segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Modernismo, Aggiornamento e Ostpolitik (iv)

Escrito por Roberto de Mattei





O Anticristo de Luca Signorelli



«(...) Montini concebia a democracia cristã como um partido aconfessional, cuja nova orientação política aprovava, e apoiou a facção de esquerda de Amintore Fanfani que, no congresso de Outubro de 1959, em Florença, tinha feito prevalecer o princípio segundo o qual a democracia cristão não voltaria a aceitar o apoio dos partidos de direita: a abertura aos socialistas apresentava-se então como o passo logicamente consequente.

Já no começo dos anos 50 Mons. Montini, que era na altura pró-secretário de Estado, tinha sustentado, em longa e animada conversa com o arcebispo de Génova, "que era fatal uma experiência socialista em Itália"; Siri respondera-lhe com dureza: "Naturalmente que, se Vossa Excelência, no cargo que ocupa e com as posições que tem, julga possível semelhante ideia e a sustenta, com certeza que encontrará seguidores e encontrará maneira de fazer com que essa tese se realize. Mas recorde que me encontrará sempre no pólo oposto".

(...) Em Dezembro de 1937, graças ao apoio do secretário de Estado Pacelli, Montini é promovido a substituto da Secretaria de Estado, sucedendo a Mons. Tardini, que nesse mesmo dia é nomeado secretário da Congregação para os Assuntos Elesiásticos. Não tinha qualquer experiência diplomática, à excepção dos seis meses que passara na nunciatura de Varsóvia, mas trabalhou quase ininterruptamente na Secretaria de Estado até 1954, o ano em que Pio XII o nomeou arcebispo de Milão, embora sem o chapéu cardinalício.

A promoção foi, na realidade, uma "despromoção", cujos motivos ainda hoje não são claros. Segundo alguns, Mons Montini esteve envolvido na traição do Padre Alighiero Tondi [jesuíta que abandonou a Companhia de Jesus em 1952 para aderir ao Partido Comunista e trabalhou na Alemanha de Leste. Em 1978, na sequência de uma nova crise de consciência, foi reintegrado no sacerdócio]; de acordo com o Cardeal Siri, foi enviado para Milão na sequência do juízo negativo de uma comissão secreta criada por Pio XII que tinha perdido a confiança no substituto pelo facto de este proteger o presidente da Acção Católica, Mario Rossi, que se batia por uma Igreja empenhada à esquerda; por sua vez, o Cardeal Casaroli confiou a Andrea Tornielli que as relações do Papa com o seu principal colaborador "começaram a deteriorar-se substancialmente devido aos contactos de Montini com os ambientes da esquerda da política italiana, estabelecidos sem o conhecimento de Pio XII". Do epistolário de Mons. Montini com o Padre Giuseppe de Luca pode concluir-se que, através do sacerdote romano, o substituto mantinha contactos com os católicos comunistas e com alguns sectores do PCI [Partido Comunista Italiano]. Por sua vez, Andrea Riccardi recorda que algumas nomeações de bispos da Lituânia, feitas de maneira "senão misteriosa, pelo menos nebulosa", tinham dado lugar a boatos sobre infidelidades de Montini nas questões soviéticas, boatos que remontam a um "relatório secreto" de Claude Arnould, coronel francês católico e anticomunista, que tinha sido encarregado de investigar a passagem de informações reservadas da Secretaria de Estado aos governos comunistas de Leste. Arnould tinha atribuído a origem das fugas a Mons. Montini e à sua entourage, lançando o alarme no Vaticano. Andrea Tornielli trouxe à luz alguns documentos que parecem provar a credibilidade de Arnould, o qual gozava da total amizade e confiança do Cardeal Tisserant e circulava nos níveis mais elevados do Estado e da Igreja em França.



O sósia de Paulo VI (cf. aqui).




O certo é que o novo Papa [Paulo VI] tinha sido embebido de cultura francesa, e tinha simpatia pelas novas correntes progressistas, em particular pela obra de Jacques Maritain. Observa Riccardi: "parece provável" que Montini "procurasse novos caminhos nas fronteiras do Leste, talvez apenas como hipóteses de trabalho", porque "a leitura maritainiana do comunismo e a situação dos católicos do Leste o incitavam a tal". Na fase preparatória do Concílio, o Arcebispo Montini tinha participado na Comissão Central Preparatória, alinhando sempre com os progressistas, mas de forma moderada.

Como já foi notado, no prefácio que escreveu, em 1954, a Notre Sacerdoce, de Mons. Pierre Veuillot, o arcebispo de Milão retrata-se a si mesmo. O sacerdote, escrevia então Mons. Montini, "deve ser imensamente hábil": "um artista, um operário especializado, um médico indispensável, um iniciado nas subtilezas e profundezas fenomenológicas do espírito: um homem de estudo, um homem de palavra, um homem de gosto, um homem de tacto, de sensibilidade, de finura, de força. Quanto trabalho sobre si mesmo deve fazer o sacerdote, para se habilitar a trabalhar com os outros! [...] tem de ouvir as sirenes que vêm das oficinas, os templos da técnica nas quais vive e palpita o mundo moderno; compete-lhe ser missionário, se quer que o cristianismo seja e continue a ser fermento vivo da civilização".

Roncalli era um homem sagaz mas, embora tivesse passado a maior parte da sua vida na diplomacia, nunca tinha chegado a adquirir a finura do diplomata. Pelo contrário, Montini, embora tivesse viajado muito pouco, era um diplomata ou, ainda mais, um político por natureza. Antes mesmo de o fazer na Secretaria de Estado, tinha respirado a política na família, e ela seria sempre a sua grande paixão. Carlo Falconi divulgou a ideia do "hamletismo" de Montini, mas este "hamletismo" não era irresolução: era uma ambivalência que viria a permitir ao cardeal de Milão, que tinha agora ascendido ao pontificado, melhor alcançar os seus objectivos».


Roberto de Mattei («Concílio Vaticano II. Uma história nunca escrita»).


«Lisboa, 3 de Junho [de 1963] - Morre o Papa João XXIII. Pastor de homens, sem dúvida, bom, e servo dos servos. Mas talvez ingénuo, e abriu demasiadas janelas por onde entraram demasiadas tempestades.

Lisboa, 8 de Junho - Missa de pontifical em S. Vicente, por intenção de João XXIII. Toda a alta-roda oficial. Hábil, prudente, a homilia do Cardeal Gonçalves Cerejeira. Adaptou-se às encíclicas, mas não perdeu de vista as necessidades da política portuguesa. Seu tema central: o Papa fez o diálogo com o mundo.

(...) Lisboa, 21 de Junho - De manhã, soube-se a notícia da eleição de novo Papa: é o Cardeal Montini, que toma o nome de Paulo VI. Logo surgem interrogações sobre os perigos que pode trazer para nós o novo pontificado. José Nosolini veio célere com informações, considera-o um progressista com a obsessão das reformas, pode tentar conduzir o Concílio num pendor esquerdista. Que mais teremos de enfrentar?

Lisboa, 29 de Junho - Partida para Roma, a representar Portugal na coroação do novo Papa. Ao tomar o avião, entregam-me um telegrama de Léopoldville anunciando que o governo congolês decidira reconhecer o "governo da República de Angola" no exílio. Está claro que alguma reacção temos de mostrar, ainda que o gesto seja só simbólico.






Roma, 29 de Junho - Jantar na embaixada do Brasil. Fico à direita do Presidente João Goulart. Não encontrei conversa que valesse com um homem que é chefe do Estado do Brasil. Primarismo das ideias, ignorância de pasmar quanto a coisas elementares, vocabulário tosco, conceitos demagógicos e infantis - e tudo isto envolto na inconsciência e na irresponsabilidade. Disse-me assim: "nós somos anticolonialistas, Portugal é colonialista, e o Brasil é contra, e pronto". E pronto: que se responde a isto? Como se argumenta neste caso? Estava também o novo ministro da Relações Exteriores do Brasil, Evandro Lins: pareceu-me mais sereno, mais composto: mas compenetrado da sua alta importância: e imensamente reservado.

Roma, 30 de Junho - Pela tarde, é a cerimónia da coroação do novo Papa. Praça de S. Pedro, a céu aberto. Quase meio milhão de pessoas. Duas longas filas de cardeais e bispos, com as suas mitras brancas, caminham paralelas, com lentidão cadenciada, e entoam cânticos que sobem às alturas. E depois, no termo das filas dos prelados, surge o Papa, sentado no seu trono-andor, numa posição eminente à multidão. Para mim, que nunca antes assisti a uma coroação pontifícia, o que há de espantoso é isto: este nova Papa parece igual, exactamente igual, na figura e nos gestos, a todos os papas anteriores, consoante se gravam na nossa imaginação depois de vermos mil estátuas, gravuras, quadros antigos, e de lermos descrições antanhas. É a eternidade da Igreja. Paulo VI lança a benção para um lado e outro, e para os que estão perto e os que estão longe, e depois abre os braços como quem quer ir ao encontro de todos; mas em tudo, se há o poder espiritual e a força da fé, há também fragilidade, distância, mistério. Como que protegendo o andor que transporta o Papa, acompanham-no dois grandes leques de plumas brancas, numa tradição faraónica, a simbolizar a reverência e o culto ao chefe remoto e enigmático. Mas a Igreja de Cristo reconduz tudo à modéstia, à humildade: atrás do andor do Papa segue um cardeal queimando uma réstia de estopa, e repetindo: "sic transit gloria mundi". Atinge a procissão dos prelados o altar monumental erguido defronte da Basílica de S. Pedro, e aí desce o Papa, que inicia a liturgia da Sua Coroação. Não demonstra Paulo VI o menor nervosismo ou emotividade. Dir-se-ia que toda a sua vida se preparou para este momento. Tudo faz com vigor, frieza, sem hesitações: os Seus gestos são incisivos, a Sua voz é firme. Sabe que é Papa, sempre quis sê-lo, não tem dúvidas de que merecia ser Papa, e exercerá sem tibieza nem tergiversações o múnus papal. Terá dúvidas teológicas; nenhumas de natureza política».

Franco Nogueira («Um Político Confessa-se. Diário: 1960-1968»).


«O Cardeal [Mindszenty] era uma personalidade de primeiro plano; tornara-se Primaz da Hungria poucos meses depois de as tropas soviéticas terem ocupado o país e, na Hungria, tradicionalmente, o Primaz era mais do que um importante dignitário eclesiástico. Durante a monarquia era considerado a segunda personalidade do país, especialmente na falta do rei. Mesmo sob a ocupação soviética da Hungria, Mindszenty tinha continuado a apresentar-se como "príncipe primaz".

Desde o princípio que o "príncipe primaz" se tinha mostrado corajosamente oposto ao comunismo. Como era de temer, foi logo preso e processado; durante o processo, as gravíssimas pressões a que foi sujeito levaram-no a confessar que tinha conspirado contra o Estado e andado em transacções monetárias ilícitas. O tribunal declarou-o culpado e condenou-o a prisão perpétua. A sua prisão, no dia seguinte ao Natal de 1948, já tinha provocado enorme impressão no mundo e foi interpretada como a prova decisiva da natureza anti-religiosa e opressiva dos novos regimes da Europa do Leste. O Cardeal ficara preso na cadeia e, depois, com residência fixa, até à revolução anticomunista de Outubro de 1956; então, recuperou a liberdade, mas só para se encontrar diante de um novo perigo de captura, quando os tanques soviéticos derrubaram o novo governo que mal se havia instalado em Budapeste. Mindszenty apresentou-se, então, na legação americana a pedir asilo. E lá o fui encontrar quando cheguei à Hungria, em 1963.



Cardeal Mindszenty 



(...) Ele dava a impressão de uma lâmina de aço, inflexível, pronta para a luta, mesmo sangrenta, com uma realidade igualmente determinada a não deixar-se dobrar. Pelo contrário, o Papa propunha-se enfrentar esta realidade [o comunismo] pela via do diálogo, com uma serena coragem, esperançado que haveria de chegar, por fim, a abrandá-la um pouco. É claro que, para tal, precisava da ajuda de Deus e de um esforço de sabedoria, não resignada, mas humanamente compreensiva e sobrenaturalmente iluminada.

No fundo, embora o Cardeal não excluísse eventuais tentativas de conversações da Santa Sé com o governo, era bem clara - e revelou-se ainda mais, a seguir -  a sua convicção de que seria inútil negociar com os comunistas para obter alguma melhoria, que não fosse só meramente aparente, das condições da Igreja na Hungria. Aliás, ele considerava estas condições tão más que, como dizia, nem sequer poderiam piorar. Portanto, porquê negociar?

O que o Cardeal dizia da Igreja também o pensava do povo húngaro e da sua sorte.

A conclusão lógica não podia ser senão um inabalável "Delenda Carthago!" [Cartago tem de ser destruída!]: não havia outro caminho para ajudar, tanto o povo como a Igreja senão a eliminação do regime comunista. O Cardeal não escondia esta sua convicção indestrutível e não se coibia a exprimir um juízo bastante severo sobre o Ocidente, mais concretamente sobre os Estados Unidos; porque eles, que, no fim da Segunda Grande Guerra, tinham tido a supremacia militar, graças à posse, até então exclusiva, da arma nuclear, tinham, contudo, permitido que a URSS impusesse o seu império político-militar e ideológico sobre grande parte da Europa. Nem escondia o seu juízo negativo sobre qualquer forma de ajuda oriunda do Ocidente, como a venda de trigo da parte dos Estados Unidos e do Canadá que, na realidade - observava ele -, só ia fortalecer os regimes comunistas, sem mitigar a miséria dos povos...».

Agostino Casaroli («O Martírio da Paciência»).


«A guerra de 1914-1918 foi conduzida para assegurar ao comunismo uma posição geográfica importante na Rússia. A guerra de 1939-1945 foi suscitada para estender o totalitarismo vermelho à Europa Central e ao Continente chinês.

A guerra europeia estava efectivamente terminada em 1944, um ano antes de ter acabado oficialmente. O Alto Comando Alemão solicitou com insistência a paz desde 1944, por intermédio do seu embaixador na Turquia, ajuntando que se procurava neutralizar Hitler. O Alto Comando Alemão era perfeitamente capaz de o fazer. Evidentemente, estas negociações deviam ser conduzidas no maior segredo e a mensagem não foi senão enviada a Roosevelt. O Presidente americano nunca abriu a boca sobre este assunto e não o participou senão aos seus mais íntimos colaboradores, que eram todos "Iniciados". Isto é contado por um americano muito patriota, Curtis Dale, que se descobriu ser o único genro de Roosevelt, num livro "F. D. R. My exploited father in law". Os generais americanos que comandavam as forças europeias, em 1944, queriam alcançar a Checoslováquia e daí subir até Berlim - tê-lo-iam feito facilmente. Mas foram impedidos por Eisenhower, um dos "Iniciados" do mais alto grau ou, talvez, como Roosevelt, um agente bem colocado dos mundialistas. Naturalmente, os generais alemães nunca foram postos ao corrente a respeito desta oferta de paz solicitada pelo Alto Comando Alemão.


Já que mencionamos o General Eisenhower, será bom acrescentar que ele foi pessoalmente responsável por um crime que deverá encher de vergonha os ocidentais. Refiro-me ao envio para os braços de Estaline de milhões de refugiados, uma parte dos quais fugira da Rússia no princípio da Revolução de Outubro e vivia na Alemanha. A questão do seu destino, debatida em Potsdam e Ialta, merecera o explícito acordo de Estaline, Roosevelt e Churchill de que não haveria repatriamento forçado. Apesar disso, e sob as ordens de Eisenhower, não menos de dois milhões deles foram encaixotados pela força das baionetas nos vagões de gado, ou noutros transportes rudimentares, e expedidos para a URSS. Muitos lançaram-se ao mar e suicidaram-se de todas as maneiras, antes de se encontrarem no arquipélago de Goulag, que seria, eles sabiam-no, o seu último destino. Este episódio vergonhoso é presentemente conhecido, perfeitamente graças a vários livros como o de Lord Bethell (Le Dernier Secret, ed. Le Seuil, 1975), que a imprensa comprometida, como é hábito, desconheceu.

Se era fácil ao Exército americano subir até Berlim e entrar na Europa, fácil teria sido também movimentar-se para a Polónia, Pomerânia e Prússia Oriental. Entretanto, se a guerra se desencadeara para impor o comunismo em todos estes países, os exércitos americanos deviam estar imobilizados. Artur Bliss Lane era o embaixador dos Estados Unidos na Polónia em 1945. Estava por conseguinte no galarim para observar todas as intrigas que se travavam para se estabelecer na Polónia um governo comunista (Recordemos que a guerra foi declarada pela Inglaterra sob o pretexto de garantir a liberdade da Polónia). O embaixador Bliss Lane enviou comunicado sobre o comunicado para Washington, descrevendo a dramática situação da Polónia e pedindo insistentemente aos Aliados - os Estados Unidos, o Reino Unido e a França - para intervir para salvar o país. Quando se apercebeu que os seus despachos eram completamente ignorados, demitiu-se do seu posto, regressou aos Estados Unidos e escreveu um livro "I Saw Poland Betrayed". Como todas as outras obras excelentes, escritas por homens corajosos, versando nesta época, tentando esclarecer e acautelar contemporâneos, esta foi também rodeada no mais completo silêncio; um silêncio de morte. Apenas pessoas influentes e capazes de remediar a situação tomaram conhecimento da horrível verdade. Deste modo, a liberdade dos polacos, no termo de uma guerra inexpiável, foi abandonada aos ternos cuidados de Estaline. Como tem sido dito para o pseudo-tratado de paz que resultou no fim da guerra de 1914-1918, este não foi um tratado de paz mas uma pausa entre as hostilidades».

Deirdre Manifold («Fátima e a Grande Conspiração»).


«(...) Trotsky não era pró-Rússia, ou pró-Aliados, ou pró-Alemanha, como muitos pretenderam que ele fosse. Trostky era pela revolução mundial, pela ditadura mundial; ele era, numa palavra, um internacionalista. Bolchevistas e banqueiros têm, de facto, este denominador comum: internacionalismo. Revolução e finança internacional não se opõem quando perseguem a instauração de uma autoridade centralizada. A finança internacional prefere lidar com governos centralizados. A última coisa que a comunidade financeira quer é a economia liberal e o poder disperso ou descentralizado.






Isto é, por conseguinte, uma explicação por de mais evidente. Este grupo de banqueiros e promotores não era bolchevista, ou comunista, ou socialista, ou democrata, e nem sequer americano. Estes homens queriam acima de tudo mercados, de preferência mercados internacionais captivos e, desse modo, o respectivo monopólio como o fim último a atingir. Eles queriam mercados que pudessem ser explorados em termos monopolistas e sem jamais temerem qualquer espécie de competição da parte dos russos, alemães ou de quem quer que fosse, incluindo os homens de negócios americanos que não pertenciam ao seu círculo. Este grupo restrito era apolítico e amoral. Em 1917, tinha um único objectivo em mente: um mercado captivo na Rússia, garantido e intelectualmente protegido por uma liga destinada a garantir a paz.

Na realidade, Wall Street alcançou este objectivo. As firmas americanas controladas por este sindicato foram mais tarde chamadas à construção da União Soviética, de modo que hoje têm o seu caminho assegurado para trazer o complexo industrial e militar soviético para a era do computador.

Actualmente, um tal objectivo continua na ordem do dia. John D. Rockefeller expõe esse mesmo objectivo no seu livro A Segunda Revolução Americana, que ostenta uma estrela de cinco pontas na folha de rosto. O livro contém uma clara defesa a favor do humanismo, isto é, apela para a única prioridade  que consiste em trabalharmos para os outros. Por outras palavras, apela para o colectivismo. Humanismo é colectivismo. É realmente notório que os Rockefellers, que vêm propondo há um século esta ideia humanitária, não tenham entregue ou passado a sua propriedade para mãos alheias. Presumivelmente, está implícito na sua recomendação que todos nós trabalharemos para os Rockefellers. O livro de J. D. Rockefeller promove o colectivismo sob o disfarce do "conservadorismo moderado" e do "bem comum". Trata-se, de facto, de um desígnio que se propõe perpetuar o apoio inicial dos Morgan-Rockefeller a favor de iniciativas colectivistas e da subversão massiva dos direitos individuais».

Antony Sutton («Wall Street e a Revolução Bolchevista»).





(...) Os últimos meses de vida de João XXIII

A 1 de Março de 1963, a fundação internacional Balzan, graças também ao apoio dos membros soviéticos, decidiu atribuir a João XXIII o "Prémio para a Paz". Alguns dias mais tarde, a 7 de Março, o Papa concedeu uma audiência pessoal a Alexej Adjubei, director do Izvestia, mas sobretudo genro de Kruchshev e seu embaixador privado. Este encontro não levou a nenhuma conclusão substancial, mas teve um forte impacto mediático na Europa e no mundo. Poucos dias depois desta audiência, em Bérgamo, em plena campanha eleitoral, o secretário do PCI, Palmiro Togliatti, proferiu um discurso em que propunha oficialmente uma colaboração entre católicos e comunistas, afirmando que o Cardeal Ottavianni era um «derrotado» do Concílio. Neste mesmo discurso, Togliatti proclamou «a certeza de que a transformação socialista da sociedade, pela qual combatemos, não é apenas uma necessidade, é uma tarefa que empenha, com a certeza do sucesso, a parte melhor da humanidade», e reivindicou «a ditadura do proletariado», como «bloco de todas as classes trabalhadoras, do trabalho braçal como do mental», à qual «cabe dirigir toda a vida social» (88).

A 9 de Abril de 1963, João XXIII assinou a sua oitava e última encíclica, Pacem in terris (89), cujos temas de fundo são a ascensão das classes trabalhadoras, o reconhecimento do papel da mulher na sociedade contemporânea e a centralidade da paz no Magistério da Igreja.






Nos parágrafos 83-85 da encíclica, eram enunciados três princípios de fundo: 1) jamais se deverá confundir o erro com a pessoa que erra, mesmo que se trate de erros ou de um inadequado conhecimento da verdade no campo moral-religioso; 2) não se pode identificar falsas doutrinas filosóficas sobre a natureza, a origem e o destino do universo e do homem com movimentos históricos com finalidades económicas, sociais, culturais e políticas, mesmo que estes movimentos tenham origem naquelas doutrinas e nelas tenham bebido e continuem a beber a sua inspiração; 3) pode acontecer que uma aproximação e encontro de ordem prática, que no passado foi considerado não oportuno ou não fecundo, seja hoje ou possa vir a ser amanhã oportuno e fecundo.

Estes três princípios constituiriam a chave de interpretação de todo o fenómeno político e diplomático que ficou conhecido pela designação de Ostpolitik da Santa Sé (90) e, de forma mais geral, "abertura" ao comunismo.

A encíclica, publicada a 11 de Abril de 1963, foi apresentada à opinião pública como base para uma futura colaboração entre movimentos de inspiração cristã e movimentos de inspiração socialista; foi dela que se reclamaram muitos teóricos da convergência entre católicos e comunistas, desde o filósofo francês Roger Garaudy até Franco Rodano, o inspirador do "compromisso histórico" italiano (91).

Em Itália, as eleições de 28 de Abril de 1963 resultaram num crescimento consistente do Partido Comunista e num igualmente significativo recuo da Democracia Cristã. Na manhã do 1º de Maio, terminado o inflamado comício da Praça de São João de Latrão - no qual se tinha celebrado, a par da vitória eleitoral, a "festa do trabalho" -, algumas centenas de comunistas dirigiram-se à Praça de São Pedro agitando bandeiras vermelhas e erguendo os punhos fechados, e, voltados para as janelas do Palácio Apostólico, gritaram: «Viva João XXIII! Viva o Papa da Paz!».

Para os comunistas, o Papa João era o "Papa bom" e o Vaticano II, o «Concílio da paz» (92). Em 1960, o Kremlin tinha lançado a doutrina da "coexistência pacífica", como plano estratégico para todo o período de transição, à escala mundial, do capitalismo para o socialismo (93). Na realidade, como afirmou Kruchshev num célebre discurso de 1 de Janeiro de 1961, em termos de conteúdo social, a política de coexistência pacífica era uma forma de intensa luta económica, política e ideológica do proletariado contra as formas agressivas do imperialismo internacional. O comunismo operava através do binómio medo-simpatia, apoiando-se na aspiração universal à paz. Assim, sem renunciar à sua acção intimidatória e ao proselitismo explícito, usava novas técnicas de persuasão implícita, através do uso de expressões como «paz», «coexistência pacífica» e «diálogo» (94).






Entretanto, a saúde do Papa deteriorava-se rapidamente. A 10 e 11 de Maio, o Prémio Balzan foi solenemente conferido ao Papa no Vaticano e no Palácio do Quirinal [residência oficial do Presidente da República de Itália]. João XXIII recorda estes dias na sua agenda como «duas jornadas históricas e benéficas no decurso da minha vida e do serviço à S. Sé e a Itália» (95). Dois dias depois, em Nova Iorque, o Cardeal Suenens entregava ao secretário-geral das Nações Unidas, U-Thant, um exemplar da Pacem in terris assinado pelo próprio punho do Pontífice. Numa iniciativa sem precedentes, o Kremlin autorizou a publicação da tradução da encíclica em russo, com a assinatura do Papa em cirílico (96). A 20 de Maio, João XXIII escreveu mais uma longa carta a todos os bispos do mundo, anunciando-lhes que faria os seus exercícios espirituais entre 25 de Maio e 2 de Junho, durante a novena do Pentecostes. Mas o que sobreveio nesses dias foi o fim. A 28 de Maio, L'Osservatore Romano publica um título de página inteira, com três linhas: «O Papa convida à oração para que se cumpra a vontade de Deus, seja ela o sacrifício ou o prolongamento da sua vida, para feliz êxito do Concílio, pela Santa Igreja e pela paz». Na noite de quinta-feira 30 para sexta-feira 31 de Maio, o estado de saúde do Pontífice agravou-se. Na sexta-feira, Mons. Capovilla anunciava ao Papa: «Santo Padre, mantenho a minha palavra; tenho que fazer por vós o que vós fizestes por Monsenhor Radini no final da sua vida. Chegou a hora. O Senhor chama-vos» (97).

Às 19h45 de segunda-feira, 3 de Junho, João XXIII morre, após quatro anos e sete meses de pontificado.

As últimas horas do Papa foram seguidas pelos noticiários radiofónicos e o seu funeral, que teve lugar a 6 de Junho, foi transmitido pelas televisões de todo o mundo. A 7 de Junho, João XXIII foi sepultado, em cerimónia nocturna, nas grutas vaticanas. Foi então determinado que os Novendiali, as solenes cerimónias fúnebres que duram nove dias, terminariam a 17 de Junho, a fim de se poderem convocar os oitenta cardeais encarregados de eleger o novo pontífice. Os meios de comunicação contribuíram para a criação daquela imagem do "Papa bom", do «profeta desarmado», do «novo Pentecostes» (98), que a publicação das agendas de João XXIII veio diluir parcialmente. João XXIII não foi o homem "simples" descrito por alguns hagiógrafos; foi uma personalidade complexa, talvez mesmo, como observa o Padre Roquette, «desconcertante» (99). Roquette, que foi o primeiro a referir o «mistério Roncalli», sustenta que, na sua «sabedoria de camponês», o Papa levou a cabo uma «política de equilíbrio». Um dia em Paris, fumando um charuto depois de um almoço, o futuro Pontífice definiu a sua política ao mesmo Roquette nos seguintes termos: «Eh" Comme vous dites en français: demi-tour à droite, demi-tour à gauche» (100).


Fosse como fosse, a figura de João XXIII entrava para a história indissoluvelmente ligada ao Concílio Vaticano II, que ele tinha concebido, inaugurado e conduzido durante a primeira sessão, aquela que viria a ser a sessão decisiva.


(...) Os apelos contra o comunismo

Foi no início da segunda sessão que se colocou pela primeira vez na aula a questão do comunismo.

No ano que decorreu entre o epílogo da crise dos mísseis de Cuba (Outubro de 1962) e a morte do Presidente John F. Kennedy (Novembro de 1963), instalou-se no mundo um novo espírito de distensão; foi durante este período que se delineou o clima de "degelo" entre realidades que o Magistério já tinha definido como antitéticas (101).

As encíclicas de João XXIII e de Paulo VI teriam uma influência determinante sobre o Concílio (102), dando a impressão de pretender inverter a posição da Igreja frente ao comunismo, e levantando, na prática, todas as condenações, mesmo que apenas verbais. É neste período que nasce a Ostpolitik, a política de abertura do Vaticano aos países comunistas do Leste (103), que teve o seu símbolo no então Mons. Agostino Casaroli (104).

A atitude dos governos comunistas em relação à Igreja e às outras religiões estava a evoluir da perseguição declarada para uma tolerância limitada que permitia uma restrita liberdade de culto e de expressão. Por outro lado, o Kremlin mostrava ter grande interesse por tudo o que se passava em Roma durante os anos do Concílio. A 21 de Novembro de 1963, o semanário Il Borghese publicava um artigo intitulado Um Concílio cheio de espiões, em que avançava fortes suspeitas sobre alguns dos bispos polacos presentes em Roma, que eram abertamente acusados de espionagem a favor do regime comunista do seu país. A 22 de Novembro, o Cardeal Wyszynski, primaz da Polónia, reagiu com um vibrante protesto dirigido a Attilio Piccioni, o ministro dos Negócios Estrangeiros, garantindo-lhe que «o regime da Polónia nunca impôs semelhantes condições a qualquer dos bispos polacos» (105). O historiador Viktor Gaiduk recorda contudo que a estratégia de "colaboração" com os católicos tinha funcionado na Polónia «graças às políticas de solidariedade nacional do Cardeal Wyszynski», mas não na Hungria, devido à oposição de Mindszenty (106).






A leste e a oeste da Cortina de Ferro, duas linhas se contrapunham: muitos Padres consideravam que não era lícito os católicos estabelecerem acordos com os partidos comunistas, nem sequer a preço da concessão de uma certa liberdade de culto, enquanto outros optavam por uma visão possibilista. Nesta altura, Plínio Côrrea de Oliveira produziu um estudo, publicado em Agosto de 1963, com o título A Liberdade da Igreja no Estado Comunista (107), e dedicado ao problema da licitude da "coexistência pacífica" entre a Igreja e os regimes comunistas, em que argumentava que os católicos não podiam aceitar qualquer tipo de modus vivendi com o comunismo, pois tal pressupunha a renúncia à defesa dos seus direitos naturais, nomeadamente o direito à propriedade privada, sancionado pelo 7º e o 10º mandamentos, mas negado pelo comunismo. O ensaio, traduzido para espanhol, francês e italiano, foi distribuído aos 2.200 Padres Conciliares e aos 450 jornalistas de todo o mundo presentes em Roma, suscitando um eco que se fez ouvir do outro lado da Cortina de Ferro (108). A 4 de Janeiro de 1964, foi publicada uma versão integral do texto no diário Il Tempo, chamando a atenção da opinião pública da Cidade Eterna (109). A 9 de Janeiro de 1964, Mons. Cicuttini (110), Padre Conciliar e bispo de Città di Catello, escrevia ao Papa: «Posso declarar que é esperado e seria providencial um esquema conciliar sobre o comunismo; na minha humilde opinião, o Concílio não pode, neste momento, ignorar um perigo e um complexo de negociações tão graves» (111).

À distribuição do ensaio, vieram juntar-se duas importantes iniciativas sugeridas pelo pensador brasileiro, a primeira das quais dizia respeito ao problema do comunismo. Na vigília da segunda sessão, D. Geraldo de Proença Sigaud e Dom António de Castro Mayer consultaram por carta muitos Padres, perguntando-lhes se consideravam oportuno que o Concílio se pronunciasse sobre o comunismo de modo claro e solene. Das 243 respostas recebidas, 218 foram afirmativas. A 29 de Novembro de 1963, enviaram as petições ao Cardeal Amleto Cicognani, Secretário de Estado, solicitando-lhe que as apresentasse ao Papa. No texto da carta, o Cardeal Cicognani anotou: «Referido na Audiência de 9-XII-63. Aliquid deve dizer-se: breve, solene, claro. No De praesentia Ecclesiae» (112).

Perante os crescentes esforços de expansão e domínio do marxismo e do comunismo, e considerando os erros e os estados de espírito que circulavam entre muitos católicos, e que os tornavam propensos a acolher a doutrina marxista e a estrutura social do comunismo, os signatários do apelo, pertencentes a várias nações (entre as quais se contavam nada menos que 54 Padres brasileiros e 29 italianos, embora apenas 5 franceses), consideravam que o Concílio era uma óptima ocasião para tratar do comunismo, problema tão importante para o bem da Igreja e a salvação das almas. Pedia, pois, ao Santo Padre que dispusesse a elaboração e o estudo de um esquema de constituição concilar em que:

«1. Se exponha com grande clareza a doutrina social católica e se denunciem os erros do marxismo, do socialismo e do comunismo, do ponto de vista filosófico, sociológico e económico.

2. Sejam dissipados os erros e a mentalidade que preparam o espírito dos católicos para a aceitação do socialismo e do comunismo, e que os tornam propensos a tal» (113).



A 18 de Dezembro de 1963, a Secretaria de Estado enviou a petição a Mons. Felici, solicitando-lhe que a transmitisse à comissão mista encarregada da redacção do esquema sobre a Igreja no mundo contemporâneo, dando assim início a um atormentando percurso.

A segunda iniciativa foi posta em prática por D. Geraldo de Proença Sigaud, que, a 3 de Fevereiro de 1964, entregou pessoalmente a Paulo VI uma segunda petição, subscrita por 510 prelados de 78 países, na qual se implorava que o Pontífice, em união com todos os bispos, consagrasse o mundo, e explicitamente a Rússia, ao Imaculado Coração de Maria (114). Tratava-se de um ponto relacionado com o anterior, e tão escaldante como ele.

Por seu turno, o Padre Congar escrevia: «Faço o máximo de campanha possível contra uma consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, porque vejo o perigo de se formar um movimento neste sentido» (115).

As petições apresentadas pelos dois bispos brasileiros e o livro do Prof. Corrêa de Oliveira constituíam, como este último fazia notar na revista Catolicismo, um todo coerente e orgânico: «No seu conjunto, os três documentos constituem, cada um à sua maneira, três episódios de inconfundível importância na luta contemporânea contra o maior adversário do Santo Padre, da Igreja Católica e da Cristandade» (116).


(...) Nova discussão sobre o marxismo e o comunismo

O marxismo e o comunismo estiveram no centro de uma discussão que teve lugar na terceira sessão, sobre a qual pesou a encíclica Ecclesiam suam, de Paulo VI, publicada dois meses antes, a 6 de Agosto de 1964, e na qual o Pontífice lamentava os sistemas ideológicos que negavam a Deus e oprimiam a Igreja no mundo, ao mesmo tempo que exprimia o desejo «de que eles venham um dia a entabular com a Igreja um diálogo positivo, diferente do que parte do pressuposto da nossa deploração e dum nosso lamento obrigado» (117). «Figurava pela primeira vez numa encíclica a política de diálogo com os não crentes e com os regimes socialistas», observa um historiador contemporâneo (118).

Na análise geral do esquema conciliar, que omitia qualquer referência ao comunismo, o tema foi referido com preocupação por muitos Padres.

A 22 de Outubro de 1964, quer Mons. Stimpfle (119), bispo de Augusta, Alemanha, quer Mons. Barbieri (120), bispo de Cassano Jónio, Itália, pediram com veemência que se tratasse a questão do comunismo. «O objectivo principal deste Concílio é de carácter pastoral, e, possivelmente, ocorre evitar condenações; mas seria um escândalo para muitos crentes que o Concílio desse a impressão de ter receio de condenar o maior delito da nossa época, o ateísmo científico e prático, que é pior, em si mesmo e nas suas consequências, no plano moral e espiritual, do que a própria bomba atómica», fez notar Mons. Barbieri (121).






No dia seguinte, Mons. Yü Pin (122), arcebispo no exílio de Nanquim, China, atacou, em nome  de setenta Padres Conciliares, a «política da mão estendida», e reclamou a introdução de um novo capítulo, ou pelo menos de uma declaração solene sobre o comunismo, para satisfazer a expectativa dos povos que gemiam sob o jugo comunista; e isto por várias razões:

«1. Ao perscrutar os sinais dos tempos, a Igreja não pode nem deve ignorar que o comunismo e o materialismo marxista constituem o maior e mais triste sinal característico do nosso tempo. 2. Para defesa da verdade, uma vez que o comunismo, o materialismo, o ateísmo militante constituem um cúmulo de todas as heresias. 3. Para vingar a liberdade. Convém recordar que, onde o comunismo está instalado, não faltam nunca perseguições sanguinolentas, ou pelo menos ruinosas. 4. A doutrina da coexistência pacífica, a política da mão estendida, a noção do chamado comunismo católico, são fonte de perigosas confusões. 5. Para satisfazer a expectativa dos povos, em especial daqueles que sofrem e gemem sob o jugo comunista, e que sofrem injustamente dores inenarráveis» (123).

Intervieram ainda muitos outros Padres pedindo que o esquema denunciasse os males do comunismo: Mons. Bollatti (124), arcebispo do Rosário, Argentina; Mons. García de Sierra y Méndez (125), arcebispo de Burgos, Espanha; Mons. Guerra Campos (126), bispo auxiliar de Madrid; Mons. Pogacnik (127), arcebispo Liubiana, Jugoslávia; Mons. Wrigt (128), bispo de Pittsburg, Estados Unidos; Mons. Baüerlein (129), bispo de Sirmio, Jugoslávia.

A 23 de Outubro de 1964, Mons. Carli fez uma intervenção escrita, como sempre lúcida e articulada que merece ser conhecida na sua totalidade:

«Espanta o silêncio do esquema em torno de um fenómeno por de mais presente no mundo do nosso tempo; um fenómeno que toca de perto a ordem natural, mas também a ordem sobrenatural; um fenómeno que não devia suscitar menos a dor e o pranto do Concílio - como se lê no proémio - do que a fome e a explosão demográfica, já que atingiu e continua a atingir com dores e lutos milhões de homens.

Refiro-me ao fenómeno do marxismo, intrinsecamente perverso porque "se opõe e se levanta contra todo o ser que se chame Deus ou o que seja objecto de culto, a ponto de tomar assento no templo de Deus, a si mesmo se proclamando como Deus" (2 Tess. 2, 4); do marxismo, que, revestindo-se astutamente com as roupagens da economia e da política e fazendo uso da violência física, se assanha hoje em mais de metade do mundo e se infiltra insidiosamente na outra metade, semeando lutos e dores entre os católicos, entre os irmãos cristãos separados e, finalmente, entre os seguidores de qualquer religião.

A sua doutrina e a sua práxis relativamente a Deus, ao homem, ao mundo e à escatologia é radicalmente oposta, é mesmo hostilíssima à doutrina e à práxis cristã. O diálogo com o marxismo é impossível; mas pelo menos que não falte o monólogo. A Igreja Católica, que tem o referido fenómeno diante dos olhos, e que também o sente e o sofre ao vivo na sua carne, não pode nem deve calar-se ou falar dele apenas de forma eufemística.



Nesta terceira sessão do Concílio, ouvimos muitos Padres preocupados com a celebração de um processo sumário relativamente à responsabilidade dos judeus na morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tal processo parece-me dificílimo de realizar - se não é mesmo preferível entregá-lo por completo à misericórdia de Deus. -, quer em razão do longo tempo decorrido desde o delito, quer devido ao grande número de passos bíblicos e patrísticos que seria necessário submeter a rigorosa análise exegética, sem que a imparcialidade dos juízes fosse influenciada por aquela piedade humana e cristã que justamente se deve a um povo que, na última guerra, foi submetido a perseguição atroz e ímpia.

Ora bem, não espantará que o nosso Concílio, tão preocupado com aquele processo histórico, não gaste uma palavra sequer, não pronuncie um único juízo, não mostre a menor preocupação pelo deplorável fenómeno do nosso tempo que tem o nome de comunismo marxista? Dir-se-á talvez: mas o comunismo já foi julgado pelo magistério pontifício! Respondo: não nego, mas tudo o resto que se encontra neste esquema e noutros foi também já enunciado pelos Sumos Pontífices, em especial por Pio XII, de venerada memória, com ainda maior clareza, abundância e precisão; e contudo, o nosso Concílio considera adequado que tais coisas sejam solene e conciliarmente repetidas!

Peço pois que esta suma heresia do nosso tempo seja igualmente tratada, de forma explícita e competente, a fim de que a posteridade não se convença de que o Vaticano II foi celebrado numa época em que todo o orbe católico vivia em paz e em calma.

Que a Igreja não se contente com padecer e gemer e fugir, mas que, a exemplo da mulher do Apocalipse (Ap. 12, 2ss), sem qualquer temor, dirija os seus brados ao dragão vermelho; dé testemunho solene e colegial da verdade; não recuse um serviço e um conforto ecuménico, não apenas aos seus bispos, sacerdotes e leigos, mas também aos irmãos cristãos separados, bem como a todas as pessoas que professam uma religião, as quais, por acção do marxismo, sofrem fome, prisão, exílio, perseguição e morte; que faça, enfim, ecoar uma admonição materna aos católicos, especialmente aos operários e aos intelectuais, que, a pretexto do progresso económico e da pseudociência, são enganados por esta pestilencial doutrina e poderiam vir a ser confirmados no seu erro pelo silêncio do Concílio.



A marca da Besta (microship).



Exponha abertamente a Igreja de que modo devem, ela e os seus filhos, comportar-se em face do actual marxismo; com que meios faz ela tenções de chamar ao bom caminho os que andam iludidos!

Veneráveis irmãos, expus-vos abertamente o meu pensamento sobre o tema. Ao fazê-lo, pareceu-me ser como que o executor testamentário do chorado irmão arcebispo Josef Gawlina, recentemente falecido (20 de Setembro de 1964), o qual muitas vezes, antes da sua morte inesperada, com o conhecimento e a experiência directa que tinha do assunto (com efeito, estava exilado da Polónia e era o primaz dos Polacos no exílio), lamentou o surpreendente silêncio dos esquemas conciliares relativamente a um problema doutrinal e pastoral de tão grande peso» (130).

(ibidem, pp. 249-252; 310-314; 364-368).


Notas:

(88) Cf. Rinascita, 13 (1963), depois reeditado em PALMIRO TOGLIATI, Opere, (1956-1964), vol. I, org. LUCIANO GRUPPI, Editori Riuniti, Roma, 1984, p. 698 (pp. 697-707).

(89) Texto in AAS, 55 (1963), pp. 257-304. Para uma reconstrução da sua génese, cf. A. MELLONI, Pacem in terris, Storia dell'ultima enciclica di Papa Giovanni, Laterza, Roma-Bari, 2010 (em especial sobre o papel de Mons. Pietro Pavan na sua elaboração, pp. 41-42).

(90) GIOVANNI BARBERINI, L'Ostpolitik della Santa Sede. Un dialogo lungo e faticoso, Il Mulino, 2007, p. 73.

(91) Sobre Roger Garaudy (1913-2012), cf. P. Corrêa de Oliveira, «Garaudy esboça nova aproximação» e «A manobra Garaudy», in Folha de S. Paulo (8 e 15 de Março de 1970), tr. it. «L'insidia neocomunista di Roger Garaudy», in Cristianità, 2 (1973), pp. 9-12; sobre Franco Rodano (1920-1983), cf. A. DEL NOCE, Il cattolico comunista, Rusconi, Milão, 1981.

(92) R. BURIGANA, «Il Pci. La Chiesa negli anni del Concilio Vaticano II», in Vatican II in Moscow, pp. 202-212.

(93) RICHARD W. ALLEN, Pace o coesistenza pacifica?, tr. it. Il Borghese, Milão, 1966, pp. 118ss. Veja-se igualmente GIORGIO CAREDDA, Le politiche della distensione, 1959-1972, Carocci, Roma, 2008.



Plinio Corrêa de Oliveira



(94) Cf. P. CORRÊA de OLIVEIRA, «Baldeação ideológica inadvertida e diálogo», in Catolicismo, 178-179 (1965), pp. 2-12 (tr. it. Trasbordo ideologico inavvertito e dialogo, Ed. L'Alfiere, Nápoles, 1970).

(95) JOÃO XXIII, Pater Amabilis. Agende del Pontefice, p. 519.

(96) A. MELLONI, Pacem in terris. Storia dell'ultima enciclica di Papa Giovanni, cit., p. 85.

(97) L. F. CAPOVVILA, Ite Missa est, Edizioni Messaggero, Pádua, 1983, p. 218.

(98) Cf. ID., «Giovanni XXIII: profeta della nuova Pentecoste», in Il Vaticano II nella Chiesa italiana, Memoria e Profezia, Assis, 1985; em Jean XXIII dans l'opinion publique, Éditions du Centurion, Paris, 1967, Jules Gritti recolhe os títulos hiperbólicos que a imprensa francesa reservou a João XXIII no dia seguinte à sua morte: «Le Pape du siècle» (France soir, 5 de Junho), «Le Pape le plus humain peut-être de l'histoire (Le Figaro, 4 de Junho), «La plus grande transformation accomplie dans le catholicisme depuis l'Concile de Trente» (Express, 30 de Maio). Sobre o tema do "Papa bom", veja-se o artigo de I. COLOSIO o.p., «Discussioni sulla "bontá" del Papa Giovanni XXIII», in Rassegna di Ascetica e Mística, 3 (1975), pp. 235-248.

(99) ROBERT ROQUETTE, «Le mystère Roncalli», in Études, 318 (1963), pp. 4-18.

(100) Ibid., pp. 12-13.

(101) «Temos razão em não ter medo do comunismo. Temos razão em não ter de tremer diante da perspectiva do ano 2000. Temos razão em ajudar a deseuropeizar a Igreja, desligando-a do passado e empurrando-a para o futuro» (CÂMARA, Lettres conciliaires, vol. I, p. 110).

(102) P. CHENAUX, L'Église catholique et le communisme, cit., p. 260.

(103) Sobre a Ostpolitik, cujas premissas remontam aos anos 20 (A. WENGER, Rome et Moscou 1900-1950, Desclée de Brouwer, Paris, 1987), cf. ALESSIO ULISSE FLORIDI, Mosca e il Vaticano, La Casa di Matriona, Milão, 1976; DENNIS J. DUNN, Détente and Papal-Communist relation, 1962-1978, Westview Press, Boulder (Colorado), 1979; MIREILLE MAQUA, Rome-Moscou. L'Ostpolitik du Vatican, Cabay, Louvain-la-Neuve, 1984: G. ZIZOLA, Giovanni XXIII. La fede e la politica, Laterza, Roma-Bari, 1988, pp. 55-211. A. RICCARDI, Il Vaticano e Mosca, cit., pp. 217-264; SERGIO GROSSU, L'Église persecutée. Entre Goulag et société opulente, L'Âge d'Homme, Lausana, 2002; A. MELLONI (org), Il filo sottile. L'Ostpolitik vaticana di Agostino Casaroli, Il Mulino, Bolonha, 2006; G. BARBERINI (org), L'Ostpolitik della Santa Sede. Un dialogo lungo e faticoso, Il Mulino, Bolonha, 2007; ID., La politica del dialogo. Le carte Casaroli sull'Ostpolitik vaticana, Il Mulino, Bolonha, 2008; AGOSTINO GIOVAGNOLI, «Ostpolitik: un bilancio storiografico», in L'Ostpolitik di Agostino Casaroli (1963-1989), EDB, Bolonha, 2009, pp. 103-131; P. CHENAUX, L'Église catholique et le communisme, cit., pp. 269-295.

(104) Agostino Casaroli (1914-1998), ordenado em 1937, entra ao serviço da Secretaria de Estado em 1940, e aí desenvolve toda a sua carreira eclesiástica. Em 1979, João Paulo II nomeia-o cardeal, prefeito do Conselho para os Assuntos Públicos e seu secretário de Estado, cargo que manteve até 1 de Dezembro de 1990. De Casaroli cf. as memórias póstumas, Il martirio della pacienza. La Santa Sede e i Paesi comunisti (1963-1989), Introdução de Achille Silvestrine, Einaudi, Turim, 2000 [O martírio da paciência, Paulus, Lisboa, 2000] e, para além das obras citadas, ALCESTE SANTINI, Casaroli, L'uomo del dialogo, San Paolo, Cinisello Balsamo, 1993.



João Paulo II



(105) Wyszynski ao Deputado Attilio Piccioni, carta de 22 de Novembro de 1963, in ASV, Conc. Vati. II, Pasta 332, n. 2, 3ss.

(106) Cf. V. GAIDUK, «Vaticano e Cremlino», cit., pp. 22-23.

(107) Cf. P. CORRÊA de OLIVEIRA, «A liberdade da Igreja no Estado comunista», in Catolicismo, 152 (1963); ibid., 161 (1964); depois publicado com o título Acordo com o regime comunista: para a Igreja, esperança ou autodemolição?, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1974 (tr. it. La libertà della Chiesa nello Stato comunista, Cristianità, Pacienza, 1978). O ensaio foi publicado em 40 jornais e em cinco línguas.

(108) O estudo foi violentamente atacado na Polónia pelo movimento cato-comunista Pax, nas suas publicações Kierunki (n.º 8, de 3 de Janeiro de 1964) e Zycie i Mysl (nos. 1-2, de 1964). A revista Wiez, de Varsóvia, também alinhou com o Pax. Em França, L'Homme Nouveau (5 de Março de 1964) defendeu a obra, que foi atacada pela publicação progressista Témoignage Chrétien (1035, de 1964). Sobre a "anomalia" polaca, ou seja, o singular modelo histórico de convivência entre a Igreja Católica e o Estado comunista na Polónia, cf. G. BARBERINI, Stato socialista e Chiesa cattolica in Polonia, CSEO, Bolonha, 1983; NORBERT A. ZMIJEWSKI, The Catholic-marxist ideological dialogue in Poland, 1945-1980, Darmouth Publishing Company, Aldershot, (Inglaterra), 1991.

(109) O livro conheceu várias edições em diversas línguas e obteve uma carta de aprovação assinada pelo Card. Giuseppe Pizzardo, prefeito da S. Congregação dos Seminários, e por Mons. Dino Staffa, secretário do mesmo dicastério, que auguravam «a mais ampla difusão ao denso opúsculo, que é um eco fidelíssimo dos documentos do Magistério Supremo da Igreja».

(110) Luigi Cicuttini (1906-1973), ordenado em 1933, bispo auxiliar de Udine e bispo titular de Amizone em 1953, bispo de Città di Castello e de Lamfua em 1959.

(111) Cit. in V. CARBONE, «Ateismo e marxismo», cit., p. 21.

(112) ASV, Conc. Vati. II., Pasta 140, Petitiones.

(113) Cf. o texto desta petição em Catolicismo, 157 (1964), tr. it in Cristianità, 19-20 (1976). A petição contra o comunismo, assinada pelos Padres Conciliares, foi redigida por Plinio Corrêa de Oliveira. Cf. A-IPCO, Reunião de 26 de Agosto de 1989.

(114) O texto do documento encontra-se em Catolicismo, 159 (1964).

(115) CONGAR, Diario, vol. II, p. 120.

(116) P. CORRÊA de OLIVEIRA, «À margem de três documentos providenciais», in Catolicismo, 159 (1964), p. 3.





(117) AAS, 56 (1964), n. 10, pp. 651.654.

(118) A. RICCARDI, Il Vaticano e Mosca, cit., p. 269.

(119) AS, III/5, pp. 324-327.

(120) Raffaele Barbieri (1898-1968), ordenado em 1921, bispo de Cassano Jónio em 1937.

(121) AS, III/5, p. 363 (pp. 362-364).

(122) Paul Yü Pin (1901-1978), chinês, ordenado em 1928. Arcebispo de Nanquim (China) desde 1946 até à sua morte, feito cardeal em 1969.

(123) AS, III/5, p. 378.

(124) Ibid., pp. 395-398. Guillermo Bolatti (1912-1982), chileno, ordenado em 1936, bispo auxiliar de Buenos Aires em 1957, bispo titular de Limata em 1957, bispo de Rosário em 1961.

(125) AS, III/5, pp. 417-419. Segundo Garcia de Sierra y Méndez (1908-1998), espanhol, ordenado sacerdote em 1931, bispo de Barbastro em 1954, arcebispo coadjutor de Oviedo em 1959, arcebispo de Burgos em 1964.

(126) AS, III/5, pp. 520-525. José Guerra Campos (1920-1997), espanhol, ordenado em 1944, bispo auxiliar de Madrid e bispo titular de Mutia em 1964, bispo de Cuenca m 1973.

(127) AS, III/5, pp. 525-527. Joze Pogacnik (1902-1980), esloveno, ordenado em 1927, bispo auxiliar de Liubiana e bispo titular de Irenopolis, Isauria, em 1963, arcebispo de Liubiana em 1964.

(128) AS, III/5, pp. 703-705. John Joseph Wrigt (1909-1979), americano, ordenado em 1935, bispo auxiliar de Boston e bispo titular de Egee em 1947, bispo de Worcester em 1950 e de Pittsburgh em 1959, feito cardeal em 1969.

(129) AS, III/5, pp. 730-732. Stjepan Baüerlein (1905-1973), croata, ordenado em 1929, bispo auxiliar de Sirma e bispo auxiliar de Heraclea em 1951, depois bispo titular de Sirmio em 1959.

(130) As, III/5, pp. 439-441. O texto latino foi publicado na íntegra no Bollettino Diocesano di Segni, Dezembro de 1964, pp. 79-81.




Continua


Nenhum comentário:

Postar um comentário