quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Infini et continu

Escrito por René Guénon








«Aristóteles nega que exista o infinito em acto. Quando fala de infinito, refere-se sobretudo a um corpo infinito e os argumentos que aduz contra a existência de um infinito em acto visam precisamente a existência de um corpo infinito. O infinito existe só como potência ou em potência. Infinito em potência é, por exemplo, o número, porque sempre é possível acrescentar a qualquer número outro, sem jamais se chegar a um limite extremo após o qual não mais se posssa avançar; o infinito em potência é também o espaço, porque é divisível até ao infinito, enquanto o resultado da divisão é sempre uma grandeza que, como tal, é ulteriormente divisível; por fim, infinito potencial é também o tempo, que não pode existir simultaneamente na sua totalidade, mas se desenvolve e cresce sem fim.

Aristóteles não chegou a entrever nem de longe a ideia de que o imaterial possa ser infinito, porque associou o conceito de infinito à categoria de quantidade, que só se pode aplicar ao sensível. E explica-se também que o filósofo acabasse por adoptar defnitivamente a ideia pitagórica (e, em geral, própria de quase toda a cultura grega), segundo a qual o finito é perfeito e o infinito é imperfeito. Escreve Aristóteles numa página paradigmática:

"Infinito é (...) aquilo fora do qual, se se tomar como quantidade, sempre é possível tomar alguma outra coisa. Pelo contrário, aquilo fora do qual nada há é perfeito e inteiro. Porque definimos assim o inteiro: aquilo a que nada falta, por exemplo, o homem inteiro. E tal como sucede no particular, assim se passa também no mais autêntico significado lógico, isto é, que o inteiro é aquilo fora do qual nada há; mas aquilo fora do qual há alguma coisa que lhe falta não é um todo, pois carece de alguma coisa. Pelo contrário, o inteiro e o perfeito são a mesma coisa em tudo e por tudo, ou algo semelhante por natureza. Mas nenhuma coisa que não tenha um fim é perfeita, e o fim é limite".

Esta exposição ajuda-nos a compreender bastante bem a razão por que Aristóteles tinha de negar necessariamente a Deus o atributo da infinitude. Depois desta concepção do infinito como potencialidade e imperfeição, era forçoso eliminar a antiga intuição dos milésios, de Melisso e de Anaxágoras, que consideravam o Absoluto como infinito: semelhante intuição era excêntrica relativamente ao pensamento de toda a cultura grega e, para poder renascer, haveria que esperar a descoberta de ulteriores horizontes metafísicos».

Giovanni Reale («Introdução a Aristóteles»).


«A noção de infinito, de que só a teologia pode dar alta representação, entrou para o cálculo matemático por motivos que não interessa agora estudar. O cálculo operativo sobre o acidente que é a quantidade transforma-se com Leibnitz no cálculo diferencial e integral, e procura a abstracção da física para a metafísica. Seria, porém, ilusão geradora de enganos inverter a ordem lógica, atribuindo primazia ao pensamento matemático sobre o pensamento filosófico.

Não interessa, também, para este estudo, averiguar em que medida o pensamento de infinidade e de continuidade permite ver e interpretar o mundo em fluxão. As existências que aparentemente perduram no tempo e resistem no espaço deixam de corresponder a essências, pelo que o pensamento tem de interpretar em termos de história e de profecia a aparência que lhe encobre a realidade essencial. A aplicação do infinito ao espaço e ao tempo transforma-os em conceitos, mas desse modo suscita maior número de dificuldades para a filosofia.

A razão, procurando para além do espaço e do tempo, para além do infinito da extensão e da duração, o verdadeiro infinito das inferências de finalidade, de causalidade e da substancialidade, acaba por verificar que estes processos de conveniência, de concorrência e de convergência se encontram num limite que os transcende. Todas as existências e todas as essências respectivamente se situam segundo uma hierarquia infinita que a razão concebe sem poder compreender o seu misterioso princípio. Quando a noção de infinito se encontra implícita ou explícita no silogismo, segundo a doutrina aristotélica, o pensamento conclui pela existência de Deus.

Só numa tríade, de que um termo é infinito, pode a razão chegar ao conhecimento de Deus. O pensamento dualista, considerando apenas a relação de dois termos que são Deus e o Homem, tende a raciocinar segundo a oposição dialéctica, gerando vários erros teológicos que resultam do esquecimento da mediação. Na teoria dos seres intermediários, que descem de Deus ao Homem e que ascendem do Homem a Deus, se distinguem os cultos religiosos que caracterizam a piedade dos povos.

O racionalismo tende para o misticismo e, no limite místico, o panteísmo apresenta alguma sedução. Anular em Deus as criaturas, fechar os olhos ao espectáculo do mundo, viver mais de vida comum do que de vida própria, parece a muitos homens perder sofrimento e ganhar felicidade. Mas esta forma de anulação da consciência, esta mortificação ou imitação da morte, por indistinção entre o homem e Deus, se possível fosse, corresponderia a anular a liberdade.


Existe um panteísmo moderno que tende a perder carácter pagão e a constituir-se em religião da humanidade, panteísmo que se forma insistindo nos elos biológicos que existem entre todos os homens, lembrando a Vida e esquecendo o Espírito. Um abstracto humanitarismo de anulação acaba por se projectar em doutrinas jurídicas. No limite, esta forma de panteísmo chega a eliminar a ideia de Deus.

A distinção intelectual entre Deus e as almas é um princípio católico de garantia para a liberdade. Só a separação que um terceiro elemento demasiado denso interponha, ou a distância no espaço e a demora no tempo, podem ser causa de sofrimento para o homem que anseia ver a Deus. Mas a contemplação da realidade divina, da verdadeira realidade, de forma nenhuma anula a nossa identidade espiritual.

O processo pelo qual a razão ascende ao conhecimento de Deus é uma inferência, como a de Aristóteles, a de Santo Anselmo e a de Hegel, mas as inferências não podem rigorosamente denominar-se provas. A prova é já algo de secundário, pertence ao plano escorregadio da discussão, da dialéctica e da polémica. A prova incide sobre o finito, o particular e o relativo, o que obriga a recorrer a analogias quando em teologia se pretende provar os predicados, os epítetos e os atributos de Deus.

O infinito, o universal e o absoluto escapam à metodologia da prova. Compreende-se que se fale de provas da existência de Deus, porque existência é manifestação, mas ninguém falará de provas da essência de Deus, porque a essência de Deus nos é incompreensível. A prova efectua-se por medida, correspondência, representação de termos que se compõem no tempo ou no espaço.

O tempo, o espaço e a quantidade são susceptíveis de predicação infinita, mas este infinito não provém daquela infinidade que é, a nosso ver, o atributo que mais esclarece o predicado da personalidade. Toda a resistência que os deístas opõem a este predicado assenta numa repugnância pelo antropomorfismo, e o argumento não deixa de ter defesa. Mas o que de análogo possa existir do homem para Deus - a analogia é um processo de infinidade ascendente - não tem por termo inferior a triste figura que o homem apresenta aos nossos olhos, mas o que de melhor o homem esconde no seu corpo mortal.

Considere-se o homem no mais alto ponto da escala animal, e admita-se que pela razão - prática, estética e teórica - a alma se transfigura numa consciência; já não considerará a personalidade uma noção indigna de comparação com Deus. Decerto que a personalidade divina será uma personalidade infinita, o que aos mortais parece obscuro, mas impiedoso seria negar a Deus a personalidade, pensar Deus num predicado inferior à personalidade, ainda que lhe concedendo outros atributos infinitos. Se não admitirmos a personalidade de Deus, nunca poderemos ter esperança de que sejam conhecidas as nossas preces, que, encorporadas em palavras, se chamam orações.

Todo o homem que, elevando a sua meditação ao plano da oração, ousa humildemente pensar o seu louvor religioso, não tardará em reconhecer que verdadeiramente existe natural mediação entre o pensamento humano e o pensamento divino. A oração é que é, para nós, a prova da existência de Deus, e esqueleto de orações nos parecem os argumentos chamados silogísticos de alguns compêndios de teologia. Ao desenvolvimento dessa prova oral chamam alguns pensadores experiência religiosa».

Álvaro Ribeiro («A Arte de Filosofar»).







«[...] a extensão não é pura e simplesmente um modo da quantidade, ou, noutros termos, que, se podemos falar com segurança em quantidade extensa ou espacial, não é por isso que a extensão se reduz exclusivamente à quantidade; devemos ainda insistir neste aspecto, tanto mais que ele é particularmente importante para fazer aparecer a insuficiência do "mecanicismo" cartesiano e das outras teorias físicas que, nos tempos modernos, provém dele mais ou menos directamente. Primeiro, pode notar-se a este respeito que, para que o espaço seja puramente quantitativo, era preciso que fosse inteiramente homogéneo, e que as suas partes não pudessem ser distintas entre si por nenhuma outra característica além das suas grandezas respectivas; isto faz supor que não há continente sem conteúdo, isto é, qualquer coisa que, de facto, não pode existir isolada na manifestação, em que a relação do continente e do conteúdo supõe necessariamente, pela sua própria natureza de correlação, a presença simultânea dos seus dois termos. Pode pôr-se a questão, pelo menos com uma certa aparência de razão, de saber se o espaço geométrico está concebido como apresentando tal homogeneidade, mas, de qualquer modo, esta dúvida não serve para o espaço físico, isto é, ao que contém os corpos, cuja presença é suficiente para determinar uma diferença qualitativa entre porções do espaço que eles ocupam respectivamente; ora, é do espaço físico que Descartes quer falar, ou então a sua teoria não teria significado, pois que só se aplicaria ao mundo para o qual pretende fornecer a explicação [É certo que Descartes, no ponto de partida da sua física, pretende somente construir um mundo hipotético através de certos dados que se reduzem à extensão e ao movimento; mas como se esforça para mostrar que os fenómenos que se produziriam num tal mundo são precisamente os mesmos que se constatam no nosso, está claro que, apesar desta precaução verbal, a conclusão a que ele quer chegar é que este último é efectivamente constituído como o que ele tinha suposto inicialmente]. Não serviria de nada objectar que o que está no ponto de partida desta teoria é um "espaço vazio", porque, em primeiro lugar, isso levar-nos-ia à concepção de um continente sem conteúdo, e assim o vazio não teria nenhum lugar no mundo manifestado, porque ele próprio não é uma possibilidade de manifestação [Isto vale também contra o atomismo, porque este, não admitindo, por definição, nenhuma outra existência positiva para além dos átomos e das suas combinações, é levado forçosamente a supor entre eles um vazio no qual se possam mover]; e, em segundo lugar, já que Descartes reduz inteiramente a natureza dos corpos à extensão, é porque deve supor que a presença deles não acrescenta nada efectivamente ao que a extensão é já em si mesma. Com efeito, as propriedades diferentes dos corpos só representam para aquele filósofo, simples modificações da extensão; mas então, de onde podem provir essas propriedades se elas não são inerentes de modo nenhum à própria extensão? E como poderiam elas sê-lo se a natureza desta última estivesse desprovida de elementos qualitativos? Há nisto algo de contraditório, e, de facto, não ousamos afirmar que esta contradição, como muitas outras, aliás, não se encontra implicitamente em Descartes; este, como os materialistas mais recentes que a mais de um título deveriam reclamar-se discípulos dele, parece realmente quererem tirar o "mais" do "menos". No fundo, dizer que um corpo é só extensão, se o entendermos quantitativamente, é dizer que a sua superfície e o seu volume, que medem a porção de extensão que ele ocupa, são o próprio corpo com todas as suas propriedades, o que é manifestamente absurdo; e, se o entendermos de outro modo, é preciso admitir que a própria extensão é qualquer coisa de qualitativo, e então já não pode servir de base a uma teoria exclusivamente "mecanicista".

Mas se estas considerações demonstram que a física cartesiana não é válida, ainda não chegam, no entanto, para estabelecer nitidamente o carácter qualitativo da extensão; com efeito, poder-se-ia dizer que, se não é verdade que a natureza dos corpos se reduz à extensão, é precisamente porque eles só têm desta os seus elementos quantitativos. Mas aqui surge imediatamente a seguinte observação: entre as determinações corporais que são incontestavelmente de ordem puramente e espacial, e que, por conseguinte, podem ser olhadas verdadeiramente como modificações da extensão, não há somente a grandeza dos corpos, mas também a sua situação; ora esta é ainda alguma coisa de quantitativo? Os partidários da redução à quantidade dirão claramente que a situação dos diferentes corpos é definida pelas suas distâncias, e que a distância é uma quantidade: é a quantidade da extensão que os separa, tal como a sua grandeza é a quantidade de extensão que eles ocupam; mas esta distância será suficiente para definir a situação dos corpos no espaço? Há outra coisa que é preciso ter em conta, que é a direcção segundo a qual esta distância deve ser contada; mas, do ponto de vista quantitativo, a direcção não é importante, já que, nesta relação, o espaço não pode ser considerado como homogêneo, o que implica que as diferentes direcções não se distinguem umas das outras nele; portanto, se a direcção intervém efectivamente na situação, e se ela é evidentemente, tal como a distância, um elemento puramente espacial, é porque há na própria natureza do espaço alguma coisa de qualitativo».

René Guénon («O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos»).


«Na segunda parte dos Princípios, Descartes começa por apresentar os conceitos fundamentais da sua física e as leis da natureza para, em seguida, deduzir deles todo o sistema do mundo. A primeira coisa na qual Descartes insiste no início desta parte é na sua tese fundamental da identificação da extensão, ou do espaço, com a substância material, tese que sustenta, segundo a expressão desta passagem, que "a mesma extensão que constitui a natureza do corpo constitui também a natureza do espaço". Não esqueçamos que, em função da tese da criação das verdades eternas, esta identificação significa que o espaço, sendo ele próprio criado por Deus, possui o mesmo estatuto ontológico que a matéria: "não haveria qualquer espaço... se Deus não o tivesse estabelecido".


Newton, por William Blake



Desta tese, Descartes deduz que "não se consegue encontrar em todo o universo nenhum ponto que esteja verdadeiramente imóvel", ou seja, "que não há local de nenhuma coisa no mundo que seja fixo e definido senão quando nós o definimos no nosso pensamento". Este enunciado revela uma concepção muito relativista no que respeita à noção de espaço. Ela é uma consequência lógica da tese da identificação da matéria com o espaço. Porque, para que um ponto fique verdadeiramente imóvel, torna-se necessário pressupor, como fez Newton, um espaço absoluto independente da matéria, algo que, em Descartes, entra em contradição com a sua tese da identificação do espaço com a matéria, que o impede de colocar o espaço no exterior da matéria criada. Segundo esta tese, o espaço só é concebível em relação à matéria que constitui o universo.

Descartes transpõe esta concepção relativista para as noções de duração e tempo. Acerca da duração afirma, com efeito, no artigo 55 da primeira parte dos Princípios que "a duração de qualquer coisa é o modo pelo qual concebemos essa coisa enquanto ela continua a ser". Quanto ao tempo, considera-o como não sendo "nada, fora da verdadeira duração das coisas, senão uma maneira de pensar" para a compreender "sob a mesma medida". O espaço e o tempo, em Descartes, não são concebidos como passíveis de serem separados da matéria.

Ora, desta identificação da extensão com a matéria, ele vai deduzir várias noções importantes no tocante à concepção da natureza. São elas, em primeiro lugar, a negação do vazio e a divisibilidade da matéria até ao infinito, a saber, a negação do átomo. Há ainda duas outras, que são o carácter indefinido do mundo e a homogeneidade entre a Terra e os céus, concepções essas que determinam a visão moderna da natureza.

O segundo conceito fundamental que define a física cartesiana é o do movimento dos corpos. Descartes define-o, unicamente, como movimento local (mudança segundo o local), e exclui as outras modalidades advogadas por Aristóteles tais como as mudanças em função da qualidade, da quantidade e da substância. Nos Princípios, afirma, em primeiro lugar, que, por "movimento", entende apenas "aquele que se efectua de um lugar para outro". Mas, seguidamente, precisa-o como "o transporte de um corpo, da proximidade daqueles que o tocam imediatamente e que nós consideramos como estando em repouso, para a proximidade de outros quaisquer". Ora, em que é que consiste esta precisão que se refere à "proximidade"? Parece, numa primeira instância, que ela consiste em fornecer um ponto de referência exacto. Porém, na passagem onde Descartes defende a ausência de um ponto verdadeiramente imóvel, diz que determinamos o lugar de um corpo à superfície da Terra "por alguns pontos imóveis que imaginamos presentes no céu", pontos que não serão, portanto, vizinhos do corpo em questão.

Parece-nos, por conseguinte, que a verdadeira razão para esta precisão se encontra noutro local: Descartes fornece esta definição complementar do movimento a fim de se furtar à condenação da Igreja. Porque, devido à sua teoria do turbilhão, segundo a qual a Terra gira com a matéria do céu que a envolve, esta definição complementar permite-lhe conciliar engenhosamente a sua teoria do heliocentrismo com a negação do movimento relativo da Terra. Com efeito, exceptuando-se a passagem onde simula negar o movimento da Terra, ele não faz intervir nas suas explicações concretas dos fenómenos naturais esta definição mais restrita. Aliás, em O Mundo, o movimento é definido como aquilo "que faz com que os corpos passem de um lugar para outro e ocupem, sucessivamente, todos os espaços que estão entre eles". De toda a maneira, o movimento local só é concebido, segundo Descartes, em relação ao ponto de referência fixado por nós. Donde decorre, como é evidente, que "o movimento e o repouso não são mais do que dois modos diferentes do corpo onde eles se encontram"».

Michio Kobayashi («A Filosofia Natural de Descartes»).


«No que respeita àquelas coisas que consideramos como tendo alguma existência, necessário é que as examinemos aqui uma após outra, a fim de distinguir o que é obscuro e o que é evidente em a noção que temos de cada uma. Quando conhecemos a substância, concebemos somente uma coisa que existe de tal maneira que só tem necessidade de si própria para existir. Mas pode haver obscuridade no que toca à explicação desta frase: só ter necessidade de si próprio. Porque, falando com propriedade, só Deus é isso, e não há nenhuma coisa criada que possa existir, um só momento, sem ser sustentada e conservada pelo seu poder. Por isso há razão para dizer na Escola que o nome de substância não é "unívoco" aos olhos de Deus e das criaturas, isto é, que não há nenhuma significação desta palavra que concebamos distintamente, que convenha a ele e a elas. Todavia, porque, entre as coisas criadas, algumas são de tal natureza que não podem existir sem outras, distinguimo-las daquelas que só têm necessidade do concurso ordinário de Deus, chamando então, a estas, substâncias, e, àquelas, qualidades ou atributos das substâncias.


[...] A noção que assim temos de substância criada refere-se da mesma maneira a todas, isto é, tanto às que são imateriais como às que são materiais ou corpóreas, porque para compreender o que são substâncias, basta tão só que vejamos que podem existir sem o auxílio de qualquer outra coisa criada. Mas quando é questão de saber se alguma dessas substâncias existe verdadeiramente, isto é, se está presente no mundo, digo que não é suficiente que exista dessa maneira para que nós a apercebamos. Porque isto, só por si, nada nos faz descobrir que excite algum conhecimento particular do nosso pensamento. É necessário, além disso, que tenha alguns atributos que possamos notar; e não há nenhum que não seja suficiente para este efeito, porque uma das noções comuns é que o nada não pode ter nenhuns atributos, nem propriedades ou qualidades. Por esta razão é que logo que encontramos algum, temos motivo para concluir que é atributo de alguma substância, e que tal substância existe.

[...] Embora cada atributo seja suficiente para fazer conhecer a substância há, no entanto, um em cada uma, que constitui a sua natureza e a sua essência e de que todos os outros dependem. Assim, a extensão em comprimento, largura e altura, constitui a natureza da substância corporal e o pensamento constitui a natureza da substância que pensa. Com efeito, tudo quanto pode atribuir-se ao corpo pressupõe a extensão e não passa de dependência do que é extenso. Igualmente, todas as propriedades que encontramos na coisa pensante, limitam-se a serem diferentes maneiras de pensar. Assim não poderíamos conceber, por exemplo, uma figura, sem ser uma coisa extensa, nem movimento sem um espaço que é extenso; assim a imaginação, o sentimento e a vontade dependem de tal maneira da coisa pensante que não os podemos conceber sem ela. Podemos, pelo contrário, conceber a extensão sem figura ou sem movimento e a coisa pensante sem imaginação ou sem sentimento, e assim por diante.

[...] Podemos, portanto, ter duas noções ou ideias claras e distintas, uma de substância criada que pensa, e outra de uma substância extensa, desde que separemos, cuidadosamente, todos os atributos do pensamento dos atributos de extensão. Também nos é possível possuir ideia clara e distinta de uma substância incriada que pensa e que é independente, isto é, de um Deus, desde que não pensemos que tal ideia represente tudo o que nele é, e que a isso não misturemos nenhuma ficção do nosso entendimento: na condição de atendermos simplesmente ao que verdadeiramente está compreendido em a noção distinta que dele temos e sabemos pertencer à natureza de um Ser sumamente perfeito. Na verdade, ninguém há que possa negar que tal ideia de Deus seja em nós, pois não há razão para acreditar que o entendimento humano não possa ter nenhum conhecimento da Divindade».

René Descartes («Os Princípios da Filosofia»).


«Henry More percebia inteiramente que a noção de "espírito" era quase sempre apresentada como inconcebível, pelo menos para o espírito humano.

"Mas por minha parte, diz-nos ele, penso que a natureza de um espírito é tão concebível e fácil de definir quanto a natureza de qualquer outra coisa. Porque, no que respeita à própria essência, ou à substância despida de qualquer coisa, apenas quem é um completo noviço em especulação não admite que ela é inteiramente inconhecível, mas quanto às propriedades essenciais e inseparáveis, elas são tão inteligíveis e explicáveis num espírito quanto em qualquer outro sujeito. Ainda, por exemplo, concebo que a ideia completa de um espírito em geral, ou pelo menos de todos os espíritos finitos, criados e subordinados, consiste nas propriedades e poderes seguintes: a saber, a autopenetração, a automação, a autocontracção e dilatação, e a indivisibilidade; estas são aquelas que se estima serem mais fundamentais; acrescento aquelas que possuem em relação com outras (substâncias), e estas são o poder de penetrar, mover e modificar a matéria. Estas propriedades e poderes, reunidas em conjunto, constituem a ideia ou a noção do espírito, por meio das quais este se distingue claramente do corpo, cujas partes não podem penetrar uma na outra, que não é automotor, não pode nem contrair-se nem dilatar-se ele próprio, e cujas partes são divisíveis e separáveis umas das outras; mas as partes de um espírito não podem estar mais separadas [uma da outra] do que se não pode também destacar do Sol um raio de luz, cortando-o com tesouras feitas de um cristal transparente. Isto [o que precede] pode servir para fixar a noção de um espírito. E desta descrição resulta claramente que o espírito é uma noção de maior perfeição que o corpo, e que está, por conseguinte, mais apta a ser um atributo do que é absolutamente perfeito do que o está um corpo".

Como vemos, o método utilizado por Henry More para chegar à noção ou definição de um espírito não é complicado. Basta atribuir-lhe propriedades opostas ou contrárias às de um corpo: penetrabilidade, indivisibilidade e a faculdade de se contrair e de se dilatar, ou seja, de se estender sem evolução de continuidade a um espaço maior ou menor. Esta última propriedade tinha sido considerada durante muito tempo como pertencendo igualmente à matéria, mas, sob a influência conjunta de Demócrito e de Descartes, More nega-a à matéria e ao corpo que, enquanto tal, é incompressível e ocupa sempre a mesma quantidade de espaço.

Na Imortalidade da Alma, Henry More explica mais claramente ainda a sua noção de espírito e a maneira pela qual esta pode ser denominada. Tenta, além disso, introduzir na sua definição uma espécie de precisão terminológica. Diz, por exemplo: "Entendo por divisibilidade actual a 'discerpibilidade', a possibilidade de romper, de destacar uma parte da outra (separabilidade)". É absolutamente evidente que esta "discerpibilidade" (separabilidade) apenas pode pertencer a um corpo e que não é possível cortar em dois um espírito ou dele arrancar e destacar um pedaço.




Quanto à faculdade de se contrair ou de se dilatar, More atribui-a à "espessura" (spissitude) essencial do espírito, espécie de densidade espiritual, quarto modo ou quarta dimensão que a substância espiritual possui e que se junta às meras três dimensões normais de que estão dotados os corpos. Assim, de cada vez que um espírito de contrai, a sua "espessura essencial" cresce; pelo contrário, ela diminui quando ele se dilata. Não podemos, é certo, imaginar esta espessura, diz-nos Henry More; mas "este quarto modo é tão simples e familiar para o meu entendimento quanto as Três Dimensões o são para os meus sentidos ou para a minha imaginação".

Sendo assim, a definição do espírito torna-se muito fácil:

"Vou então definir um espírito em geral da maneira seguinte: uma substância penetrável e inseparável (indiscerpível). Compreender-se-á a conveniência desta definição e dividimos a substância em geral nos seguintes géneros primeiros: Corpo e Espírito e, seguidamente, definamos o Corpo: uma substância impenetrável e divisível (discerpível). Portanto, o género oposto a este está convenientemente definido: uma substância penetrável e inseparável (indiscerpível).

Apelo agora a qualquer homem que possa afastar todo o preconceito e que possua livre uso das suas faculdades [para que nos diga] se, na definição de espírito, não é cada termo tão inteligível e conforme à razão quanto na do corpo. Com efeito, a noção precisa de substância, [noção] na qual concebo incluídas a extensão e a actividade, é a mesma em ambos, quer ela seja inata ou comunicada. Porque a própria matéria, uma vez movida, pode mover uma outra matéria. E é tão fácil compreender o que é [ser] penetrável como impenetrável, e o que é [ser] inseparável (indiscerpível) como separável (discerpível); e sendo penetrabilidade e indiscerpibilidade [propriedades] tão imediatas do espírito quanto impenetrabilidade e a discerpibilidade o são do corpo, tanta razão há para os considerar como os atributos de um como do outro. Ora, não compreendendo a substância, na sua noção precisa, mais a impenetrabilidade do que a indiscerpibilidade, o facto de que um género de substância mantenha umas das suas partes exteriores às outras, de modo a torná-las impenetráveis umas para as outras (como o faz, por exemplo, a matéria para as partes da matéria) poderia constituir um tão bom motivo para espanto quanto o facto de que as partes de uma outra substância se mantenham tão fortemente em conjunto que elas não sejam de modo algum discerpíveis"».

Alexandre Koyré («Do Mundo Fechado ao Universo Infinito»).


«O espaço, bem como o tempo, é uma das condições que definem a existência corporal, mas estas condições são diferentes da "matéria", ou antes, da quantidade, embora se combinem naturalmente com esta; são menos "substanciais", logo, mais próximas da essência, é isso que implica a existência nelas de um aspecto qualitativo; acabámos de ver isso com o espaço, e vê-lo-emos também com o tempo. Antes disso, diremos ainda que a inexistência de um "espaço vazio", é suficiente para mostrar o absurdo de uma das "antinomias" cosmológicas de Kant; perguntar "se o mundo é infinito ou se é limitado no espaço", não tem qualquer sentido; é impossível que o espaço se estenda para além do mundo, para o poder conter, porque então tratar-se-ia de um espaço vazio, e o vazio não pode conter nunca seja o que for; pelo contrário, é o espaço que está no mundo, isto é, na manifestação, e se só estivermos atidos à consideração do domínio da manifestação corporal, poder-se-á dizer que o espaço é co-extensível a este mundo, visto que é uma das condições dele; mas este mundo não é mais infinito que o espaço, porque, como este, não contém todas as possibilidades, não representa senão uma certa ordem de possibilidades particulares, e está limitado pelas determinações que constituem a sua própria natureza. Diremos ainda, para não ter que voltar ao assunto, que é igualmente absurdo perguntar "se o mundo é eterno ou se começou no tempo"; por razões todas semelhantes, foi na realidade o tempo que começou no mundo, se se trata da manifestação universal, ou com o mundo, se se trata da manifestação corporal; mas o mundo não é eterno por causa disso, porque também há os começos intemporais; o mundo não é eterno porque é contingente, ou, noutros termos, há um começo, do mesmo modo que há um fim, porque ele não é por si só o seu princípio, ou porque não o contém em si, mas este princípio é-lhe necessariamente transcendente. Não há nenhuma dificuldade em tudo isto, e é por isso que uma boa parte das especulações dos filósofos modernos se baseia só em perguntas mal feitas, portanto, insolúveis, logo, susceptíveis de dar lugar a discussões infindas, que se desfazem inteiramente ao serem examinadas fora de qualquer preconceito, ficando logo reduzidas ao que são na realidade, isto é, simples produtos da confusão que caracteriza a mentalidade actual».

René Guénon («O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos»).







«Nous l'avons remarqué déjà, l'idealité de l'espace est double, étant tantôt la formalité d'une détermination abstraite, tantôt l'intuitivité du tableau perçu par les sens. Bergson dès l'Essai discerne ces deux aspects de la notion. Mais il les ramène l'un à l'autre. La perception de l'étendue, c'est celle des qualités hétérogènes, aperçues localisées dans l'espace homogène. Il n'y a donc qu'un seul espace, homogène et divisible à l'infini, à la fois perçu et conçu conformément à la doctrine kantienne. Mais Bergson affirme déjà cependant: "Il faudrait distinguer entre les perceptions de l'étendue et la conception de l'espace; elles son sans doute impliquées l'une dans l'autre". Bergson conclut en soulignant l'originalité de l'espace homogène conçu par l'homme, et que la perception animale ignore, l'étendue hétérogène de l'animal ne constituant pas véritablement un espace.

Matière et Mémoire fait beaucoup plus nettement la distinction de l'étendue perçue et de l'espace abstrait. Bergson y renonce à la doctrine strictement kantienne. L'étendue perçue en effet ne résulte plus d'une forme a priori de la sensibilité; la perception n'est plus considérée à la manière idéaliste comme une représentation inextensive. Bergson dénonce au contraire "la confusion métaphysique de l'étendue indivisée et de l'espace homogène".

C'est "au-dessous de la continuité des qualités sensibles" qu'il faut tendre l'espace homogène comme "un filet aux mailles indéfiniment déformables et indéfiniment divisibles". Ainsi on saisira "la masse confuse à tendance extensive... en deçà de l'espace homogène", et l'on pourra "se dégager de l'espace sans sortir de l'étendue".

Dans la perception, "ce qui est donné, ce qui est réel, c'est quelque chose d'intermédiaire entre l'étendue divisée et l'inétendu pur; c'est ce que nous avons appelé l'extensif. Ainsi, par l'extension, une médiation redevient possible entre l'inétendu et l'étendu, entre la conscience et la matière.

[...] Mais l'espace mathèmatique lui-même est-il bien toujours homogène? N'ya-t-il pas, à côté de l'uniformité de l'espace métrique, un espace diversifié, qualitatif?

Bergon recontre évidemment ici les fameux paradoxe kantien des figures symétriques non superposables sur lequel Boutroux avait insisté: "nous distinguons nous-même notre droite et notre gauche par un sentiment naturel, et... ces deux déterminations de notre propre étendue nous présentent bien alors une différence de qualité; c'est même pourquoi nous échouons à les définir".

Mais on pourrait objecter que la droite et la gauche ne sont pas des déterminations intrinsèques, mais des directions concrètes que notre action trace au travers du filet d'espace homogène. Bergson dans L'Evolution créatrice hésitera entre les deux interprétations. La "géométrie naturelle", dit-il d'abord, qui transparaît sous la "géométrie savante" emprunte sa force "à ce que sous la qualité, nous voyons confusément la grandeur transparaître": elle ignore la qualité. Quelques lignes plus loin cependant Bergson évoque "le sauvage (qui) s'entend mieux que le civilizé à evaluer les distances, à déterminer une direction" et l'animal "qui ne se représente pas non plus un espace homogène". Le sauvage et l'animal se représentent donc un espace qualitatif.

Sans doute peut-on regretter que Bergson ne soit jamais revenu sur ce point pour le préciser. Car la science de l'espace non métrique, ou qualitatif, existe (ailleurs que chez les "sauvages"): c'est la topologie, ou analysis sitûs, et Poincaré dans des articles retentissants en avait signalé aux philosophes l'importance. Si nous passons de l'abstrait au concret, cette science des directions concrètes de l'espace perçu, ce sera la gestaltpsychologie. Mais sans doute ici Bergson pourrait répondre qu'il ne s'agit pas de l'espace, mais des qualités qui le remplissent et le colorent. La doctrine en effet veut l'espace homogène, afin que ce réceptacle indéterminé puisse accueillir toutes les déterminations qualitatives, qui sont extra-spatiales, sinon par leur lieu. Mais leur lieu n'entre point dans leur essence.

L'espace homogène aura donc le dernier mot: "Plus on insistera sur la différence des impressions faites sur notre rétine par deux points d'une surface homogène, plus seulement on fera de place à l'activité de l'esprit, qui aperçoit sous forme d'homogénéité étendue ce qui est donnée comme hétérogénéité qualitative"».

François Heidsieck («Henri Bergson et la notion d'espace»).






INFINI ET CONTINU


L'idée de l'infini tel que l'entend le plus souvent Leibnitz, et qui est seulement, il ne faut jamais le perdre de vue, celle d'une multitude qui surpasse tout nombre, se présente quelquefois sous l'aspect d'un «infini discontinu», comme dans le cas des séries numériques dites infinies; mais son aspect le plus habituel, et aussi le plus important en ce qui concerne la signification du calcul infinitésimal, est celui de l'«infini continu». Il convient de se souvenir à ce propos que, quand Leibnitz, en commençant les recherches qui devaient, du moins suivant ce qu'il dit lui-même, le conduire à la découverte de sa méthode, opérait sur des séries de nombres, il n'avait à considérer que des différences finies au sens ordinaire de ce mot; les différences infinitésimales ne se présentèrent à lui que quand il s'agit d'appliquer le discontinu numérique au continu spatial. L'introduction des différentielles se justifiait donc para l'observation d'une certaine analogie entre les variations respectives de ces deux modes de la quantité; mais leur caractère infinitésimal provenait de la continuité des grandeurs auxquelles elles devaient s'appliquer, et ainsi la considération des «infiniment petits» se trouvait, pour Leibnitz, étroitement liée à la question de la «composition du continu».

Les «infiniment petits» pris «à la rigueur» seraient, comme le pensait Bernoulli, des «partes minimae» du continu; mais précisément le continu, tant qu'il existe comme tel, est toujours divisible, et, par suite, il ne saurait avoir de «partes minimae». Les «indivisibles» ne sont pas même de parties de ce par rapport à quoi ils sont indivisibles, et le «minimum» ne peut ici se concevoir que comme limite ou extrémité, non comme élément: «La ligne n'est pas seulement moindre que n'importe quelle surface, dit Leibnitz, mais elle n'est pas même une partie de la surface, mais seulement un minimum ou une extrémité» (1); et l'assimilation entre extremum et minimum peut ici se justifier, à son point de vue, par la «loi de continuité», en tant que celle-ci permet, suivant lui, le «passage à la limite», ainsi que nous l'avons déjà dit, du point par rapport au volume; mais, par contre, les éléments infinitésimaux doivent être des parties du continu, sans quoi ils ne seraient même pas des quantités; et ils ne peuvent l´être qu'à la condition de ne pas être des «infiniment petits» véritables, car ceux-ci ne seraient autre chose que ces «partes minimae» ou ces «derniers éléments» dont, à l'égard du continu, l'existence même implique contradiction. Ainsi, la composition du continu ne permet pas que les infiniment petits soient plus que de simples fictions; mais, d'un autre côté, c'ést pourtant l'existence de ce même continu qui fait que ce sont, du moins aux yeux de Leibnitz, des «fictions bien fondées»: si «tout se fait dans la géométrie comme si c'étaient de parfaites réalités», c'est parce que l'étendue, qui est l'objet de la géométrie, est continue; et, s'il en est de même dans la nature, c'est parce que les corps sont également continus, est parce qu'il y a aussi de la continuité dans tous les phénomènes tels que le mouvement, dont ces corps sont le siège, et qui sont l'objet de la mécanique et de la physique. D'ailleurs, si les corps sont continus, c'est parce qu´'ils sont étendus, et qu'ils participent de la nature de l'étendue; et, de même, de la continuité du mouvement et des divers phénomènes qui peuvent s'y ramener plus ou moins directement provient essentiellement de leur caractère spatial. C'est donc, en somme, la continuité de l'étendue qui est le véritable fondement de toutes les autres continuités qui se remarquent dans la nature corporelle; et c'est d'ailleurs pourquoi, introduisant à cet égard une distinction essentielle que Leibnitz n'avait pas faite, nous avons précisé que ce n'est pas à la «matière» comme telle, mais bien à l'étendue, que doit être attribuée en réalité la propriété de «divisibilité indéfinie».

Nous n'avons pas à examiner ici la question des autres formes possibles de la continuité, indépendantes de sa forme spatiale; en effect, c'est toujours à celle-ci qu'il faut en revenir quand on envisage des grandeurs, et ainsi sa considération suffit pour tout ce qui se rapporte aux quantités infinitésimales. Nous devons cependant y joindre la continuité du temps, car, contrairement à l'étrange opinion de Descartes à ce sujet, temps est bien réellement continu en lui-même, et non pas seulement dans la représentation spatiale par le mouvement qui sert à sa mesure (2). A cet égard, on pourrait dire que le mouvement est en quelque sorte doublement continu, car il l'est à la fois par sa condition spatiale et par sa condition temporelle; et cette sorte de combinaison du temps et de l'espace, d'où résulte le mouvement, ne serait pas possible si l'un était discontinu tandis que l'autre est continu. Cette considération permet en outre d'introduire la continuité dans certaines catégories de phénomènes naturels qui se rapportent plus directement au temps qu'à l'espace, bien que s'accomplissant dans l'un et dans l'autre également, comme, par example, le processus d'un développement organique quelconque. On pourrait d'ailleurs, pour la composition du continu temporel, répéter tout ce que nous avons dit pour celle du continu spatial, et, en vertu de cette sorte de symétrie qui existe sous certains rapports, comme nous l'avons expliqué ailleurs, entre l'espace et le temps, on aboutirait à des conclusions strictement analogues: les instants, conçus comme indivisibles, ne sont pas plus des parties de la durée que les points ne sont des parties de l'étendue, ainsi que le reconnaît également Leibnitz, et c'était d'ailleurs là encore une thèse tout à fait courante chez les scolastiques; en somme, c'ést un caractère général de tout continu que sa nature ne comporte pas l'existence de «derniers éléments».






Tout ce que nous avons dit jusqu'ici montre suffisamment dans quel sens on peut comprendre que, au point de vue où se place Leibnitz, le continu enveloppe nécessairement l'infini; mais, bien entendu, nous ne saurions admettre qu'il s'agisse lá d'une «infinité actuelle», comme si toutes les parties possibles devaient être effectivement données quand le tout est donnée, ni d'ailleurs d'une véritable infinité, qui est exclue par toute détermination, quelle qu'elle soit, et qui ne peut par conséquent être impliquée para la considération d'aucune chose particulière. Seulement, ici comme dans tous les cas où se présente l'idée d'un prétendu infini, différent du véritable Infini métaphysique, et qui pourtant, en eux-mêmes, représentent autre chose que des absurdités pures et simples, toute contradiction disparaît, et avec elle toute difficulté logique, si l'on remplace ce soit-disant infini par de l'indefini, et si l'on dit simplement que tout continu enveloppe une certaine indéfinité lorsqu'on l'envisage sous le rapport de ses éléments. C'est encore faute de faire cette distinction fondamentale de l'Infini et de l'indéfini que certains ont cru à tort qu'il n'était possible d'échapper à la contradiction d'un infini déterminé qu'en rejetant absolument le continu et en le remplaçant par du discontinu; c'est ainsi notamment que Renouvier, qui nie avec raison l'infini mathématique, mais à qui l'idée de l'Infini métaphysique est d'ailleurs tout à fait étrangère, s'est cru obligé, par la logique de son «finitisme», d'aller jusqu'à admettre l'atomisme, tombant ainsi dans une autre conception qui, comme nous l'avons vu précédemment, n'ést pas moins contradictoire que celle qu'il voulait écarter (in Les Principes du Calcul infinitésimal, Gallimard, 1988, pp. 68-71).


Notes: 

(1) Meditatio nova de natura anguli contactus et osculi, horumque usu in practica Mathesi ad figuras faciliores succedaneas difficilioribus substituendas, dans les Acta Eruditorum de Leipzig, 1686.

(2) Cf. Le Règne de la Quantité et les Signes des Temps, ch. v.


René Guénon



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