquanto despojado de qualquer marca ou emblema relacionado com os mais variados estilos, artes ou formas de luta usualmente conhecidas (53).

Ora, o cerne da questão estaria, portanto, em cada um deles poder descobrir o tendão de Aquiles do adversário, o que acabou por acontecer quando, em dado momento, Hai Tien, atingido, se apercebe, depois de ter esbarrado contra os painéis na parede do pagode, que o seu oponente, portador de óculos escuros, era, por conseguinte, hipersensível à luz. E é então que Hai Tien aproveita para, na forma de um pontapé, desferir um golpe certeiro ao rosto do gigante, a quem deixaria, com a demais perda dos óculos, numa situação de visível desorientação e manifesta vulnerabilidade. Este, por não ter querido desistir, ou por não ter temido a morte, é finalmente estrangulado.

No fim, vencidos os seus oponentes, Hai Tien dá meia volta e desce o pagode. Na verdade, não sabemos se isso estaria, de facto, contemplado no guião original, embora saibamos que o tesouro supostamente contido no topo do pagode, seria, antes de mais, uma alusão alegórica à eterna viagem interior e espiritual que o herói enceta para derrotar os seus próprios demónios, e, nessa medida, procurar transcender o maior dragão porventura existente: a morte. Logo, resta ainda o desafio: venha daí quem, porventura, esteja inteiramente disponível para entrar na Dança da Morte (54).


Notas:

(1) Em cantonês: Lei Siu Long. Bruce Lee tivera ainda outros nomes chineses, como Li Yuanxin (nome de clã ou família) ou Li Yuanjian, nome esse que usara ao frequentar o La Salle College, em Hong Kong.

(2) Cf. Bruce Lee, The Tao of Gung Fu. A Study in The Way of Chinese Martial Art, edited by John Little, Tuttle Publishing, 1997, p. 29.

(3) Nesta última cidade, a sua escola situava-se em plena Chinatown.







(4) Cf. Bruce Lee, The “Lost” Interview, conduzida em Hong Kong pelo canadiano Pierre Berton (8 de Dezembro de 1971). Aclarando, já Bruce Lee dera a conhecer na prestigiosa revista Black Belt, em Setembro de 1971, um artigo intitulado «Liberate Yourself from Classical Karate», no qual podemos ler: ««Deixemos bem assente de uma vez por todas de que eu não inventei um novo estilo, nem nada compus ou alterei. E de maneira alguma estabeleci o Jeet Kune Do como uma forma distinta seriada por leis que o distingam “deste” ou “daquele” método. Ao invés, espero libertar os meus companheiros da total submissão a estilos, modelos e doutrinas.

O que é então o JKD? Sou o primeiro a admitir que qualquer tentativa com vista a, num artigo, definir o JKD não é uma tarefa fácil. Tenhai, no entanto, presente que o Jeet Kune Do é apenas um nome convencional. Não estou interessado no termo em si, mas no seu efeito libertador quando usado como um espelho propício ao exame interior».

(5) Num contexto Zen, dir-se-ia, por analogia, o seguinte: «Há um provérbio que diz: “Corta a ponta entre o antes e o depois”. Não libertar a mente dos momentos passados e deixar que permaneçam vestígios da mente presente são coisas más. Isto significa que se deve romper decididamente o intervalo entre o antes e o agora. A importância disto está em cortar o fio que liga o antes e o depois, o agora e o que já foi feito; isto é, não travar a mente» (Takuan Soho, A Mente Zen. Escritos de um Mestre Zen a um Mestre de Espada, Zéfiro, 2010, p. 37). E no que toca ao intervalo propriamente dito, tenhamos em conta este trecho:

«De facto, existe um intervalo em que não há sequer espaço para um fio de cabelo. Para falar sobre este aspecto, tomemos como exemplo a tua arte marcial.

Intervalo é quando duas coisas se juntam de modo que nem um fio de cabelo fique entre elas. 

Quando bates palmas com as mãos e, ao mesmo tempo, soltas um grito, o intervalo entre o bater palmas e o grito não deixa sequer um espaço para um fio de cabelo. Não se trata em bater palmas, pensar no grito e depois fazer; isso resultaria num intervalo entre as duas coisas. Bates palmas com as mãos e, no mesmo instante, produzes um som. Do mesmo modo, se a mente se fixar na espada com que o teu inimigo te vai golpear, haverá um intervalo e a tua acção estará perdida. Mas se nem sequer se puder introduzir um fio de cabelo entre a espada do teu oponente e a tua acção, a espada tornar-se-á a tua própria espada.

O mesmo se diz das discussões sobre o Zen. No Budismo, abominamos a fixação da mente que permanece ligada a isto ou àquilo. A essa fixação chamamos aflição. É como uma bola que flutua numa forte corrente de água que se move rapidamente: respeitamos a mente que flui dessa maneira e não se fixa, nem por um instante, num determinado lugar» (op. cit., p. 21).

(6) O suposto “Templo de Shaolin” que aparece logo no início do filme, é, na realidade, o templo taoísta Ching Chung Koon, situado em Hong Kong, mais particularmente em Tuen Mun. E foi nos respectivos jardins que se rodou a cena de Mr. Lee conversando com Mr. Braithwaite (cf. «Tras las huellas de Bruce Lee en Hong Kong – 2.ª parte», in Dojo, La Revista de las Artes Marciales, n.º 355 – ano XXXI, Espanha, 2008, p. 7).

(7) Curiosamente, ideia significava, para os gregos da antiga Hélada, «ver», «observar», tal como teoria significava «visão».

(8) De resto, também Fernando Pessoa, através do heterónimo Alberto Caeiro, exprime, embora em contexto diferente do aqui realçado, algo em que o pensamento não entra ou se afirma como tal: «(...) O essencial é saber ver, / Saber ver sem estar a pensar, / Saber ver quando se vê / E nem pensar quando se vê / Nem ver quando se pensa» (in Fernando Pessoa, Poesias - Heterónimos, Porto Editora, p. 46).


Tudo não obstante, diz-nos, bem a propósito, António Telmo: «É curioso verificar que um grande poeta e um grande homem, Fernando Pessoa, não escapou, no modo como concebeu a vivência paradisíaca da natureza, ao fascínio fotográfico da paisagem, próprio de qualquer vulgar turista de fim-de-semana. Referimo-nos a Alberto Caeiro. Através deste heterónimo, Fernando Pessoa parece ter pretendido, entre outras coisas, resgatar a natureza de um romantismo que a personifica e macula de alma e de sentimento. Cai, porém, no engano de que é olhando as coisas em plena luz, na sua maior nitidez próxima, bem de frente, de chapa, que elas se revelam. Essa coisa, quase impossível, de querer ver o mundo do sol e de fixar as formas desse mundo por uma operação instantânea, em que não está o pensamento, constitui a consequência de uma superior teoria poética, que podemos resumir assim: não há natureza, o que há são coisas - as árvores, os montes, as pedras, os rios, as flores; “as coisas não têm nome nem personalidades”, são o fenómeno puro, o fenómeno em si próprio, o autofenómeno; estão absolutamente presentes no próprio “aparecer”.

Todavia, sob esta teoria interpretável à luz do “nominalismo” ou do “zen” ou da fenomenologia de Husserl, insinua-se o paradigma fotográfico. É assim que o poeta escreve que as coisas se revelam “em dias de luz perfeita e exacta”, quando “a natureza bate de chapa na cara dos sentidos”. Quase ouvimos o disparar da máquina. A impressão pura de luz no “olhar nítido como um girassol” não sofre a inversão nem se projecta numa câmara escura. A revelação é imediata sem passagem pelo negativo. A natureza é a paisagem, uma película luminosa de cor. Mas dentro, no interior da alma, também não há sombras; “Tive um sonho como uma fotografia”. O célebre poema de Alberto Caeiro poderia ser todo traduzido sem erro ou distorção na forma de uma película cinematográfica» (cf. António Telmo, História Secreta de Portugal, Vega, p. 126).

Por seu turno, diz-nos ainda Ernesto Palma: «“... tive um sonho como uma fotografia...” Claro que se não trata de um verso e o que nele se significa, e resume todo o sentido do poema, é ainda menos poético do que as palavras em que está dito. Perante o cadáver real de António, ali presente nos seus braços, Cleópatra sonha com “um imperador que também se chama António”, isto no que é, talvez, o mais belo poema de Shakespeare que Pessoa tanto queria para modelo. Transitar da realidade ao sonho é, sim, sinal de poesia. Mas o contrário? E, para mais, não à realidade mas à fotografia, aos “fotógrafos” como Almada dizia de certos pintores realistas e abstractos...» (Ernesto Palma, «A Inflação de Fernando Pessoa», in Leonardo, Revista de Filosofia Portuguesa, números 5/6, Ano II, Março/Setembro de 1989, p. 84).

(9) Por «pensamento sensorial» entenda-se uma actividade que é já de si uma síntese ou uma unidade de ordem psíquica. Por conseguinte, a sensação não se apresenta como um elemento da realidade, mas como uma realidade elaborada, mediata e inconscientemente desdobrada.

(10) Sobre o desejo, atente-se à sabedoria de um Mestre Zen: «[...] Conhecer o mal, mas não se abster dele é uma doença dos desejos. Quer se trate de um amor sensual, quer se trate de uma condescendência com as próprias paixões, é sempre uma questão de desejo, de a mente desejar algo...» (in Takuan Soho, op. cit., p. 40). Mais: «Há homens que realizam feitos notáveis, adquirem fama e sobem na vida. Há também aqueles que morrem na batalha. Entre os samurais mais velhos, há aqueles que gostariam de adquirir um nome na próxima batalha a fim de, na velhice, o deixar para os seus descendentes; ou, se não morressem em batalha, gostariam de legar um nome e um feudo. Nenhum deles se preocupa com a sua vida, pois todos estão voltados para o nome e o lucro. A sua morte é uma morte temerária, nascida do desejo. Não se trata de rectidão da mente. [...] Por isso, tanto os que entregam a sua vida ao desejo quanto aqueles que se apegam à vida e se expõem à vergonha, contam-se entre os que não se preocupam com a rectidão da mente, quer morram, quer continuem vivos» (op. cit., pp. 47-48). Em suma: «[...] a consciência é desejo. [...] todo o corpo é empedernido pelo desejo; por isso, um único cabelo arrancado da cabeça faz surgir pensamentos de desejo. Quando és tocado pela ponta de um dedo, surgem pensamentos de desejo; mesmo quando tocado pela ponta de uma unha do pé, surgem pensamentos de desejo. Todo o corpo é solidificado pelo desejo. Dentro deste corpo consolidado pelo desejo oculta-se o fundo da mente, que é totalmente vertical e sem desejos. Essa mente não [...] tem cor nem forma e não é desejo. É inabalavelmente recta, absolutamente pura. Quando usada como um fio-de-prumo, tudo o que é feito, é feito com rectidão da mente. Essa realidade absolutamente recta é a substância da rectidão da mente» (op. cit., pp. 52-53).

(11) J. Krishnamurti, O Voo da Águia, Editorial Estampa, 2002, p. 73.

(12) Ibidem, pp. 126-128.

(13) «Para meditar, no sentido mais profundo da palavra, temos de ser íntegros, morais. Não se trata da moralidade de um padrão, de uma prática, ou da ordem social, mas sim da moralidade que brota naturalmente, inevitavelmente, suavemente, quando começamos a compreender-nos a nós próprios, quando estamos atentos aos nossos pensamentos e sentimentos, às nossas actividades, desejos e ambições – atentos sem qualquer escolha, observando apenas» (op. cit., p. 150).

(14) Ibidem, p. 147.





(15) Ibidem, pp. 153-154. É por seu lado curiosa a forma como, na «arte do Zen» presente no estilo caligráfico da pintura chinesa e japonesa, se põe a tónica nas pinceladas minuciosamente delicadas e desiguais por contraste às formas regulares e simétricas do paradigma geométrico, consoante atenta Alan Watts no trecho que se segue: «O olhar ocidental é imediatamente surpreendido pela ausência de simetria destas pinturas, pela fuga constante às formas regulares e geométricas, quer direitas quer curvas. Porque o traço característico do pincel é desigual, torcido, irregularmente ondulado, salpicante ou cheio – sempre mais espontâneo que calculado. Mesmo quando o monge ou artista Zen desenha um círculo solitário – um dos temas mais comuns de zenga – este aparece-nos não só levemente excêntrico e fugindo à forma, mas a própria textura do traço é cheia de vida e energia, graças aos borrões e falhas acidentais do “pincel tosco”, pois o círculo abstracto ou “perfeito” torna-se concreto e natural – um círculo vivo. Do mesmo modo, rochas e árvores, nuvens e rios, apresentam-se aos olhos chineses, tanto mais como são em si, quanto menos se parecem com as formas inteligíveis do geómetra e do arquitecto» (in O Budismo Zen, Editorial Presença, 2000, pp. 178-179).

(16) Numa entrevista de Vítor Mendanha a António Telmo, sob o título «Computadores enfraquecem o espírito da humanidade», vale a pena atentarmos no seguinte:

«VM: A “linguagem” dos computadores, por simplista e fria, não irá destruir toda a magia e possibilidades da expressão humana, tanto oral como escrita? 

AT: o sistema binário, base operatória dos computadores, não obstante a sublime aplicação que recebeu no I Ching, não proporciona à expressão humana, para utilizar os seus termos, as possibilidades que lhe advêm do sistema decimal que, operando por tríades e por tétradas, como o mostraram os pitagóricos, está de acordo com a essência da razão e da nossa imaginação criadora.

Não é a aplicação dos computadores às relações comerciais ou industriais que assusta, é a sua utilização, que tende para a hegemonia, na educação das crianças e dos jovens. A substituição de operações mentais por operações maquinais virá enfraquecer as faculdades que servem o espírito humano. Em vez de artistas, em vez de homens livres, formar-se-ão técnicos, muito úteis para solucionarem os problemas da mão-de-obra, mas cujo ser interior será pela magia negra do ensino reduzido à condição de um autómato.

Só comungando na inveja do espírito binário ou dual, que popularmente tem o nome de diabo, mas que o Evangelho designa por legião ou massa, é que podemos receber e aceitar a sugestão de que o progresso do homem está numa sociedade computorizada» (in António Telmo, A Terra Prometida. Maçonaria, Kabbalah, Martinismo & Quinto Império, Zéfiro, 2014, pp. 84-85).

(17) Ibidem, p. 124.

(18) Reconhecendo o perigo, assegura António Telmo: «Como toda a gente sabe, foi a aplicação do sistema binário que tornou possível a cibernética.

[...] Não é difícil ver para onde isto aceleradamente nos encaminha. A Humanidade degenerará numa vastíssima comunidade de autómatos, obedecendo a comandos electromagnéticos. Todos estarão em linha, mas não haverá, dentro de poucos anos, um único obreiro que possa disser-se livre. Alguns admiradores da tecnologia, como esse extraordinário homem que foi entre nós Agostinho da Silva, têm pensado que ela nos libertará do trabalho que escraviza, proporcionando-nos o ócio paradisíaco que nos deixará todo o tempo para cultivar a Beleza, a Força e a Sabedoria. Se ele caiu nesse engano, todos nós podemos cair» (in A Aventura Maçónica. Viagens à Volta de um Tapete, seguido de Autobiografia e Sobrenatural em Luís de Camões, onde se revelam alguns segredos guardados n’Os Lusíadas, Zéfiro, 2011, pp. 54-55).

(19) Manuel Guerra, A Trama Maçónica, Princípia Editora, 2012, pp. 268-269. No que toca à teosofia, convém notar que o pai de Krishnamurti, Jiddu Narianiah, fora secretário-assistente da Sociedade Teosófica. E de facto, foi Charles Leadbeater quem, no âmbito dessa sociedade, viu no menino Krishnamurti o futuro «Mestre Mundial» esperado pelos teosofistas. Aliás, fora também fundada, em 1911, a Ordem Internacional da Estrela do Oriente com Krishnamurti à cabeça, a fim de reunir todos os que esperavam o «Instrutor do Mundo», assim como preparar a opinião pública para um tal acontecimento mediante a angariação de recursos e doações.



Jiddu Krishnamurti



Krishnamurti separar-se-ia entretanto dos seus tutores, prosseguindo um caminho descomprometido de toda e qualquer organização política, económica e religiosa.

De resto, e com vista à difusão dos ensinamentos de Krishnamurti, estabeleceram-se fundações na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina e na Índia.

(20) Ibidem, p. 271.

(21) Com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica sofreu doravante um processo de descaracterização espiritual promovida por forças progressistas canalizadas por anti-Papas como João XXIII e Paulo VI. Não admira, pois, que «o fumo de Satanás», na expressão do Papa Paulo VI, tenha «entrado dentro do templo de Deus por alguma fissura». E, como tal, que o próprio Paulo VI tenha sido, consciente ou inconscientemente, um dos veículos do comunismo e outras forças não menos diabólicas que procuraram e procuram obnubilar o Mistério da Encarnação de Cristo.

(22) Existem determinados investigadores, como Skip Largent, que defendem uma certa analogia entre a televisão e as ondas cerebrais quando sonhamos. No fundo, são, a seu ver, aparências ou representações visuais simbólicas em que cada uma delas envolve um significado específico. As imagens podem assim funcionar como malefícios lançados contra as pessoas, pois passam a sentir e a pensar, não individualmente, mas em termos de hipnose colectiva.

Aliás, não fora por acaso que Aldous Huxley tivesse em conta a hipnopédia, que é precisamente o processo de condicionar o comportamento incutido durante o sono, ao nível do qual subsiste apenas uma resistência psicológica diminuída. E daí representar um meio bastante eficaz de socialização e de sugestibilidade psicológica a todos os níveis, se bem que em condições especialmente requeridas para o efeito. «[...] Neste contexto, um artigo de Theodore X. Barber, “Sono e hipnose”, aparecido em The Journal of Clinical and Experimental Hypnosis de Outubro de 1956, é mais esclarecedor. O Sr. Barber sublinha que existe uma diferença significativa entre o sono leve e o sono profundo. No sono profundo o electro-encefalograma não regista ondas alfa; no sono leve, aparecem as ondas alfa. Nestes aspectos, o sono leve está mais próximo dos estados de vigília e de hipnose (em ambos se apresentam as ondas alfa) do que no sono profundo. Um ruído violento acordará uma pessoa profundamente adormecida. Um estímulo menos violento não a acordará, mas causará o reaparecimento das ondas alfa. O sono profundo deu lugar durante algum tempo ao sono leve.

Uma pessoa profundamente adormecida não é sugestionável. Mas quando são dadas sugestões a pacientes mergulhados em sono leve, eles responderão a essas sugestões, do mesmo modo como reagem a sugestões quando em estado de hipnose, segundo diz o sr. Barber.

[...] Hoje, um experimentador não falaria de “mudança do sono natural em sono hipnótico”. Tudo o que pode dizer é que o sono leve (como oposto ao sono pesado sem ondas alfa) é um estado em que muitos pacientes aceitarão sugestões tão facilmente como acontece quando estão sob hipnose. Por exemplo, depois de lhes dizerem, quando estão levemente adormecidos, que não tardarão a acordar cheios de sede, muitos paciente acordarão de facto com a boca seca e uma sede ardente. O cortex pode estar demasiado inactivo para pensar com clareza, mas suficientemente desperto para reagir a sugestões e passá-las ao sistema nervoso» (Aldous Huxley, Regressso ao Admirável Mundo Novo, Edição «Livros do Brasil» Lisboa, Colecção Dois Mundos, 1959, pp. 188-190).

Quanto à televisão, Aldous Huxley presta particular atenção aos métodos de persuasão não-racional ou à persuasão «por associação». Resultam, pois, de uma associação subliminar de imagens que as pessoas vêem e ouvem de uma forma inconsciente, mas ainda assim incutidas no subconsciente e mais tarde activadas a ponto de afectar e condicionar os pensamentos, sentimentos e comportamentos dessas mesmas pessoas (cf. o capítulo intitulado «Persuasão subconsciente», op. cit.).

(23) La Magie naturelle de Jean-Baptiste Porta, napolitain, nouvellement traduite du latin en français (Ruão, Thomas Daré, 1612).

(24) Ibidem.

(25) Cf. Alexandrian, História da Filosofia Oculta, Edições 70, Colecção Esfinge, pp. 235-236.

(26) Esta cena parece invocar, nalguns dos seus aspectos mais notórios, a cena final dos espelhos inserta no filme The Lady from Shanghai, de G. Orson Welles.

(27) Enter the Dragon foi produzido por Fred Weintraub e Paul Heller em associação com a empresa de Raymond Chow.

(28) Ver The Curse of the Dragon, a Warner Bros. film, produzido e dirigido por Fred Weintraub, 1993.





























(29) Paul Heller fez igualmente referência à graciosidade de movimentos de Bruce Lee, de que era naturalmente dotado. Daí não ter sido por acaso que o jovem Lee também houvesse desfrutado da dança a ponto de, em 1958, se ter tornado «num campeão de cha cha cha na Colónia de Hong Kong. Já não existem os clubes nocturnos onde costumava dançar, nomeadamente na zona de Tsim Sha Tsui, perto do porto Victoria, muito embora estejam ainda de pé alguns dos respectivos edifícios destinados a outros fins. Um dos locais mais frequentados por Bruce Lee era o Bay Side Night Club, situado em Nathan Road, onde aprendeu a dançar o cha cha cha com membros filipinos da banda que ali tocava» (cf. «Tras las huellas de Bruce Lee en Hong Kong – 1.ª parte», in Dojo, n.º 354 – Año XXXI – España, 2007, p. 7).

(30) No que, de sua banda, simbolicamente toca à reflexão divina, é, a nosso ver, interessante esta passagem descrita pela Irmã Lúcia sobre o Terceiro Segredo de Fátima revelado aos três pastorinhos na Cova da Iria, a 13 de Julho de 1917: «[...] E vimos n’uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n’um espelho quando lhe passam por diante”...» (in A Mensagem de Fátima, Congregação para a Doutrina da Fé, 2000, p. 26).

Aliás, fora também com base em declarações de Lúcia posteriores aos relatos iniciais que o sociólogo e universitário Moisés Espírito Santo registou o testemunho da vidente sobre a segunda aparição (13 de Junho de 1917), a saber: «[...] a Senhora abriu as mãos e projectou sobre os videntes uma luz e eles tiveram conhecimento do sobrenatural. Um entrevistador perguntou-lhe se se tratou duma iluminação da inteligência, duma visão ou de alguma voz sensível, ao que a vidente respondeu: “Parece-me que não foi uma coisa nem outra; vimo-nos nessa luz que sentimos ser Deus algo à semelhança de como nos vemos em um espelho. A explicação não é exacta mas dá uma ideia. Com a diferença de que, num espelho, vemos a nossa figura enquanto em essa luz víamo-nos e sentíamo-nos pessoalmente em ela”...» (in Os Mouros Fatimidas e as Aparições de Fátima, Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões da U.N.L., 4.ª edição, 2000, p. 218).

Mais: no seu livro, o sociólogo ateu chega inclusivamente a reproduzir um dito de Ibn Arabi nos seguintes termos: «O sujeito que recebe a visão não verá senão a sua própria forma no espelho de Deus. É como o que se passa num espelho corporal: contemplando formas, tu não vês o espelho, sabendo que não podes ver formas ou a tua própria forma senão por meio do espelho. Este fenómeno manifesta-o Deus como símbolo apropriado à revelação da sua essência a fim de que aquele a quem Ele se revela saiba que ele não O vê. Não existe símbolo mais directo e mais conforme à contemplação e à revelação [...] Deus é portanto o espelho em que tu te vês, como tu és o Seu espelho em que Ele contempla os Seus atributos. Ora estes não são mais do que Ele-próprio de modo que a realidade se inverte e se torna ambígua» (in op. cit., p. 216).

Também existe, pese embora em contexto diferenciado, um texto hermético acerca do espelho e do Espírito divino, a saber: «... O espelho fora feito de forma a que nenhum homem pudesse ver-se nele materialmente, pois mal se colocava diante do espelho esquecia-se de imediato da sua própria imagem. O espelho representa o Espírito divino. Assim, quando a alma se olha nele, descobre toda a vergonha que encerra em si, pelo que prontamente a lança para bem longe do seu olhar... Uma vez purificada, imita o Espírito Santo, tomando-o por modelo, de modo que, por sua vez, ela própria se torna espírito. Ansiando pelo descanso, retorna constantemente a estado elevado, estado no qual o homem sabe reconhecer Deus e é reconhecido por Ele. Então, já sem nada que a ensombre, liberta-se das suas grilhetas, assim como daquelas que a prendem ao corpo... Que diz o filósofo?... Conhece-te a ti mesmo!... E é ao espelho espiritual do reconhecimento que ele se refere. Mas que outra coisa é este espelho senão o Espírito divino, origem de tudo quanto existe?... Quando um homem se olha e se vê nele, afasta-se de tudo aquilo que de deuses e demónios tem nome e, ao unir-se ao Espírito Santo, transforma-se enfim num homem completo, passa a ver Deus em si mesmo... Este espelho encontra-se por detrás de sete portas..., portas que correspondem aos sete céus. Sobre este mundo material, sobre as doze mansões do céu..., sobre tudo isto encontra-se este olho do sentido invisível, este olho do Espírito que se acha presente em toda a parte. E ali pode ver-se este espírito perfeito, no qual tudo se contém e cujo poder tudo alcança...» (Texto redigido em língua síria e transcrito, com base em Berthelot, em La Chimie au Moyen Âge, por Titus Burckhardt, in Alquimia, Publicações Dom Quixote, 1991, p. 56).

Por fim, ainda que noutro encadeamento de ideias, segue-se em António Telmo uma relação de analogia entre duas descrições – a persa e a camoneana –, ou entre uma pintura pertencente a «um manuscrito (fim do séc. XIV) do sul da Pérsia» e a Ilha do Amor pintada por Luís Vaz de Camões n’Os Lusíadas: «[...] Para julgar, difícil cousa fora / No céu vendo e na terra as mesmas cores / Se dava às flores cor a bela aurora /Ou se lha dão a ela as belas flores (Canto IX, 61). [...] O brilho próprio da pintura persa é o da ilha pintada e esmaltada: “as coisas segregam luz”. [...] Não há nela dimensão de profundidade, sugestão de distância. O próximo e o afastado projectam-se no mesmo plano. Tudo participa assim da mesma Presença.

Montanhas, árvores, rios, pássaros, flores, o céu azul são interiores uns aos outros. As árvores que crescem nas montanhas parecem erguer-se e expandir-se dentro delas como se fossem o seu sistema nervoso; no céu são o próprio céu. Toda a pintura é a forma cromática da vida interna. Tudo esplende no diáfano, no translúcido. São imagens suspensas. Não se vê o espelho onde se reflectem. São em si, sem dependência, suporte ou entrave» (in Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões. Guimarães Editores, 1982, pp. 19, 24 e 27 – o grifo é nosso).

(31) Cf. Bruce Lee, The Tao of Gung Fu. A Study in The Way of Chinese Martial Art, p. 124.







(32) Na tradição védica, as vibrações do universo podem ser apreendidas à luz dos mantras, conforme nos explica Deepak Chopra: «A palavra mantra tem duas componentes associadas a ela: man, que em sânscrito significa “pensar”, da raiz indo-europeia men – “qualidade, estado ou disposição da mente”, e tra, que é a raiz da palavra instrumento. Assim, literalmente, a palavra mantra significa um instrumento do pensamento. A antiga tradição doutrinária do Vedanta analisou os diferentes sons produzidos na natureza, as vibrações fundamentais do mundo que nos rodeia. Segundo o Vedanta, estes sons são uma expressão da mente infinita ou cósmica, e fornecem a base de todas as línguas humanas. Por exemplo, se o leitor pronunciar todas as letras do alfabeto, as vogais e as consoantes, apercebe-se de que estes são os mesmos sons que todos os bebés emitem espontaneamente. Esses sons também contêm as mesmas vibrações emitidas pelos animais. E se o leitor ouvir com atenção, irá reparar que esses sons estão por toda a natureza. São os sons do vento, do murmúrio do rio, do rebentamento das ondas do oceano na costa. A Natureza é vibração. O ser infinito vibra, e essa vibração é rítmica, musical e primordial. A vibração é o meio pelo qual o potencial infinito se expressa como o universo visível.

Sabemos que o universo visível – que parece ser composto por objectos sólidos – é na verdade constituído por vibrações, com diferentes objectos a vibrarem a diferentes frequências. É claro que, se eu der um pontapé numa pedra grande, não sinto vibrações, mas dor. No entanto, a questão é que o pé que sente essa dor e o cérebro que a regista também são vibrações. A vibração interage com a vibração, e nós representamos este facto como matéria e sensação. Mantra é apenas uma palavra que descreve esta qualidade do universo.

Diz-se que os antigos visionários ouviam essas vibrações do universo quando estavam em meditação profunda. Todos nós podemos ouvir estas mesmas vibrações em qualquer altura. É muito simples. Se o leitor calar a sua mente e se sentar em silêncio, ouvirá vibrações. Pode experimentar fazê-lo sempre que quiser. Mesmo que tape os ouvidos, conseguirá ouvi-las. O seu corpo também está em constante vibração, mas os seus sons são tão subtis que normalmente o leitor não os ouve. No entanto, se se sentar em silêncio, quando não houver barulho à sua volta, ouvirá um zumbido de fundo no ar. E, se começar a prestar atenção a esse zumbido de fundo, com a prática acabará mesmo por ouvir todos os mantras que foram registados na literatura védica...» (in Os Sete Princípios da Realização Pessoal, Editorial Presença, 2005, pp. 115-116).

(33) No ensejo, leia-se em António Telmo o seguinte:

«X: Há qualquer coisa de tenebroso na manipulação da luz. Só lhe lembro o seguinte. João Villaret morreu e, depois disso, de tempos a tempos, aparece na televisão a declamar poemas. É a aparição de um morto. É um morto porque não tem iniciativa psíquica, mas sente, move-se e fala. Este, como outros, prodígios luciferinos são recebidos com toda a naturalidade pelos espectadores, mas, se a mesma imagem lhes aparecesse de noite, no quarto, haveria quem morresse de terror. Os fantasmas que a técnica manipuladora da luz conserva e projecta, quando bem quer, parecem inofensivos. São-nos, de facto?

Y: A magia simpática opera com imagens. O malefício é lançado contra uma pessoa através de uma fotografia. Não me vão dizer que se trata de superstição depois que o hipnotismo produz a transferência de sensibilidade. Eu assisti uma vez ao seguinte. O hipnotizador fez um boneco à imagem do hipnotizado, mostrou-lho e disse: “Tu és este boneco”. O boneco foi, depois, levado para uma sala contígua, donde não podia ser visto da sala onde estava. O hipnotizador picou o boneco numa perna com um alfinete e o hipnotizado deu um grito e levou a mão à própria perna. A picada repetiu-se em vários lugares do corpo do boneco e o resultado foi sempre o mesmo» («X e Y sobre a Poesia», in Arte Poética, Guimarães Editores, 1993, p. 79).

(34) Cf. Bruce Lee, The Tao of Gung Fu. A Study in The Way of Chinese Martial Art, pp. 32-33.

(35) Ibidem, pp. 22-23.

(36) A certa altura do filme, deparamos inclusivamente com imagens reais do funeral de Li Xiaolong, usadas para, na sequência do enredo, melhor caracterizar a simulada morte do principal personagem, Billy Lo.

(37) Dada a notória disparidade fisionómica existente entre Bruce Lee e seus respectivos sósias, fora adoptado o expediente, um tanto ou quanto caricato, de os manter, na maior parte do filme, disfarçados mediante o uso de barbas postiças e grandes óculos escuros.






(38) Sobre o conteúdo do filme, Lee chegara, de facto, a adiantar algumas das respectivas ideias nos seguintes termos: «O que procuro evidenciar é a necessidade da nossa adaptação às cambiantes da vida, pois a inadaptação trás consigo a destruição. Já tenho, aliás, em mente a primeira cena: na abertura do filme, vê-se uma ampla extensão de neve, donde ressaltam inúmeras árvores fustigadas por uma forte tempestade; entretanto, surge uma árvore imensa coberta por uma espessa camada de neve, da qual se rompe, repentina e ruidosamente, um galho que não resistira ao peso acumulado; por fim, a câmara incide sobre um salgueiro que se dobra com o vento, em sinal de manifesta adaptação ao meio. Este é, portanto, o tipo de simbolismo que, a meu ver, deveria inspirar os filmes de acção chineses, pelo que espero, da minha parte, contribuir para esse desígnio» (cf. «El Verdadero Juego de la Muerte de Bruce Lee», por Marcos Ocaña in Dojo, La Revista de las Artes Marciales, n.º 306 – Año XXVII – España, 2003, p. 7).

(39) Os cúmplices de Hai Tien seriam três orientais (Huang Chia Da, Hsie Yuan e Tien), bem como um americano personificado pelo australiano George Robert Lazenby, já então conhecido pelo seu papel de James Bond em On Her Magesty’s Secret Service (1969).

(40) O templo em questão seria designado pelo Templo do Leopardo.

(41) Situado na Coreia do Sul, o templo remonta ao ano 533 d. C.

(42) Este monumento é também considerado, sob a designação de Buda Maitreya de Beopjusa, a maior estátua de toda a Ásia.

(43) Cf. Bruce Lee, The Warrior’s Journey, escrito, produzido e dirigido por John Little, JJL Enterprises, LLC, 2000.

(44) Curiosamente, o papel desempenhado por Chieh Yuan estivera para ser atribuído a Sammo Hung. Chieh Yuan morreu de AVC em 1977.

(45) Neste nível, um dos cúmplices perderia a vida, tal como já um outro cúmplice a perdera no primeiro nível.

(46) O filipino-americano Dan Inosanto chegou a ser aluno de Ed Parker, com quem aprendeu o Karaté Kenpo e descobriu a arte ancestral do «Kali», a qual, remontando à palavra kalis (espada), abrange pelo menos oito ramificações das artes marciais filipinas, a saber: Arnis, Eskrima, Kuntao, Silat, Sikaran, Pagkalikali, Kalirungan e Kaliradman. Aliás, o próximo diálogo dá disso claro testemunho: «“Dan, já viste a arte da Eskrima?”, perguntou Parker a Inosanto. Dan fitou o solo e, sem entusiasmo, disse: “Referes-te à arte dos paus?” “Não, Dan, é mais, muito mais do que isso. Não te coibas de investigar outras artes. Tens de procurar enriquecer a tua técnica, Dan!”» (cf. «El fluir del Kali», in Revista Bruce Lee, n.º 5, Ano II, 1987, pp. 21-22). Depois disso, seguindo «o conselho de Parker, Dan procurou persuadir o seu pai a pô-lo em contacto com os mais eminentes mestres da comunidade filipina, nomeadamente Max Sarmiento, Angel Cabales, Juanito LaCoste, etc. E assim iniciou o seu período de aprendizagem, na qual, confuso e perplexo, viu que os Mestres de Kali não dispunham de uma organização clara e sistemática de ensino. Além disso, nem sequer nomeavam as suas técnicas, não havendo, portanto, qualquer espécie de terminologia. Logo, o único método de ensino consistia apenas em mostrar a Dan uma considerável variedade de técnicas à medida que iam progredindo as sucessivas lições» (op. cit., p. 22).

Por outro lado, é sabido que Dan Inosanto procurara Juanito LaCoste para, na arte do Kali, tentar obter algum tipo de «base», «estrutura» ou «organização» técnica. LaCoste, porém, mostrou-lhe «a causa da sua ignorância», para usarmos uma célebre expressão de Li Xiaolong. Ou seja: LaCoste mostrou-lhe que, perante cada ataque desferido por Dan, podia apenas resultar uma defesa e um contra-ataque adaptado ao tipo de ofensiva em causa. Por conseguinte, não existiam, para o mestre filipino, formas tecnicamente fixas susceptíveis de serem aplicadas na hora imprevisível do combate. E fora, aliás, nesse sentido que Bruce Lee dirigira as seguintes palavras ao seu aluno-instrutor: «Essa é precisamente a beleza da arte, Dan. Tu ages como um professor de escola, por forma a quereres que tudo esteja sistematizado. Mas isso não é necessário. O que mais importa é o equilíbrio, para que possas golpear com força. Esse é o único princípio a seguir» (op. cit., pp. 22-23).

Juanito LaCoste, um dos mais destacados mestres filipinos de Stockton, Califórnia, morreu assassinado por um disparo. Outro notável mestre foi Ben Largusa (1926-2010), o número um do grande Mestre Floro Villabrille (1912-1992), que, por sua vez, aprendera Kali com a princesa Josefina, a qual, segundo reza a tradição, era cega e vivia na vila de Gandara, na ilha de Samar. Contudo, fora mais particularmente com Ben Largusa que Dan Inosanto aprendera os conceitos fundamentais de tudo o que praticara antes de ingressar nas artes marciais filipinas. Enfim, tudo isso fora possível graças a Ed Parker que, além de Bruce Lee, também convidara Ben Largusa para fazer uma demonstração no Long Beach International Karate Championships (1964), onde, de resto, estaria Dan Inosanto que treinaria, mais tarde ou mais cedo, sob a superintendência dos dois mestres.

(47) Vários foram, efectivamente, os mestres de Eskrima filipina de Dan Inosanto, tais como Pepe Mantaño, Vicente Arca, Dionisio Cañete, Regino Ilustirimo, Leo Giron, Pascual Ovales, Braulio Pedoy, Narrie Babao, Dentoy Revillar, Lucay Lucay, Jack Santos, Telesforo Subing Subing, Sam Tendencia, Gilbert Tenio, etc. Apesar de tudo, as origens das artes marciais filipinas perdem-se na noite dos tempos, não obstante sabermos que são, em grande parte, fruto do intercâmbio entre a tradição autóctone e o que, por via costeira, proveio da Índia, Malásia, China e Indonésia. Todavia, seria sobretudo com a chegada de Fernão de Magalhães à ilha de Cebu, a 7 de Abril de 1521, que se teria estabelecido o primeiro contacto entre a tradição guerreira da região e os intrépidos nautas vindos do Ocidente europeu. Ora, esse contacto viria, pois, na sequência das permanentes tensões e disputas territoriais entre as tribos de Humabon e Cipalupalu, localizadas nas hoje denominadas ilhas Visayan, no centro das Filipinas. Por conseguinte, consagrado o baptismo do rei de Cebu a quem seria outorgado o nome de Carlos Humabon em homenagem ao seu Suserano e Imperador Carlos V, eis que o rajá Cilapulapu, vivendo em Mactan (um ilhéu minúsculo frente à ilha de Cebu), se rebela contra a autoridade escolhida para ser o único grande chefe tribal católico do Arquipélago.

Dan Inosanto e Juanito LaCoste






Localização das Filipinas




Ben Largusa. Ver aqui







Ver 1, 2, 3, 4, 5, 678 e 9




























Diana Lee Inosanto



Ver 1, 23 e 4


















Facas e adagas filipinas




Nisto, Magalhães decidira puni-lo com o uso da força, até para, pelo exemplo dado, intimidar os demais rajás e reis daquelas ilhas. Para o efeito, montara uma expedição cujo objectivo não era a desnecessária efusão de sangue, tal como correntemente praticada pelos conquistadores espanhóis, mas, sim, o de proporcionar um espectáculo instrutivo confinado a uns tantos tiros certeiros e a uns quantos tabefes bem dados nos pobres indígenas de Cilapulapu. Contudo, Magalhães, por ironia do destino, perderia a vida em tão malograda expedição. Que o diga, pois, Stefan Zweig com base no testemunho ocular de Pigafetta: «Naquela noite de sexta-feira, 26 de Abril de 1521, em que Magalhães embarca com sessenta homens para atravessar o pequeno estreito que separa as duas ilhas, os nativos afirmam ter visto, poisado sobre a cobertura de uma cabana, um estranho pássaro preto, desconhecido, semelhante a uma gralha. E na verdade, de repente, sem ninguém saber porquê, todos os cães começaram a uivar; assustados, os espanhóis, que não eram menos supersticiosos do que os nativos, fazem o sinal da cruz. Mas aquele homem, que ousara aventurar-se na maior viagem marítima do mundo, por que razão havia ele de recuar agora perante uma escaramuça com um chefe e com a sua desprezível escumalha, só por um corvo qualquer ter crocitado?

Por fatalidade, contudo, aquele chefe insignificante encontra um aliado de peso na estrutura peculiar da costa. Dado que os recifes de coral avançam pelo mar dentro e os batéis não podem chegar suficientemente perto da praia, os espanhóis vêem-se, desde logo, impossibilitados de recorrer ao meio de combate que mais efeito faz: ao mortífero fogo à distância, disparado por mosquetes e por arcabuzes, e cujo simples ribombar já é, regra geral, suficiente para pôr os indígenas em debandada. É com despreocupação que os sessenta homens fortemente armados – os restantes ficam nos batéis – prescindem desse apoio de retaguarda e saltam para dentro de água, tendo à cabeça Magalhães que, segundo escreve Pigafetta, “como bom pastor, não queria abandonar o seu rebanho”. Com a água a dar-lhes pela cintura, passam a vau o longo percurso até à costa, onde os espera uma enorme horda de indígenas ululantes, girando e agitando os escudos. O embate entre os dois adversários não tarda.

A descrição mais fiável, das várias existentes sobre esta luta, deve ser a de Pigafetta que, tendo ele próprio sido atingido gravemente por uma seta, se manteve até ao último momento ao lado do seu amado capitão. “Saltámos para dentro de água, que nos dava pela cintura, e tivemos de passar a vau uma distância equivalente a dois bons tiros de besta, pois os nossos batéis não puderam seguir-nos devido aos recifes. Chegados à margem, encontrámos mil e quinhentos insulanos divididos em três bandos que arremeteram contra nós em terrível gritaria. Dois bandos atacaram-nos pelos flancos, o terceiro pela frente. O nosso capitão dividiu os tripulantes em dois grupos. Os nossos mosqueteiros e arcabuzeiros abriram fogo durante meia hora a partir dos barcos, mas nada consequiram alcançar, porque as suas balas, flechas e lanças não conseguiam perfurar os escudos de madeira a uma tão grande distância ou, quando muito, feriam apenas os braços dos inimigos. Por isso, o capitão ordenou em alta voz que não se disparasse mais (manifestamente para poupar munições para o combate final), mas não lhe obedeciam. Quando os insulanos viram que os nossos tiros pouco ou nenhum dano causavam, não voltaram a recuar. Gritando cada vez mais alto, saltando de um lado para o outro para escapar aos nossos tiros, foram simultaneamente chegando mais perto, protegidos pelos seus escudos, arremessando setas, chuços, lanças de madeira endurecidas no fogo, pedras e também dejectos, de forma que mal conseguíamos defender-nos. Alguns arremessaram mesmo lanças com pontas de bronze contra o nosso capitão.

Para os assustar, o capitão mandou alguns dos nossos homens incendiar as casas dos ilhéus, o que ainda os enfureceu mais. Alguns correram em direcção ao fogo que consumia vinte ou trinta habitações, e ali mataram dois dos nossos. Os outros atiraram-se a nós ainda com maior sanha. Quando repararam que os nossos corpos estavam realmente protegidos, mas que as pernas não tinham cobertura, fizeram delas o seu alvo principal. O pé direito do capitão foi perfurado por uma seta envenenada, pelo que ele deu ordem de se ir recuando aos poucos. Mas quase todos os nossos homens começaram a bater em retirada, precipitadamente, de forma que quase não ficaram mais de seis ou oito com ele (ele que, há muitos anos era coxo, estava manifestamente a atrasar a retirada). Então ficámos expostos, de todos os lados, às lanças e às pedras, arremessadas contra nós pelo inimigo, e já não conseguíamos opor resistência. As bombardas que tínhamos nos batéis não podiam vir em nosso auxílio, porque a água pouco funda as mantinha demasiado longe. Assim, esforçámo-nos por nos afastar cada vez mais da praia, ao mesmo tempo que, combatendo sempre, íamos recuando passo a passo, e já nos encontrávamos afastados da costa à distância de um tiro de besta e já tínhamos a água pelos joelhos. Mas as gentes da ilha perseguiam-nos sem dar tréguas e voltavam a apanhar as setas que anteriormente tinham atirado contra nós, de forma que podiam disparar cinco ou seis vezes a mesma seta. Ao reconhecerem o capitão, tomaram-no como alvo principal; duas vezes lhe derribaram o capacete, mas ele, juntamente com alguns de nós, manteve-se no seu posto, como indómito cavaleiro, sem tentar recuar mais, e assim combatemos durante mais de uma hora, até que um dos índios conseguiu lançar um projéctil por um cano ao rosto do capitão. Na sua ira, o capitão trespassou imediatamente o peito do agressor com a sua própria lança, mas esta ficou presa no corpo do morto, e quando o capitão tentou puxar da espada, só conseguiu desembainhá-la por metade, porque um ferimento causado por um chuço lhe tinha paralisado o braço. Ao verem isto, todos os inimigos se lançaram contra ele e um deles causou-lhe tal ferimento na perna esquerda com um golpe de sabre que o capitão tombou e caiu de borco. De imediato todos os índios se precipitaram sobre ele, trespassando-o com lanças e com todas as outras armas que possuíam. E assim nos levaram a vida daquele que era o nosso espelho, a nossa luz, a nossa consolação, o nosso devotado chefe”.



Ao centro: Fernão de Magalhães no Padrão dos Descobrimentos em Belém.







[...] Ninguém sabe o que aqueles miseráveis selvagens fizeram com o corpo de Magalhães, a que elemento devolveram os seus restos mortais, se ao fogo, à água, à terra ou ao efeito desgastante do ar. Não nos ficou nenhum testemunho, perdeu-se a sua sepultura; desapareceu misteriosamente no desconhecido o rasto do homem que arrancou o último segredo ao oceano sem fim que envolve a nossa Terra» (in Stefan Zweig, MAGALHÃES. O Homem e o seu Feito, Assírio & Alvim, 2007, pp. 224-228).

«Existe actualmente, no Museu Municipal de Cebu, um enorme desenho de Lapulapu, o homem que matou Magalhães. Ao lado e com dimensões idênticas, encontra-se uma fotografia do Grande Mestre das Filipinas, Floro Villabrille» (in Revista Bruce Lee, n.º 5, Ano II, 1987, p. 8).

(48) «Tabak» significa «bolo», ao passo que «Toyok» é um termo da região de Visaya que significa «girar». Logo, «Tabak-Toyok» pode ser traduzido por «bolo giratório» (nunchaku).

(49) Ji Han-Jae nasceu na Coreia do Sul em 1936. Treinou, entre 1949 e 1956, sob a supervisão de Choi Yong-Sool, sendo depois iniciado, por Taoist Lee, na antiga tradição das artes marciais coreanas (Sam Rang Do Tek Gi). Já na condição de instrutor, Ji Han-Jae reuniu técnicas de pontapear oriundas da Coreia e da China, como ainda múltiplas técnicas de punho e de armas que, por ele combinadas e sintetizadas, poderiam eventualmente estar na origem do Hapkido. E se dizemos eventualmente é porque, não obstante haver Ji Han-Jae afirmado ter sido ele próprio o fundador do Hapkido, bem como o primeiro a usar o respectivo termo (1957), há quem, no seio da arte, conteste uma tal afirmação, sem, no entanto, ter negado a sua incontestável contribuição para o estabelecimento do Hapkido como uma arte marcial conhecida e respeitada no mundo inteiro.

De resto, fora num Campeonato Internacional de Karaté organizado pelo mestre de Taekwondo, Jhoon Rhee, que Ji Han-Jae, convidado para ali fazer uma demonstração, seria, pela primeira vez, apresentado a Bruce Lee. Este observou e gostou da sua técnica, pelo que passou a ir à Base da Força Aérea de Andrews onde Ji ensinava, para experimentar e aprender a sua técnica.

Em 1984, Ji Han-Jae mudou-se para a Alemanha, e, depois, para os Estados Unidos onde fundou o Sin Moo Hapkido.

(50) O Hapkido, além de compreender uma variedade considerável de técnicas de defesa e ataque mediante o uso de murros, pontapés, estrangulamentos, finalizações, armas e expedientes afins, apega-se sobretudo aos pontos vitais com vista a duas finalidades distintas: a terapêutica baseada na medicina tradicional asiática (acupuntura), e a prática marcial centrada no desequilíbrio do oponente para mais facilmente aplicar-lhe uma projecção, uma chave e tudo o mais necessário à sua neutralização.

(51) Neste ponto, é sobretudo notória a capacidade de adaptação de Hai Tien à estranha mas eficaz forma de luta de Ji Han-Jae, até porque, curiosamente, essa capacidade também corresponde a um dos princípios essenciais do Hapkido: o princípio aquático em virtude da sua natureza informe e circundante perante qualquer força ou obstáculo aparentemente físico. Aliás, um tal princípio, complementado pelos princípios de circularidade e não-resistência, permite mais facilmente compreender por que razão um adepto ou praticante de Hapkido tende a encarar o “adversário” como uma entidade energética não propriamente física.

(52) Ferdinand Lewis Alcindor, Jr., nasceu em Nova Iorque, a 16 de Abril de 1947. Foi após a sua conversão ao islamismo que adoptou o nome de Kareem Abdul-Jabbar. Foi seis vezes campeão da NBA (National Basketball Association) e um dos mais destacados alunos de Bruce Lee.

(53) O fato de treino amarelo usado por Lee ficaria doravante simbolizado, para os aficcionados das artes marciais, como um ícone de flexibilidade e graciosa adaptação dinâmica no combate corpo-a-corpo jamais captada em filme.

(54) Vem ao caso informar de que existe, efectivamente, uma série encadeada de golpes e pontapés conhecidos no mundo do Karaté Kenpo como a «Dança da Morte». E sabe-se, para mais, que Bruce Lee teria originariamente pensado nesta mesma expressão para figurar como título do seu «filme multinível».


Estátua de Bruce Lee em Hong Kong. Ver aqui


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