segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Genocídio contra Portugal

Escrito por Pompílio da Cruz





Sede da ONU em Nova Iorque. Ver aqui e aqui



«A ferocidade que intimida só teve em Angola efeitos contraproducentes para os que a atiçaram».

Francisco da Cunha Leão («Ensaio de Psicologia Portuguesa»).


«(...) a 10 de Março de 1961, o Conselho de Segurança inscreve efectivamente a questão de Angola na sua ordem do dia. E o ministério do Ultramar, num comunicado, sublinha a existência de um plano internacional de subversão da África portuguesa. Pelo Norte de Angola circulam estranhos panfletos convidando a população para as festas de 15 de Março, e a limpar estradas e pontes, e a tratar bem os chefes do posto, suas famílias, e todos os brancos; mas as autoridades locais não atribuem importância a tais papéis, nem lhes dão interpretação especial. E elementos oficiais americanos em Lisboa e Luanda insistem em perguntar, por razões misteriosas, se no território da província de Angola tudo está calmo».

Franco Nogueira («Salazar», V, A Resistência - 1958-1964).


«O 15 de Março (...) ultrapassou em ferocidade tudo quanto é lícito supor: homens, mulheres, crianças esquartejados, queimados e serrados vivos; filhos mortos perante os pais, mulheres mortas diante dos maridos... crianças mortas, espostejadas nos seus berços, etc, etc... Intuito de tamanha selvajaria, que acompanha a implantação do comunismo - o socialismo científico - em todo o mundo: afastar os portugueses europeus e mestiços, em especial, de Angola, pela violência, pelo medo. Na ONU sabia-se com antecedência do que iria acontecer e esperava-se uma vitória rápida e segura dos amotinados... Vê-se quem tinha a mão por baixo.

De outra parte, os terroristas foram armados, municiados, drogados e fanatizados com promessas de todo o género por estrangeiros, como sobejamente se sabe. O facto de a violência indescritível ter caído também sobre os trabalhadores bailundos é denunciador de desejo do bakongo - a tribo revoltada - vir a governar Angola... Não é nada de admirar: em África a solidariedade entre tribos não existe».

Pinheiro da Silva (pref. in «A Epopeia de Mucaba», NEOS).


«A partir do Congo e no interior de Angola organizou-se a revolta. Não restam dúvidas sobre o papel aglutinador da UPA e o trabalho de campo dos seus membros, confirmado por Holden Roberto. Durante uma visita a Túnis, Holden Roberto disse ao seu amigo e mentor Frantz Fanon: “Preste muita atenção a 15 de Março, o dia do debate nas Nações Unidas; coisas muito importantes vão acontecer nesse dia em Angola”. Em 10 de Março, por exemplo, um jovem quadro da UPA, Manuel Bernardo Pedro, incitou uma multidão de 3000 negros, reunidos numa mata perto de Nova Caipemba. As suas instruções foram específicas: destruir plantações, casas, pontes, aeródromos, quebrar enfim o sistema vital dos brancos. Este apelo à razia pura e simples decorria da perspectiva tribalista dos seguidores de Holden Roberto. Um investigador da história angolana [René Pélissier] observou: "a UPA não tinha em 1961 uma estratégia nacional, mas uma estratégia tribal para os povos Bakongo e Dembos". No dia 15 de Março, Holden Roberto estava em Nova Iorque, a pretexto da sessão do Conselho de Segurança. Reclamou para a UPA, em conferência de imprensa, a direcção de 40 000 quadros e mais de 500 000 simpatizantes dentro de Angola.

Na madrugada de 15 de Março, como se esperava em Washington, Bona, Lisboa e outras capitais, o Norte de Angola foi avassalado por uma onda de brutalidade. Grupos negros bakongos, empunhando catanas e canhangulos, armas rudimentares de fabrico nativo, lançaram um ataque generalizado às fazendas e povoações na zona de fronteira com o Congo, na Baixa do Cassange, até às cercanias de Carmona. A violência tribal disseminou-se indiscriminadamente, não poupando crianças e mulheres brancas, pelas plantações de café isoladas, as vias de transporte e os postos de abastecimento. Um escritor famoso calculou que 300 europeus foram assassinados na área de Nambuangongo, outros tantos na região de Dange-Quixete, e 200 mais a norte do distrito do Congo. Nos dias seguintes prolongaram-se os actos de fúria radical previstos pela UPA. Richard Beeston, do Daily Telegraph, o único repórter que viajou pelas áreas da violência depois de 15 de Março, contou a David Newsom, primeiro-secretário da embaixada americana em Londres: “Durante uma acção aparentemente organizada, que começou em 15 de Março, 800 portugueses entre uma população total de 10 000 foram massacrados durante três dias”. Os ataques tinham um objectivo desertificador: a eliminação dos fundamentos materiais da comunidade branca.

Muitos fazendeiros empreenderam a fuga do inferno, chegando a Luanda, e daí partindo alguns para Lisboa. Em 20 de Março, a Força Aérea tinha já evacuado do Norte mais de 3 500 pessoas, sobretudo mulheres e crianças. Um oficial do Exército testemunhou: “A Luanda afluíam os refugiados do Norte, em estado físico e de espírito que favorecia o pânico e a ideia do êxodo para a metrópole… Nos muceques agitadíssimos, o clamar de 'mata branco' enchia as noites de terror, escuras e chuvosas”. Mas outros colonos, como os habitantes de Carmona, dispuseram-se a ficar e a suster pela força das armas o que era seu pela força do trabalho. Richard Beeston: “A seguir ao massacre, os brancos do Norte fizeram justiça pelas suas próprias mãos. A primeira reacção coube à PIDE (a polícia secreta portuguesa). O Governo organizou uma milícia armada de cidadãos. Só depois o Exército interveio". Benjamin Welles reportou de Luanda a extrema insatisfação dos colonos, que acusavam as autoridades de laxismo, pediam medidas radicais e organizavam-se em milícias. Viana Lemos estimou que em resultado da ofensiva bakongo morreram cerca de 1200 brancos e 6000 negros, maioritariamente bailundos, trabalhadores eventuais. Apesar dos múltiplos boatos que precederam o 15 de Março, as Forças Armadas não tinham tomado qualquer medida preventiva e Beleza Ferraz estava em Cabinda. O dispositivo militar nos distritos do Zaire e Uíge, incluindo Carmona, Santo António do Zaire, São Salvador, Nóqui, Maquela do Zombo e Toto, limitava-se a um batalhão de caçadores a cinco companhias e uma companhia de infantaria destacada de Luanda. Por todo o Norte de Angola vulgarizaram-se as imagens apocalípticas do horror e da crueldade.

(...) Ao invés do que ocorrera no Congo, a revolta negra não se dirigia contra brancos de "passagem", com a retaguarda segura na Europa do Norte, prontos a fazer as malas à primeira escaramuça. Dirigiu-se contra colonos enraizados e sem recursos na metrópole, alguns já nascidos em Angola. Um investigador [Pélissier] notou: "Quando os militantes da UPA partiram do Congo-Léopoldville para entrarem en Angola, deixaram uma civilização branca do século XX e penetraram num mundo fechado, com uma comunidade branca pertencente ao século XIX e reagindo ainda, de muitas maneiras, como os pioneiros do Far West." Para os portugueses de Angola a violência negra tinha uma demoníaca paternidade bicéfala: os comunistas instruídos no Congo e os missionários protestantes. Como nenhuma missão foi atacada pelos bakongos, os brancos concluíram que os pastores metodistas davam cobertura à rebelião; e a imprensa de Luanda acusou-os mesmo de fornecerem armas. A retaliação não tardou. McVeigh: "A nossa missão em Luanda foi atacada por brancos portugueses, e a maioria das janelas da igreja, dos edifícios administrativos e das casas foram partidas. O nossso centro social foi completamente destruído." Noutras áreas (Libolo, Ambaca, Golunto Alto, Dondo, Cacuso), pastores e membros da Igreja Metodista foram mortos ou presos. Os 300 missionários americanos em Angola ficaram rapidamente reduzidos a 100. A UPA falhara o seu intento de não deixar um branco vivo no Norte. Mas desencadeara uma guerra para 13 anos».

José Freire Antunes («Kennedy e Salazar. O leão e a raposa»).








«O convite às autoridades portuguesas para cessarem imediatamente as medidas de repressão é uma atitude, digamos, teatral do Conselho de Segurança e que ele não tem a menor esperança de ver atendida, tão gravemente ofende os deveres de um Estado soberano. Desde os meados de Março não acharam nem o Conselho nem a Assembleia oportunidade para ordenar aos terroristas que cessassem os seus morticínios e depredações, e tantos dos seus membros o podiam ter feito com autoridade e eficácia. Mas quando intervém a autoridade cuja obrigação é garantir a vida, o trabalho e os bens de toda a população, essa obrigação ou primeiro dever do Estado não haverá de ser cumprido, porque é necessário que os terroristas continuem impunemente a sua missão de extermínio e de regresso à vida selvagem.

A consideração de que a situação de Angola é susceptível de se tornar uma ameaça para a paz e para a segurança internacionais, essa, sim, pode ter algum fundamento, mas só na medida em que alguns votantes se decidam a passar do auxílio político e financeiro que estão dando, para o auxílio directo com as suas próprias forças contra Portugal em Angola. Tudo começa a estar tão do avesso no mundo que os que agridem são beneméritos, os que se defendem são criminosos, e os Estados, cônscios dos seus deveres, que se limitam a assegurar a ordem nos seus territórios são incriminados pelos mesmos que estão na base da desordem que ali lavra. Não. Não levemos ao trágico estes excessos: a Assembleia das Nações Unidas funciona como multidão que é e portanto dentro daquelas leis psicológicas e daquele ambiente emocional a que estão sujeitas as multidões. Nestes termos é-me difícil prever se o seu comportamento se modificará para bem ou não agravará ainda para pior. Se porém virmos este sinal no céu de Nova Iorque, é meu convencimento que estão para breve catástrofes e o total descalabro da Instituição».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a ONU»).


«Desde a origem, a [...] acção colonizadora [de Portugal] reveste-se de absoluta legitimidade e, o que mais vale ainda, tem sido exercida com mais tolerância racial e mais compreensão humana que a dos outros países, em especial os Estados Unidos da América do Norte, a Rússia czarista ou bolchevista e os próprios Estados africanos, agora surgidos na ribalta da vida internacional, sem se terem libertado ainda do veso das lutas tribais e crudelíssimas práticas de colonialismo interno, fundado no esclavagismo, quando não no canibalismo. O esforço, que - repito - Portugal está desenvolvendo na actualidade para o progresso das suas províncias de além-mar, através de sucessivos Planos de Fomento, é absolutamente meritório. Está ensaiando nos vales do Limpopo e do Cunene uma colonização intensiva de trabalhadores rurais metropolitanos, que não vão arvorar-se em meros exploradores da mão-de-obra indígena, mas sim em seus iguais, igualdade revelada no exercício directo de tarefas similares em perfeita camaradagem com os aborígenes instalados na sua vizinhança. São coisas que os homens do Kremlin, da Casa Branca e do n.º 12 da Downing Street jamais poderão conceber, mas que nós compreendemos às mil maravilhas, porquanto foi precisamente assim que conseguimos fazer o portentoso Brasil. Como já se disse anteriormente, Portugal vai abalançar-se em todos os recantos dos seus territórios ultramarinos a uma obra de instrução técnica e de educação intelectual e moral, adaptada às peculiaridades regionais, divisando-se já, em prazo não muito distante, a instalação do próprio ensino superior. Às teóricas congeminações de uma ONU displicente oporemos a fórmula portuguesa de uma trajectória talvez mais lenta, mas visceralmente mais segura. Gerámos o Brasil com suor nosso, mas sem sangue e lágrimas dos naturais. Eles, os da ONU, com o Sr. H., como querem os Eisenhowers e os MacMillans, ou sem o Sr. H., como querem os K.K. de má morte, nada mais sabem gerar do que confusionismo, destemperos e vítimas.

Em suma, não deixaremos que nos expulsem das nossas colónias a pontapés no traseiro, como se verificou com os desnorteados belgas: preferimos - não me canso de afirmá-lo - defender-nos a tiro, deixando lá talvez o nosso sangue, se os grandes luminares do mundo civilizado quiserem cometer a vileza de nos trocarem à viva força por Lumumbas desconcertados e desconcertantes».

Cunha Leal («O Colonialismo dos Anticolonialistas», 1961).


«Em, 1961, quando se tomou a decisão de defender Angola contra a subversão violenta, desencadeada com os acontecimentos de 4 e 5 de Fevereiro, em Luanda, e os massacres do norte, na noite de 15 para 16 de Março, praticou-se um acto de governo que se integrava na linha dos que sempre, em circunstâncias semelhantes, outros governos portugueses, das mais variadas orientações e matizes políticos, haviam tomado.

A pressão internacional para que cedêssemos também não constituía novidade na nossa História. Apenas agora a cedência, aparentemente, não seria a favor de nenhum Estado, porque era exigida em nome do direito de todos os povos à autodeterminação, mas entendida esta estritamente como independência.

Na realidade, porém, a política de abandono que de fora nos pretendiam impor teria, como nas outras fases da nossa política externa, propósitos de expansão, só que, agora, mais disfarçados porque faziam parte de uma política global, traduzida numa estratégia que não tem por objectivo adquirir direitos sobre territórios determinados, mas assegurar posições que permitam o domínio das grandes rotas marítimas, o acesso às fontes de matérias-primas, a posse de bases militares e a possibilidade de colocação de excedentes demográficos. Uma estratégia que não tem, portanto, objectivos de domínio sobre territórios determinados, porque visa a constituir grandes zonas de influência que assegurem posições de vantagem na luta surda entre as superpotências, com a qual se continuou a Segunda Guerra Mundial.

A decisão foi tomada, portanto, em presença de factores idênticos aos que em outras épocas da História, em circunstâncias semelhantes, se haviam verificado.

O Governo entendeu ser do seu dever restabelecer a ordem, defender os direitos da soberania nacional e proteger as populações pacíficas contra a agressão.












Quimbele











Uma patrulha de soldados portugueses, alguns de origem africana, em Angola (1961).






Uma companhia de infantaria entra na mata, a caminho da Pedra Verde.






Ver aqui


























Militares artilheiros nas proximidades da Pedra Verde, em segundo plano.












Testa da coluna do Batalhão 96, em Julho de 1961, na zona do Alto Lifune.



Batalhão de Caçadores 96 desaloja guerrilheiros numa fazenda da zona de Santa Eulália.



Chegada do Batalhão 96 a Nambuangongo a 9 de Agosto de 1961.







Igreja Nambuangongo (2010). Ver aqui



Em 1961 o País aceitaria outra decisão? Seria possível abandonar Angola à onda de violência que a assolou? Seria possível negociar? Com quem?

Havia quem sustentasse não ser possível encontrar para o problema assim criado uma solução militar, afirmando dogmaticamente que na guerra subversiva não é possível a vitória por meio das armas. Haveria, pois, que procurar uma solução política! Mas qual? Haveria que negociar! Mas com quem e com que fim?

(...) A organização terrorista que lançou a luta no norte de Angola foi a UPA (União dos Povos de Angola), chefiada por Holden Roberto, a qual se apresentava como movimento nacionalista angolano.

Em termos rigorosos, nacionalismo deriva de nação. Holden Roberto, portanto, reivindicava a representação da nação angolana. Mas, em Angola, como em qualquer território africano, não se pode falar em nação, no sentido rigoroso do termo.

Em África, o grupo social que mais se aproxima do conceito de nação é a tribo.

Quando se analisa a morfologia social dos vários territórios africanos (mesmo depois de adquirirem o estatuto de Estado independente), não se encontram comunidades que possam, com propriedade, integrar o conceito de comunidade nacional ou de nação.

A unidade aparente, meramente de superfície, que neles se verifica é, na quase totalidade dos casos, muito recente. Resultou da integração nos quadros políticos e administrativos criados pelos colonizadores europeus, que não anulou as particularidades tribais e os antagonismos deles resultantes, as variedades dos fenómenos dialectais e as diferenças de escalão cultural resultantes dos fenómenos de aculturação produzidos pelos contactos entre as culturas tradicionais e a cultura europeia.

Em sentido rigoroso não se pode, portanto, falar em nacionalismos africanos. Como qualificar então os movimentos pró-independência que surgiram e triunfaram em África, a partir do fim da guerra de 1939-45?

Em primeiro lugar, é de assinalar que tais movimentos foram provocados e auxiliados pelas políticas anticolonialistas da Rússia e dos EUA, que tiveram ampla repercussão na ONU.

Depois, tem de se ter em conta certas situações existentes e acções geradas nos territórios que evoluíram para a independência.

Para as analisarmos, tem de distinguir-se duas ordens ou categorias de africanos. Aqueles que conservaram, total ou parcialmente, os padrões das culturas africanas tradicionais, e os ocidentalizados ou europeizados, isto é, aqueles que adoptaram os padrões ocidentais ou europeus de cultura.

Quanto aos primeiros, tem de se reconhecer que a inexistência de uma consciência nacional não significa que não houvesse, nas massas tribais africanas, em face dos colonizadores, um sentimento de unidade por contraste.

O sociólogo francês Georges Balandier descreveu o fenómeno dizendo: trata-se de reacções confusas, de um comportamento à base de ressentimento que tende a atribuir a culpa a todas as perturbações e calamidades, dos povos e dos territórios, aos colonizadores.

Este tipo de reacção facilitava as infiltrações com fins subversivos. Em muitos casos, traduziu-se na criação de organizações de tipo político-religioso que algumas vezes revestiam carácter endémico. Foi o caso dos Mau-Mau, no Quénia, do Quimbangismo e da Kitawala no antigo Congo Belga.

A reacção dos europeizados ou ocidentalizados, ao contrário daquela, tendia a nacionalizar-se e a manifestar-se por intermédio de três tipos de organizações - os grupos de acção, os partidos políticos e os sindicatos. Os leaders destes movimentos eram, quase sempre, nativos educados em estabelecimentos de ensino do tipo europeu (ou norte-americano) e, com muita frequência, de nível universitário. Tiveram a experiência de lutas políticas na Europa e na América, muitos deles frequentaram cursos de formação marxista na Rússia, nos Estados satélites e na China.

Vista aérea de Luanda




Foram eles que arregimentaram os nativos das cidades para a luta contra os colonizadores. Nos meios urbanos é que se constituíram os grupos, os partidos, os sindicatos e se recrutaram os quadros para as lutas políticas.

Quanto aos nativos dos meios rurais (que constituíam a maioria e continuavam integrados nas tribos), foram usados meios de propaganda adequados à sua situação cultural, para os associar aos sistemas de enquadramento e de acção anteriormente descritos.

Uma vez conquistado o poder, passada a euforia da propaganda que prometia com a independência todas as benesses que transformariam os territórios em Eldorado, surgiram as dificuldades.

As populações julgavam-se libertas de todas as obrigações. Não queriam pagar impostos, não aceitavam o trabalho. Surgiram as rivalidades entre os vários grupos políticos, ressuscitaram as divisões tribais. Surgiram as amotinações, os pronunciamentos, as guerras entre tribos. A desordem endémica, em suma.

Estas consequências da falta de verdadeira unidade nacional nos novos Estados africanos foram drasticamente combatidas. Quer dizer: os seus novos leaders, postos perante o dilema de se manterem fiéis aos slogans de propaganda de que a independência era a sequência natural de uma autonomia cultural de tipo nacional, ou de repudiar as suas consequências lógicas, pelo menos no que respeitava às estruturas sociais típicas, não hesitaram.

Para assegurar a unidade, por toda a parte o tribalismo foi combatido e instituíram-se regimes de tipo ditatorial apoiados em partidos únicos sujeitos a uma disciplina férrea.

Não se hesitou em recorrer aos meios mais violentos para eliminar as oposições. A língua do antigo colonizador foi imposta como língua nacional».

Silva Cunha («O Ultramar, a Nação e o "25 de Abril"»).


«Na opinião da maior parte dos ensaístas e estudiosos, o contexto da "África Negra" restringe-se a três idades: a pré-colonial, a colonial e a descolonizada.

Segundo eles, a África pré-colonial comportava uma civilização própria, perfeitamente individualizada, faltando-lhe só projecção universal por estar fechada sobre si mesma; a colonial seria a da conquista e da exploração dos brancos, que invadiram, dominaram e, portanto, traíram e adulteraram a mesma África; e, por fim, a descolonizada seria a do "retorno" a um passado esfacelado pela Europa, neutralista e apta a reencontrar, na sua unificação, a auto-suficiência económica, política, social e cultural.

Naquele esquema entroncam as doutrinas da negritude, do anticolonialismo e do pan-africanismo. Este último pretendendo ser o agente transmissor do segundo e o estimulante da primeira, contemporaneamente teorizada - por ironia do destino - por um europeu, de nome Sartre.

Segundo o raciocínio, simplista mas propagado, a África deixou de ser África com a chegada do branco para passar a sê-lo outra vez após a sua saída. Não importa saber sequer se é assim ou não; o que interessa é afirmá-lo e fazer crer que é verdade.

Nkrumah, Senghor, Touré, Padmore, Sartre, Marcus, Garvey e Du Bois - estes dois últimos precursores do pan-africanismo, considerado como a extrapolação política da negritude - são unânimes naquele ponto de vista, havido como a espinha dorsal da sua doutrina política.

São de Nkrumah estas palavras: "A colonização europeia é responsável por uma grande parte do crepúsculo da África. Longe de favorecer o progresso, o governo imperialista promoveu um declínio catastrófico do nível de vida do povo africano".

Senghor, por sua vez, exprime-se assim: "As revelações dos navegadores dos séculos XV a XVII forneceram a prova de que a "África Negra", que se estendia ao sul da zona desértica do Sáara, estava em pleno desenvolvimento em toda a vastidão de civilizações harmoniosas e bem formadas. Essa floração, os conquistadores europeus a destruíram, à medida que progrediam. Pode ser que tenha sido necessário o afundar doloroso de uma civilização, de uma vida pujante".






Sekou Touré é mais expressivo ao afirmar: "Quanto à nossa civilização oeste-africana, tão queimada que esteja pelo fogo da conquista europeia, eis que regressa à primavera da era nova, antes mesmo que tenham caído as primeiras chuvas da independência".

Cremos não se tornarem necessárias outras citações para mostrar a coincidência de um pensamento que esteve na base da modificação do panorama político da "África Negra", ocorrida aceleradamente após a segunda guerra mundial.

Apesar de carecer de fundamento, o pensamento expandiu-se e alimenta o pan-africanismo, que, nascido na América do Norte e estratificado na África, é hoje quase - por paradoxal que pareça - mais europeu do que africano.

É que a Europa aceitou a condenação, deixou-se imbuir pelo mesmo conceito negativista e acabou por ser ela própria a dar o substrato àquela megalomania.

Já se disse ter sido Sartre quem teorizou a negritude - tida como a síntese cultural do pan-africanismo e visando a "conservação dos valores intrínsecos da África, para os defender do mundo exterior".

Acrescentamos ter sido, sobretudo, nas assembleias, nos livros e nos gabinetes ministeriais da Europa que o pan-africanismo se divulgou, tomou raízes e adquiriu foros de cidadania.

Era a Europa contra a Europa a pretexto da África, cuja voz só se fazia ouvir por intermédio de meia dúzia de intelectuais e de políticos - eles mesmos formados, na sua maioria, em universidades europeias e em tudo, mentalidade, costumes e sensibilidade, europeus, apesar de negros.

Não se pode esquecer que o movimento contra a presença francesa em África se desenrolou em Paris, com grande relevo para o papel desempenhado pela revista Présence Africaine, cujo primeiro número saiu em Novembro de 1947, assinado por Camus, Gide, Mounier e Sartre.

Isto é elucidativo para acentuar que o pan-africanismo resultou principalmente do enfraquecimento do Ocidente, minado pela subversão comunista e pelo seu próprio cansaço. É também importante de considerar quando a Europa torna a ser chamada a África para a salvar da noite escura da aventura que experimentou».

Oliveira e Castro («A Nova África», 1967).


«É nossa convicção que estamos a defender a Europa nos últimos redutos em que ainda pode ser defendida. Se esta tese não é unanimente acolhida porque se entreveja como possível a defesa ocidental nos pequenos espaços europeus ou por força de espúrias combinações diplomáticas, um aspecto há que muito particularmente nos respeita e em que não pode ser-nos negada competência nem legitimidade de juízo - é que estamos ali a defender Portugal.

Só não se ter em conta o que representam na história e nos direitos de um povo a descoberta e a ocupação de territórios praticamente desabitados; só o desconhecimento das possibilidades dos povos de África de elevarem-se por si sós a níveis de civilização; só o desprezo da obra do branco, mau grado as suas imperfeições e deficiências, em relação a outras etnias ou culturas, empreendida nos continentes onde trabalhou ou se estabeleceu; só a incongruência, o ilogismo, a confusão em que vivemos podem explicar os discursos proferidos em altas assembleias contra os direitos de Portugal, em línguas puras da Europa, em termos clássicos de formação europeia, se bem que infelizmente rescendendo a teorias de mestres também nossos mas transviados».

Oliveira Salazar («Defesa de Angola - Defesa da Europa»).



«O 4 de Fevereiro de 1961, em que hostes do MPLA atacaram, de madrugada, a Casa de Reclusão, a Cadeia de São Paulo e a 7.ª Esquadra da PSP, na estrada do Catete, causando mortos em condições crudelíssimas, foi mais um aviso desprezado de um flagelo desmesuradamente maior: o genocídio praticado pela UPA.

Em 15 de Março, hordas de assassinos irromperam por todo o Norte de Angola, matando, violando, saqueando, com uma ferocidade indiscritível. Não descerei a pormenores da tragédia que se abateu sobre a colónia, abrindo um capítulo de barbaria na sua História. Um capítulo de horrores, em que crianças de tenra idade foram decapitadas; em que se arrancaram, à catanada, os fetos do ventre de suas mães; em que se cortaram sexos a sangue frio; em que se esmigalharam cabeças a pontapé ou atirando os corpos das vítimas contra as paredes; em que o sangue espirrava até ao tecto das habitações e corria em rio caudaloso.

(...) Ao 4 de Fevereiro foram acrescentados os incidentes no cemitério de Luanda, durante o funeral das vítimas daqueles ataques. O impacto tremendo causado na população pelos bárbaros assassínios levou a excitação ao rubro. Um fotógrafo, que se colocara no alto de umas obras, para colher melhores imagens da manifestação impressionante que era o cortejo fúnebre, foi tomado por um terrorista armado, pronto para abrir fogo. Uma simples máquina fotográfica adquiriu o aspecto de mortífera metralhadora. O repórter foi abatido e, como ele, muitos inocentes».

Pompílio da Cruz («Angola: Os Vivos e os Mortos»).





GENOCÍDIO CONTRA PORTUGAL


TERRORISMO, PRELÚDIO DE GUERRA


Os primeiros dias, as primeiras semanas de guerra são páginas de coragem, de estoicismo, de solidariedade, de nobreza dos civis angolanos.

O território - um milhão e duzentos e cinquenta mil quilómetros quadrados - estava guarnecido por forças militares e para-militares de cerca de dois mil homens. Mal armados, dispersos, sem estruturas logísticas, sem meios ofensivos e - ridículo é dizê-lo - sem munições. Perante o quadro terrífico, a população uniu-se, agarrando em pistolas, em caçadeiras (algumas obsoletas), em paus, em aduelas de barricas e defendeu-se, passado o efeito da surpresa.

Os vândalos invasores concentraram-se num triângulo, com o vêrtice no Zaire e a base na região dos Dembos, com infiltrações até Luanda.

Se houve surpresa, houve mágoa maior. Derruíam os sonhos, o orgulho da portugalidade, frente à crueldade e à histeria dos bandos atacantes. O nacionalismo angolano, com especial incidência nos Quicongos, imbuía-se de ferocidade, de opressão violenta e rápida, porque - acreditavam-no - decidiram, em curto lapso de tempo, a sorte de vencedores e vencidos.

Contudo, foi exactamente a barreira que lhe opuseram as etnias branca e negra (por muito que custe aos novos senhores de Angola, a maioria dos negros que mourejavam nas culturas do café - como os Ambundos - aliou-se aos colonos para combaterem o Terrorismo; a palavra terrorismo é feia e hoje procura-se apagá-la dos dicionários de português, mas o terrorismo existiu, em toda a sua crueza, nas terras angolanas, e não foram portugueses a escolhê-lo como meio de luta).

Em Luanda, os habitantes reclamavam, exaltadamente, providências que travassem a ofensiva da terra queimada. Armaram-se milícias que vigiavam dia e noite. Cortaram-se árvores e arbustos de jardins, que poderiam esconder a aproximação dos bandoleiros. Os automóveis eram arrumados de modo a poderem, com os faróis, devassar a noite. Desapareceram as diferenças de classe, fossem profissionais ou de cultura, para se salvar a integridade de Angola.

Os "Dragões", comandados pelo capitão José Maria Mendonça, saíram da cidade, ao encontro dos atacantes. Fui eu quem chefiou a equipa de operários da Câmara que, de um dia para o outro, retirou os canhões imprestáveis dos poucos carros de combate que existiam, instalando metralhadoras rotativas.

Bastantes vezes tenho escrito que Patriotismo é Amor e que não há amor, sem conhecimento. Afirmava-se que Angola era a província mais portuguesa de Portugal, exaltando-se o patriotismo das suas gentes. Nesse sombrio 15 de Março, milhares de selvagens drogados, pervertidos nos seus instintos mais baixos, foram detidos pelo patriotismo de mãos nuas dos que ambicionavam a paz, dos que amavam o trabalho, dos que não se conformavam com a destruição da sua terra. E, de peito aberto, aceitaram o combate desigual.

Nas outras cidades, os habitantes procederam de igual modo. Ferreira da Costa, ainda que utilizando termos burilados, relatou brilhantemente em crónicas para a Emissora Nacional, a verdade que ninguém ousará desmentir: a heroicidade, os martírios dos que se viam assediados por feras ululantes. No primeiro embate, quase mil e quinhentos brancos, cerca de três mil negros, pagaram com a vida o direito de quererem continuar portugueses.

Dragões de Angola






Invariavelmente, os criminosos faziam-se preceder por mulheres e crianças. Adversários civilizados - confiavam - não abririam fogo contra seres indefesos, apesar de a sua humanidade lhes valesse a morte. Em Santa Cruz, os atacantes não variaram de táctica de modelo comunista: mulheres e crianças na frente dos terroristas. Um alferes comandava uma força negra que começou a disparar. O oficial, ao aperceber-se da repugnante carnificina que se iniciava, levantou os braços e gritou: "Não atirem! Não atirem, que são mulheres e crianças!"... Um cipaio desfez a pontaria, descansou a espingarda e observou, com uma calma fatalista: "Meu alferes. É melhor matá-los agora, senão, daqui a dez anos, temo-los cá outra vez". Uma profecia, que se concretizou, com um erro de três anos...

Sete homens de boa vontade rodearam Silva Tavares, apoiando-o incondicionavelmente, acompanhando-o dia e noite, animando-o nos momentos em que, amachucado e deprimido, hesitava em tomar a mais elementar decisão. Fui um dos sete, com Carlos Ribeiro, sub-director do CITA; Santos e Sousa, do Rádio Clube de Angola; Ferreira da Costa, jornalista; Ataíde Ferreira, vice-presidente da União Nacional; Almeida Santos, administrador do terceiro bairro de Luanda; e Francisco Roseira.

Os mais directos colaboradores do governador-geral abandonaram-nos. Preferiam divertir-se nas boîtes a manterem-se nos seus postos. Os "sete" sempre estiveram com ele. E fui testemunha de um acto de valentia do dr. Silva Tavares, quando centenas de brancos descontrolados (e ninguém tem poder sobre multidões em cólera) quiseram incendiar os muceques. No seu carro particular, sem escolta, o governador-geral dirigiu-se ao local dos distúrbios. A pé, sozinho, misturou-se com a turba e obrigou-a a dispersar.

Não sei porquê, talvez porque era o mais politizado, talvez porque era o mais antigo em Angola, talvez porque os meus conhecimentos do meio e das gentes me proporcionassem uma acção mais profícua, fui encarregado, pelo governador-geral, de chefiar um gabinete de propaganda e contra-propaganda. E, assim, redigi um certo número de manifestos com o nome de uma organização que, em vez de UPA, era MUPA, Movimento de União dos Povos de Angola. Manifestos ou panfletos que eram entregues ao administrador Almeida Santos que, com os seus cipaios e os seus funcionários, os distribuía, pela calada da noite, nas portas de comerciantes, nas tabernas, nas casas e nas cubatas.

No dia seguinte, a Polícia intervinha, eram presas as pessoas que tinham em seu poder manifestos do MUPA e eram levadas à Administração ou à Polícia. Davam-se-lhes conselhos e mandavam-se em paz. O MUPA adoptava uma estratégia completamente diferente da UPA. Pretendia congregar, harmonizar e levar todas as etnias à concórdia. Louvava a unidade angolana, o progresso e a paz.

Essa campanha surtiu efeitos até de certo modo imprevisíveis, visto que as próprias populações nativas, residentes nos muceques, começaram a procurar refúgio não só no centro da cidade, mas também nas casas dos patrões.

De facto, os negros tinham medo de, findo o trabalho diário, voltarem aos muceques onde moravam. Alguns me procuraram nos Serviços Municipalizados e pediam autorização para dormirem nos autocarros (conhecidos, em Luanda, por machimbombos). Consentia, mas perguntava-lhes das razões que os levavam a não querer ir para casa. Justificavam-se: "Senhor engenheiro. Muceque, não. Há muita confusão... Muita confusão..."

Confusão era um eufemismo que eles empregavam para os morticínios.

Durante a noite, a cidade estremecia com um cântico aterrorizante, entoado por milhares de vozes: "Angola é nossa! Vão-se embora! Branco, vai-te embora! Angola é nossa..." Um coro intermitente, regido por um maestro invisivel. Começava, prolongava-se e, de súbito, calava-se. Até raiar o dia.

Voluntários brancos revezavam-se em patrulhas permanentes. Nervos à flor da pele, o cansaço de vigílias intermináveis, o receio de um ataque em qualquer instante, provocaram excessos e mortes. Estatuíra-se que as patrulhas identificassem os negros que circulavam pela cidade. Alguns fugiam e eram abatidos. Os desacatos, as inimizades entre os cabo-verdianos e os negros, as infiltrações de bandoleiros nos muceques, aumentava assustadoramente o número dos crimes. Tantas foram as vítimas, que tiveram de ser enterradas numa vala comum, sem identificação.

Terroristas da UPA, na região dos Dembos.


Massacres perpetrados pela UPA





















Negage: Nord evacuando civis para Luanda.












Do Norte chegavam fugitivos alucinados que tinham presenciado torturas e assassínios de familiares. Muitos, calcorreavam centenas de quilómetros, acossados e apavorados pelos perigos que os espreitavam. Escondendo-se nas florestas, escolhendo os trilhos mais ínvios, entravam em Luanda feitos farrapos humanos. Muitos, também, salvaram-se mercê da abnegação de negros que deram a vida por eles ou os furtaram à sanha dos bandoleiros. Entre Úcua e a Tentativa, um negro transportou às costas um soldado ferido.

Em rasgos de valentia, com o pundonor de militares que honram a farda, o capitão Mendonça, o alferes Robles, o capitão Maçanita foram alguns dos oficiais que supriram a escassez da defesa, travando o ímpeto dos atacantes. Seriam, depois, incoerentemente acusados de excessos...

É cómodo (e cobarde) formularem-se acusações desta índole contra homens que vergavam os ombros sob o peso de responsabilidades que os excediam, que entravam numa casa e viam mulheres de seios cortados, os sexos dilacerados por bocados de madeira; que, para onde fossem, deparavam com sanzalas queimadas, com culturas destruídas.

O terrorismo varria o Norte angolano e um punhado de heróis, pessimamente armados, consumia-se em meses de permanência no mato, com fome, com sede, com a morte a esperá-los em cada curva da picada ou na espessura do capim. Quem podia acusá-los de excessos? Os senhores do Terreiro do Paço, instalados em cómodas poltronas, bebericando whisky nos seus gabinetes com temperatura regulada? Por acaso estavam em Luanda, quando ali chegaram caixotes cheios de pedaços de carne humana? Por acaso procuraram informar-se de que eram esses restos?

Por acaso, eu estava lá e sabia que a macabra "encomenda" continha ossos, carne, nervos de uma família do Úcua. Do proprietário de um restaurante, da sua mulher, dos seus empregados negros. Por acaso eu estava lá e soube de um enfermeiro que matou, friamente, o chefe do posto, seu antigo condiscípulo em Moçâmedes. Por acaso, eu estava lá e ouvi a descrição dos massacres no Úcua e nos Dembos, dos assaltos aos camionistas desprotegidos, da selvajaria que se abatera sobre o Norte.

Quem pode acusar de excessos aqueles que heroicamente se transcenderam a si próprios, para deter a onda de crimes?


DIAS DE EPOPEIA


(...) A golpes de intrepidez, em gestos individuais de altruísmo, as reduzidíssimas forças militares e os voluntários civis puderam suster, em certa medida, o ímpeto dos terroristas e a vaga de barbaridades que inundaram o Norte.

Em Luanda, o povo pedia armas ao governador-geral, dr. Silva Tavares, e ao comandante militar, general Libório. Pediam-lhes armas para se defenderem - que eles não tinham, que não havia em Angola.

Quicabo, Carmona, Quitexe, são nomes inesquecíveis.

A Metrópole não enviava auxílio, nem de meios humanos, nem de meios materiais. A descrença apossava-se de nós, que nos apercebíamos do fim próximo. Um grupo de pessoas, de que fiz parte, convidou o governador-geral a presidir a um triunvirato constituído pelos comandantes dos diferentes ramos das Forças Armadas: o almirante Mexia Salema, da Marinha; o general Libório, do Exército; e o brigadeiro Rezende, da Força Aérea.

Pretendíamos declarar, unilateralmente, a independência ou desencadear um golpe de Estado que obrigasse o Governo Central a rever a sua política africana. Admitíamos, igualmente, que o Governo de Lisboa se transferisse para Luanda, que seria a capital do Império.

Concluiu-se pela viabilidade da formação de um Governo que, instalado no Poder, pedisse ajuda ao estrangeiro.

Nessa noite, o governador-geral telefonou a Salazar. Eu estava no palácio e ouvi a conversa. Silva Tavares informou o Presidente do Conselho da situação dramática que nos envolvia e das consequências desastrosas que não tardariam a surgir. Salazar parecia descrente e acabou por chamar ao telefone o general Libório que repetiu as palavras do governador. Às duas horas da manhã, soubemos da ordem de destacar tropas para Angola, "rapidamente e em força".

Renasceu a esperança de que nem tudo estava perdido, de que ainda seria exequível colmatar brechas, abertas na consciência e nos sentimentos das etnias.








Embarque de tropas portuguesas no Niassa (1961).







Em Abril, o "Niassa" aportou a Luanda com o primeiro contingente de tropas. Antes, forças metropolitanas aero-transportadas, tinham seguido para o Norte, distribuindo-se pelas zonas nevrálgicas onde incidiam os ataques e as violências maiores. Foram os pára-quedistas, sobretudo, que suportaram, neste interregno, as piores provações. Foram eles, como unidades optimamente treinadas, que acudiram aos locais em que o inimigo se concentrava para romper as frágeis barreiras improvisadas. Foram os "páras" que operaram em termos de eficácia, de força organizada, apesar de escassos e ignorantes do terreno e das artimanhas dos terroristas.

Mota da Costa foi o primeiro oficial pára-quedista a tombar, na guerra colonial, mantendo-se numa posição insustentável, a fim de proteger os habitantes do Bungo. O tenente "pára" Veríssimo, após defender a Damba com o seu pelotão, marchara para 31 de Janeiro, a primeira povoação a ser arrebatada aos bandoleiros, após o 15 de Março. O alferes Mota da Costa deslocou-se para o Bungo com uma secção e ali morreu, ao lado de um camionista do Negage, Caras-Lindas, destemido guia da Força Aérea. Junto dos dois corpos, o sargento Santiago, que substituiu Mota da Costa no comando, lágrimas de raiva a escorrerem-lhe pelo rosto, atirou-se para o mato, sozinho, perseguindo os assaltantes que debandavam. Nesses dias de cruenta guerra, a etnia branca recebeu, das populações negras, provas sublimes de dedicação e devoção.

Alguns marinheiros da guarnição da Base Naval eram os únicos militares de que Luanda dispunha para a sua defesa. Esses poucos homens ocupavam, pela calada da noite, postos de combate em diversos bairros, a fim de dar a ilusão de que a cidade possuía forças suficientes para resistir.

No campo da guerra psicológica, imprimiram-se panfletos de contra-propaganda que anulavam os efeitos dos slogans adversários e moralizavam os habitantes. Com autorização do governador-geral, Carlos Ribeiro, sub-director do CITA organizou e montou um sistema de escutas telefónicas (...). Detectaram-se conversas que revelaram autênticas redes de espionagem e, lamentavelmente, indiscrições "explosivas" de pessoas altamente colocadas, que falavam para familiares e amigos, em Lisboa, com uma irresponsabilidade confrangedora.

Como atrás aludi, o "Niassa" transportou as primeiras tropas para Angola. Comandava-as o tenente-coronel Sacadura Cabral, irmão de um amigo e colega meu, engenheiro de minas, que se fixara em Luanda.

É difícil descrever a emoção, o regozijo dos milhares de homens e mulheres que acorreram à avenida marginal, para aplaudirem o desfile que se efectuou. O povo angolano via, reconhecido e feliz, que a Metrópole não o abandonava e o considerava também português.

O contingente recém-chegado mal teve tempo para se aclimatar. Quase imediatamente após o desembarque, foi destacado para o Norte. Exigiu-se a esses militares um esforço sobre-humano e um espírito de sacrifício acima do normal. Não estavam preparados para a luta no mato. Desconheciam as florestas, temiam as feras, adoeciam com as mordeduras dos insectos, alarmavam-se com o sussurrar do capim. Não havia estruturas, nem meios logísticos que os alimentassem e remuniciassem com regularidade. Entravam num mundo completamente desconhecido em que até os abrigos lhes faltavam. Tinham chegado no começo das grandes chuvas. Tudo se conjugava em seu desfavor. Desastres, desequilíbrios nervosos, perdas de vida, resultaram da ausência de adaptação ao teatro de operações a que se aliavam os ardis de um inimigo estranho, treinado na guerrilha. Apesar de tudo, cumpriram, miraculosamente, a sua missão. A reconquista das terras flageladas fez-se lenta, mas firmemente. A Pedra Verde, Nambuangongo, Ambriz, Ambrizete, Santa Cruz, Mucaba, a Serra da Canda, constituíram algumas das etapas memoráveis para restabelecer a ordem e permitir alguma tranquilidade e, com ela, o regresso ao trabalho, às tarefas produtivas.

A engenharia militar, abrindo estradas e fazendo a desmatificação de extensas regiões, contribuiu valiosamente para a reconquista. E quando digo reconquista, não quero significar que os terroristas alguma vez tivessem ocupado uma parcela do território, mas que se realizavam operações de limpeza, em áreas onde eles manobravam e, de certa maneira, dominavam, pelo tipo de combate que adoptavam: batiam e fugiam; batiam e queimavam; batiam e saqueavam. Escondiam-se nas florestas mais densas, como as dos Dembos, e de lá saíam para surtidas rápidas, para emboscadas ou para obter vantagens dos ataques de surpresa (in Angola: Os Vivos e os Mortos, Intervenção, 1976, pp. 69-78).



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