sábado, 5 de maio de 2018

A Revolução dos Cravos: «manicómio em autogestão» (iii)

Escrito por João M. da Costa Figueira




Chegada de um carro celular do RAL 1 à prisão de Caxias aquando do 28 de Setembro de 1974.


«Os factos apurados pela Comissão indicam seguramente que militares, incluindo grande número de milicianos, assim como civis, entre os quais elementos afectos a organizações políticas, praticaram actos que são autênticos ultrajes aos direitos do Homem. Centenas de portugueses foram sujeitos a prisões arbitrárias, viram-se privados de garantias judiciárias, sofreram torturas físicas e morais e tornaram-se ainda vítimas de outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

Os abusos e prepotências praticados devem levar os portugueses a reflectir sobre o perigo das condutas totalitárias».

Do Comunicado da Presidência da República quando da publicação do relatório da Comissão de Averiguação de Violências sobre Presos Sujeitos às Autoridades Militares.


«O MARTÍRIO DE UM HERÓI

Em agenda, quero registar as declarações, feitas em Janeiro de 1976, pelo alferes comando Marcelino da Mata, herói da Guiné, galardoado com a Torre e Espada - um militar que me honro de ter por camarada.

Marcelino da Mata, preso e torturado, no período gonçalvista, é o símbolo de muitas outras vítimas dos cobardes assassinos pêcêpistas, que quase puseram Portugal a ferro e fogo. A defesa dessa gente, a defesa de companheiros de armas, arrastados para a ignomínia da sujeição à arrogância dos tais rapazinhos muito novos, muito "valentes", muito sebentos no corpo e na alma, também a chamámos a nós, os do MDLP.

Declarações do Alferes Comando, MARCELINO DA MATA, sobre a sua prisão e tortura sofridas no RALIS.

- No dia 17/5/75, quando me encontrava em Queluz Ocidental, ouvi pela rádio ser comunicado que me encontrava preso, no RALIS. Perante tal absurdo, dirigi-me ao Regimento de Comandos na Amadora, Unidade onde estava colocado, e falei com o Oficial de Serviço, capitão Ribeiro da Fonseca, ao qual contei o que acabara de ouvir e pedi que esclarecesse a situação.

O capitão Ribeiro da Fonseca, na minha presença, telefonou para o RALIS e falou com o tenente Coronel Leal de Almeida, tendo o mesmo respondido que me deviam levar imediatamente escoltado para esta Unidade. Telefonou ainda o capitão Fonseca para o COPCON falando directamente com o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, o qual confirmou que me devia entregar ao RALIS pois estavam concentradas todas as operações nesta Unidade. Foi assim que escoltado por tenente-comando e duas praças fui levado para o RALIS. Uma vez chegado à Unidade referida e enquanto o tenente que me escoltava se dirigia ao oficial de serviço, aproximou-se de mim um furriel armado que me disse ter ordens para me levar para a casa da guarda e manter-me aí incomunicável. Apareceu entretanto um aspirante que me levou para uma sala do edifício do Comando onde permaneci sozinho até às 24.00.

Apareceu depois das 24.00 um indivíduo alto, forte e de cabelo e barba compridos que, intitulando-se segundo comandante do RALIS, mas que depois vim a saber que se tratava de um militante do MRPP conhecido por "RIBEIRO", me estendeu um papel para aí eu escrever tudo o que sabia sobre o ELP.

Mais tarde apareceu um aspirante e um furriel chamado DUARTE e o capitão QUINHONES que tornaram a fazer a mesma pergunta. Uma vez que jamais tinha ligação com o ELP ou qualquer organização outra, respondi-lhe negativamente. Entrou então o capitão QUINHONES MAGALHÃES, disse-me que me ia fazer o mesmo que se fazia na Guiné aos "turras" quando não queriam falar e puxou do seu cinturão no que foi secundado pelo furriel Duarte. Saíu o capitão QUINHONES e regressou acompanhado de outro indivíduo, baixo e forte, que também vim a saber ser do MRPP e conhecido por "JORGE", e mais outro furriel, aos quais o capitão QUINHONES ordenou que me fossem batendo à bruta até que eu confessasse. Apareceu então o tenente coronel LEAL DE ALMEIDA que me disse que os pretos só falavam quando levavam porrada e eram torturados e que não tinha outra solução senão ordenar que me fizessem isso.

Ordenou o capitão QUINHONES que me encostassem à parede e despisse a camisa, o que tive de fazer. Após isto, fui agredido sete vezes com uma cadeira de ferro nas costas o que me provocou vários ferimentos. Não resistindo caí, mas o capitão QUINHONES disse que me pusesse de joelhos e um outro indivíduo que entrou, intitulando-se oficial de marinha agrediu-me mais duas vezes com a cadeira. Após isto o capitão QUINHONES e furriel DUARTE, um de cada lado, agrediram-me com o cinturão por todo o corpo, e eu, que já sentia dores na coluna, senti dores nas costelas e caí novamente no chão.

O capitão QUINHONES ria-se e dizia que o tenente-coronel LEAL DE ALMEIDA queria que eu falasse nem que eu ficasse todo partido e que ele ia mesmo fazer-me falar.



Marcelino da Mata














Passados uns momentos, quando me encontrava novamente sentado, e como fizesse tenção de reagir às agressões, algemaram-me e perguntaram-me se eu conhecia uns indivíduos, os quais haviam entrado mais ou menos quando me começaram a agredir com a cadeira de ferro. Como eu dissesse que conhecia alguns deles e outros não foram-me dizendo os nomes apontando para eles e enunciaram um COELHO DA SILVA, um Doutor MAURÍCIO, que não conhecia, e o JOÃO VAZ, ALVARENGA AUGUSTO FERNANDES (BATICAN) e o ARTUR, todos africanos, os quais já conhecia da Guiné. Então o capitão QUINHONES ordenou ao tal "JORGE" que pegasse num fio eléctrico e me torturasse, tendo-me este dado choques nos ouvidos, sexo e no nariz. Pela terceira vez que me fizeram isto desmaei, pois não aguentei.

Quando recuperei tornaram, o capitão QUINHONES e o furriel DUARTE, a agredir-me com os cinturões e a cadeira de ferro, sentindo eu nessa altura que devia estar com fractura da coluna e costelas e tinha vários ferimentos grandes em todo o corpo. Mais uma vez não aguentei e desmaei.

Ao recuperar os sentidos encontrava-me todo molhado e ensanguentado, não tinha movimentos nas pernas e quase não podia respirar além de fortes dores por todo o corpo.

Por volta das 6h do dia 18 trouxeram para junto de mim e dos outros indivíduos que estavam ali presos e já mencionados, o FERNANDO FIGUEIREDO ROSA, também da Guiné, ao qual agrediram com a cadeira de ferro e arrastaram para fora da sala. Entretanto entrou também uma senhora que dizia ser mulher do COELHO DA SILVA à qual o furriel apalpou as nádegas e seios e outras partes do corpo, frente ao marido. Fui algemado, logo a seguir à entrada da senhora, e conduzido à prisão onde um furriel encheu com água, até ao nível dos tornozelos a cela.

Por volta das 23.00 fui retirado da prisão e vi o tenente fuzileiro CORTE REAL e o ex-tenente fuzileiro FALCÃO LUCAS cá fora, os quais ao ver o meu estado me disseram que a eles também lhes tinham dado um "bom tratamento" mas não tanto como o meu. Fui metido, a seguir, numa Chaimite e levado para Caxias onde cheguei já pelas 01.00 ou 02.00 do dia 19/5/75. Chegado a Caxias o capitão tenente XAVIER, e o qual conhecia da Guiné, tratou-me com termos ordinários e obscenos e mandou-me levar para uma cela, apesar de ver o estado em que me encontrava e de me ter queixado e afirmado que necessitava ser assistido clinicamente. Só no dia 21/5/75 e depois de muito insistir com pedidos ao oficial de serviço, aspirante de Marinha, FERNANDES, fui levado à enfermaria de Caxias onde me fizeram os primeiros tratamentos, mas quando era necessário ser radiografado faziam-no sempre às zonas do corpo que não eram aquelas de que me queixava.

Permaneci 150 dias em Caxias e só quando fui libertado e colocado com residência fixa consegui ser tratado convenientemente e soube ter tido fractura de duas costelas e da coluna.


Lisboa, 24 de Janeiro de 1976

MARCELINO DA MATA
ALF. COMANDO».


Alpoim Calvão («De Conakry ao MDLP - dossier secreto»).


«Importa desmistificar o 25 de Abril, em que os aptos cederam o passo aos incapazes, em que, desiludidos, muitíssimos bons cidadãos preferiram o refúgio no estrangeiro, contribuindo para o desafogo alheio, a sujeitarem-se ao fluxo e ao refluxo das marés dos humores de garotos, de ladrões, ou de bêbados.

Os beirões - os rudes homens da Beira-Baixa - têm um rifão: "Quem parte e reparte e não guarda a melhor parte, ou é parvo ou não tem arte". Desfazendo no adágio, a esmagadora maioria dos "fabricantes" do 25 de Abril foi parva, mas teve arte. A diabólica arte de consumir em cinzas, no espaço de semanas, a obra secular dos Portugueses. Semeando divisões e inimizades, que nem os rudes e honestos homens da Beira-Baixa serão capazes de anular, porque a honestidade e a rectidão de carácter não bastam para apagar incêndios, nem para minorar crises de autoridade, nem para ressuscitar os mortos, nem para convencer ao regresso os que fazem falta (remendões de sapatos estragados) a um país carente de tudo - até do mais singelo bom-senso...

Importa desmistificar o 25 de Abril... por culpa dos que seguravam as rédeas do Poder, o povo português, generoso, equilibrado, trabalhador, imbuído de religiosidade, apegado a antiquíssimas tradições - abertos os diques da opressão - confundiu liberdade com licenciosidade; despolitizado, não sabia - não podia saber -, na sua transbordante alegria, que se transviava nos esconsos da indisciplina, da anarquia e do caos. Portanto, que se afastava da institucionalização da verdadeira democracia.

O histerismo colectivo apresentou aos maus observadores uma falsa imagem dos portugueses. Basta-nos pensar no relançamento de uma economia fraca, ainda mais debilitada pela alta de salários que deslumbrou as camadas laborais (e de que se aproveitaram os espertos, os menos aptos e os preguiçosos), no entanto sem a contrapartida de uma subida de produção). Males agravados pela redução do espaço territorial do País; pela pobreza dos solos; pela quase inexistência de um parque industrial, sobretudo competitivo a nível internacional; pela perda das matérias-primas do Ultramar e dos mercados desses territórios africanos. Produtividade, custos e salários estão intimamente ligados. Desprezar esta realidade é política de insensatos e de loucos.

Apontar nomes dos responsáveis? Para quê? Todos os conhecem... Talvez distinga, apenas, Melo Antunes, que ambicionou ser um filósofo social. É, quando muito, um capitão de Artilharia a ler obras político-sociais entre o arame farpado de São Salvador do Congo.



Melo Antunes










O 25 de Abril, cópia da Primavera de Praga, não foi, em rigor, uma revolução. Certo é que os oficiais que se abalançaram a derrubar o antigo regime tiveram a decisão e a força das armas para vencer. No entanto, logo, incompetentes e ingénuos, manipulados pelos estrategas comunistas, se deixaram despojar da "sua" revolução. Que admira, em consequência, que tenha aparecido, como de geração espontânea, os chamados progressistas, eufemismo que serviu de capa a desvairados e oportunistas? Que admira, em consequência, que, no mare magnum da nossa sonolência política, tenham surgido, como cogumelos após chuvada em terra fértil, tantas vítimas, muitos torturados, demasiados perseguidos, numerosos envelhecidos pela Polícia política da "deposta senhora"? A procissão dos antifascistas foi tão majestosa, que não pode ter sido verdadeira.

(...) Em Angola, só passadas 24 horas soubemos, em pormenor, o que acontecera na Metrópole.

(...) Em Luanda, como em Lisboa, os progressistas vieram à superfície com espantosa rapidez e abundância. Também lá, os antifascistas, em infindável cortejo, se apressaram a jungir ao carro do triunfo. Anteriormente, não deramos por eles...

Em Angola, como em Portugal, tombámos de humilhação em humilhação. A "revolta dos cravos" foi trampolim para monstruosas injustiças que, ainda hoje, irremediavelmente, fazem milhões de inocentes. É necessário dizer com clareza que o 25 de Abril gerou um rato feroz e insaciável, acarinhado pelos que se pavonearam na evidência nacional, chocalhando, na algibeira, os seus pequenos dinheiros de Judas. Uma revolta cuja efectivação é ponto de partida e nunca de chegada para a autêntica revolução criadora. Os traidores não souberam - e os comunistas não lho permitiram - colher os frutos apodrecidos pelo gelo da inumanidade.

Ali, como aqui, o "saneamento", a autogestão, o desrespeito pelo trabalho e pela propriedade alheios, os direitos inalienáveis individuais, a repartição das riquezas, as ocupações selvagens, as "nacionalizações", ficaram à mercê de meia-dúzia de mentecaptos e fanáticos, acolitados por um Governo sem governo. Os presos por delito comum, assassinos, vigaristas, vadios, liambistas, pelas artes mágicas de uma intrigante democracia, "viraram" presos políticos. Do delírio nos subterrâneos da criminalidade, da insensatez geral nasceram mártires. Exibiram-se mãos defeituosas pelo derrube de árvores no deserto (a angústia secara-nos o sentido do humor e não ríamos), como provas de torturas pidescas. Não foram poucos os criminosos elevados à categoria de heróis antifascistas.

Oito séculos de História foram pó, moídos nas lages da inconsciência e da má-fé. Desmobilizou-se o povo, em cantatas bombásticas, mas ocas para a prática da democracia. Momento a momento, o Programa do MFA se modificou e levedou por quiméricos arranjos (ou desarranjos) de gabinete, que não se estribavam nas tradições, nos costumes, nas aspirações dos portugueses. Ao invés, desprezando-os, prevaleceram o partidarismo desagregador, o desabrochar da inveja, o florescer da incongruência e do arrivismo, que os mesquinhos hortelãos do voto cultivaram como plantas, no jardim da desgraça. Sem que os atormentassem escrúpulos da consciência que não têm; sem se incomodarem a explicar o desrespeito pela primeira proclamação do MFA, em que se garantia a unidade interterritorial da Nação [para enganar os parvos, os tolos e os idiotas].

O processo, trasladado para o Ultramar, teve maior acuidade, de face mais sangrenta e cruel, porque o ódio racial, virulento e perverso, submergiu a obra comum. Campanhas miseráveis acirraram as etnias que se digladiaram como num circo romano. Empurraram-se os negros contra os brancos: que exploravam, que oprimiam, que escravizavam, que eram colonialistas, que eram neocolonialistas, que eram vendilhões às ordens do imperialismo (americano, inútil dizê-lo).

Aos que se arvoraram em paladinos da democracia que não instituíram em Portugal, nós, os ultramarinos, poderíamos ensinar-lhes e provar-lhes (o que não lhes conviria) que trabalhávamos, ombro a ombro, brancos e negros. Nem um Cunhal, nem um Soares, nem um Otelo, nem um Vasco, nem um Antunes, com as suas moradias e piscinas; e automóveis de luxo; e refeições sumptuosas; e clubes privativos; e honras de visitantes ilustres - pagos por nós - pensaram no convívio de raças que se estimavam e respeitavam.

Cunhais, Soares, Otelos, Vascos e Antunes, na comodidade das suas pantufas, negligentemente recostados em almofadas de impunidade, excederam as convenções internacionais e o que preconizava a ONU: o princípio da autodeterminação dos povos [salvo seja!], generosidade gratuita para eles e fatal para milhões de homens, mulheres e crianças. Que lhes custava a eles - alcandorados a postos cimeiros, de mesa farta e colchão convidativo - o sangue de uma revolução que não cumpriu nenhuma das suas promessas? Quem sabe se não aspiram ao Prémio Nobel da Paz? Escasseiam as divisas e as coroas suecas têm alta cotação na Bolsa...

Atendo-me aos factos, o 25 de Abril foi, paradoxalmente, a democracia de uma banda só - em Portugal e no Ultramar. Uma democracia trágica e grotesca para a Metrópole e para as colónias.



Ver aqui






Mário Soares e Léopold Sédar Senghor (1974).


José Eduardo dos Santos, Soares e Jonas Savimbi.




Errata: Jardim Mário Soares: um dos maiores "idiotas úteis" que esteve na origem da perda da Independência de Portugal.







Ver aqui


Em Angola, como nos demais territórios, o povo foi imolado a ideologias importadas. Sobrava aos angolanos génio para criarem uma força, para ganharem a batalha do futuro, já que os militares, ao executarem o golpe de Estado, sem inteligência e senso político que o continuasse, só reconheciam legitimidade, para quaisquer negociações, aos movimentos que lhes tinham imposto a lei das armas. E, desde logo, os autores do 25 de Abril se hipotecavam a um grupo disciplinado e mentalizado que lhes conhecia os mecanismos e os botões que devia pressionar.

Afirmava Mao Tsé-tung, repetindo os filósofos chineses, que, há mais de dois mil anos, pelas orelhas se apanham os coelhos e pelos ouvidos os homens. Os políticos "apanharam" os militares - pelos ouvidos (?) - na condução de um processo a que a "legalidade revolucionária" sancionou crimes inauditos, cobertos por uma democracia em que o povo não teve voz, salvo para aclamar os que se punham em bicos de pés, a fim de serem vistos e gritarem meias-verdades, que as hostes pró-comunistas ou sociais-imperialistas transformaram em mentiras de que se aproveitaram.

Os condicionalismos que inibiram os portugueses situavam-se muito longe da Metrópole. Tivesse Spínola lido atentamente Lenine, o seu procedimento seria outro. Para os russos, é vital exacerbar os nacionalismos no Mundo. Não o escondem: está publicado em livros que editaram.

Nesse contexto, Paris foi a cidade escolhida para, em Setembro de 1973, os partidos comunista e socialista portugueses talharem e retalharem o Ultramar. Se o moscovita Barreirinhas lutou por sua "dama", Mário Soares foi o cavalo de Tróia, como agente-motor da estratégia global do PC. Ambos são réus de alta-traição ao povo português. Eles e os seus satélites. Os dois partidos melhor organizados no País dispõem - e dispuseram antes do 25 de Abril - de fundos inesgotáveis para minguar Portugal até às dimensões de uma quinta abaixo da pontuação contemplada pela mais benevolente Reforma Agrária.

Turza Ferreira, presidente da Associação dos Agricultores de Angola, que o diga, como assistente anónimo, em Lusaka, de um encontro em que Mário Soares implorou a Samora Machel, "por amor de Deus", que aceitasse a independência de Moçambique. Samora Machel sabia as linhas com que se cosia. Não queria aceitar. Talvez o dorido queixume de Soares o comovesse. Cedeu. Possivelmente estará envergonhado - ou arrependido [nem isso!].


As "liberdades" do 25 de Abril originaram, em Angola, a constituição apressada de partidos políticos, como se fossem cardos ou as flores silvestres que pululam no território. Cerca de trinta partidos, à compita na angariação de adeptos, na organização de quadros, sem atenderem à consciencialização do povo. Mercado de ideias, lota de rebanhos, incoerentes e falhos de escrúpulos, que depois os movimentos de libertação aproveitariam para mobilizar as grandes massas, com vantagem e gáudio do MPLA.

Das três dezenas de partidos - nado-mortos - destaco a UNA (União Democrática Angolana), cujos elementos, principalmente da etnia negra, eram pacifistas e prosseguiam uma sociedade multirracial; e a FUA, não da década de cinquenta, mas "revista e actualizada", moldada às circunstâncias, tão maleável como o eng, Falcão seu eterno dirigente.

Em 4 de Maio, elementos do PPM (drs. Santos e Silva e Paulo de Castro, Francisco Roseira e eu), deslocaram-se a Lisboa, onde, no dia seguinte, mantiveram uma demorada entrevista com o general Spínola, sobre os problemas angolanos, nomeadamente o processo para a autodeterminação.

Spínola foi cortês, gentil e claro. Estava entusiasmado com o rumo da revolução. Afirmou-nos que a sua maior preocupação era encontrar um governador-geral de Angola para ele muito mais importante do que a escolha do Primeiro-Ministro do Governo português. Pediu-nos que o auxiliássemos a procurar alguém que, prestigioso, tivesse um coração africano. Deu-nos directrizes até à autodeterminação, garantiu-nos a via democrática e a ascultação do querer do povo, fossem quais fossem a sua etnia e os seus credos, para definirem o futuro de Angola. Impressionou-nos com o relato da sua acção na Guiné e do carinho que recebera das suas populações. Isso me levou a escrever um artigo intitulado "O Preço de um Homem", pois Spínola nos garantira de que os guinéus teriam perguntado ao Governo português qual o preço que exigiria para o general continuar na Guiné. Conversou connosco, deu-nos alento e acabou por nos solicitar que colaborássemos o mais possível na concretização desse ambicionado fim que seria a autonomia progressiva dos territórios ultramarinos.

General Spínola na Guiné




Nem de perto nem de longe nos podia passar pela cabeça que o encontro com Spínola não teria resultados práticos, que a sina de Angola viria a ser desgraçadamente oposta às realidades e aos desejos da população.

Brotaram, como plantas daninhas, as tergiversações na condução daquilo que, em alta grita, se chamava a descolonização.

Nunca aceitei e continuo a não aceitar a palavra descolonização. Não aceito, porque a palavra é já de si vergonhosa e pejorativa para as próprias populações autóctones, mas principalmente para os mais evoluídos. Combati, logo de princípio, as directivas que nos eram indicadas para atingir a autonomia, eivada de desvios e alçapões.

Regressados a Angola, começámos imediatamente uma propaganda de tal ordem, que nos apelidaram do partido do bom-senso. Quer dizer, lutávamos e efectuávamos sessões de esclarecimento, convictos de que a via democrática seria realizada e toda a população teria o direito de optar por aquilo que melhor servisse os seus interesses e principalmente servisse o progresso, a paz e o trabalho em Angola [o que vos valeu de muito! Santa ingenuidade!]».

Pompílio da Cruz («Angola: Os Vivos e os Mortos»).


«Encontrava-me afastado de todo o processo, sem qualquer tipo de interferência, conservando-me atento e essencialmente preocupado em entender o que, de facto, se pretendia com o golpe revolucionário e quais os seus reais objectivos.

Algumas atitudes levavam à conclusão de que, na fase inicial, e para mais facilmente conseguirem a adesão dos media, pareciam camuflar toda uma estratégia em que os verdadeiros protagonistas actuariam na sombra, conduzindo o processo para fins em que o interesse nacional não seria minimamente salvaguardado. Uma primeira questão que constituía para mim um enigma, foi a escolha dos dois homens que, aparentemente e aos olhos dos portugueses, iriam assumir, ao mais alto nível, as responsabilidades pelo cumprimento da nova ordem constitucional deduzida do programa do MFA: Spínola e Costa Gomes. Sem dúvida de que se tratava de dois chefes militares de grande prestígio no seio da instituição castrense, mas cujas divergências e incompatibilidades praticamente em todos os campos da sua acção, eram por demais evidentes e conhecidas. Tratava-se do tal "casamento" impossível. Com ambos tinha servido o tempo suficiente para reconhecer ou suspeitar de que, mais tarde ou mais cedo, os atritos e discordâncias iriam surgir entre os dois homens colocados ou escolhidos para a cúpula do novo poder. Acreditava que não dispunham de muitas alternativas. Também não entendia porque tinha sido o Gen. Spínola e não o Gen. Costa Gomes, mais antigo, a assumir as funções de presidente da República. Talvez uma manobra táctica do segundo, esperando uma melhor oportunidade. Nas minhas lucubrações, cheguei à conclusão de que um deles iria ser sacrificado quando já não tivesse interesse para o processo ou tivesse cumprido a "missão" que lhe tinha sido destinada. Ele seria a face virtual dum rosto que não pretendia dar a cara para mais facilmente prosseguir nos seus objectivos. O evoluir da situação dar-me-ia razão porque o homem a abater, depois de ter sido alcandorado ao topo da hierarquia nacional, caiu e foi afastado. Já tinha cumprido as tarefas que lhe tinham sido reservadas na sequência do processo e agora não passaria duma fonte de problemas, um obstáculo a eliminar. A sua ingenuidade política e extrema confiança que sempre afirmou depositar nos seus subordinados, constituíam os atributos que os "grupúsculos" que militavam à sua volta souberam explorar até às últimas consequências, provocando a sua morte política e militar. Costa Gomes, muito mais calculista e inteligente, mas igualmente ambicioso, não se deixaria envolver em "golpadas palacianas" e, embora pressionado, saberia conduzir a sua nau com segurança pela rota possível, sem entrar em confronto directo com a "matilha", mas sabendo contornar os muitos escolhos que lhe iam surgindo pela frente. Sem afectar o seu prestígio entre aquela "rapaziada" soube sobreviver através de soluções de compromisso sem se deixar afundar no mar de contradições e traições em que se vivia [?], chegando mesmo a impor a sua vontade em situações bastante delicadas, enfrentando e procurando controlar todas as loucuras com que permanentemente era confrontado [?].

Mas, a pouco e pouco, a máscara caía e começavam a surgir indícios claros dos objectivos primários do movimento revolucionário do 25 de Abril. As bandeiras brancas da liberdade, da democraticidade e da paz que haviam galvanizado e mobilizado a maioria dos portugueses logo após o golpe, mas mais concretamente nas manifestações de rua do 1.º de Maio, ruborizavam-se, conduzindo à suspeição e à dúvida quanto aos caminhos que se propunham trilhar para a transformação da sociedade portuguesa como tão amplamente era propalado pelos mais altos responsáveis.

Tinha decidido ficar em casa nas comemorações do 1.º do Maio, mas não resisti ao chamamento incógnito e, num dia lindo de sol e talvez esperança, lá saí com a família associando-nos à grande massa dos portugueses que transformaram as ruas das nossas cidades, vilas e aldeias em autênticos rios de almas que, inocentemente, acreditavam e sonhavam com algo de inovador de âmbito nacional e nas suas próprias vidas, mas sem terem consciência do que realmente seria. No entanto, pouco tempo passado, a fachada inicial começava a desmoronar-se e, subitamente, o medo, a ansiedade e a intranquilidade instalaram-se na grande maioria dos portugueses. Poucos, mesmo muito poucos, saberiam para onde íamos e esses não davam a cara, limitando-se a mobilizar para a sua causa os mais ingénuos, ambiciosos ou que já se encontravam ideologicamente do seu lado.






Ao centro: Durão Barroso. Ver aqui e aqui








Os pequenos grupos trotskistas, maoístas, anarquistas, os chamados peões de brega, fazem a sua aparição em força e com uma capacidade de intervenção absolutamente impensável com destaque para o MRPP, levando-nos a concentrar a nossa atenção na tremenda agitação que provocavam por toda a parte. Esta agitação criava o clima ideal para que outras forças, as forças do aparelho desde há muito organizado, se infiltrassem no tecido público e privado mas, muito especialmente, nas Forças Armadas como a água se infiltra na areia. Em 1976, o capitão Sousa e Castro, um dos mais destacados do 25 de Abril declarava numa entrevista ao semanário Tempo: "todo o processo acabou por beneficiar grandemente a estratégia soviética e as forças políticas portuguesas ligadas ao Kremlin".

Não tinha dúvidas de que a grande maioria dos "nossos capitães" acreditava que a revolução que levavam a efeito era, na sua origem, bastante liberal na sua essência e objectivos. Mas, consumado o seu sucesso, de imediato os comunistas, através de elementos mais radicais do movimento, tomaram as rédeas do processo. Logo que deixaram de ter dúvidas de que as Forças Armadas, tendo sido o veículo da revolução, não demonstravam capacidade para servirem de suporte à criação da chamada "ditadura do proletariado" duas linhas de acção importava prosseguir:

- induzir no soldado a ideologia marxista, numa espécie de lavagem de cérebro;

- e se esta via se tornasse impossível, haveria que destruir a sua lealdade e coesão, tornando-as totalmente inoperativas ou, eventualmente, provocando o seu colapso.

Esta era, sem dúvida, uma das modalidades de acção da União Soviética dentro do plano estratégico do comunismo internacional visando o seu alargamento a todas as partes do globo. Eles sabiam que nenhum movimento revolucionário teria hipóteses de sucesso, em qualquer estado moderno, sem que as suas Forças Armadas tivessem sido neutralizadas; sabiam igualmente que as armas teriam de ser voltadas contra o poder político instituído, mas nunca contra as forças que eventualmente não alinhassem. Trotsky proclamara "o máximo de agitação deve ser conduzida no seio da tropa de modo a conquistar o homem por detrás da arma, em vez de simplesmente, o eliminar com outra arma". Eram algumas linhas de acção que agora revia nas minhas notas tiradas na Alemanha, durante a já referida Primavera de Praga.

(...) Mas não era só a comunização de Portugal europeu, a Cuba do extremo Oeste da Europa, que estava em causa. Era principalmente o aparecimento de cinco países africanos que iriam cair no mundo soviético, prosseguindo a estratégia definida por Lenine para mais facilmente e com maior segurança atingir os seus objectivos na Europa - o seu envolvimento pelo sul. Decorridos dois meses após o 25 de Abril e a realidade era que as Forças Armadas estavam praticamente nas mãos dos revolucionários, uns por convicção, bastantes por oportunismo e a maior parte por acreditarem nas boas intenções dos objectivos visados e, ainda uns tantos, por ingenuidade.

Mas se o processo no Portugal europeu seguia o seu curso e o cepticismo começava a instalar-se na maioria das pessoas quanto aos objectivos definidos no programa do MFA, nos Açores e Madeira surgiam evidentes sinais de revolta, em que forças separatistas fizeram a sua aparição numa clara demonstração de não quererem embarcar na "onda de socialização" reinante no Continente.

Tudo isto conduziu a um certo alheamento em relação ao que se passava nos territórios ultramarinos em que núcleos do MFA tinham sido constituídos e conduziam localmente os PREC's segundo princípios ou linhas de acção previamente estabelecidas pelas forças ou agentes interessados em criar os novos países satélites da União Soviética. Era a entrada gigante de um dos "jogadores", enquanto o outro, sem dúvida surpreendido, como tive oportunidade de constatar, procurava perceber o que realmente ocorria neste seu parceiro da NATO.

O programa do MFA dizia, concretamente no seu número oito da terceira parte, que a política ultramarina do Governo Provisório, tendo em atenção que a sua definição competiria à Nação, orientar-se-ia pelos seguintes princípios:

- Reconhecimento de que a solução das guerras do Ultramar é política e não militar.

- Criação de condições para um debate franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino.

- Lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz.






A chegada a Angola do Alto-Comissário, Silva Cardoso.






Ver aqui








Ver aqui, aqui e aqui






Estes princípios foram inseridos no Programa e Orgânica do Governo Provisório nos seguintes termos:

Instituição de um esquema destinado à consciencialização de todas as populações residentes nos respectivos territórios, para que, mediante um debate livre e franco, possam decidir o seu futuro no respeito pelo princípio da autodeterminação, sempre em ordem à salvaguarda de uma harmónica e permanente convivência entre os vários grupos étnicos, religiosos e culturais.

A interpretação jurídica que o Dr. Almeida Santos deu a esta cláusula era que ela obrigava "à consulta directa e universal das populações das colónias, na salvaguarda dos seus interesses dentro de princípios democráticos". Durante algum tempo e em quase todas as suas intervenções públicas, Almeida Santos e a maioria dos novos políticos da época reiteravam este princípio como essencial na definição da política ultramarina dentro da nova ordem democrática que se pretendia não só instituir como consolidar. Ao povo soberano, através do voto, ser-lhes-ia dada a possibilidade de decidir do seu futuro, salvaguardando os seus interesses. Inclusivamente Mário Soares, numa entrevista que em meados de Junho deu ao "Século", afirmou: "Portugal teria o respeito mais absoluto pela vontade das populações livremente expressa, aceitando a independência como uma das opções possíveis do direito dos povos à autodeterminação".

No me admirava que a grande massa do povo português de todos os continentes aceitasse e compreendesse os princípios que iriam orientar a sua vida nos tempos que se avizinhavam. No entanto, pessoalmente, estava bastante céptico quanto à viabilidade prática da sua aplicação nos territórios ultramarinos. Reportando-me apenas a Angola, onde conhecia bastante bem a situação no terreno, não tinha quaisquer dúvidas sobre a impraticabilidade duma tal consulta, a curto ou médio prazo, visto uma guerra que ali se arrastara durante treze anos ainda não estar completamente debelada. Eu sabia, mas o pior e mais preocupante, era que os senhores do MFA, também o sabiam e nada fizeram para arranjar soluções alternativas sempre subordinadas aos interesses das gentes desses territórios. Algo parecia pouco claro em toda esta formulação de linhas de acção para resolver o problema da guerra que parecia ser um dos grandes objectivos do movimento do 25 de Abril. Foi com esta e outras bandeiras da liberdade, paz e democracia e progresso que mobilizaram e quase convenceram a grande massa do povo português. No entanto, a aceleração que imprimiram ao processo levaria à inevitável reacção e às dúvidas que se começaram a levantar quanto aos verdadeiros objectivos da revolução.

As minhas preocupações, decorrentes da agitação que se vivia em todos os sectores da vida nacional, conduziam à conclusão de que a questão do Ultramar, do maior significado para todo o espaço nacional, não iria ser resolvida democraticamente como se pretendia fazer crer mas, tão-somente, por via revolucionária. Só estranhava que um homem com a larga esperiência e conhecimento de África como o Dr. Almeida Santos viesse convictamente a defender nas suas intervenções públicas este princípio inquestionável da consulta popular. Ele também devia saber ou ter a consciência de que esse processo era impraticável no contexto social das Províncias Ultramarinas.

Já não me admirava com a demagogia do Dr. Mário Soares quanto às soluções que defendia para o problema ultramarino que, em teoria, não se afastavam muito dos princípios constantes do programa do MFA, mas que na prática não tomavam em consideração os direitos da grande maioria das populações que nunca tinham estado envolvidas em qualquer tipo de conflito subversivo ou, tendo estado, acabaram por aderir voluntariamente às forças da ordem. Em Angola, onde tinha permanecido até Setembro de 1973, talvez mais de noventa por cento das suas gentes nada tinham a ver com a guerra e, por isso, a interpretação que Almeida Santos deu ao clausulado do programa relativo à política ultramarina me parecia correcta embora inexequível em termos práticos. O conhecimento que Mário Soares tinha de África, especialmente dos territórios sob administração portuguesa, advinha certamente, aliás como afirmou, dos contactos que mantinha com elementos e refractários das nossas Forças Armadas durante os seus exílios pela Europa, que condenavam a nossa presença naquela região do globo. Recordo a sua inoportuna presença na mesa da conferência de imprensa que o padre Hastings deu em Londres uma semana antes da visita oficial a Inglaterra de Marcelo Caetano sobre a morte de civis inocentes ocorridos em Wiriyamu no distrito de Tete, em Moçambique. Mário Soares nunca tinha visitado Moçambique, nem tão pouco Angola, não falara com nenhum dos protagonistas envolvidos na operação, mas estava ali para avalizar algo que só conhecia através das informações do próprio padre Hastings. Também este, por sua vez, não tinha estado no local e o seu relato era fruto do que lhe tinha sido dito por dois padres espanhóis duma missão de Tete. Estes também não eram testemunhas oculares do alegado massacre nem lá se tinham deslocado e baseavam a sua história em informações relatadas pelos sobreviventes que se dirigiram ao hospital de Tete para receberem tratamento médico sem qualquer receio dos portugueses, pois ali a situação era totalmente controlada pelas forças da ordem. Era esta informação difusa e dispersa que constituía a razão de ser daquela conferência de imprensa a que a presença de Mário Soares pretendia dar credibilidade.

Marcello Caetano e Alec Douglas-Home em Londres (17 de Julho de 1973).



Da esquerda para a direita: Sir Hugh Foot, Adrian Hastings e Mário Soares em Londres (11 de Julho de 1973).





Houve na realidade um incidente lamentável em Wiriyamu em Dezembro de 1972 como os que acontecem em todas as guerras e muitas vezes entre as próprias forças amigas. O que se passou não corresponde minimamente ao que foi relatado e as baixas entre a população local oscilaram entre as sessenta a setenta pessoas. Segundo foi apurado, a instabilidade que se vinha verificando na área era provocada pela presença de um grupo de guerrilheiros da Frelimo que se dissimulava no seio da população da qual recebia apoio logístico. Dentro dos princípios que regem toda e qualquer acção contra-subversiva, foi planeada uma operação naquela zona com o objectivo de neutralizar o inimigo armado e acolher os nativos à nossa protecção, transferindo-os para aldeamentos previamente edificados.

Infelizmente, ao nível da execução, devido a factores inopinados e que não foi possível identificar, algo falhou e teve como consequência o incidente que logo na altura e ao longo dos tempos tem vindo a ser empolado e explorado na condenação dos métodos utilizados na forma como foi conduzida superiormente a contra-subversão. É certamente de lastimar o ocorrido que se insere dentro dos riscos inerentes à própria guerra, em especial quando a técnica do inimigo é dissimular-se no meio da população. Mas é curioso e salutar constatar que Portugal, conduzindo uma guerra em três frentes de combate num período de onze a treze anos, apenas um incidente deste tipo tenha sido referenciado e objecto de especulação política a que Mário Soares lamentavelmente se associou, não respeitando Portugal e as centenas de milhares de portugueses que por lá lutaram e alguns morreram. A sua presença naquela conferência de imprensa não poderá deixar de ser vista como um gesto de protagonismo pessoal. Claro que houve outras situações em que pessoas inocentes foram sacrificadas, mas tudo isso se terá de inserir dentro dos "custos" dum qualquer conflito armado. A nós, militares combatentes, apenas nos competia vencer a guerra no terreno para que a solução política fosse possível em condições mais favoráveis e, para tal, dispúnhamos de duas vertentes em que a nossa acção se teria de concentrar: eliminar o inimigo armado ou forçá-lo à rendição e conquistar as populações. Estes objectivos, por exemplo em Angola, foram plenamente atingidos. Mas que sabia o Dr. Mário Soares da guerra ou da própria realidade africana? Da guerra, o seu conhecimento só pode ser teórico e muito longe das condições em que centenas de milhares de portugueses se bateram com coragem e abnegação apesar de todas as carências e dificuldades que tiveram de enfrentar e, na minha opinião, não tinha um suficiente conhecimento de África que lhe permitisse fazer um juízo concreto e realista da vivência das suas populações. Mas sabia e sabe as razões que o levaram a agir com tamanha destreza logo após o 25 de Abril».

General Silva Cardoso («ANGOLA, Anatomia de uma Tragédia»).


«A "MATANÇA DA PÁSCOA"

A referência à célebre "Matança da Páscoa" devia situar-se no capítulo dedicado ao "11 de Março". Propositadamente decido localizá-la no final do texto que nos explica como deve processar-se a "tomada do Poder" pelo PCP. Há uma razão para isso: aquele texto foi elaborado depois do "25 de Novembro". Mas muito antes, em Março de 1975, houve uma tentativa de tomar o Poder pela violência, matando, à partida, as pessoas que poderiam desencadear a oposição. Essa tentativa falhou por acção de um golpe falhado que foi o "11 de Março" Foi um golpe de antecipação que - falhando - teve pelo menos a virtude de eliminar as condições propícias à matança decretada pelo PCP.

Um relatório manuscrito datado de Abril de 1975 e redigido no Rio pelo tenente Carlos Rolo é aqui portanto, transcrito do original. Um texto para o Povo Português ler e meditar. A célebre lista da "matança" tinha sido elaborada pelo PCP/LUAR. Os "revolucionários" encarregados de organizar a sua execução teriam sido segundo o relatório, Palma Inácio e Otelo (este último candidato agora à Presidência da República!...). Costa Gomes e Vasco Gonçalves "visaram" a lista! O relatório indica nomes concretos de pessoas concretas que podem testemunhar. Parece ser tempo de os portugueses começarem a compreender o que realmente se passou e que pode vir a passar-se.

"Encontrei-me em Madrid com o sr. Agostinho Barbieri, em casa dele, na rua Juan Bravo, 75-2.º, dizendo-lhe que ia lá para saber quais os apoios que haveria de Espanha e mais informações que permitissem fazer qualquer coisa em Portugal pois havia notícias de um golpe de esquerda. Que era enviado pelo general Monteiro e que também pretendíamos saber se havia dinheiro.

Respondeu-me que o melhor seria falar com o eng. Santos e Castro marcando um encontro para as 16 horas em casa dele.









Disse-me logo que o dinheiro prometido pelo António Champalimaud (50.000 contos) ainda não tinha vindo, mas que ele (António) tinha da sua autoria prometido mais 25.000 contos, ou seja um total de 75.000 contos, que seriam administrados pelo eng. Santos e Castro, prof. Soares Martinez e Agostinho Barbieri porque se encontrava fora.

Às 16 horas houve de facto uma reunião com o eng. Santos e Castro e Agostinho Barbieri e à parte dela, já no final, apareceu o Jorge Braga.

Depois de uma apresentação o eng. Santos e Castro falou, informando o seguinte:

1. Que iria haver um golpe da esquerda, notícia que aliás já tínhamos em Lisboa, mas deu como pormenores os seguintes:

a) Seria na noite de 12/13 de Março.


b) Tinha o nome de código de "Matança da Páscoa".


c) Seriam mortas 1500 pessoas: 500 militares e 1000 civis.


d) Tinham sido requisitados dois hospitais, talvez para prisões.


e) Que na lista estavam incluídos nomes de pessoas que se encontravam presas.


f) Que tinha sabido através de "ajudante de campo" ou "oficial às ordens" do Costa Gomes da existência dessa lista, por o Otelo a ter ido dar ao Costa Gomes para visar e que nessa altura, tendo o Costa Gomes pedido mais uma cópia, foi necessário, por não a haver, fazer uma fotocópia.


1. Foram feitas duas e uma delas acabou nas mãos de um oficial A.M. de nome, possivelmente, Rui Ribeiro que estava na Cova da Moura e ia avisando pessoas. Disse ainda que essa lista tinha sido elaborada por o PC/LUAR que a teria dado a Vasco Gonçalves e este tinha feito três cópias dando uma ao Palma Inácio, outra ao Otelo e uma terceira em arquivo. Este número de listas foi confirmado por conversa tida entre os "ajudantes de campo" ou "oficiais às ordens" do Costa Gomes e Vasco Gonçalves, para "controle de cópias" dos documentos secretos.


2. Que era necessário falar com o Luís Abecassis que tinha grande número de oficiais das F. A. ajuramentados com ele. Posteriormente em Lisboa o general Tavares Monteiro não foi dessa opinião.


3. Que o coronel Varela recebia diária e directamente informações do que se passava no Estado-Maior do Exército Espanhol.


4. Que à mais pequena coisa a Espanha estava pronta a invadir Portugal. Em dez horas estaria em Lisboa. Tinha três divisões prontas com dois comandos operacionais, uma na região de Badajoz (Cáceres) com um Batalhão de blindados e uma Divisão, e outro mais a Norte (Salamanca) com o resto das forças.


5. Que o Governo espanhol tinha feito circular uma carta entre os oficiais espanhóis autorizando a criação de unidades de "Viriatos".


6. Que os antigos telegrafistas da DGS estavam a trabalhar para o Varela Gomes.


7. Que tinha contacto permanente com o comandante da região aérea de Badajoz/Sevilha e que o Governo espanhol concederia asilo político e internamento de aviões.


8. Que tinha contacto com o Árias Navarro mas que quando houvesse qualquer coisa ele só seria avisado com três horas de antecedência.


9. A seguir falou de sistemas políticos».


Alpoim Calvão («De Conakry ao MDLP - dossier secreto»).








«O cerco continua a apertar-se e, em meados de Fevereiro de 1975, é elaborada uma lista de oficiais para serem presos, na qual consta o nome de Alpoim Calvão, segundo testemunha o capitão-tenente Geraldes Freire. "Nunca o vi como um opositor ao 25 de Abril, mas em Fevereiro de 1975 fui chamado pelo CEMA, Pinheiro de Azevedo, para ir ao COPCON [Comando Operacional do Continente: Criado a 8 de Julho de 1974, foi constituído sob o comando do general CEMGFA e destinado a intervir directamente na manutenção e restabelecimento da ordem, em apoio às autoridades civis e garantir a segurança em situações internas de ameaça à paz e tranquilidade públicas]. Lá mostraram-me uma lista de uma série de oficiais a prender. Havia vários oficiais da Escola de Fuzileiros, por isso, fui claro: 'Responsabilizo-me por eles mas não prendo ninguém. Depois, há aqui o Alpoim Calvão que não está debaixo da minha hierarquia, mas que também, deixem que vos diga, que acho uma grande estupidez prendê-lo, até porque vão fazer dele um herói'".

Quando António Spínola, desiludido, renuncia à Presidência da República e se afasta do poder, já Alpoim Calvão e os amigos estão organizados "para enfrentar o gonçalvismo, para salvar restos de uma Pátria que se desagregava". A estrutura é, porém, ainda muito incipiente e inofensiva. Para já, bem o sabem, organizar operações de envergadura é algo com que apenas podem sonhar.

Pelas 15h00 do dia 10 de Março, no entanto, tudo muda. O primeiro-tenente Nuno Castro Barbieri visita o antigo camarada da Guiné e amigo Alpoim Calvão para lhe transmitir que uma informação dos Serviços Secretos Espanhóis inclui o seu nome numa lista de diversas personalidades a abater. Tivera conhecimento dela numa reunião em Madrid em que participaram figuras como o seu pai Agostinho Barbieri Cardoso, ex-subdirector-geral da PIDE/DGS, Santos e Castro, ex-governador geral de Angola, e Otto Skorzeny, o famoso ex-oficial da SS que libertara Benito Mussolini, em 1943 [Oficial da Schutzstaffel (SS) e grande especialista em operações especiais durante a II Guerra Mundial, chegou a ser considerado pelos Aliados como "o homem mais perigoso da Europa". Foi escolhido pelo próprio Hitler para libertar Benito Mussolini, missão que cumpriu a 12 de Setembro de 1943, com a operação "Carvalho", no monte Gran Sasso. No final da guerra, foi preso mas não chegou a ser julgado em Nuremberga, ficando alguns anos num campo de desnazificação. Daí saiu para Espanha, onde faleceu de cancro a 6 de Julho de 1975]. O nome de código da acção: "Matança da Páscoa", de acordo com o próprio chefe do governo espanhol, Árias Navarro.

E havia mais detalhes: as execuções começariam a 12 de Março e estariam a cargo de elementos da extrema-esquerda, apoiados pelo RALI (Regimento de Lanceiros N.º 1 de Lisboa, comandado pelo tenente-coronel Leal de Almeida) e por elementos do Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros, que, alegadamente, se tinham deslocado a Portugal para essa missão [Movimento uruguaio de guerrilha urbana que operou nos anos 60 e 70, assaltando bancos e distribuindo comida e dinheiro nos bairros pobres de Montevideu, atacando as forças de segurança e executando raptos políticos]. Informações que seriam mais tarde dadas como provadas pelo juiz de instrução, Saraiva Coelho, no seu despacho sobre o processo n.º 12/76:

"Esta reunião tem efectivamente lugar na Rua Jau, casa do tenente-coronel Quintanilha, com o coronel Durval de Almeida, o tenente-coronel Xavier de Brito, o major Silva Marques e o tenente-fuzileiro Nuno Barbieri. Mais tarde chega o tenente Carlos Rolo acabado de regressar de Espanha. Confirma a existência de uma lista de pessoas a prender ou eliminar - cerca de 500 militares e 1.000 civis (...).

As prisões estavam planeadas para a noite de 12 para 13 de Março com o nome de código "Matança da Páscoa". Carlos Rolo não era portador de um exemplar ou cópia de tal lista. Esta parece que nunca ninguém a viu, nem um seu exemplar consta do processo. (...) Resolvem dar conhecimento destes factos ao general Spínola.

Também este general deveria ser preso ou eliminado em Massamá onde residia. (...)" [Despacho de instrução do processo n.º 12/76, in GUILHERME ALPOIM CALVÃO, JAIME NOGUEIRA PINTO, O 11 de Março - Peças de Um Processo, Editora Futuro Presente, Lisboa, 1995, pp. 19 e 20]».

Rui Hortelão, Luís Sanches Baêna e Abel Melo e Sousa («Alpoim Calvão. Honra e Dever»).







«É evidente que (...) não seremos fáceis de manipular, ou de nos deixarmos iludir por qualquer fraldiqueiro em nome ou ao serviço de ideologias que escondem falsos propósitos de libertação da humanidade. Bem vos conhecemos, - oh, máscaras sem vergonha!

Daí que não iríamos por certo transigir agora, com uma vida quase feita, com as falsidades primárias deste carnaval revolucionário, nesta farisaica conspiração da história, com que se pretende subverter o mundo e com ele os seus valores supremos; daí que, entre o falar gratuito e demagógico, procuremos antes o viver audacioso e coerente; daí que nos haja repugnado tanto este assalto despudorado e avassalador de novos "hunos" revolucionários, que, em escassos meses, desfizeram e desfiguraram uma Pátria oito vezes secular; daí o horror com que assistimos, neste País em leilão, à tragédia da "descolonização" nos territórios portugueses de África, aos dramas inenarráveis de um genocídio ferozmente prosseguido, perante o silêncio comprometido e acumpliciado do Mundo!».

(...) Aquilo que desde logo condenou os socialistas que regressaram do exílio para tomar conta deste País, o mesmo se podendo dizer dos comunistas, cujo Comité Central, desfeito ao 25 de Abril, era constituído, na sua grande parte, por elementos "históricos", semi-ignorantes - foi o erro de avaliação do Portugal dos anos 70. No seu sectarismo e no seu ódio, na sua estupidez incomensurável, na sua paranóia política, não se deram contam de que se haviam estabelecido, de facto, ao longo de mais de quarenta anos, no "substracto" colectivo, padrões de desenvolvimento histórico indisfarçáveis, porque reais e concretos.

Essa realidade, que se pretendeu estultamente ignorar, ou infantilmente apagar com uma esponja - como se a História pudesse ser riscada ao sabor da irracionalidade de cada um - era a de um País em franco progresso e desenvolvimento, económica e financeiramente arrumado, pouco ambicioso, é certo, mas seguro de si próprio, consciente da sua força estratégica e da sua potencialidade, financeiramente poderoso, ciosamente independente.

Tem sido dessa situação, da força real e potencial existentes ao 25 de Abril de 1974, que tem vivido dos rendimentos e de algum crédito a "corja" salteadora. Se não fora isso, de há muito que estaríamos face a tensões sociais que, irreprimíveis, teriam estalado esse verniz falsificado da Revolução Traída. Dois escassos anos bastaram para pôr o País na situação de 1926, quando os republicanos iluminados o puseram a saque...

A apojadura revolucionária deu no disparate, com vivas à santa Liberdade. No dia 26 de Abril, imediato ao da Revolução, em papéis impressos aos milhares, os ideólogos da CDE, de má memória, em bicos de pés, davam o grito de ordem: "O caminho da liberdade é, hoje, o caminho da rua".

Lenine, há sessenta anos, exclamaria, desdenhoso: "Liberdade!... Para que serve a liberdade?". De facto, com razão se diz que se se oferecer a um asiático ou a um socialista africano, emancipado, a escolha entre quatro liberdades e quatro sanduíches - ele optará imediatamente pelas sanduíches...».

João M. da Costa Figueira («25 de Abril: a Revolução da Vergonha»).


«(...) calcula-se que tenham sido cerca de 10.000 os portugueses que se radicaram no país vizinho, sobretudo em Madrid, a seguir ao 25 de Abril de 1974».

Rui Hortelão, Luís Sanches Baêna e Abel Melo e Sousa («Alpoim Calvão. Honra e Dever»).


«Sobre a coragem:

- A coragem nada é sem a razão.

- A intriga, a astúcia e as maquinações tenebrosas foram inventadas pelos cobardes para se ajudarem na sua cobardia.

- A coragem é o justo meio entre o medo e a audácia.



Orlando Vitorino. Ver aqui, aqui e aqui



- O homem corajoso actua virilmente nas circunstâncias que exigem energia e é belo morrer.

- Os homens corajosos são movidos pelo sentimento da honra.

- Os soldados profissionais fazem-se cobardes quando o perigo é grande e se sentem inferiores em número e armamento. São, então, os primeiros a fugir, ao passo que as tropas formadas por bons cidadãos morrem no campo de batalha. Para estes homens, a fuga é desonrosa e a morte é preferível à salvação pela fuga. Os profissionais, que de início defrontavam o inimigo confiantes em serem-lhe superiores, esses fogem logo que o vêem perto, receando mais a morte do que a vergonha».

(in Revista «Escola Formal», Quinto Número, Dez. 1977/Fev. 1978).




A Revolução dos Cravos: «manicómio em autogestão»



(...) As Eleições para a Constituinte - Antecedentes e consequências...


Foi, pois, sob o signo dessa campanha desabalada e feroz que veio, finalmente, a iniciar-se o período eleitoral, imediatamente antecedido pela arbitrária exclusão das candidaturas de três agrupamentos políticos: a Democracia Cristã (o partido de centro-direita considerado de maior implantação em vastas regiões, sobretudo a norte do País), a Aliança Operário-Camponesa (expressão eleitoral do partido marxista-leninista, de obediência chinesa, contrária ao social-fascismo cunhalista) e o MRPP, formação muito aguerrida, na altura, e com forte implantação nos meios escolares e universitários, de inspiração maoísta e irreconciliável adversário do Partido Comunista de Cunhal.

A tentativa de fazer envolver - aos olhos da opinião pública - os Partidos Socialista e Popular Democrático, o Centro Democrático eleitoral comum), nos acontecimentos «contra-revolucionários» de 11 de Março, passou, também, a ser uma constante da actuação dos propagandistas do Partido Comunista e dos grupos seus aliados, antes e no decurso da campanha eleitoral, apressando-se entretanto a «fabricação» de um relatório oficial mistificador dos «acontecimentos» que viria a ser divulgado, com pormenorização fantasiada, em repetidas emissões da Televisão nos três dias que antecederam as eleições em 25 de Abril de 1975, visando manifestamente desacreditar as forças políticas que, no plano nacional, mais forte concorrência faziam aos comunistas e seus associados.

Os boicotes (muitas vezes através de meios violentos) que desde há meses vinham sistematicamente a ser feitos a comícios, reuniões de esclarecimento e até a congressos de alguns partidos do centro e do centro-direita, denunciados pelo PC e outras forças esquerdistas como suspeitos de «ligações com o capitalismo e a reacção» - e que de forma especial afectaram o Partido Popular Democrático, o Centro Democrático Social e a Democracia Cristã - não deixaram de se produzir no decurso da campanha eleitoral, iniciada em 2 de Abril daquele ano. Daí que o PPD se tenha visto coagido a não promover comícios ou reuniões públicas praticamente a sul do Tejo (em Évora e Faro foram atacadas, destruídas, ou incendiadas, sedes deste partido), tendo de suportar confrontos e provocações graves em muitas outras localidades; o CDS viu-se limitado à utilização dos tempos concedidos na Televisão e na Rádio, pois os seus raros comícios realizados, e nunca anunciados, foram mesmo assim perturbados quase sempre por activistas da esquerda; a Democracia Cristã, que bem poderia ter sido a mais importante formação política a seguir ao Partido Socialista ou mesmo a par deste, viu a sua sede social, em Lisboa, assaltada e destruída, o mesmo sucedendo no rescaldo do dia 11 de Março às suas delegações do Porto e de Braga. Proibida discricionariamente do exercício de qualquer actividade até à data das eleições (...), ficou circunscrita a um papel de quase completa passividade, conferindo aos seus núcleos locais a liberdade para - de conformidade com as condições prevalecentes em cada círculo eleitoral - decidirem a orientação do voto dos seus filiados, aderentes ou simpatizantes.

Tudo isto a par da propaganda levada a efeito pelos partidos políticos, segundo a sua capacidade financeira - o PC e o MDP/CDE evidenciaram desde logo o maior dinamismo e a mais abundante disponibilidade de meios de apoio financeiro, promovendo, em conjunto, cerca de 200 comícios diários em todo o País, de uma profusa e insistente afixação de cartazes, além de disporem, a seu talante, do apoio quase unânime de todos os meios de comunicação social - e de o sector dito «progressista» do MFA intensificar, por todo o País, e designamente nas regiões do Norte, Nordeste e Centro, a suas famosas «campanhas de dinamização cultural», em curso desde Outubro de 1974, e sempre orientadas por uma actuação de tipo partenalista e intimidativo junto das populações católicas e conservadoras na província, no claro sentido de as procurar aliciar para o «socialismo revolucionário».
















Pouco contente com o apoio dado ao PC e seus filhotes, simultaneamente, em tempos de programa postos à sua disposição na Rádio oficial e na Televisão, a 5.ª Divisão do Estado Maior secundava aquelas campanhas - desencadeando, a certa altura, uma imensa e estranha acção de incitamento ao «voto em branco», contra os partidos e a afirmar adesão ao MFA... Esta caminhada, a favor do «voto em branco», foi iniciada pelo jornal «Movimento», orgão oficial do MFA, que se tornaria tristemente célebre pelo seu sectarismo, campanha essa desde logo secundada pelo ministro da Comunicação Social (Correia Jesuino) e pelo principal dirigente e orientador da Dinamização Cultural das Forças Armadas, 1.º tenente da Marinha, Ramiro Correia, ambos do Conselho Superior da Revolução e estreitamente vinculados ao vice-almirante Rosa Coutinho, antigo membro da Junta de Salvação Nacional e alto-comissário em Angola - e cuja ascendência política aumentara bastante depois do 11 de Março, o que lhe permitira assumir a direcção da Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS e designar para altos cargos no Governo, na administração da Televisão, e do mais importante matutino da Imprensa portuguesa, o «Diário de Notícias», pessoas da sua especial confiança. A campanha pelo «voto em branco» (inspirada, como outras, ao vice-almirante Rosa Coutinho pelo jornalista francês Serge Jully, prosseguiu, na Televisão e na Rádio, mesmo após terminada a propaganda eleitoral, até poucas horas do começo da votação... Isto, a despeito dos protestos do PS, do PPD e do CDS. O descaro foi tanto, que na própria madrugada do dia das eleições, a partir das zero horas de 25 de Abril, as estações de rádio controladas pelo Partido Comunista e pelo MDP/CDE, promoveram, com incitamentos e reportagens exaltantes, a realização de manifestações em todas as localidades do País, designadamente em Lisboa, onde os activistas percorreram em forte alarido ruas e praças, concentrando-se depois em frente ao Palácio Presidencial de Belém, onde se encontrava reunido o Conselho Superior da Revolução, até acerca das 4 horas!

A votação iniciada, como se sabe, às 8 horas, registou enorme afluência de eleitores, traduzida numa participação «record» superior a 90 por cento, e decorreu, de uma forma geral, sem incidentes em todo o País. As únicas perturbações da ordem haviam-se registado, de madrugada, em algumas localidades do Norte (Esposende, Braga, Porto e Guimarães), onde sedes e delegações do CDS foram atacadas ferozmente, sendo uma delas incendiada.

O País, emocionado, achava-se suspenso do acto eleitoral, pressentindo que nele se jogava qualquer coisa de muito sério para a vida e o destino dos portugueses. O primeiro apuramento dos resultados, a partir do começo da noite, oferecia alguns indícios desairosos, ainda que pouco significativos em relação ao total, para os partidos comunistas, provindo de assembleias de voto de zonas rurais e católicas do Norte do País. No entanto, cerca das 23 horas, as tendências reveladas no início das contagens mantinham-se, apesar dos resultados respeitarem a áreas já diferenciadas do continente. Pressentindo um forte desaire à esperança nesciamente posta de que o povo acudiria ao aliciamento feito - por volta da meia-noite, não apenas os partidos que viriam a ficar situados na posição de minoritários, mas os principais responsáveis do sector militar, encetariam nos programas contínuos da Televisão e da Rádio, com a açodada colaboração dos locutores, apresentadores e jornalistas, uma campanha inesperada - a da minimização das eleições, que passaram num ápice a ser apontadas, de uma forma geral, como uma irrelevante prática burguesa de que o capitalismo se serve (no Ocidente) para manipular as massas populares a fim de as afeiçoar aos seus objectivos de dominação e exploração das classes trabalhadoras...

Não podendo esconder o facto de mais de 90 por cento da população com idade superior a 18 anos ter participado com o seu voto - interpretava-se essa circunstância como «representando um referendum popular à actuação do MFA e à sua acção socialista», alegando-se que a repartição dos votos pelos partidos não tinha especial significado dada a «despolitização» e a «impreparação» do povo, consequência de meio século de dominação fascista; estas duas interpretações, entre si contraditórias, não mais deixariam de ser exploradas e acentuadas, quer na Imprensa, Rádio e Televisão, quer nos discursos e declarações do Primeiro-Ministro, bem como da grande maioria de alguns dos membros analfabetos do Conselho da Revolução - que ao mesmo tempo se empenhavam em explicar que os resultados apurados não teriam qualquer reflexo no desenvolvimento do processo revolucionário nem, tão pouco, na presente constituição do Governo, preconizando, unanimemente, a indispensabilidade, sim, dos «partidos sinceramente empenhados na construção do socialismo» se orientarem, unitariamente, para obstar desse modo a qualquer eventual e indesejável «divisionismo» das classes trabalhadoras...

No interior do edifício da Fundação Gulbenkian, à medida que se iam fazendo leituras de resultados, assistia-se a pequenas «batalhas verbais», a cenas entre o cómico e o trágico, de indivíduos que vinham a enganar-se a si próprios e a uma «realidade» que persistiam estulta e doentiamente em ignorar, fabricando uma «imagem falseada» do País e do Povo Português, pelo que se entreolhavam entre paranóicos e obtusos.


Fundação Gulbenkian






Começo da «Desilusão Comunista» - Eleições livres não são a sua vocação...


Ao princípio da madrugada, quando não restavam ilusões aos nossos revolucionários de opereta, Ramiro Correia, pedaço de asno, membro do Conselho da Revolução e da Comissão Dinamizadora Central, afirmara para as câmaras e para a rádio: «estas eleições são realizadas em liberdade, mas não são livres», focando as dependências sociais, económicas e políticas que amarram o povo português - levantando questões como esta: «Nas fábricas, nas obras, nos campos, em momentos de opção, votou-se bastante à esquerda; por que razão os trabalhadores, na altura da escolha nacional, tão importante, esqueceram os interesses que antes haviam defendido?».

Cerca de uma hora da madrugada, o Primeiro-Ministro, Vasco Gonçalves, com os seus poucos cabelos hirsutos, num esgar grotesco, declarava, por seu turno: «Uma nova sociedade, a sociedade socialista, é o que queremos construir, e para tal vive-se um momento que só encontra paralelo na história do ano de 1385, com Aljubarrota»...

Pouco antes, cerca da meia-noite, o Presidente da República, Costa Gomes, naquele seu ar de perplexidade exasperante, num socialismo meio gaguejado, como o de Jorge Campinos, não encontraria melhor declaração que esta: «O povo português acaba de nos dar a maior lição de civismo que nós poderíamos esperar. Eu não tinha dúvidas sobre a forma como as eleições iriam decorrer, mas estou convencido de que a concentração extraordinária de elementos da informação de todo o mundo se realizou por que esperavam acontecimentos anormais em Portugal»...

Para o conselheiro Vasco Lourenço, a meio da madrugada, a opinião era de que o acto eleitoral e a adesão ao mesmo «fora uma vitória extraordinária para o processo revolucionário, independentemente do apuramento de votos e de percentagens. Fora uma prova extraordinária (a maior depois do 25 de Abril do ano passado) do povo português, que deixava assim bem claro que participara e fizera a Revolução em colaboração com o Movimento das Forças Armadas. Os resultados, por agora, são só parciais, mas já representam alguma coisa: querem dizer que o povo está com a opção socialista definida pelo MFA»...

Nunca a resposta ao principal cartaz publicitário do Partido Comunista, difundido aos milhares por esse País fora, obteve resposta mais pronta e adequada: O voto é a arma do Povo! Com efeito, dos 90 por cento, cerca de 80 foi um concludente NÃO ao comunismo.

A partir de 27 de Abril - o Partido Socialista, congregando centenas de milhares de votos da direita conservadora, que, por segurança, se acoitou no partido de Mário Soares, como melhor meio de se defender do assalto comunista ao poder, e o Partido Popular Democrático, respectivamente, com 37,87 por cento e 26,38 dos votos, apresentavam-se como grandes vencedores das eleições. Por essa razão, passaram desde então a ficar sob o fogo impiedoso não só dos partidos vencidos, com destaque para o Partido Comunista que não conseguiu somar só por si mais do que 12,53 por cento e o seu filhote MDP/CDE, com apenas uns escassos 4,1 por cento, como de, praticamente, toda a Imprensa, Rádio e Televisão. Por seu lado, a própria Intersindical, instituída pelo Conselho da Revolução, em 30 de Abril, como a única Central Sindical autorizada, ao assumir o exclusivo direito de comemorar o 1.º de Maio, imediatamente anunciou excluir da participação em tais festejos os partidos da «burguesia»: PPD e CDS (em conjunto, 34 por cento dos votos!). Perante o protesto do Partido Socialista, contra essa abusiva decisão e contra o predomínio que nas celebrações programadas se pretendia conferir ao recém-derrotado PC e seus satélites - a Intersindical acabou por anti-democraticamente, à boa maneira comunista, marginalizar, também, o próprio PS a pretexto de «inadmissíveis manobras divisionistas»...

Inteiramente a par do que se passava, e apesar disso, o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e o Conselho da Revolução, na sua máxima força (homologando, dessa maneira, a feição marcadamente partidária e minoritária das comemorações), compareceram no comício promovido pela Intersindical no campo 1.º de Maio, tomando lugar na Tribuna apenas com os representantes do Partido Comunista e seus aliados, não se coibindo de proferir discursos em que (com excepção para o do presidente Costa Gomes) fora feita completa omissão ao acto eleitoral realizado cinco dias antes... Aos ministros Mário Soares e Salgado Zenha, foi violentamente impedido o acesso à tribuna presidencial, tendo-se exercido sobre ambos sérias e graves tentativas de agressão de que se conseguiram salvar por intervenção decidida e enérgica de militantes do seu partido e da Polícia Militar.

Vasco Gonçalves e Costa Gomes







Em atitude de desagravo, e mesmo sem terem conseguido que qualquer jornal, emissora de rádio ou da televisão, se fizessem prévio eco da notícia - os socialistas realizaram no dia seguinte, em Lisboa e Porto, manifestações que reuniram muitas dezenas de milhar de pessoas. O Governo, por paradoxal que pareça, não autorizou nenhuma dessas manifestações - pelo que tendo sido consideradas ilegais não mereceram dos orgãos de comunicação social mais do que breves linhas ou poucas palavras, mesmo assim menos noticiosas do que recriminatórias.


SITUAÇÃO PÓS-ELEITORAL

(principais partidos, com votação significativa)




De notar que o total de votos obtidos pelos grupos satélites do Partido Comunista: MDP/CDE, FSP e MES não foi além de 6 por cento, somando estes dois últimos, respectivamente, 1,17 por cento e 1,02 com 66 100 votos e 57 690...


(...) O malogro do voto em branco - Leitura dos resultados...


A primeira evidência que ressalta dos resultados apurados, respeita à insignificante «resposta» dada pelo eleitorado à intensa campanha do MFA a favor do voto em branco. Com efeito, se o número dos votos nulos, por preenchimento deficiente do boletim de voto, se situou na ordem dos 4 por cento, a percentagem dos votos «brancos» expressos não chegou a atingir 3 por cento! Ora, em declarações produzidas na Televisão perante os jornalistas nacionais e estrangeiros, no dia imediato ao das eleições, o ministro da Comunicação Social, comandante da Marinha, Correia Jesuino, que se fazia acompanhar do 1.º tenente Ramiro Correia, principal responsável da Dinamização Cultural das Forças Armadas e membro do Conselho da Revolução, afirmava que, de acordo com sondagens mandadas fazer pelo MFA, seria de prever que os votos em «branco» se situassem na ordem dos 40 por cento dos sufrágios a recolher!

Legítimo parece, pois, concluir que a votação popular não constituiu como se pretendeu fazer crer um plebiscito da adesão do Povo Português ao Movimento das Forças Armadas. E a reforçar esta conclusão (contrariando, igualmente, a afirmativa de que os votos expressos representaram uma «esmagadora aprovação» do País à opção socialista proclamada na sequência do 11 de Março), está o facto de o Partido Comunista e o MDP/CDE e seus aliados terem alcançado, em conjunto, apenas 19 por cento dos sufrágios recolhidos - ou seja menos de um quinto do total - apesar de serem, praticamente, ao longo de um ano, as forças políticas privilegiadas pelo MFA e pelos meios de comunicação social.

O Partido Socialista, com mais de um terço dos sufrágios relativamente à totalidade da população recenseada (6 176 559 eleitores), registou a votação mais homogénea em todos os distritos do continente, vencendo, destacadamente, em Lisboa e no Porto e, também, em distritos do Sul do País onde o Partido Comunista se presumia dominador incontestado, tais como Santarém, Portalegre, Évora e Faro; no fortemente industrializado de Setúbal e no predominantemente ruralizado de Beja, igualou, praticamente, o seu mais directo competidor - e, isto, apesar de todas as administrações municipais e de um dos governos civis, se acharem em mãos de elementos comunistas confessos...

O mapa dos resultados, sobretudo nesta zona do País, e um pouco por toda a parte, torna patente a verificação de um descolamento dos votos do centro e da direita (dos sectores mais conservadores da população), a favor daquele Partido que, no convencimento generalizado das pessoas, melhores condições reunia para se opor aos desígnios comunistas - ameaça real e mais imediata, exactamente, nos distritos do Vale do Tejo (Santarém e Portalegre), na grande zona urbana e industrial de Lisboa, como nas circunscrições de Setúbal, Évora, Beja e Faro. De facto, nem o PPD e muito menos o CDS registaram, nessas regiões, o número de votos que seria natural que lhes fossem endossados, aos quais deveriam acrescer-se os dos partidários da Democracia Cristã, impedidos de votar, como referimos.

Mas se o insucesso do Partido Comunista e do seu principal aliado (MDP/CDE) nestas regiões, pode ter surpreendido algum observador, os desaires sofridos pelos comunistas no Centro (e sobretudo nas zonas industrializadas do litoral), no distrito do Porto e no resto do Norte do País, é amplamente significativo de quanto o Povo Português repudia e detesta o totalitarismo de Moscovo. Verifica-se, aí, exceptuando Coimbra, que as três forças políticas mais votadas foram sempre o PPD (social-democracia), o PS (socialismo em liberdade) [?] e o CDS (democracia personalista, na linha da democracia cristã).






'Encontro' do MDP/CDE






Relativamente aos distritos insulares (três no arquipélago dos Açores e um constituído pela Madeira e Porto Santo), o PPD venceu largamente em todos; o PS registou significativas percentagens em Ponta Delgada e na Madeira, competindo razoavelmente nos outros dois; o CDS embora não recolhendo muitos sufrágios, marcou presença em terceiro lugar, em cada distrito - não passando os sufrágios recolhidos pelo PC e pelo MDP/CDE de insignificantes e, por isso, meramente simbólicos.


(...) Reacção comunista à derrota eleitoral... - Subversão social a todo o vapor...


Apesar de peregrina evidência deste quadro, verificou-se uma situação que seria cómica se não estivesse perto de conduzir o País para a tragédia de uma guerra civil. De facto, uma vez ultrapassado e minimizado o fenómeno eleitoral, como se o Povo Português não tivesse inequivocamente demonstrado o que queria e o que não queria - o Partido Comunista e os orgãos por ele controlados ou simplesmente influenciados, com o indisfarçável apoio dos militares «progressistas», iniciaram nova escalada, como se nada se tivesse passado, em ordem a recuperarem do fragoroso desaire registado nas urnas, tanto na reunificação e reforço moral dos seus militantes - no plano interno do Partido - como na reafirmação ou demonstração perante o resto do País, de que o PC continuava a constituir a verdadeira vanguarda da «revolução socialista» iniciada em 25 de Abril de 1974. No desencadear de novas e cada vez mais aceleradas actuações de tipo «revolucionário», não estaria ausente, por certo, a preocupação de restabelecer no plano externo (União Soviética e bloco socialista, PCs da Europa Ocidental) a ideia de que o Partido prosseguia, no processo em curso em Portugal, na efectivação segura e vitoriosa do projecto de «democratização popular», cuja estratégia fora estabelecida e viria a ser orientada por Álvaro Cunhal.

A violenta ofensiva contra o Partido Socialista (e os esforços desesperados que intentaria para desacreditar a sua chefia perante as bases); a insistência na marginalização do PPD e na ilegalização do CDS, atribuindo-lhes pseudo-actividades conspirativas; os termos em que vem a ser preconizado o maior reforço da unidade das massas trabalhadoras, impondo-lhes a subordinação a cúpulas sindicais não eleitas e ao controlo da Intersindical de exclusiva direcção comunista; a contribuição que continua a ser dada ao aniquilamento das estruturas da economia, provocando uma autêntica situação de «terra queimada» - ao mesmo tempo que, a nível de Governo, é lançado o grito de alarme a favor de uma «batalha da produção», que não passa de um «slogan» sem sentido, puramente demagógico; sabotada essa mesma batalha da produção pelo surto de nacionalizações selvagens, maciças, das maiores empresas nacionais para a administração das quais o Estado não dispunha de sistemas de gestão adequados, confiadas desse modo ao chocante amadorismo de indivíduos ignorantes; a intensificação de formas de apoio e interferência a acções de carácter subversivo em Espanha, assim como a virulência crescente da campanha contra a NATO, a CEE, as democracias do Ocidente Europeu e, em especial, os Estados Unidos e o Brasil; a pressão exercida a favor da neutralização da base aérea dos Açores, bem como a subtracção a qualquer influência ocidental dos territórios de Cabinda em Angola; a manutenção de grupos populares fortemente armados, no continente, e bem assim as cada vez maiores disponibilidades oferecidas à actuação do KGB soviética em Portugal - tudo isso, adicionado ao domínio por assim dizer total dos orgãos da Imprensa, Rádio e Televisão, tornava cada dia mais grave a ameaça que pesava então sobre o Povo Português, e sobre a Península Ibérica, da instauração de um regime ditatorial de opressão e miséria de controlo pró-soviético.

Minoritário e sem expressão nem dimensão nacional, o Partido Comunista e seus aliados activos ou passivos, pretendia a todo o custo reeditar neste extremo ocidental da Europa formas de efectivação do domínio comunista já experimentadas, com sucesso, no centro e no leste do Continente. As Forças Armadas portuguesas, na altura expurgadas dos seus quadros mais válidos e conscientes, deixaram-se tornar presa fácil dos oficiais «progressistas» que, corrompendo as estruturas da hierarquia e da autoridade, agiam em obediência a Álvaro Cunhal e seus sucessores, nacionais e estrangeiros.

Apesar do insucesso clamoroso das eleições para a Constituinte, nem mesmo assim o Partido Comunista desistiu dos seus claros intentos de bolchevização do País. Meses antes, com apoio do sector esquerdista das Forças Armadas, e por forma a «criar» um rosto humano contrário à sua vocação totalitária, mas através do qual pretendia cobrar dividendos para as eleições de Abril - havia sido estudada e montada a operação celebrizada como o nome de código «Nortada». Sabe-se como, por reacção espontânea das populações da região, foi ali agressivamente recebida a «embaixada humanitária» para promoção das classes mais desfavorecidas. Não duraria muito a experiência pedagógica, porque em muitos casos os «filantropos» foram corridos à pedra...






Ver aqui




Em fins de Maio, já depois do acto eleitoral, voltaram à carga e montam, em moldes sensivelmente idênticos, a operação agora denominada de «Maio-Nordeste», com vista a «emancipar» os povos de Trás-os-Montes. Representantes simulados das Forças Armadas para ali se deslocaram, em regime de voluntariado, a fim de construir a sua dinamização interna, fundindo-a no esclarecimento e dinamização das populações. Eles o disseram, na sua «extrema bondade» e acção desinteressada em favor dos desfavorecidos: «Por tudo isto (por todas estas aldeias, sem águas correntes, sem energia eléctrica, sem estradas, sem escolas, sem médicos) veio o MFA. Por tudo isto vai ficar. O tempo que, for preciso, para modificar de forma rápida e acentuada a situação socioeconómica das populações, sem esquecer que o problema deste «País real» se insere noutro mais lato - o da pátria portuguesa»... Ainda segundo o aspirante Mateus - um dos «reformadores» de Trás-os-Montes - «O MFA não pretende realizar uma acção esporádica de resultados duvidosos, mas proporcionar às populações uma ajuda concreta, dando-lhes capacidade de iniciativa capaz de vivificar a dinâmica da organização popular. Seguindo esse rumo, os militares têm fomentado a eleição de assembleias e comissões de aldeias e de utilizações de terrenos baldios, preparando o terreno para uma reforma agrária»... Este «benemérito aspirante», com ideias tão preclaras sobre como alterar rapidamente complexas situações sócioeconómicas, de uma zona extremamente pobre, acrescenta que nestes e noutros aspectos vive-se, por exemplo, em Vinhais, como se vivia na Idade Média, em pleno século XII. Mesmo assim vivendo, com um atraso de quilómetros da civilização dos países comunistas do leste europeu - a verdade é que durou pouco, também, esta tentativa de manipulação das populações transmontanas e o aspirante Mateus e a «cowboiada» do MFA foram dali corridos e enchotados a pau... E assim acabou, em pouco tempo, mais uma «dinamização cultural», perdendo-se o ensejo de uma ridente «reforma agrária», que tão promissora se mostrava. Uma pena...

Continuava, apesar de tudo, a escalada do PC e dos grupúsculos esquerdistas, com penetração ao nível dos Quartéis, por meio dos SUVs (soldados unidos vencerão), através dos quais se procurava veicular para as unidades do exército e da marinha um completo ideário de subversão, aliás fácil de instalar onde era já por então visivelmente patente a degradação da disciplina e máximo da libertizagem. Pretendia-se desse modo quebrar, a nível militar, o único elemento capaz de se opor a um eventual golpe de força para repor a autoridade do Estado que se achava praticamente inexistente. Com efeito, o que restava de Forças Armadas dignas desse nome era bem pouco. O exemplo dos oficiais, sem o mínimo de dignidade e de brio, nivelando-se praticamente com os soldados, desmobilizava completamente as unidades, tornando-as inoperantes e inofensivas.

A acção dos SUVs, neste contexto, arrastava os trabalhadores e outras camadas da população para uma prática sistemática de contestação, o que se repercutira ao nível das empresas por um índice de produção assustadoramente baixo, quer pelo tempo útil perdido em plenários, nas horas de trabalho, quer pela taxa de absentismo cada vez mais elevada. Às reivindicações irrealistas, não raro se sucediam, num ritmo alucinante, greves selvagens cujo objectivo era destruir o aparelho económico, elevando o clima de agitação social até um ponto de ruptura. Um pouco mais tarde, o 25 de Novembro, daria a explicação deste tumulto e desta anarquia. A complacência e a cobardia dos agentes do Poder, cobririam todos estes desmandos, estimulando-os mesmo, nalguns casos...

(...) Sequestro de 24 pessoas no Quartel-General da Região Militar do Sul, em Évora, à ordem de arruaceiros...


O episódio que seguidamente se relata, demonstra com eloquência todo este estado de torpor colectivo e de violência. Foi a 8 de Junho, em Évora. Um pequeno grupo de dirigentes do Partido da Democracia Cristã reuniu nesta cidade com delegados vindos de Castelo-Branco, Portalegre, Setúbal e Lisboa, para tratar de assuntos de organização do partido. Reuniões idênticas, haviam tido lugar em Braga, Porto e Aveiro. A este pequeno grupo, juntaram-se alguns elementos locais. Eram ao todo 24 pessoas, 11 das quais senhoras e uma pequenita de dois anos. Devidamente autorizada, a reunião efectuava-se numa das salas de aula do Colégio dos Salesianos, situada no piso superior, onde aliás decorriam noutras salas várias cerimónias, como as de um ensaio de um grupo coral. Sem que nada o explicasse, perto das 17 horas, já com os trabalhos praticamente terminados, viram-se os circunstantes atacados por um numeroso grupo de energúmenos, aos gritos de «morte ao fascismo e a quem o apoiar», «morte ao PDC», que começaram por forçar a porta, a parte superior da qual em vidro, que destruíram a murro e a pontapé, pretendendo penetrar na sala, no que foram inicialmente impedidos. Sem qualquer hipótese de saída do recinto, um dos sequestrados desceu ao piso térreo por meio de um algeroz, procurando rapidamente dar conhecimento do facto às autoridades.

Somente perto das 18 horas, ocorreu um pequeno destacamento vindo do Quartel-General da Região Militar do Sul. Neste impasse, os componentes do grupo em questão, foram alvo de vaias e insultos de toda a espécie, sendo contidos no entanto à entrada da sala de aula por elementos resolutos do PDC que procuravam salvaguardar, especialmente, a posição das 11 senhoras, então já praticamente sob sequestro.

A força militar entretanto chegada, comandada por um Aspirante, viu-se e desejou-se para preparar a saída do grupo.



Localização de Évora








Templo Romano de Évora


Consentiram, no entanto, sob a sua vigilância, uma completa inspecção da sala, o furto de documentação do partido e a identificação de todos os presentes. Findo este espectáculo degradante, a multidão de marginais, postou-se ao longo do corredor e da escada de acesso ao rés-do-chão até ao primeiro «jeep», embora elementos do destacamento militar procurassem, apesar do seu pequeno número, dar protecção à saída dos sequestrados, que perante os arruaceiros se comprometeram a conduzir ao Quartel-General.

No primeiro «jeep», de seis lugares, foram transportados apenas 4 elementos do PDC: dois homens e duas senhoras. Os restantes 20 seguiriam numa «Berliet» aberta do Exército. Postando-se, de mãos dadas, na frente do pequeno carro, em que se transportavam dois soldados da Polícia Militar, um à frente e outro atrás, forçaram este a seguir a passo, até ao Quartel General, distante cerca de 300 a 400 metros, se tanto, do Colégio dos Salesianos. Nesse curto trajecto, insultaram, cuspiram e escarraram sobre os 4 passageiros do PDC. A acção de qualquer dos soldados da PM limitou-se a impedir qualquer agressão física directa.

As restantes 20 pessoas do grupo, seriam positivamente passeadas, pela parte central da cidade, até à Região Militar. No trajecto, e perante a passividade dos militares, foram insultados grosseiramente, além de gravemente atingidos com objectos contundentes, que provocaram ferimentos nalguns deles. Neste grupo, com sua mãe, seguia a pequenita de dois anos. O problema mais agudo e grave, verificar-se-ia, por mais estranho que pareça, à porta principal do Quartel-General da Região, na altura do desembarque dos «clandestinos». A multidão, com o colorido e a excitação do «espectáculo», engrossara consideravelmente e só esse facto explica que o carro do exército tivesse gasto no percurso cerca de duas horas... A situação que seria fácil de resolver, se existisse o mínimo resquício de autoridade, agravou-se, assustadoramente, uma vez que se tornava dificílimo afastar fosse quem fosse para fazer descer as pessoas, sem riscos graves, pois alguns dos arruaceiros trepavam ao carro e socavam os «passageiros», a seu belo prazer. Uma das senhoras, atingida a soco na cabeça cairia desmaiada. Foi a muito custo que se manobrou o carro por forma a que a sua traseira entrasse praticamente no portão do Quartel e que só no final desta complicada manobra foi possível, finalmente, proceder-se ao desembarque dos transportados.

Uma vez ali, o oficial de dia esclareceu que não havia qualquer detenção, e que logo que os ânimos serenassem podiam as pessoas sair quando assim o entendessem. Não se estava prisioneiro: uma «consolação», no meio daquela cena vergonhosa! Uma multidão ululante, no largo fronteiro ao Quartel-General, gritava histericamente «slogans» fantasistas, exigindo a prisão dos sitiados, talvez cabeças... Instalados, por extrema amabilidade do oficial de dia, na Casa da Guarda, sem alimentação de qualquer género, ali se foram arrastando horas sobre horas. Até que... passava das 23 horas, foi solicitada a presença de um elemento qualificado do grupo a fim de explicar a Sua Ex.ª o Comandante da Região Militar, brigadeiro graduado Pezarat Correia, Conselheiro da Revolução, a origem dos acontecimentos e o porquê da reunião do PDC em Évora. Achou-se o representante deste partido, acompanhado de um capitão, numa ampla e confortável sala do andar superior do edifício do Quartel-General. Presente, ainda, uma terceira pessoa, que se disse governador civil do distrito, capitão Conceição Cardoso, de seu nome. Vestiam ambos à paisana, camisolas de malha vermelha e calça escura. Explicou-se a Sua Ex.ª todo o ocorrido, desde as 5 horas da tarde até cerca das 11 e 30 da noite, em que decorriam as explicações solicitadas. Por deferência para com os marginais, soube-se que Sua Ex.ª ouvira estes momentos antes. Sua Ex.ª ouviu com muita atenção... Terminada a sumária narração dos factos, o delegado do PDC formularia um protesto respeitoso, mas enérgico, permitindo-se estranhar como era possível uma situação daquelas, em que 24 pacíficos cidadãos depois de enxovalhados, de agredidos, se acharem sob sequestro de uma multidão, dentro de um Quartel-General de uma Região Militar, incapaz de pôr cobro ao desacato. Seguidamente, o Sr. Brigadeiro gaguejou desculpas, que tinha sido uma imprudência do partido promover uma reunião em Évora, que a gente daqui é tremenda, que até a delegação do PPD na cidade havia sido já atacada e incendiada e que teria sido preferível reunir em Estremoz, Elvas ou mesmo Portalegre, porque é outro o ambiente, porque são outras as pessoas... Prometeu, no entanto, muito peremptoriamente, que ia mandar «desmobilizar a rua», pôr fim ao incidente e permitir que as pessoas pudessem seguir para os seus destinos. Desceu o representante do PDC ao piso térreo, não viu mais sombra de Sua Ex.ª e somente a partir das 3 horas e 30 da madrugada começaram as pessoas residentes na cidade a ser conduzidas a suas casas, em carros militares, com soldados armados de G-3, pois os restantes só dali saíram pelas 7 horas, em pleno dia, sabedores, como estavam, que pequenos grupos de «heróis» formavam piquetes à saída das estradas para Estremoz e para Lisboa, com o propósito de atingirem os carros e as pessoas que neles se transportariam.

Este episódio não terá grande importância no contexto das muitas e infindáveis misérias desta revolução traída. Mas não deixa de ser francamente elucidativo do ponto a que desceu a cobardia, a cedência, a fraqueza, perante a demagogia e a pequenez de certos homens. Simplesmente vergonhoso! Simplesmente espantoso! Simplesmente caricato!



Pezarat Correia






(...) Cerco ao Patriarcado de Lisboa. Impunidade à solta...


Em 18 de Junho de 1975, manifestantes católicos que se propuseram dar o seu apoio ao Patriarcado, na questão que se arrastava na Rádio Renascença, viram-se subitamente cercados e atacados por contra-manifestantes da esquerda revolucionária, tendo que procurar abrigo no edifício do próprio Patriarcado. Algumas pessoas ainda conseguiram ser evacuadas, em «carros abertos» do exército, por forças do COPCON, enquanto várias centenas, encurraladas, só puderam deixar as instalações do Patriarcado pelas 11 e 30 do dia seguinte. Ninguém nem nenhuma autoridade responsável deste País teve possibilidade de intervir ou de impedir tão desagradável ocorrência. O que se passava no Patriarcado de Lisboa, em plena capital, era a denegação pura e simples da autoridade constituída: o saque, a libertinagem, o fim de uma Nação que até há pouco preservava os valores supremos como expressão de um Povo, de uma ideia, de uma Pátria, de uma Religião. Era o começo da peça final, dum fim próximo!

Entretanto, em 25 do mesmo mês, o quinzenário «Movimento», boletim pró-comunista informativo das Forças Armadas, dirigido pela Comissão Coordenadora do Programa do MFA, que nos textos publicados e na doutrina expendida pouco se diferençava do orgão do PC «Avante!» - escrevia: «Os verdadeiros problemas do País são os problemas da construção do socialismo. Assiste-se em Portugal a uma luta muito dura e difícil entre as camadas exploradas e os estratos que pretendem manter essa exploração». E, para apaziguar os ânimos, acrescentava: «Sabemos bem que os que pretendem manter os privilégios e a exploração, utilizam todos os meios para conseguir os seus fins, desde o subtil boato, até à opressão armada, passando pelo tenebroso aproveitamento de todas as divergências surgidas entre nós». Terminava a sua arenga sobre os verdadeiros problemas do País, declarando, como sempre, a sua isenção, nos seguintes termos: «O MFA reafirma a sua posição suprapartidária, a intenção de caminhar com o povo português para o socialismo, que não será no entanto possível em Portugal sem os Partidos Comunista e Socialista»...


(...) País em Saldo - País de Opereta


A situação, no entanto, no Verão quente de 1975, degradava-se de forma assustadora. Os grandes matutinos de Lisboa e Porto inseriam títulos em 1.ª página como «UM PAÍS DE OPERETA», «UM PAÍS DE DOIDOS», «UM PAÍS EM SALDO». Um soldado do Regimento de Cavalaria de Santarém, falava para um jornal diário e dizia, referindo-se ao comandante do COPCON: «esse general de merda do Otelo»... Outro, por seu lado, em relação ao comandante da Região Militar do Centro, desabafava: «esse corrupto lambe-botas do Charais»... Pouco tempo antes, com grande destaque da imprensa diária e não menor divulgação da Televisão, que passou o filme por duas vezes nos seus noticiários de ponta, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos referir-se-ia ao ministro do Trabalho, capitão Tomás Rosa, nos seguintes termos, iracundos: «O senhor ministro Tomás Rosa é um cobarde, um ignorante e um incompetente»... Como este tivesse conhecimento dos qualificativos e não retorquisse, nem mesmo o Governo, em relação ao seu ministro, foi admitido que o operário metalúrgico não andava de todo fora da razão, embora seja impensável que uma tal situação fosse publicamente possível através de um orgão estatal...

Como Primeiro-Ministro do VI Governo, Pinheiro de Azevedo falou ao País. Logo em seguida à sua comunicação, que refere com muita objectividade os «pontos quentes» da situação, especialmente ao nível laboral, aprestam-se ataques contundentes contra o Almirante e o VI Governo, o que interessava ao Partido Comunista. Desencadeia essa luta, como está bem de ver, a Intersindical, que, atacando com grande agressividade o discurso de Pinheiro de Azevedo, terminava mais ou menos um dos seus comunicados neste tom: «O povo português, aquele que trabalha, não entendeu a linguagem usada, ou melhor, é muito capaz de ter desconfiado, mas desconfiou. E desconfiou porque atrás da linguagem dos números não encontrou as medidas urgentes que apontassem para o progressivo controlo da economia pelos trabalhadores, a nível de empresa, de sector, de região e a nível nacional, que permitindo o combate à sabotagem interna e externa, abrissem as portas à orientação e planificação do aparelho produtivo, de acordo com as necessidades dos trabalhadores e sob a sua direcção. Socialismo significa - acrescentava a Inter - o total controlo pelos trabalhadores dos meios de produção e, consequentemente, o fim da exploração do homem pelo homem»...

Por seu lado, na mesma data, num comunicado do secretariado da União dos Sindicatos do Porto (Intersindical), a propósito da visita do general Fabião ao RASP - é apontado como consequência da luta do CICAP e do RASP uma vitória dos militares e trabalhadores revolucionários, «embora os resultados não contentem totalmente as justas aspirações dos militares em luta». Depois de afirmar ter estado sempre ao lado desta justa luta, o secretariado da USP apela para a «união estreita entre todos os soldados e trabalhadores no combate à nação fascista e capitalista», terminando: «O secretariado da USP/Intersindical esteve, está e estará sempre, juntamente com todos os trabalhadores e militares revolucionários, pronto a dar o necessário apoio ao prosseguimento da revolução portuguesa, em direcção à sociedade sem classes»...



Vasco Gonçalves, Fabião e Costa Gomes






(...) Rádio Renascença - Silenciado à bomba, à falta de outro argumento...


Por meados de Outubro, depois de um Setembro de viva contestação através de plenários e de manifestações de rua - outro acontecimento eleva ao rubro, de novo, as tensões que iam aumentando num crescendo: por uma ordem (nunca se soube de quem !...) da presidência da República foram mandados selar os emissores da Rádio Renascença, da Buraca, e ocupadas as instalações por forças dos Comandos. Estas haviam de retirar dias depois, ficando cometida às forças militarizadas a segurança das instalações, isto a 17 de Outubro. Tal medida levou desde logo a grandes manifestações de protesto, destacando-se entre essas a que resultou de uma moção aprovada por unanimidade e aclamação na «Escola Prática de Serviço de Material», concebida nos seguintes termos: «As unidades presentes na reunião de praças, na EPSM, no dia 15-10-75, ao terem conhecimento de mais uma repressão puramente fascista, exercida sobre os trabalhadores da Rádio Renascença, aprovaram o seguinte: Apelar para todos os verdadeiros antifascistas e anti-imperialistas, operários e camponeses, soldados e marinheiros, no sentido de se mobilizarem para o posto emissor da Rádio Renascença, na Buraca, visto o mesmo ter sido selado nas costas do povo. Todos à Rádio Renascença, já! Morte ao fascismo e a quem o apoiar! Viva a justa luta da Rádio Renascença! Viva a aliança dos soldados e marinheiros, operários e camponeses. Organizados, venceremos!».

Por seu turno, seguindo a mesma orquestração, os trabalhadores da Rádio Renascença emitiram um comunicado, muito expressivo, em que, depois de se descrever a ocupação, se diz: «Os trabalhadores ocupantes da Rádio Renascença consideram este facto uma sequência lógica da escalada da burguesia ainda no Poder, para tentar calar uma voz ao serviço dos trabalhadores. Para além disto, esta acção, comandada não se sabe por quem, é uma provocação declarada. Não somos ingénuos! Compete a quem selou retirar as marcas da opressão» e finalizava do seguinte modo: «Nós queremos reafirmar aos poderes deste País: a Rádio Renascença está ao serviço dos operários, camponeses e do povo trabalhador em geral. Não se rende, não se troca, não se vende!».

Como se sabe, em 30 de Setembro havia sido superiormente mandado silenciar a Rádio Renascença, neutralizando a sua antena principal. Explode, simultaneamente, um movimento de forte contestação a tal medida e as massas populares, acudindo à mobilização feita através do Rádio Clube Português, aglomeram-se junto à Rádio Renascença, ao Rádio Clube e à Emissora Nacional, montando barricadas no acesso aos três locais. Na madrugada de 30 de Setembro para 1 de Outubro, um comunicado emanado do gabinete do Primeiro-Ministro, almirante Pinheiro de Azevedo, e distribuído através do Ministério da Comunicação Social, dava conta de que iam ser retiradas da Emissora Nacional, Radiotelevisão Portuguesa e Rádio Clube Português, as forças militares, mantendo-se no entanto, a Polícia de Segurança Pública de «guarda aos edifícios». Enquanto isto, tal como se refere na imprensa diária de 1 de Outubro, «os trabalhadores explorados, povo e outros militantes revolucionários, mantêm-se na firme disposição de incentivar formas de luta conducentes à ligação, de novo, da antena. A Rádio Renascença - é ponto assente - voltará ao serviço da classe operária, dos camponeses e do povo trabalhador»...

Em resumo noticioso à hora de encerramento dos jornais, dizia-se que «não obstante a determinação do Primeiro-Ministro no sentido de forças da PSP substituírem as forças militares na guarda às estações emissoras - militares do RIOQ e da PM mantinham-se vigilantes em defesa da liberdade de Informação nas instalações do Rádio Clube Português, recusando-se firmemente a serem substituídos pela PSP. Junto do RCP mantinha-se a vigilância popular, que, de modo algum, deve abrandar em torno das estações emissoras de rádio, TV e jornal República»... O próprio comandante do COPCON, Otelo Saraiva de Carvalho, garantiria que as forças militares não seriam substituídas pela PSP ou pela GNR no Rádio Clube Português, isto em clara oposição à citada ordem do Primeiro-Ministro...

Todos sabem que perante este estado de degradação do País, de ordens e de contra-ordens superiores que não se cumpriam e se anulavam umas às outras - o único recurso para «legitimar» uma saída para o grave contencioso desde há tempo aberto com o Episcopado, em relação à Rádio Renascença, foi mandar proceder à sua destruição a dinamite, por especialistas do Exército, silenciando, assim, definitivamente, um dos pólos da agressão ao povo português. Porém, tão estranha e maquiavélica decisão, nem pela sua originalidade deixou de constituir um índice revelador deste tristíssimo processo revolucionário parido pelo 25 de Abril da traição. Impedindo de se fazer ouvir e de impor uma autoridade discutida ao nível da rua - não tendo meios nem coragem para fazer actuar os mecanismos da autoridade legítima - esta infelicíssima resolução é a prova provada do «amadorismo» e do «primarismo» característicos desta Revolução Traída, numa palavra, a mais frontal negação de um Estado de Direito, que se demite a si próprio quanto àquilo que representam as suas prerrogativas mínimas de se fazer impor e respeitar!

Num Outubro cada vez mais «quente», no resvalar para o abismo da mais completa subversão, a agitação a nível laboral, em obediência à palavra de ordem do Partido Comunista, que, na sombra, habilmente, mexia todos os cordelinhos, com vista ao derrube do VI Governo e à imposição de uma «democracia popular» - crescia de todos os lados, multiplicando-se, a contestação e a greve, como meios de pressão. É assim que surgem também os «padeiros» com a exigência de um horário que lhes permitisse não laborar de noite, procurando desse modo alterar o hábito do consumidor ao pão fresco pela manhã... A Imprensa saúda o facto festivamente: «Os padeiros conquistaram o direito a trabalhar de dia». Por sua vez, os trabalhadores do sector da alimentação procuraram justificar a alteração que se propunham aos hábitos do consumidor, acrescentando em reforço da sua argumentação: «Quem é que, nos tempos que correm, come pão fresco ao pequeno-almoço?»... Claro que poderia muito facilmente responder-se que em todo o mundo comunista ou não, onde se fabrica pão. Na própria União Soviética, as padarias têm horário nocturno. Portugal, no entanto, seria a excepção, para completar a «originalidade» do processo revolucionário...

Ver aqui


(...) Outubro quente - Revolução às 4 da manhã...


Não menos sensacional seria também em Outubro a revelação feita pelo matutino «O Século» de um «Plano da reacção para restaurar o fascismo»... Informa, com efeito, que segundo fontes absolutamente fidedignas, de origem militar, as forças militares de direita tinham, nesse momento, em curso, um plano concreto que visava a instalação de um regime de ditadura militar, vincadamente direitista, que rapidamente evoluiria para o fascismo. Tal plano, denominado «Plano dos Coronéis», visava a ocupação militar da rádio e TV, com restabelecimento automático de censura prévia. Tal acção reaccionária, na altura já em execução, teria como objectivo final a criação de condições óptimas para que os orgãos de comunicação social, depois de devidamente controlados, procedessem a uma orquestrada campanha de desinformação que reforçasse, nas massas populares mais despolitizadas, as ideias de caos, desordem e bancarrota, um clima já criado no campo prático pela actuação dos elementos activistas contra-revolucionários.

Este seria mais um «ensaio» para justificar a montagem de um novo 11 de Março. Que assim era de facto, a comunicação não menos sensacionalista feita em plena Assembleia Constituinte pelo deputado Socialista, José Luís Nunes, «leader» parlamentar, quando na sessão de 2 de Outubro pediu para ser interrompida a «Ordem do Dia» em virtude de uma notícia de «extrema gravidade» que devia comunicar: Que havia um golpe de Estado preparado para essa madrugada... Como foi relatado pelos jornais - a notícia causou celeuma no hemiciclo, bem como a intervenção de José Luís Nunes considerada ilegal por entre protestos de deputados do PC e MDP, tendo mesmo Alda Nogueira, do Comité Central do Partido Comunista, perguntado «com que bases vem o PS espalhar o alarme transformando esta Assembleia em mais uma central de boatos?». Para o Partido Comunista, em comunicado ulterior, estar-se-ia na presença de uma «grande encenação alarmística que levanta a justa prevenção de que está a ser preparada qualquer operação contra a situação democrática e contra certas formações políticas»...

Manuel Alegre interrogado pelo «Expresso», de 4 de Outubro, sobre que bases concretas se apoiara o PS para tomar a iniciativa de anunciar na Assembleia Constituinte que se preparava um golpe de Estado, o mesmo fazendo através de um comunicado do partido difundido pouco depois, aquele responderia: - Tivemos conhecimento oficial... Exp. - Oficial quer dizer da parte do Governo? M. A. - Repito «oficial». Disseram-nos que se preparava um golpe de Estado para as 4 da madrugada. Exp. - Foram chamados para lhes ser comunicado isso? M. A. - Sim, fomos chamados para nos ser comunicado. O que estava previsto era um ataque ao Regimento de Comandos da Amadora - fazendo-o, ao que parece, preceder de uma manifestação em que participariam os tractores vindos do Campo Pequeno -, um ataque à base aero-naval do Montijo, tomada das estações de rádio e dos jornais, pôr a Rádio Resnacença novamente em funcionamento, ataque aos jornais independentes, cortar as entradas de Lisboa, ataque às esquadras de Polícia, ocupação do posto de rádio da PSP de Lisboa, uma campanha de calúnias contra o Primeiro-Ministro Pinheiro de Azevedo... Exp. - Isso seria levado a cabo por quem? M. A. - Por grupos civis armados e por elementos de certas unidades militares. Exp. - Foram ditos quais eram as unidades? M. A. - Fomos informados de que a decisão tinha sido tomada em reuniões realizadas na Rádio Renascença e no RALIS.

É evidente que este «golpe», procurando envolver eventualmente os Comandos da Amadora, tinha todo o aspecto de uma provocação. Só que não sendo suficientemente convincente, não pegou... Lá se foi assim, por água abaixo, o «Plano dos Coronéis», visando um regresso em grande ao «fascismo» e, simultaneamente, o golpe de Estado de iniciativa da extrema-esquerda, com Dinis de Almeida e o RALIS. Trafulhice, porcaria, náusea...


(...) Prólogo do «25 de Novembro» e da Guerra Civil


Entretanto, a situação ao nível do Governo do País e ao nível das Forças Armadas, atingia o ácume. Os militares chamados «progressistas» haviam perdido o mínimo respeito aos seus superiores hierárquicos, e como a disciplina militar caíra no zero, fazia-se o que se queria e ainda sobrava tempo... O País achava-se a saque: o poder judicial, o ensino, a todos os níveis, a paralisação do aparelho económico, a irresponsabilidade da administração, achavam-se mais do que degradados...

Num plenário realizado, em 13 de Outubro, na CUF do Barreiro, com a presença de representantes dos Sindicatos Agrícolas de Setúbal, Portalegre e Évora e das Ligas de Pequenos e Médios Agricultores, achavam-se presentes, também, o Capitão Duran Clemente, o comandante Ferreira da Silva, o tenente Santos Barros e os sargentos Saraiva e Tobias - os trabalhadores da CUF manifestaram numa moção o seu «mais vivo repúdio pelas declarações proferidas pelos Srs. Ministro e Secretário de Estado do Trabalho» e exigiram «a sua imediata demissão». Tendo usado da palavra o comandante Ferreira da Silva, diria a certa altura: «Veio a crise de Setembro e acabou o MFA e a burguesia apoderou-se do poder». Depois: «Vimos nos últimos dias as massas populares contra o VI Governo e o Conselho da Contra-Revolução»... Apelando para a unidade entre os trabalhadores, afirmou: «Importa mobilizar o poder popular e quando o fruto estiver maduro, com certeza que vai cair».



Os oficiais revolucionários do PREC. Duran Clemente é o segundo a contar da esquerda, com o boné debaixo do braço e óculos escuros na mão.



Por sua vez, o capitão Duran Clemente diria: «A classe revolucionária é a classe trabalhadora. Estamos agora, sim, na pré-Revolução. É isso que assusta muita gente. É por isso que vemos o VI Governo à defesa». Fez referências ao coronel Jaime Neves e ao capitão Vasco Lourenço, acentuando que «o PS se havia transformado em instrumento contra-revolucionário». Noutra passagem: «Nós estamos na ofensiva: não podemos desmobilizar - de maneira nenhuma. Temos a força do nosso lado - a força dos trabalhadores». Seguidamente: «Eu não sou a favor da guerra civil - não tenho é medo dela. Falava-se muito da guerra civil. É tão má a guerra civil, como é bom um bom bife»... Finalizando, disse: «A 5.ª Divisão não era mais do que a inteligência, a teoria revolucionária».

Pela mesma altura, tornou-se muito falado o facto de dentro de um quartel se ter disparado uma rajada de metralhadora contra um helicóptero de outra unidade e de dois militares, de unidades diferentes, terem discutido publicamente as suas divergências, convidando-se para um «duelo à pistola». Igualmente se tornou escandaloso e incompreensível o levantamento de mais de um milhar de mortíferas espingardas-metralhadoras G-3, pelo capitão Fernandes, dando-se-lhe sumiço para parte incerta, sem se punir, na altura, o prevaricador. Pior do que isso o comentário do comandante do COPCON, general graduado Otelo, de que essas perigosas armas, eventualmente em poder de elementos da esquerda, «estavam em boas mãos»...

Outro facto escabroso do pandemónio nacional e da irresponsabilidade a todos os níveis do poder político e militar, foi o ataque e incêndio ao consulado e embaixada de Espanha. Recusando-se a actuar, na circunstância, não cumprindo instruções superiores que lhes haviam sido transmitidas - quer o Chefe de Estado-Maior do Exército, quer o comandante do COPCON (Fabião e Otelo), permitiram o saque e incêndio a uma embaixada e a um consulado estrangeiros, que custou ao País, além do desprestígio e da vergonha, mais de meio milhão de contos de indemnização...


(...) Desonra do Poder Judicial


Apesar da integridade da grande maioria dos magistrados, alguns houve, infelizmente, que por cobardia, ou colaboração no estendal de misérias em que se afundava o País, facilitaram sentenças, deixando-se envolver na onda de demagogia e de licença. Ficaram como símbolos do desprestígio da independência dos tribunais, aliás tristemente célebres, os casos ocorridos no Barreiro e em Tomar. O primeiro, quando se absolve o réu confesso de um desvio de cerca de 13 mil contos dos cofres de um Banco, de que era subgerente. No final de tão «estranha» sentença, recebe mesmo um abraço emocionado do juiz... O segundo caso, ocorre em Tomar, quando a vil populaça, no dizer de Tácito, invade a sala de audiências, reclama o assassino José Diogo, julgando-o em praça pública pelo povo. Sentenciando-o como inocente, conferindo-lhe a liberdade, é passeado em ombros como um herói tendo morto à facada um agrário de mais de 70 anos de idade, doente, quase cego, indefeso - o feito é exaltado como um exemplo revolucionário... num e noutro caso, não se sabe do que mais ter vergonha!


(...) Como se matou Mestre João Núncio...


Dos muitos casos de violência, de roubo, de confisco da propriedade privada, ocorridos no Alentejo, alguns há que não podem ser facilmente esquecidos. Encontra-se nesta circunstância, o assalto à residência de mestre João Branco Núncio, já depois de lhe terem extorquido as suas bens exploradas empresas agrícolas e o seu semental de gado bravo. Dando vazão a ódios recalcados, a vinganças que se achavam adormecidas, manipulados politicamente, tomam-lhe alguns trabalhadores a casa de assalto, depradando-a pela forma mais selvática que se pode imaginar. A pretexto (aparece sempre um pretexto) da equívoca explosão de um engenho no Centro da Reforma Agrária, de Alcácer do Sal, indivíduos, na sua maioria estranhos à vila, para o efeito devidamente instrumentalizados, assaltam-lhe a residência particular, o que lhe restava, e à numerosa prole ainda a seu cargo. A pau e à navalha, destroem-lhe peças de mobiliário, o seu pequeno museu de recordações tauromáquicas, praticamente desfeito numa fúria selvagem, a que não foi poupado sequer um retrato a óleo, da autoria de Eduardo Malta, da figura em corpo inteiro do nosso maior mestre de toureio equestre de todos os tempos, o qual foi furiosamente golpeado à navalhada. A cabeça embalsamada do seu primeiro touro, como debutante, foi destruída à paulada, com ferocidade...

Praticamente sem recursos com que valer à família numerosa ainda a suas expensas - como era o caso do seu filho e jovem cavaleiro José Núncio, inválido, como se sabe, em consequência de grave queda quando montava a cavalo - mestre João fora de alongada até à Golegã, hospedando-se em casa de seu cunhado Patrício Cecílio. Das suas montadas, de alta escola e apuro, apenas uma lhe ficou. Com ela se estava treinando, na esperança moça dos seus mais de 70 anos de voltar aos redondéis e amealhar uns tostões para não morrer à míngua. No entanto, não resistiria à dolorosa situação em que se achava. Um colapso cardíaco, surpreende-o a viver essa fagueira esperança de um regresso que, por desígnio de Deus, não se viria a consumar. Ficou de mestre Núncio, um nome honrado, uma grande simpatia humana e uma saudade que o tempo jamais apagará. Morto pelo ódio e não pelo amor dos homens!



João Branco Núncio












Ver aqui



(...) «Bardamerda mais os fascistas»... 

Sequestro do Governo e da Constituinte, no caminho aberto para a conquista do poder: «25 de Novembro»...


O ponto culminante da crise estava, porém, prestes a ser atingido e para tal muito contribuiria o sequestro feito ao Governo e à Assembleia Constituinte por meio de uma multidão desvairada e irresponsável que, no dia 12 de Novembro, a pretexto de uma manifestação reivindicativa dos trabalhadores da construção civil, acudira, em tumulto, ao largo de S. Bento. Esse sequestro, que se manteve das 17 horas do dia 12 até perto do meio-dia de 13, assumiria aspectos de grave desrespeito não só ao Governo como à própria Assembleia Constituinte, pondo dessa maneira em causa, definitivamente, um facto que já não conseguia iludir ninguém: o País vivia sem lei e sem autoridade, portanto, à beira do colapso.

Os manifestantes, cujo propósito evidente não era tanto a luta reivindicativa como o de atacar o VI Governo, recusavam-se a escutar o Primeiro-Ministro, cobrindo-o de vaias e de assobios, sempre que por duas vezes, directamente, da varanda principal do Palácio pretendeu dar aos milhares de circunstantes conta do que havia sido decidido já com os representantes do sindicato de classe sobre a matéria reivindicativa apresentada. Foi na sua segunda tentativa que ao gritarem-lhe fascista, Pinheiro de Azevedo, ao microfone, replica de pronto: «Bardamerda mais os fascistas!».

Cerca das 5 e 30, o Secretariado Nacional do Partido Socialista emitiu um primeiro comunicado em que alertava os trabalhadores portugueses para a manobra que se desenrolava em S. Bento, com o sequestro do Primeiro-Ministro do VI Governo e dos deputados à Assembleia Constituinte. Nesse documento afirmava-se nomeadamente:

«Não estão em causa as reivindicações dos trabalhadores da construção civil. Está em causa, sim, a manipulação política feita por forças minoritárias em torno de uma reivindicação, com o objectivo de transformar a luta dos trabalhadores da construção civil numa manobra sediciosa contra o VI Governo Provisório».

Em novo comunicado, divulgado ao princípio da manhã, o PS acentuava: «Os deputados à Assembleia Constituinte, assim como o almirante Pinheiro de Azevedo, primeiro-ministro do VI Governo Provisório, estão sequestrados no Palácio de S. Bento em Lisboa. A agitação desencadeada pelo Partido Comunista Português e outras forças minoritárias, incapazes de respeitar a vontade popular e de aceitar as regras da democracia, transformou-se, assim, em autêntica sedição. A coberto da manifestação dos trabalhadores da construção civil, cujo direito de manifestar e lutar pelas suas legítimas reivindicações não está em causa, pretende-se criar a instabilidade política e destruir as liberdades democráticas. Exige-se a dissolução do Governo e pretende-se desprestigiar, senão mesmo dissolver, o único orgão de soberania eleito pelo Povo: a Assembleia Constituinte».

O comunicado prossegue: «Se o sequestro do primeiro-ministro é um desafio frontal à autoridade do Estado, o sequestro dos deputados é uma ofensa ao Povo Português, que livremente os elegeu e de que são os representantes legítimos. Trata-se de um novo e gravíssimo passo na escalada do assalto ao poder por forças minoritárias, antidemocráticas e antipopulares. Incapazes de compreender este País, incapazes de respeitar a vontade deste povo, procuram essas forças tomar o poder nas costas do Povo e contra a sua vontade. Está em perigo a democracia. Estão em risco as liberdades reconquistadas em 25 de Abril.

É mais do que evidente que as autoridades supremas do País, a começar pelo Presidente da República, general Costa Gomes, se demitiram das suas funções e do seu dever perante o País, não encontrando forma de desbloquear a situação criada pelos manifestantes, permitindo, perante o pasmo e o escárneo do mundo, uma situação singular como a do sequestro de um Primeiro-Ministro e de uma Assembleia de Deputados.

Não é menos verdade, contudo, que a origem de todos esses e outros vergonhosos atropelos à ordem, à disciplina social e à lei, se acha sobretudo nas liberdades reconquistadas em 25 de Abril. O 25 de Abril da traição não é já um movimento de resgate e de emancipação, uma revolução de esperança e de amor, de fraternidade humana. O 25 de Abril da traição é a anti-revolução, é o ataque em fúria contra a Nação e contra a Pátria, sementeira de ódios, de vinganças e de frustrações recalcadas...

Cerco da Constituinte


Comentando o episódio, um vespertino da capital, escrevia: «Quem passasse ao meio da tarde por S. Bento; verificasse a paralisação do trânsito e a ocupação do palácio; ouvisse o discurso dos oradores e as palavras de ordem; soubesse do primeiro-ministro prisioneiro, teria a sensação de que o Poder estava de facto na rua»...

A todos os títulos edificante o que, sobre o assunto, se discutiria, na primeira sessão depois desses acontecimentos, na Assembleia Constituinte. Como registo, e medida do nível dessa Assembleia, supõe-se de interesse transcrever alguns dos passos mais significativos dessa histórica e agitada sessão, servindo-nos para o efeito da excelente reportagem publicada no matutino «O Comércio do Porto»:

«Mais do que qualquer outro orgão, a Assembleia Nacional Constituinte é, por excelência, o reflexo vivo da série inumerável de contradições políticas, económicas e sociais que se verificam a todo o momento no processo revolucionário português. Ali se vivem as maiores tensões entre as forças partidárias, ali se praticam golpes e manobras indignas dos que, constantemente, se proclamam como os lídimos representantes eleitos do povo.

Os problemas derivados da manifestação dos trabalhadores da construção civil, com o sequestro do Primeiro-Ministro e dos deputados, as atitudes face ao VI Governo Provisório, a demonstração de domingo passado em Lisboa, constituíram os temas dominantes e explosivos da sessão, uma vez que os trabalhos não passaram do período de antes da ordem do dia, ou melhor, só por mero formalismo se abriu, para depois encerrar, a ordem do dia. Nestes termos, assistimos a quase cinco longas horas de permanente e acalorada troca de «agressões», sendo os alvos sempre os já sobejamente conhecidos.

A Constituinte conheceu mesmo cenas deploráveis, tanto forçadas pela grande parte do público que (curioso) quase encheu as galerias, como da responsabilidade dos próprios deputados, incapazes de controlarem as suas reacções perante as ideias desfavoráveis que ouviam da bancada alheia. Por muito que nos custe afirmá-lo, a realidade da sessão de ontem (mais uma...) não é mais nem menos que o dia-a-dia do processo que atravessamos.


(...) Finalmente, o 25 de Novembro!


(...) Causas determinantes


a) A decisão do Conselho da Revolução, em 25 de Novembro de 1975 de substituir o general Otelo pelo brigadeiro Vasco Lourenço no Comando da Região Militar de Lisboa.

b) As declarações do então capitão Vasco Lourenço de que «se assumisse o comando da RML não permitiria o estado de indisciplina que existia em algumas unidades da RML pelo que substituiria alguns comandos dessas mesmas unidades».

c) A substituição dos comandos da RML daria origem à perda de força política da linha PCP/FUR e COPCON o que diminuiria de forma sensível os seus recursos de mobilização popular, em armas disponíveis, organização, ligações, transmissões e cadeia de comandos, consequências que não poderiam ser aceites naquela linha política, defensora da dita vanguarda revolucionária.

Ora, como se sabe, esta acção não passou de um balão que depressa se esvaziou. A organização da conjura estava baseada numa acção inicial de forças militares que seria secundada por um apoio de massas populares, quer em concentrações maciças, quer pelo apoio de grupos civis armados, uns e outros, a executar em pontos sensíveis. Sabia-se que a conjura fora planeada e preparada para ter início no dia 24 para 25, em consequência de ser esta a data marcada pelo Presidente da República para a resolução definitiva do Comando da Região Militar de Lisboa, o que implicava, a verificar-se, o afastamento do general Otelo Saraiva de Carvalho da RML e do COPCON. Daí que para essa data forças militares e outras a intervir ficassem prevenidas aguardando ordens.

Um facto algo estranho, mas decisivo relativamente aos acontecimentos, surge no próprio dia 24: ao findar da tarde, as barricadas de RIO MAIOR, dado o seu volume e o corte absoluto das comunicações rodoviárias entre o Norte e o Sul que provocaram - introduziriam na conjura um extraordinário factor de dissuasão, pela desconfiança de ter sido esta prematuramente posta a descoberto, pelo que teria sido admitido que aquelas não eram mais do que o início, corajoso, e decidido, da contenção do «golpe»: e, a verificar-se tal hipótese, este estaria condenado ao fracasso logo à partida - o que, graças a Deus, se verificou.

A palavra de ordem, gritada até à histeria, de «Otelo ou nada», bem depressa foi esquecida. Sem uma verdadeira hierarquia de Comando e Direcção, esses militares «bravos e destemidos» para quem dias antes a guerra civil era tão boa, como um bom bife, e juntamente com eles as massas populares que se mostravam dispostas a dar o sangue e a vida pela revolução «sonhada», que não a do 25 de Abril da Esperança - começaram por sumir-se, fugindo cada um para seu lado, acusando-se de raiva uns aos outros.

De facto, ao princípio da noite de 25 de Novembro, detendo a rádio e a televisão, parecia triunfante o aventureirismo revolucionário do poder popular. Os próprios comunicados da presidência da República deixam de ser lidos aos microfones da Emissora Nacional e menos ainda nos do Rádio Clube Português. Neste emissor, fazem-se claros e dramáticos apelos à insurreição, à luta armada, à mobilização popular e ao apoio à luta iniciada pelos Paraquedistas em rebelião. Parecia perdida a Revolução, a Democracia. Parecia perdido Portugal!









Ver aqui















Ao centro: Salgueiro Maia, perante viaturas da Escola Prática de Cavalaria de Santarém na autoestrada do Norte, dois dias depois do 25 de Novembro.



No entanto e quase simultaneamente, nessa hora aparentemente triunfalista do Poder Popular e da Insurreição - a heróica e corajosa acção de um Homem, comandando superiormente outros Homens seus iguais, Jaime Neves, e alguns dos seus boinas vermelhas, punha ponto final à falsa bravura de Clementes e de Paulinos, de Andradas e de Dinises, ao retomar a base aérea de Montijo praticamente sem disparar um tiro. Acabou aí, na verdade, o período febricitante de loucura, de pesadelo, de vertigem, de ódio, que aventureiros sem o mínimo de patriotismo e de escrúpulos haviam despertado de uma ponta a outra do País.

O episódio da manhã seguinte, em que tombam gloriosamente «dois bravos comandos», é o epitáfio do golpe torpe com que se havia pretendido transformar o que resta de uma Pátria secular num campo imenso de concentração, de silêncio e morte, como uma União Soviética, uma Cuba e outros quadros geográficos do socialismo de opressão e de miséria, que se pintam demagogicamente na imaginação das massas como paraísos na terra...


O COMPROMETIMENTO DO PC


Não deixou dúvidas a quem quer que fosse, a participação activa do Partido Comunista, juntamente com outras forças subversivas, no 25 de Novembro. O próprio relatório preliminar fez toda a luz possível sobre o comprometimento dos comunistas no «golpe», no qual se acharam «metidos» até ao tutano. Idêntica conclusão se recolhe das declarações produzidas na Assembleia Constituinte, no decorrer das duas sessões ali realizadas a seguir ao malogro da conjura.

(...) O secretário-geral do PS, Mário Soares, em conferência de imprensa na semana seguinte ao 25 de Novembro, retomando a tese do major Melo Antunes, na Televisão, sem deixar de insistir no envolvimento dos comunistas nos acontecimentos que empurraram o País até à fronteira da guerra civil, advogou, com veemência, a indispensabilidade do Partido Comunista para a construção do socialismo, ao mesmo tempo que verberava o anti-comunismo do PPD, que classificou de retrógrado e de direita...

Deste modo singular se encerrou, mesmo com as revelações do relatório preliminar, que davam como indiscutível a participação do Partido Comunista, da União Democrática Popular, do MDP/CDE e de formações de extrema-esquerda, com a Intersindical e alguns Sindicatos de permeio - o «dossier» 25 de Novembro, como se o País não estivesse prestes a ser lançado numa guerra civil de consequências insuspeitadas. Ou não vivêsssemos o 25 de Abril da Traição, em que os traidores se cobrem despudoramente uns aos outros, como relapsos do mesmo crime!


(...) Aprendizes de Feiticeiro - Põem o País de rastos...


Claro, o tempo é o grande mestre da vida. Pretendendo denegrir o passado político e com ele os fundamentos de uma administração de competência, que visava a Nação e não o «serviço» de Partidos - o estendal de miséria a que se reduziu em poucos meses, em pouco mais de dois anos, este País - é a resposta eloquente à santíssima trindade desta Revolução Traída: ao primarismo, à incompetência, ao improviso. Está aí, à vista de todos, sem tirar nem pôr!

Aos que admitiam que a administração deste País se fazia sem roque nem roque, anteriormente ao 25 de Abril; que aquilo que se tinha em vista era pura e simplesmente o interesse da Nação, sem a razia estéril dos partidos, como de 1910 a 1926; que a direcção do Estado se fazia de uma forma inconcussa, que não tinha que ter em conta clientelas partidárias - poderão, ao fim destes quase três anos de vida agitada, violenta, irresponsável, tirar por si próprios, no foro da sua consciência, as ilações convenientes e do mesmo modo a medida exacta dos que persistem em «desgovernar» o País!

Nada se faz do acaso. Estes homens do 25 de Abril, autoconvenceram-se que governar o País e colocá-lo em condições de marchar para metas utópicas - era o mesmo que carregar num botão: o milagre dava-se por si. Nesse aspecto se enganaram redondamente quantos apostaram no cavalo do comunismo ou no cavalo do socialismo em liberdade. Já referimos noutro ponto deste livro que o socialismo é uma «boutade» política, como outra qualquer. O do Mário Soares não chega a ser de coisa nenhuma: é uma água chilra, uma espécie de chi-chi, que se verte de um jacto, ou aos poucos, e não fica nada dele senão uma muito leve coloração...

(...) Entre nós passou a ser bonito, em seguida ao 25 de Abril, proclamar-nos democratas e, como tal, socialistas ou comunistas. Sem consulta ao Povo Português, numa Constituição discutida e aprovada num País em anarquia e na mais completa e total desordem institucional, entendeu-se que se devia caminhar para uma via socialista, sem se especificar claramente para que espécie de socialismo [seja ele qual for, que Deus nos livre!]. Este é como o camaleão: tem várias cores, que se alteram conforme as circunstâncias. É nesta indefinição que se debate ao nível da Europa e do mundo o próprio socialismo. Se até Angola é uma República socialista e Moçambique também... Se socialista é o governo da Áustria, da Dinamarca, da Finlândia, da República Federal Alemã; se socialistas são os governos da cortina-de-ferro, incluindo a própria União Soviética; se socialista é o regime que impera, por exemplo, em Brazaville e no Benim - então não se brinque mais aos socialismos e deixe-se de ludibriar as pessoas. Há regimes mais ou menos «socializantes» - mas não regimes socialistas, porque estes não passam de conversa fiada. O socialismo, tanto o da Europa Ocidental como da Europa de Leste, como o Africano, Sul-Americano ou Asiático, não passa de uma mentira e de uma arteirice para atingir o Poder.


(...) eis-nos, no limiar deste novo ano de 77, seriamente preocupados com a sorte que nos espera a todos, naufragada que se encontra a Nação, a viver (já sem preocupações de independência nacional...) da misericórdia dos empréstimos externos, em economia de desespero, a caminho da miséria e da fome... numa via para o socialismo!

O País estava prestes a atingir índices de nível europeu avançado por altura do 25 de Abril de 1974. Ninguém disso terá a mínima dúvida. Estava-se a viver uma fase aberta de expansão económica, mesmo com o encargo da guerra do Ultramar, expansão essa que nos colocaria, até 1980, ao nível dos melhores padrões do nosso continente. A execução programada, no respectivo Plano de Fomento - que estultamente se suspendeu - visava o complexo de Sines, da Siderurgia do Norte, da implantação da indústria química pesada no Barreiro, do complexo químico de Estarreja, da Petroquímica do Norte, dos grandes estaleiros da Setenave, em complemento com os da Lisnave, a construção do novo Aeroporto de Lisboa (Rio-Frio), a nova rede de auto-estradas, entre as quais a do nó Lisboa/Porto, tudo obras de fundo que nos encaminhariam para uma grandeza industrial de ordem europeia.

Do mesmo modo, não se poderá esquecer o elevado ritmo de investimento por essa altura verificado, resultando grande parte dele de poupanças internas, aforradas em clima de confiança; de que se dispunha de uma balança de pagamentos, com o exterior, positiva, a par de reservas-ouro e divisas das mais elevadas do mundo, o que permitia dispor de uma moeda invejavelmente sólida; de uma taxa de crescimento do produto nacional bruto em progressão constante; de uma situação de pleno emprego; de um poder de compra que se ampliava dia-a-dia; de uma actividade febril na indústria da construção de habitações de que tanto se estava carecido; de uma infraestrutura hoteleira que permitia alargar as perspectivas de turismo tanto interno como externo a níveis altamente compensadores para o País. O que muito sumariamente se descreve são factos: não anedotas. Anedota é a Revolução Traída; anedota trágica é a situação em que nos colocaram os «salvadores» da Pátria... E que anedotas!

Ao contrário de tudo isto, o que vimos? O País depredado, destruídas as estruturas económicas; uma contestação social permanente; um ensino paralisado nuns casos, degradado noutros; a autoridade do Estado discutida por tudo e por nada; um Governo que não governa; uma Assembleia da República longe de preencher o seu Estatuto; corrupção como nunca se vira antes; a incompetência institucionalizada; esgotadas, praticamente, as reservas em poder do Banco Central; as empresas, mesmo as que eram medianamente prósperas, em vésperas de falência técnica ou declarada; o produto bruto agrícola exceder largamente o investimento de milhões de contos sacrificados em nome de uma pseudo-reforma agrária, que acabará por levar à depredação da propriedade fundiária de grande parte do Sul do País; um Conselho da Revolução, de legitimidade mais que discutível, constituído por alguns indivíduos que pelo seu passado recente e pela sua categoria mental se acham bastante longe de merecer o respeito da Nação. Poderíamos avançar, por aqui fora, indo bastante mais longe.

(...) Na história do tempo, que contam três escassos anos? O mesmo não se poderá dizer na história de um Povo, de uma Raça, de uma Nação. Podem não ser nada e podem ser tudo. Para Portugal, para mal de nós todos, essa fracção mínima em relação à eternidade, desde o pós-25 de Abril, representa um período fugaz mas trágico, marcado pelo sofrimento, pelo drama dantesco e inenarrável da descolonização, por vexames e actos vis que são a vergonha de uma sociedade civilizada. Não são invenções: são uma constatação oficial, traduzida ao nível de inquéritos elaborados imparcial e honradamente.

Mutilada a geografia da Pátria e mutilada a alma do Povo Português, vilipendiada a sua História e vilipendiado o seu Passado - o que resta à vista de todos os portugueses é o espectáculo triste e patético de um País envilecido e doente, em saldo, a aguardar a hora do seu leilão...

Os valores espúrios que o 25 de Abril parturejou em número infindável, transformando em miríades de ídolos fugazes toda a sorte de cabotinos que, de enxurrada, tomou o País de assalto, numa voracidade insaciável, desensofrida e repugnante - são um ou outro raro caso, quantos governam hoje o País.

A leitura, à distância do tempo, da incrível «comunicação» do ex-Primeiro-Ministro, Vasco Gonçalves, e as palavras de apoio que mereceu ao camarada porta-voz do Partido Socialista, Sotomayor Cardia - pelas suas falsidades primárias, dispensam de sobejo qualquer crítica: basta ao comum dos portugueses olhar em seu redor e dar-se conta daquilo a que se reduziu o País que éramos ao 25 de Abril... Os factos são neste caso bem mais eloquentes do que as palavras!

Como demonstração da cretinice e imaturidade dos homens que se pretendem fazer passar por responsáveis da nossa política, no plano externo, basta atentar no confrangedor lance ocorrido recentemente em pleno Parlamento Europeu. Um Jaime Gama qualquer, que nos dizem presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia da República e vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista, jactou-se, soezmente, de que a Revolução do 25 de Abril havia conseguido «desfazer», em pouco meses, uma obra de coloninzação de cinco séculos, que tantos foram os da presença de Portugal em África e noutras partilhas do Mundo. Apresentava o facto como um acto relevante e ímpar! Só que as suas afirmações levianas teriam de causar, como causaram, uma certa preocupação no areópago a que se dirigia. O «desfazer» de cinco séculos de História e de Civilização, em poucos meses, como o fizeram os homens do «25 de Abril da Traição», acabava de dar aos experimentados europeus o exacto «calibre» moral e ético com que, levianamente, agem os cabotinos da Revolução Traída, e daí que se ponham a «jogar à defesa»... relativamente a toda e qualquer questão que diga respeito ao País (ibidem, pp. 134-160; 168-170; 176; 304-307; 320).










Nenhum comentário:

Postar um comentário